Em 1991, o presidente italiano Francesco Cossiga, que não queria viver toda a sua vida na sombra de Andreotti, decidiu rebentar com
sistema parlamentar italiano e impor um regime presidencial por si liderado. Falhou e
demitiu-se no ano seguinte, a dois meses do fim do mandato de sete anos, já no quadro do escândalo
Tangentopoli, que
acabaria com a I República italiana. Nessa altura,
a revista italiana L'Espresso (março de 1991?), punha na capa o presidente Francesco Cossiga com ar agressivo e o título
«Fuori controllo» (Fora de controlo) para explicar o seu «caso» e identificar os seus alvos. O
jornalista Gianpaolo Pansa chamava-lhe: o maluco da colina (palácio do Quirinale), figura cómica, sacristão arrogante, louco, golpista, martelo reacionário e zombi. Mas o presidente italiano não estava senil.
Francesco Cossiga tinha então 63 anos;
Mário Soares tem agora 88 anos.
Mário Soares procura deixar uma última marca na política portuguesa antes de passar à
maçonaria celeste. Daí o furor de livros sucessivos, intervenções diárias numa espécie de
syndicated podcast na
imprensa de confiança, a multiplicação de alvos, o martelar dos apelos à insurreição popular e
à violência.
Aprisionado no reflexo da sua própria figura, distanciada a família das suas aparições patéticas, Mário Soares parece mais uma
marioneta do seu secretário Vítor Ramalho que lhe indica o que dizer e o corrige. Enquanto
António Arnault conjurou, em 28-11-2013, a Maçonaria para a luta anticapitalista - e até, infelizmente, o general Garcia Leandro
concedeu, em 26-11-2013 na Rádio Renascença, que Soares tem razão no alerta de que a «a violência está à porta». Nos próximos dias, cúmplices de cordel que se arrebitam quando Soares lhes puxa a guita, figuras institucionais solenes abaixo de qualquer suspeita patriótica e melancias (pouco) católicas verdes de fé por fora mas rosadas por dentro, hão-de participar no mesmo peditório pela redenção da alma socialista ferida, tal como no futuro se desculpabilizarão se algum anarquista de esquerda levar a legitimação frentista de esquerda da violência à seriedade das bombas... O pagode pode não perceber o trabalho de orquestração, mas aqui é nossa obrigação notar que os naipes estão afinados.
Soares já não é ele, mas a
representação holográfica difusa de um setor maçónico preocupado com a possibilidade de perda de poder na batalha que se aproxima e que tem em Vítor Ramalho (
biografia incompleta) como uma espécie de mordomo do decrético ex-presidente. Desde a saída de Cavaco (primeiro-ministro...) que a Maçonaria tem o poder político do Estado português - Guterres era católico, mas discípulo de um «
Deus relojoeiro» (com licença das belíssimas personificações do padre Nuno Tovar de Lemos) e quem punha e dispunha, com ampla licença, já era a fraternidade
oriental. Portanto,
o ataque de Soares não é fortuito, mas premeditado, com o propósito principal de cercar a Igreja Portuguesa no seu reduto, silenciá-la com a sentença de uma culpa que não tem, evitar que defenda os seus valores e, acessoriamente, preservar as posições e deferência que manteve na Rádio Renascença e na Universidade Católica. Assim,
D. Manuel Clemente é o alvo simbólico de Soares que pretende atingir e condicionar toda a Igreja portuguesa.
Na
penúltima fase do socratismo, o socialismo maçónico também se afligiu muito com a oportunidade de barrela política da corrupção de Estado. Nessa etapa decadente era vê-los, e aos seus acólitos da esquerda romântica e sindical, a enfileirar o beija-mão no
Terreiro da Sé do Porto, conscientes, O, tentando cerzir o tecido social rasgado pelo radicalismo socratino absolutista, e economicamente corrupto, do aborto, do casamento homossexual, da perseguição clerical à religião nas escolas, hospitais e prisões, e suavizar críticas. Era uma época de loas e
prémios. O próprio Soares
elogiava em 11-12-2009, D. Manuel Clemente como «uma grande figura ética para todos os portugueses», «uma grande figura da Igreja», «uma pessoa relevante para o nosso país e um grande português", com «grande capacidade de diálogo», destacando a sua «intervenção cívica», a «postura humanística de defesa do diálogo e da tolerância, do combate à exclusão e da intervenção social da Igreja»
A corte dos socialistas chegou até à
escolha de D. Manuel Clemente como novo Patriarca de Lisboa, em substituição de D. José Policarpo com quem os
socialistas, e inclusivé
Sócrates tinham maior
cumplicidade. Deu-se então um corte de Soares, mal disfarçado de irritação de palmas a Cavaco e Coelho na missa de tomada de posse, no convento dos Jerónimos em 7 de julho de 2013 - que designou de «claque dos capangas» (
sic!) -, pelas quais o novo pastor de Lisboa foi acusado, dois dias depois em
crónica no DN, de ter deixado acontecer e não ter reagido,
embora tal tenha acontecido enquanto se paramentava na sacristia...
Mário Soares volta à carga violenta em artigo de hoje, 30-11-2013, no
Público, intitulada «
O Papa Francisco e a Igreja portuguesa», critica brutalmente D. Manuel Clemente (um prelado impoluto, como se pode ler na
biografia escrita por Ricardo Perna, José Carlos Nunes e Sílvia Júlio (publicada em julho de 2013 na editora Paulus). O novo Patriarca, e futuro cardeal, parece ser um alvo de oportunidade na trincheira de onde dispara ao azar contra aqueles que censuraram o seu objetivo apelo à violência política, no segundo
Congresso das Esquerdas, em 21-11-2013, na Aula Magna da Universidade de Lisboa, evidenciado no seu
discurso (escrito...) na utilização do advérbio de mau modo «necessariamente»:
«O Presidente e o Governo devem demitir-se (...) enquanto podem ir ainda para as suas casas pelo seu pé. Caso contrário, serão responsáveis pela onda de violência que aí virá e necessariamente os vai atingir.» (Sublinhado meu).
Recordo que, Mário Soares procurou
em 27-11-2013 sustentar a sua posição de necessidade da violência que irá atingir «
o Presidente e o Governo», na
Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, do Papa Francisco, de 24-11-2013. Embora, como eu tenha mostrado
em nenhum ponto da nova exortação o Papa apele à violência ou a legitime, como
fizeram vários, além de Soares, no dito encontro das Esquerdas.
No
artigo do Público, de 30-11-2013, que mais parece o resultado estenográfico de frases desconexas, Mário Soares descarrega um chorrilho de falsidades e falácias na sua tradicional mistura discursiva que era, todavia, menos mal escrita.
Respigo e comento:
- «Sua Santidade o Papa Francisco (de Assis, não Xavier)». Que mal teria para se este Francisco tivesse sido «de Xavier»: mesmo que não verbalizado também não será também do santo navarro-português?... Será o desprezo de Soares a Xavier por causa do desassombro da carta do santo evangelizador ao rei D. João III, citada por Vieira num seu sermão célebre?
- «É, com efeito, um Papa singular porque fala com toda a gente, seja de que religião for ou de nenhuma» - Não falavam os outros?!...
- «detesta o capitalismo selvagem que hoje governa a Europa» - não detestamos agora quase todos os cristãos que nunca nos sentimos confortáveis perante a ideologia liberal dominante até há pouco e sempre preferimos a moderação filosófica da doutrina social da Igreja?...
- «Sua Santidade detesta a austeridade»... Soares mistura austeridade com capitalismo e usa como instrumento político logo um Papa austero, frugal e humilde, conhecido por fazer a sua própria comida. Um Papa que recomenda a austeridade à própria Igreja e que a impõe, como no caso do bispo de Lindburg (em contraponto à obra faraónica da nova sede do Banco Central Europeu, em Frankfurt) e que aceita um Renault 4L, de 29 anos, para seu veículo...
- «A Igreja portuguesa, que foi colonialista, durante os tempos das guerras coloniais» - houve de uma e de outra. Mas colonizadora foi, dilatando a Fé por esse mundo de Deus que Soares cruzou de avião e carro de luxo e por onde se banqueteou. Se não fosse essa Igreja portuguesa (e homens de outra têmpera) que agora maldiz, não havia este Brasil, a África era islâmica a sul do lago Tchad e da Ilha de Moçambique, não tinha havido o Padroado Português do Oriente e a liberdade, a igualdade e a fraternidade, que toma como registo de uso seletivo, teriam no globo outra contingência. E a língua e a sua projeção cultural portuguesa, que são o nosso último reduto de orgulho patriótico, tem nesse mundo a multidão que a instrução, a assistência e a espiritualidade, dos missionários muito fez.
- «sempre próxima da ditadura» - mais uma vez, houve de uma e de outra. E bastante mais independente do que reconhece.
- «foi salva pelos socialistas», na maior parte deles não religiosos, porque depois do 25 de Abril impediram que os esquerdistas invadissem o Patriarcado como tentaram fazer» - como o general francês Maximilien Sébastien Foy, reduz o País a Lisboa. O Portugal de 1975 tinha muito mais Rio Maior, Alcobaça e Braga, do que reconhece - e nem sequer admitimos fugir para Cortegaça...
- «Graças à intervenção do PS, depois do 25 de Abril, a Igreja portuguesa tornou-se muito aberta, com o patriarca D. António Ribeiro, e progressista, ao contrário do que sucedeu com a Igreja espanhola, que foi sempre de direita, mesmo após a morte de Franco, e quando Suarez introduziu a democracia» - insisto, uma de umas e de outras. A abertura de que fala deve ser as dos canais da sua confiança, mas os católicos portugueses nunca sentiram uma Igreja «progressista» - com exceção do padre Fanhais... Pelo contrário, a Igreja portuguesa, e a lisboeta em particular, reconhecia-se mais nas «notas de abertura» do Padre Lereno na Rádio Renascença. A ação de Soares no cerco do Patriarcado foi motivada por uma vontade de controlo que não sequestrou o povo de Deus.
- «Mas parece que, com o novo patriarca português, tudo está a mudar, o que é péssimo e triste para o futuro». Ainda não, mas não há-de tardar. Rompendo a tentação da promiscuidade e recusando prolongar uma espécie de irenismo com proveito maçónico-socialista.
- «a Igreja portuguesa tem mantido um silêncio inaceitável, tal como o actual patriarca, em relação ao Papa. Parece que não gosta dele ou mesmo que o detesta. » - é uma mentira absoluta. D. Manuel Clemente foi nomeado Patriarca de Lisboa já pelo Papa Francisco, em 18-5-2013... O que temos ouvido e visto é uma imensa e generalizada alegria de bispos, párocos e leigos, pela graça deste Papa que, nesta outra era, há-de conseguir purificar o que o tempo e o mundo sujou e relançar a Igreja, com todos, para a humildade e a caridade, sem transigência à ditadura cultural do relativismo ateu.
- «Prefere a corrupção e a imoralidade, que reinava no Vaticano, à solidariedade do Papa que respeita os pobres? Que patriarca é este que há meses não fala e, em especial, de Sua Santidade». Um disparate sem pés nem cabeça, com exceção da maliciosa invocação da corrupção pelo protagonista principal de «Contos proibidos - Memórias de um PS desconhecido», de Rui Mateus, em 1996, já para não falar do abuso da outra questão.
- «Aliás, quando era bispo fazia-se passar por um homem desempoeirado e progressista – que afinal não é; tendo em conta o que não diz agora, parece que nunca foi.
É algo que não se entende!». A poeira está do lado do seu progresso, dos «lendemains qui chantent» a cuja disfonia voltou. A informalidade e humildade de D. Manuel Clemente não deve ser baralhada com as cartas marcadas do marxismo politicamente correto: a Igreja não pode legitimar a violência e a doutrina do tiranicídio de São Tomás de Aquino é, em circunstâncias muito excecionais, comprovadas e se mais nenhum outro meio for possível, apenas para quem usa a violência...
- «O Papa Francisco alertou que a exclusão e a desigualdade social "provocarão a explosão da violência"». Soares tresleu e chega ao cúmulo de pôr em aspas o que não está no texto da Exortação do papa Francisco. A citação correta é bastante diferente do resumo conveniente que pôs na pena de um santo: «Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão».
- «É importante que o tenha feito, por mero acaso no dia seguinte a eu ter sido atacado por dizer o mesmo». Aqui concordo: não é provável que a exortação do Papa tivesse sido emendada, o original e as traduções e os livros, para acomodar a concordância com o discurso mal amanhado de um ex-líder socialista no encontro das Esquerdas em Lisboa, três dias antes...
- «Leia, o actual patriarca, D. Manuel Clemente, a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Santo Papa, ao Episcopado, ao Clero, às Pessoas Consagradas e aos Fiéis e Leigos, sobre o anúncio do Evangelho no mundo actual». Atrevo-me a crer que o senhor D. Manuel Clemente já o tivesse feito, apesar da agenda preenchida...
- «Talvez lhe seja útil e o leve a falar de Sua Santidade, que, incontestavelmente, representa no mundo de hoje um dos maiores papas de todos os tempos. Não deixe que a Igreja portuguesa volte a ser o que foi no tempo do colonialismo e da ditadura...» O Patriarca - que escreve com letra pequena, talvez com ciúme de ser ele próprio um patriarca socialista menor, não precisa da sua lição atabalhoada, muito menos do insulto de que a Igrejka portuguesa vai voltar ao «tempo do colonialismo e ditadura» (sic!). Aliás, para desmentir a validade do mal-intencionado ataque ao Patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portugal, nada melhor do que usar as palavras do próprio Mário Soares, na revista Visão, de 23 de maio de... 2013, que intitulou «O Papa e a Igreja Portuguesa»:
«Entretanto, deu-se um acontecimento que, não sendo eu religioso, mas tendo a consciência da importância da Igreja na sociedade portuguesa - o que me fez ajudá-la no pós-25 de Abril, quando foi atacada, como é reconhecido -, me deu muita alegria: a nomeação do novo Patriarca, D. Manuel Clemente.
Conheço-o desde quando ainda não era bispo do Porto e sempre tive por ele uma enorme admiração e respeito. É um homem de grande cultura, um historiador com obra publicada e, permito-me dizê-lo, um grande eclesiástico. Participámos em alguns debates públicos e sei, por isso, do que estou a falar. D. Manuel Clemente quebrou algum silêncio da Igreja portuguesa e juntou-se claramente ao que tem dito Sua Santidade. Contra a política de austeridade, o empobrecimento e o desemprego que gera na população. Excelente sinal!». (O realce é meu).
Pós-Texto (12:01 de 1 de dezembro de 2013): No blogue
Avenida da Liberdade, num poste que intitulou «
O dissensual», José Ribeiro e Castro também respondeu ontem ao
artigo de Mário Soares, no Público. Ribeiro e Castro recorda a mensagem «
Desafios éticos no trabalho humano», de 14-11-2013, da Conferência Episcopal Portuguesa precisamente sobre os temas laborais e sociais que o Papa tem salientado. E nota ainda o deputado que, na véspera de mais este ataque senil do ex-Presidente,
D. Manuel Clemente louvava a autenticidade e a vivência do Papa Francisco na defesa dos direitos humanos, na conferência «Uma esperança sem fronteiras», na Universidade Católica, em Lisboa.
No blogue
Alcáçovas, Ricardo Vinagre também criticou, em 30-11-2013, o artigo do ex-presidente no
Público no poste «
O problema mal resolvido de Mário Soares».
E no blogue
Entre as Brumas da Memória, Joana Lopes, no poste «
Importa-se de repetir, Dr. Mário Soares?», com base nas próprias palavras do fundador do PS, nota que a história foi ao contrário: Soares é que pediu ajuda a D. António Ribeiro... Afirmar que, em 1975, a Igreja portuguesa é que precisava da ajuda do PS é uma falsidade histórica rotunda.
Este poste foi atualizado, e emendado, às 12:01 e 12:58 de 1-12-2013.