segunda-feira, 26 de abril de 2010

Projecto Mercúrio: «Aquele [poder] que lhe interessa»

O Expresso, de 26-4-2010, na notícia «Projecto Mercúrio», da autoria do jornalista Micael Pereira, traz mais detalhes sobre o negócio PT/TVI:
    1. Esclarece que a operação terá tido início em Setembro de 2008.
      2. Não se tratava de dois negócios diferentes, mas do mesmo: Taguspark e PT seriam parceiras na compra da TVI.
        3. Nesse negócio entrariam outros investidores: é referido pela primeira vez o Grupo Lena.
          4. Na notícia, página 10, escreve o autor:
          «Às 23h03 [de 21 de Junho de 2009], Rui Pedro Soares diz a Armando Vara que o assunto "está fechado", já tem as assinaturas da PT" e vai "buscar as assinaturas deles" [Prisa]. Diz ainda que o negócio vai ser comunicado no dia 25 de Junho, e que a operação foi feita com o BES Investimento: "na conferência de imprensa vão estar o Zeinal, o polanco (PRISA) e o Ricciardi (BES)". Vara pergunta como vai ser com o poder e fica a saber que vão ficar com "aquele que lhe interessa" e vão "tutelar a programação e a informação".»
          O BES Investimento já tinha sido citado no Sol, de 5-2-2010, mas agora vêm mais detalhes que permitem compreender melhor o negócio. O BES terá bancado o negócio de compra da TVI, parte do «plano governamental para controlo dos meios de comunicação social». E mais se esclarece a questão do «poder» (com as letras todas!) noutro extracto ainda não citado, que me lembre, de alegada conversa entre Armando Vara e Rui Pedro Soares: o «poder» é a «informação e a programação»...


          Limitação de responsabilidade (disclaimer): As personalidades referidas nas notícias dos media, que comento, não são, que saiba, suspeitas do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade e, quando arguidas, gozam do direito constitucional à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.

          quarta-feira, 14 de abril de 2010

          A honra e a responsabilidade da visita do Papa Bento XVI

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          A visita do Papa Bento XVI a Portugal, de 11 a 14 de Maio de 2010, é uma honra e uma responsabilidade.

          É uma honra à Nação que, no seu âmago, é Fidelíssima, mesmo quando os seus soberanos não são. Já passaram uns anos largos, desde o Motu proprio Maxima ac iam praeclara, de 23 de Dezembro 1748, quando o Papa por sinal também Bento (o XIV) atribuíu a D. João V o tão almejado título de Sua Majestade Fidelíssima. Mas também a Espanha já não é Muito Católica e menos ainda a França Cristianíssima.

          É uma responsabilidade para Portugal acolher o Papa Bento XVI, sucessor de Pedro, pai em exercício da Igreja de Cristo. O Papa há-de ser muito bem acolhido pelo povo português, como foi o seu santo antecessor João Paulo II. E creio que não pode deixar de ser bem recebido pelas autoridades do Estado, mesmo quando perseguem objectivos morais fundamentalistas liberais que se conjugam num anti-clericalismo militante.

          O povo português tem séculos de oração impregnada: distingue o rebanho das ovelhas tresmalhadas e, no seu íntimo, compreende a imperfeição da Igreja, espelho da sua própria fraqueza humana, ainda que tenha cunho divino, como o próprio Homem, e ainda divide a teologia do pecado da jurisdição do crime, numa aplicação da teoria dos dois mundos, em que se tem de dar a Deus o que é de Deus e o imposto (a pena) é devido a César (o Estado) que deve executar civilmente a vontade do povo. A compreensão dos erros da Igreja é uma oportunidade de emenda nesta altura de ceifa, de separação eficaz do trigo e do joio, e de mudança que não pode ser adiada. No sentido que vem sendo traçado neste pontificado, aguarda-se também uma palavra de tranquilização, reafirmação e confiança, na nova política e prática da Igreja relativa à questão dos abusos sexuais de menores cometidos pelos seus ministros e colaboradores. Como se espera uma mensagem clara de conforto e fé face à dissolução oficial dos costumes.

          Os dignitários da Igreja devem ter, nesta altura de tentativa de cerco, um extraordinário cuidado nas declarações públicas que prestem, pois a sensação dominante nos meios hostis é de que tudo o que digam e escrevam pode e deve ser usado contra eles, numa desonestidade de negação de evidências, factos e documentos, e extrapolação de frases (e de excertos de frases...) para uma suposta tolerância ou justificação dos abusos sexuais praticados por clérigos e colaboradores. Uma crítica violenta dessas declarações, apesar da condenação unânime da pedofilia, que contrasta com um silêncio face aos abusos, apontados como mais frequentes do que nos padres católicos, cometidos por clérigos protestantes e de outras igrejas. Uma campanha mediática que se acentua paradoxalmente contra este papado, quando Bento XVI é o pontífice que mais tem feito contra os abusos sexuais de crianças por clérigos e colaboradores!...

          O Estado terá de receber bem a Igreja. O máximo representante do Estado é o Presidente da República, católico e conservador, que tende a ver a visita do papa com alegria e como uma benção para o País atribulado. Todavia, neste Portugal empobrecido e submisso, o Estado é quase só o Governo. Um governo, à imagem do seu chefe, colérico mas enfraquecido. Um Governo anti-religião, mas debilitado pelo totalitarismo mediático, pela corrupção e, principalmente, pelo mau desempenho financeiro e económico. Pode até dar-se o caso de que José Sócrates volte a benzer-se publicamente...

          Neste quadro de combate contra os valores morais religiosos, a  decisão do Governo de decretar tolerância de ponto aos funcionários públicos no mítico 13 de Maio, quinta-feira, uma decisão que costuma ser seguida por muitas instituições e empresas, para quem queira participar nas celebrações no Santuário de Fátima, no ponto mais alto da visita papal, representa respeito pelos católicos portugueses, que são a grande maioria da população. Este ano, os feriados do 25 de Abril e do 1.º de Maio calharam ao fim de semana, portanto, não valia o argumento de que decretar tolerância de ponto no dia 13 de Maio, aumentaria o número de dias feriados face ao normal.

          O Governo Sócrates tem usado a agenda fundamentalista liberal - liberalização do aborto a pedido; divórcio na hora, com desprotecção da mulher; favorecimento fiscal e nas subvenções das uniões de facto (registadas ou não) face ao casamento; casamento homossexual,  sem referendo (Portugal vai ser o oitavo país do mundo a legalizá-lo, mas o Partido Socialista opôs-se um referendo sobre o assunto); secularização de espaços de igrejas (inclusive de espaços de culto); e limitação da assistência nos hospitais e prisões - para suavizar e congregar sectores descontentes com o desempenho financeiro e económico. O Governo corteja as instituições de poder da Igreja, seja a Rádio Renascença (onde tem a presença, como comentadores residentes, de destacados políticos maçons socialistas...), seja a Universidade Católica. Porém, o Governo e as autarquias ligadas ao Partido Socialista diminuem o apoio às instituições de solidariedade social ligadas à Igreja, enquanto protegem, incentivam e custeiam, a criação de organizações laicas concorrentes, tendo chegado, num caso que conheço, ao cúmulo da afronta de ameaça directa de processo judicial à própria Igreja (!) para recuperar subsídios que lhe foram atribuídos pelos antecessores para a construção de uma obra social.

          Contudo, o mau desempenho financeiro, por irresponsabilidade política (por comparação, veja-se o caso irlandês) que está a levar o País à bancarrota, sem conseguir que a economia saia da depressão, fê-lo perder o apoio de sectores da classe média que tinahm visto no cumprimento dos salários e das pensões uma garantia. Um apoio que já estava deteriorado pelo ostensivo totalitarismo mediático (o controlo da quase totalidade dos meios de comunicação social tradicionais pelas forças socialistas ou dependentes) e pela imagem pegajosa de corrupção. Este conjunto de resultados enfraqueceu irremediavelmente o Partido Socialista e, em particular, o primeiro-ministro. Assim, a visita decorre neste quadro de enfraquecimento político do Governo: é o Governo que precisa da indulgência discursiva da Igreja. Por isso, não se crê que o primeiro-ministro tenha condições políticas para dar ordem às forças mediáticas que, directa e indirectamente, são controladas pelo Governo para hostilizar o papa e a Igreja neste momento especial. Mas, se o Papa e a Igreja, antes e durante a visita, forem hostilizados pela comunicação social controlada (quase toda!), ninguém em Portugal terá dúvida de onde veio a ordem.


          Pós-Texto (21:47 de 14-4-2010): O nosso amigo Paulo Carvalho do vizinho Poviléu lembra que o dia 13 de Maio, Quinta-Feira de Ascensão, já é feriado em muitas autarquias do país, não constituindo assim uma tão grande redução da produtividade, capaz de afectar o défice português...

          Actualizações: este post foi actualizado às 16:39 e 21:47 de 14-4-2010.

          * Logótipo da visita do Papa Bento XVI a Portugal, de 11 a 14 de Maio de 2010.

          domingo, 11 de abril de 2010

          Ainda sobre a pedofilia na Igreja

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          Ainda um post sobre a pedofilia na Igreja.

          As últimas notícias publicadas na imprensa - Worries about Calif. priest came early in career, AP, 9-4-2010; Text of 1985 letter from future Pope Benedict, 9-4-2010 (fac-simile da carta, em latim, de 6-11-1985); Dagli Usa nuove accuse a Ratzinger - "Non rimosse un prete pedofilo", Repubblica, 9-4-2010; Bispo norueguês afirma que recebeu muitas informações sobre novos casos, Sol, 9-4-2010; e Times chiama in causa il primate d'Inghilterra - "Ha protetto un sacerdote pedofilo", Repubblica, 10-4-2010 - reforçam a minha convicção, expressa no poste duro que escrevi aqui em 2-4-2009, e em comentários, sobre os erros da Igreja no silêncio face aos abusos sexuais de crianças e na fraqueza na prevenção e repressão desses abusos (nomeadamente, a transferência de abusadores confirmados para outras paróquias e funções) e confirmam a necessidade de erguer uma nova política interna face à pedofilia, para a qual sugeri algumas medidas.

          Não adianta - nada! - insistir que a política e a prática da Igreja era outra. A Igreja faz bem em pedir novamente desculpa às crianças vítimas dos abusos e ajudá-las na reparação do mal causado pelos seus ministros e colaboradores. A reputação e a imagem da Igreja - e até a defesa dos pares, padres - são melhor defendidas com a comunicação imediata às autoridades civis acerca dos abusos comunicados do que com o encobrimento dos factos, a expiação interna (abusadores tendem sempre a incorrer em novos abusos)  e a jurisdição canónica. A política e a prática da Igreja no tratamento deste assunto, nos diversos níveis de intervenção (paroquial, diocesano, conferência episcopal e Santa Sé), salvaguardadas excepções que também existiram, estava errada e deve mudar.

          Neste blogue, não omito informação (guio-me por um critério científico, mais exigente do que aquele que é praticado no jornalismo), procuro as fontes originais, sirvo a verdade, esforço-me por destrinçar os factos dos boatos, trabalho com o máximo rigor que me é possível. E  não pratico a indignação selectiva. Não creio em qualquer cumplicidade do papa Bento XVI, nem agora, nem no passado, com os abusos, nem de João Paulo II. Como exemplo, note-se que até 2001, como é recordado na Repubblica, de 9-4-2010, a Santa Sé não tinha competência para os casos de pedofilia se não implicassem a «solicitação» no confessionário e a Congregação para a Doutrina da Fé não tinha competência na época da carta. Embora, repito, pelos motivos que apontei, o tratamento usual dos casos de abuso não era adequado.

          À excepção de alguns tarados identificados, e que atingiram até o episcopado ou ordens religiosas (lembro o caso horrível do padre Marcial Maciel), não creio que os seus dirigentes, nomeadamente os máximos dirigentes da Cúria Romana fossem cúmplices nos abusos. E, como disse no poste referido, não pode aceitar-se a confusão entre a prática dos abusos e o seu silenciamento ou cumplicidade, com sugestão de participação nos abusos, coisa que tenho visto ultimamente na imprensa dominante e nos meios adversos à Igreja. É curiosa a sugestão, em certos meios portugueses adversos à Igreja, de inextricabilidade entre a pedofilia e a Igreja, numa insinuação desta como pecado original da Igreja - citam-se até as escrituras, com o versículo «Deixai vir a mim as criancinhas» (Lucas 18:16) - a propósito desta segunda onda de notícias, de 2009-2010 (a primeira foi em 2002) em vergonhoso contraste com as denúncias, testemunhos e factos sobre pedofilia de Estado (abusos e não apenas encobrimento!) no caso Casa Pia. Não há abusadores bons.

          Repito o que propus: aprovação de um código de comportamento que garanta a prevenção de abusos sexuais sobre crianças (o Vaticano vai publicar um guia para explicar como são tratadas as denúncias de abusos sexuais sobre crianças - note-se que, a partir de 2001, a Congregação para a Doutrina da Fé é competente para tratar os casos de abusos); em caso de abusos na Igreja, por clérigos ou colaboradores, todos os os abusos devem ser denunciados, investigados, perseguidos, julgados e punidos pela justiça civil; proibição imediata de contacto com crianças e adolescentes até à conclusão do processo; suspensão imediata de funções quando se apurarem indícios fortes da prática dos crimes denunciados (em vez da transferência de paróquia); investigação interna extensa; punição interna após condenação em processo canónico, além de serem assumidos os efeitos internos dos processos civis, redução ao estado laical - e ainda, acrescento, registo interno dos abusadores para que sejam proibidos de participar em actividades institucionais com crianças, adolescentes e jovens.

          Por último, o juízo legítimo sobre a oportunidade e o alvo das revelações não pode menorizar a necessidade de responder às notícias e acusações, nem fazer perder o bom senso, muito menos adiar a execução e publicidade da mudança de política e prática. É evidente que  que o Papa Bento XVI é o alvo - tal como a espinha da memória de João Paulo II, que é mais difícil de fustigar, dada a sua aura de santidade - e que a oportunidade da recuperação de notícias velhas, bem como de novas revelações, se conjuga numa campanha contra o seu papado e no conflito cultural entre secularismo (mais violento nos vencidos do marxismo e mais insidioso na paleo/neo-maçonaria) e a Igreja. Um conflito entre posições tão opostas no campo moral que não pode ser resolvido por qualquer aggiornamento da Igreja: não é possível eleger-se um Papa que tenha uma posição favorável ao aborto, à poligamia sucessiva, à eutanásia, à exploração económica desumana, que, enquanto distorcesse a doutrina para lá de qualquer coerência doutrinária, satisfizesse plenamente os fundamentalistas liberais. Mas que será, creio, distendido com uma inevitável aproximação secular à moral religiosa. Mas a forma - a falácia, o grão de verdade, a opinião distorcida dos factos, a insinuação e outros enviesamentos cognitivos - nunca afecta a validade da substância, nem sequer a desonestidade intelectual de adversários diminui a validade dos factos. Um desses factos é que o Bento XVI é o Papa que mais tem pugnado pela mudança da política e da prática da Igreja face aos abusos sexuais de crianças.


          Pós-Texto (14:11 de 11-4-2010): O comentador SDC indica um estudo de Francisco Faure, publicado no blogue Logos, em 8-4-2010, com revisão e interpretação histórica sobre os abusos, nomeadamente na situação dos EUA: «A pedofilia é um problema da Igreja?». Como disse aqui em 2-4-2010, segundo os estudos que li e as fontes consultadas, a incidência da pedofilia na Igreja é menor do que na sociedade e também é referido que será menor do que noutras igrejas. Mas esse facto não diminui a responsabilidade pelos abusos. O crime do abuso é ainda mais terrível na Igreja, pois atenta contra uma moral que prega a pedofilia como o pior dos crimes. Não pode haver a mais pequena dúvida sobre a condenação dos abusos, a denúncia às autoridades civis e a prevenção e repressão dos abusos.

          Assim, o trabalho que se tem feito, nomeadamente nos EUA, desde 1985, de romper a cortina de silêncio e de maior prevenção e repressão de abusos deve ser desenvolvido, alargado e aprofundado, para uma mudança global efectiva de política e de prática. Repito o que escrevi aqui na Sexta-Feira Santa de 2010:
          1. «A política do silêncio face aos abusos sexuais de crianças é inadmissível.
          2. Qualquer censura das vítimas e condescendência interna com os alegados abusadores é desumana;
          3. A denúncia de alegados abusos às autoridades civis tem de passar a ser obrigatória para que seja investigados, despistados e perseguidos.
          4. A transferência dos abusadores denunciados para outra paróquia, no país ou no estrangeiro, é inadmissível.
          5. Não se pode assimilar a pedofilia, e efebofilia, à homossexualidade, ainda que, entre os padres, segundo estudo sobre a situação dos EUA, a grande maioria dos abusadores seja homossexual, desvalorizando a sua gravidade moral e criminal ou, até, julgando-a, insensatamente, de forma mais suave do que o relacionamento de um padre com uma mulher adulta.
          6. A Igreja tem de purgar-se dos padres, religiosos e colaboradores no apostolado (por exemplo, catequistas e funcionários de colégios e lares), denunciados como pedófilos e sobre os quais existam indícios de abusos.
          7. A Igreja deve resolver sem demora a promiscuidade e encobrimento da pedofilia referida em certas instituições, por reforma ou dissolução, como é o caso flagrante da Legião de Cristo (do padre Marcial Maciel Degollado), cujos membros não tem culpa dos pecados do fundador, mas cuja notoriedade não pode ser apagada.»


          * Imagem picada daqui.

          sexta-feira, 2 de abril de 2010

          Ecce homo!

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          Mas, se alguém escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, seria preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas do mar. (Mateus 18: 6)

          Sexta-feira da nossa Paixão. Em cada ano morremos e em cada ano ressurgimos. Vivemos de novo. No tríduo da Páscoa, passamos da morte à vida. Porque, na Verdade, cada homem nunca morre. Transita. Recomeça.

          Esta Páscoa é mais dura para os católicos que a celebram, sofrem e festejam. Mais dura pela torrente de notícias, novas e velhas, sobre abusos sexuais de crianças por clérigos e em colégios religiosos - nos EUA, na Irlanda, na Alemanha, noutros países europeus e também em Portugal. O problema não é exclusivo da Igreja Católica, pois também afecta os chamados ritos protestantes e outras igrejas e instituições. Mas da Igreja Católica pretende-se a perfeição. Uma perfeição que não tem. A sua santidade decorre, além da sua origem divina, da consciência de que o pecado existe e será superado.

          O abuso sexual de crianças não é apenas um pecado: é o maior crime que a Humanidade sofre. Não é fácil de apurar, pois, como costumo dizer, deve ser um crime que um pedófilo nem sequer confessa ao espelho. Na sua tara, justifica-se intimamente, ou não, e continua a realizá-lo quando pode, e o deixam, escondendo-o e dissimulando dos outros, como um psicopata predador da inocência e fraqueza de crianças e adolescentes. Não é simples, então, prevenir e reprimir este crime, praticado por pessoas que se aproximam com especial insídia de locais e instituições frequentadas por menores. Menores que devem ser a principal preocupação da Igreja: entre a protecção da criança e a reputação do denunciado, a opção tem de ser pela criança.

          Sabemos que a Santa Igreja é composta por homens, que são, por natureza, pecadores. Todavia, afligiu-nos a dimensão e extensão dos abusos. Mais ainda, custam-nos os erros na sua prevenção e na sua repressão. Não se pode consentir que a mó de moinho, a pena mais grave que Cristo firmou, arraste o pescoço da Igreja.

          Por isso, importa, mais uma vez a redenção. Uma redenção interna face ao pecado do silêncio e ao pecado da fraqueza na repressão dos abusos.

          Silêncio face aos abusos, em nome de uma reputação colectiva de integralidade, para salvaguarda da aparência de santidade e de protecção de uma imagem de pureza, mesmo quando tingida pela lama. Um silêncio que magoa, uma vez mais, as crianças abusadas, pois precisam da catarse de acreditarem nelas, de lhes darem razão e apoio. Um silêncio que não resolve os abusos, pois as promessas de bom comportamento de pedófilos são ilusões que a experiência não perdoa: a pedofilia é uma tara incorrigível e é muito provável a ocorrência de novos abusos. Além disso, a sensação de imunidade eclesiástica, a expectativa do silêncio e da impunidade aumenta a liberdade dos abusadores para a realização de novos abusos. Por mais que doa, importa dizer que o motivo principal da prática da política do silêncio - que se transmite, erradamente, ser ancorada na instrução Crimen Sollicitationis, de 1963, do cardeal Ottaviani, referente à denúncia desses crimes através da confissão, com um regime mais severo expresso na carta De delictis gravioribus, de 2001, de Joseph Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que George Weigel e Jay Scott Newman explicam no artigo «Spreading the Big Lie», de 29-3-2010 - não  aparenta ser a protecção das vítimas e dos acusados, mas a salvaguarda da reputação da Igreja e das suas instituições, também motivada pela habitual defesa dos pares. É melhor admitir o problema do que negá-lo. A negação do problema é uma barreira à sua solução.

          Fraqueza na prevenção e na repressão dos abusos. Fraqueza na prevenção de um assunto tabu, inominável. E fraqueza na repressão, evitando arrostar com as dificuldades da suspensão do clérigo, ou religioso, a sua punição interna, a sua denúncia às autoridades civis e o ultraje público do conhecimento dos abusos. Porém, melhor que a manutenção de uma aparência imaculada é a evidência da prevenção, investigação, repressão e punição dos abusadores. A Igreja não é imune à procura dos tarados pelas crianças - mesmo que os números de abusadores não atinjam no resto do mundo a gravidade dos EUA, onde um estudo de opinião, de 2003, publicado no New York Times (Laurie Goodstein, Decades of Damage; Trail of Pain in Church Crisis Leads to Nearly Every Diocese, New York Times, January 12, 2003, Section 1, p. 1, citado em «Sexual Abuse in Social Context: Catholic clergy and other professionals», Special Report da Catholic League for Religious and Civil Rights, de Fevereiro de 2004) referiu que 1,8 % dos padres norte-americanos ordenados entre 1950 e 2001 foram acusados de abuso sexual de menores, sendo, segundo este relatório, a esmagadora maioria dos abusadores homossexuais, em percentagens que vão de 80 a 90%, e até 95% . Alguns pedófilos a Igreja terá e muitos destes não conseguem dominar a sua tara, praticando o abuso de crianças. Então, é melhor que se admita essa probabilidade e que, em consequência, se adopte uma política interna eficaz de prevenção e repressão dos abusos sexuais de crianças que inclua, entre outras medidas:

          1. Aprovação de um código de comportamento que garanta a prevenção de abusos sexuais sobre crianças;
          2. Denúncia imediata às autoridades civis para apuramento de qualquer crime;
          3. Proibição imediata de contacto com crianças e adolescentes até à conclusão do processo;
          4. Suspensão imediata de funções quando se apurarem indícios fortes da prática dos crimes denunciados;
          5. Investigação interna extensa;
          6. Punição interna após condenação em processo canónico, além de serem assumidos os efeitos internos dos processos civis, e redução ao estado laical no caso dos abusadores condenados.
          A Igreja tem de mudar de política interna face ao abuso sexual de crianças. Ao contrário do que foi, e tem sido seguido, é a denúncia e a repressão dos abusos que garante a reputação da Igreja.

          Devemos reconhecer que para a mudança do comportamento da Igreja face aos abusos sexuais muito concorreu a indignação da opinião pública e o pagamento de pesadas indemnizações, nomeadamente, nos EUA, às vítimas, pelos abusos e pela responsabilidade na sua gestão, no silenciamento, na transferência de abusadores para outras paróquias e funções, onde continuavam a praticar os abusos, e na falta de denúncia às autoridades civis - que a legislação de cada país impõe e a que a Igreja não pode furtar-se.

          Assim, na promoção da verdade e para a evolução da Igreja, e sem qualquer branqueamento da mancha dos abusos, há que afirmar:
          1. A política do silêncio face aos abusos sexuais de crianças é inadmissível.
          2. Qualquer censura das vítimas e condescendência interna com os alegados abusadores é desumana;
          3. A denúncia de alegados abusos às autoridades civis tem de passar a ser obrigatória para que seja investigados, despistados e perseguidos.
          4. A transferência dos abusadores denunciados para outra paróquia, no país ou no estrangeiro, é inadmissível.
          5. Não se pode assimilar a pedofilia, e efebofilia, à homossexualidade, ainda que, entre os padres, segundo estudo sobre a situação dos EUA, a grande maioria dos abusadores seja homossexual, desvalorizando a sua gravidade moral e criminal ou, até, julgando-a, insensatamente, de forma mais suave do que o relacionamento de um padre com uma mulher adulta.
          6. A Igreja tem de purgar-se dos padres, religiosos e colaboradores no apostolado (por exemplo, catequistas e funcionários de colégios e lares), denunciados como pedófilos e sobre os quais existam indícios de abusos.
          7. A Igreja deve resolver sem demora a promiscuidade e encobrimento da pedofilia referida em certas instituições, por reforma ou dissolução, como é o caso flagrante da Legião de Cristo (do padre Marcial Maciel Degollado), cujos membros não tem culpa dos pecados do fundador, mas cuja notoriedade não pode ser apagada.
          Dito isto tudo, não se pode aceitar a confusão maliciosa entre:
          1. A prática dos abusos e o seu silenciamento;
          2. O encobrimento dos abusos e a sua repressão secreta;
          3. A cumplicidade e a negligência;
          4. A negligência e a demora nos processos canónicos.
          A questão do oportunismo nunca elimina a questão substantiva. Os abusos sexuais de crianças e adolescentes ocorreram e a política da Igreja para a prevenção e repressão dos abusos foi ineficaz e, em muitos casos, condescendente com os abusadores e severa com as vítimas, intimadas ao silêncio. O facto da Igreja, e do Papa, estarem a ser atacados, nestes tempos de Barrabás, pelos sectores mais liberais e pelos meios anti-religiosos, por causa da sua agenda conservadora, especialmente a questão da moral sexual, não reduz a gravidade dos abusos sobre as crianças, nem os pecados do silêncio e da fraqueza na prevenção e repressão dos abusos sexuais. Esse facto não consente a omissão de clérigos e leigos em debater e enfrentar o problema.

          Depois do que li, e li bastante para poder escrever de modo fundamentado, não creio que se possa imputar ao actual Papa Bento XVI qualquer cumplicidade nos abusos, nem negligência, nem como papa, nem enquanto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, bispo, professor e padre - e o mesmo penso acerca de João Paulo II. Entendo ainda que o actual Papa é aquele que mais tem feito para a prevenção e repressão dos abusos sexuais de crianças na Igreja.

          Contudo, a prática interna da Igreja face ao abuso sexual de crianças tem de mudar. Deve ser publicada uma orientação universal, clara e eficaz, para lidar com este crime horrível, obrigatoriamente executada por todas as instituições católicas. Antes que o Mal produza mais efeitos. Quando é a própria Igreja que está em julgamento. Ecce homo!


          Actualizações: este post foi emendado às 22:01 de 2-4-2010 e actualizado às 23:41 de 2-4-2010 e 0:39 de 3-4-2010.