domingo, 30 de junho de 2013

De caras

É muito melhor enfrentar proativamente o caos eleitoral previsto do que fechar os olhos e acabar esmagado numa falha geológica. Resposta do eng.º Sevinate Pinto, à pergunta «Este governo cai?», em entrevista ao diário i, ontem, 29-6-2013:
«- Mesmo sem o desejar penso que isso poderá vir a acontecer. Os governos nesta situação têm caído sempre depois das autárquicas, pelo menos quando os resultados reforçam a dinâmica de apoio e da legitimidade.»
O eng.º Armando Sevinate Pinto é consultor do Presidente da República para os Assuntos Agrícolas e o Mundo Rural, mas não deu a entrevista nessa qualidade. Recomendo a sua leitura porque apresenta a visão lúcida e aguda de um servidor público, amargurado com a permissividade social da corrupção política:
«A sociedade portuguesa habituou-se a pensar que todos os políticos são corruptos e isto quer dizer que qualquer político corrupto está branqueado à partida. A minha teoria é que uma grande percentagem dos portugueses só não é corrupta porque não consegue, porque a coisa lhe passa ao lado. A noção da corrupção é muito subjetiva. E depois a sociedade não é punitiva, existe uma espécie de desculpabilização coletiva.»
Note-se que o eng.º Sevinate Pinto, na função de consultor do Presidente, foi um dos alvos dos serviços socratinos.

sábado, 29 de junho de 2013

Investigação judicial da corrupção de fio a pavio

É inadmissível a redução à eventualidade de infrações de gestão danosa e similares na investigação sobre as perdas para o Estado de cerca de 2,5 mil milhões de euros no caso das swaps socratinas, alegadamente sugeridas por Carlos Costa Pina (e consentidas pela cadeia hierárquica ascendente) aos dirigentes do Setor Empresarial do Estado (Metro de Lisboa, Carris, Metro do Porto, STCP, Egrep e CP,  Refer, etc.).

Um valor de cerca de 2,5 mil milhões de euros é muito dinheiro. A sua perda não pode passar pela simples demissão dos gestores envolvidos (e o que faz ainda Maria Luís Albuquerque no Governo?!...): deve ter como consequência a investigação penal de todos os dirigentes empresariais e governantes envolvidos de alto a baixo na cadeia hierárquica. Não podemos admitir que uma perda desta natureza fosse investigada a fundo nos EUA, com eventual pena, se houvesse motivo para tanto, e em Portugal, se cubra o escândalo com o lençol da imunidade política e o cobertor da impunidade do poder real.

A perda de cerca de dois e meio mil milhões de euros num país pobre, como Portugal, mata, magoa, esfomeia, despeja, desemprega, embrutece, separa, ostraciza, desespera e reduz o bem estar, de muita gente. Mata muita gente por prolongamento de demora em cirurgias e pelo suicídio de desesperados. Magoa porque muitos ficam sem dinheiro para medicação ou para irem a especialistas. Esfomeia muitas crianças e velhos. Despeja famílias sem dinheiro para pagar prestações ou renda. Desemprega trabalhadores do Estado e das empresas privadas. Desespera desempregados, empresários e trabalhadores. Embrutece jovens e adultos que abdicam do sonho de formação superior ou reciclagem profissional porque ficam sem dinheiro para propinas. Separa casais e rompe famílias expostos a grandes dificuldades económicas. Ostraciza cidadãos que têm de emigrar para pôr comida em cima da mesa. Aperta finanças, reduz consumo, para investimentos e destrói projetos de vida.

A perda não significa por si corrupção. Mas têm de ser apuradas as circunstâncias em que as perdas ocorreram.

Indo para além deste caso concreto, a investigação judicial no nosso País do fio da negligência tem de conduzir à descoberta do pavio da corrupção. Se existir, pune-se pedagogicamente com o império da lei; se não existir, nada há que temer. Investigar o quê e como?
  • as contas bancárias, o património e os cargos - antes e depois dos factos;
  • os padrões de despesas - antes e depois;
  • as formas de pagamento, antes e depois;
  • o movimento dos cartões de crédito, antes e depois;
  • as contas que alimentam as contas dos cartões de crédito, antes e depois;
  • os sinais exteriores de riqueza - as casas, os carros, as obras de arte, os cofres bancários particulares; o luxo.
  • e finalmente, contrasta-se a riqueza, própria e dos familiares, com os rendimentos oficiais.
Dizem-me que este género de investigação não é possível fazer-se em Portugal - mesmo num caso de perdas de milhares de milhões de euros. Mas, se não é possível, os dirigentes devem alertar os cidadãos, para que estes pressionem o poder político a mudar a lei e a sua aplicação. Contudo, se a lei já permite, então, a prática judicial - nomeadamente no Ministério Público - tem de mudar. Porque intrusão, ofensa dos direitos, liberdades e garantias, é o custo da corrupção na vida do povo: a morte, a dor, a fome, o despejo, o desemprego, a ignorância, a separação, o ostracismo, o desespero e a perda de bem estar. Não há intrusão ilegítima alguma quando, no decurso de uma investigação judicial, se perceba uma anormalidade de comportamento face ao padrão técnico. Nem é preciso denúncia daquilo que é público e notório, ainda para mais num prejuízo desta dimensão.

Não basta a demissão dos responsáveis operacionais. Não chega a responsabilização política - comos e houvesse cassação de mandatos em Portugal, semelhante, apesar de tudo, à do Brasil. Tem de haver investigação judicial profunda, de todos dos atos financeiros dos envolvidos, até ao limite dos factos prescritos. Jamais exorbitando a lei. Mas também, nunca ficando aquém do que ela exige.

A ruína do Estado é pesada demais para a capacidade da Nação. As perdas financeiras são ainda agravadas pela impunidade desavergonhada dos responsáveis - veja-se o caso da paródia dos executivos do Anglo-Irish Bank sobre a recuperação do refinanciamento público, conhecido neste final de junho de 2013 - e pela prioridade política de socorro da finança.


São 8 mil milhões no BPN, são 12 mil milhões de desvios nas parcerias público-privadas rodoviárias (fora os desvios nas outras...), são agora mais cerca de 2,5 mil milhões nos swaps. O custo tangível do socratismo foi e é terrível para a vida do povo - para além da repressão da liberdade. E importa reconhecer que tem sido agravado pela piratização do Estado, com a venda a pataco de grandes empresas portuguesas.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades referidas nas notícias dos média, que comento, não são suspeitas ou arguidas do cometimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade.

terça-feira, 25 de junho de 2013

D. Manuel Clemente eleito presidente da Conferência Episcopal Portuguesa

D. Manuel Clemente foi eleito presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, em 19-6-2013, numa eleição intercalar determinada pela aceitação, já pelo Papa Francisco, do pedido de resignação episcopal por ultrapassagem do limite de idade do cardeal D. José Policarpo. Em abril de 2014 haverá nova eleição,  para o triénio 2014-2017. D. Manuel Clemente já era o vice-presidente da Conferência e vai suceder a D. José Policarpo também como Patriarca de Lisboa, conforme anúncio da Nunciatura Apostólica de Lisboa, em 18-3-2013.

Daqui, do Portugal Profundo no qual procuro regar a esperança desde 31 agosto de 2003, lhe desejo a mesma independência e ação neste novo encargo que humildemente pedi quando foi nomeado Patriarca de Lisboa e que a estrutura e a colegialidade da própria Conferência Episcopal já vinham praticando, face a um contexto elitista de revolução dos costumes. D. Manuel receberá o pálio das mãos do Papa Francisco, em 29 de junho, e tomará a responsabilidade do Patriarcado de Lisboa, em 6 de julho de 2013. Grande desafio tem a Igreja portuguesa, e muito especialmente o novo Patriarca, perante o ambiente de totalitarismo mediático relativista, de corrupção política ubíqua e de ruína financeiro-económica do País!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

«Vocês batem, mas a gente se reelege»...



Da Turquia ao Brasil, a juventude ferve. Da Primavera Arabófona passa-se ao verão - quente, como este promete. Em várias latitudes e longitudes. O sistema explode.

Um século depois, outros Jovens Turcos revoltam-se contra a imposição progressiva da Charia a toda a sociedade. A faúlha turca foi um projeto de transformação do parque verde Taksim Gezi, de Istambul. A sociedade desenvolveu-se, os islâmicos retrasam-na e o choque acontece. Aliás, um efeito indireto da remoção das ditaduras laicas nos países arabo-islâmicos é a instalação de um espécie de totalitarismo masculino mediante alibi religioso.

No Brasil, a faúlha foi o aumento do preço dos transportes em grandes cidades. Mas rapidamente alastrou para a denúncia da corrupção política num contexto de aumento do consumo, não suportado por estagnação do PIB, de aumento do custo de vida. Essa estagnação económica, em contraste com o alargamento da instrução superior, chocou com a euforia do crescimento não sustentada, apesar da alavancagem especial da extração de minérios. Portanto, o mal estar tem causas reais políticas e económicas, muito mais do que qualquer malaise sociológica. Não se pode reconduzir o fenómeno à frustração das expetativas juvenis com a impotência estatal na solução pessoal de vida, das sociedades burguesas norte-americana e norte-europeia. No Brasil, a queixa popular não poupa os petistas marxistas mensaleiros. Além da vulgata radical marxista de Dilma e quejandos, da sua demagogia eleitoral chavista, e das desculpas dos aliados do Mensalão, está a corrupção de Estado.

O problema maior que leva milhões às ruas é o sentimento, neste quadro de miséria económica, de que a mudança política face à corrupção não é possível no plano institucional - como explica de forma dura, o jornalista Ricardo Boechat -, porque grande parte das instituições estão sequestradas por corruptos («vocês batem, mas a gente se reelege», como diz o deputado Sérgio Moraes, do PTB) e os eleitos não representam a vontade popular, mas os seus interesses (luvas, cargos e imunidades). Convinha que o poder político português atentasse nisto, antes que uma faúlha venha incendiar a explosiva paisagem lusitana.


* Imagem picada daqui.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A fase moribunda de Cavaco e do Governo

Cavaco Silva promulgou, em 19-6-2013, a lei que autoriza o Governo a adiar para novembro o pagamento do subsídio de férias dos trabalhadores do setor público e dos pensonistas que recebam acima do salário mínimo, conforme regras, propositadamente complicadas, que indico no final do poste.  A decisão contorna o chumbo, em 5-4-2013, pelo Tribunal Constitucional, do corte do subsídio de férias ao setor público e aos pensionistas. Em menos de 24 horas, Cavaco Silva promulgou o diploma!... À cautela, o ministro das Finanças, e sem pudor algum, agendou para a próxima segunda-feira, 24-6-2013, uma visita de urgência da missão da União Europeia/FMI para pressionar a promulgação desta lei. À hora em que escrevo, na página da Presidência este assunto é omitido; e a mesma omissão acontece na página do Governo. É como se a lei não tivesse existido...  Entretanto, segundo o jornal Público, de hoje, percebe-se que a demora na aprovação do diploma, bem como a sua promulgação rápida, a três meses das eleições autárquicas (29-9-2013), pode ter tido como objetivo permitir às câmaras municipais pagar já os subsídios de férias aos seus funcionários, enquanto se adia o pagamento dos subsídios à grande maioria dos funcionários da administração central e dos pensionistas.

Este caso vergonhoso justifica os seguintes comentários:
  1. Cavaco Silva deixou de ser, na prática, Presidente da República. O Chefe do Estado português tornou-se, por omissão e ação, uma espécie de funcionário administrativo da troika. Para lá de recados inúteis, assina, e assinou, de cruz por cima da política financeira e económica deste Governo - ao mesmo tempo que não se lhe conhece uma palavra contra a corrupção de Estado, seja nas parcerias público-privadas (PPPs) - que também promulgou! -, seja nos danos provocados pela incompreeensível especulação monetária dos ruinosos contratos de swap de empresas públicas. Nem sequer é feitor da União Europeia-FMI, pois os feitores sempre têm alguma autonomia na fazenda. Tornou-se uma espécie de capataz dos credores. Degradou-se ao ponto de, por aperto, fraqueza e conveniência, ter caído para uma espécie de agente de execução das dívidas do País por conta de interesses alheios. O antigo «homem do leme», da Festa do Pontal de agosto de 1993, recolheu ao camarote deste navio apresado. Revisitando a história recente - que nestas alturas críticas é mister revisitar -, Cavaco passou do sequestro socratino à neutralidade colaborante, de uma memória simbólica à anuência colaboracionista, enfim, o reflexo negro da imagem de si próprio. Já não conta. Podia puxar para aqui o veredito, antecipado de trinta anos, de Manuel Rodrigues («M.») a Salazar, em O Século, de 31-12-1938, pp. 1-2, intitulado «Problemas Sociais - O homem que passou», mas nem sequer chega a merecer esse retrato. Na verdade, Cavaco passou antes de ter passado e depois dele. O seu papel, apesar de toda a interpretação justificativa que faça (como o discurso do 10 de junho de 2013) - como diz, com razão, um grande amigo meu, apenas confirma a sua promiscuidade com o sistema dissoluto. Traíu não apenas a sua base eleitoral - embora já Camões nos tivesse prevenido para até nas nossas hostes os encontrarmos, às vezes -, mas também o País, que precisava, nesta altura crítica da Nação, de um Presidente com um assomo de força e de verdadeiro sentido de Estado em vez de um vórtice de desilusão. Politicamente moribundo, Cavaco acaba condenado com a frase que um dia, primeiro-ministro, jogou contra o seu rival Soares: já ninguém o pode ajudar «a terminar o mandato com dignidade»...
  2. O Governo PSD-CDS tropeça, de buraco financeiro em buraco económico em buraco político em buraco social - com prioridade absoluta aos grandes negócios de Estado (TAP, CTT, Águas de Portugal...), seguindo o modelo de piratização do Estado, que recebeu de herança corrupta do Governo anterior. Então, o Governo tem financiamento assegurado para pagar e não paga?!... Metade do que o Estado perdeu na especulação monetária das swaps (2,5 mil milhões de euros) ou um décimo dos desvios nas PPP socratinas (12 mil milhões) dariam para pagar já o subsídio de férias (mil milhões de euros) aos funcionários públicos e aos pensionistas. O PSD de Passos Coelho (23,2% segundo sondagem da Aximage/CM, realizada entre 4 e 7 de junho de 2013) resvala para o precipício da implosão (abaixo de 20%): o castigo das eleições autárquicas será, previsivelmente, maior face às legislativas anteriores do que os 16,9% a menos nas autárquicas de 1993 (ou 16,1% nas autárquicas de 1989), que relembra Pedro Magalhães, no poste de 22-5-2003. Note-se que estas autárquicas de  setembro de 2013 têm lugar 848 dias depois das legislativas, e nos dois casos anteriores não existia a circunstância atual de ruína financeira e económica e de protetorado. 

O Governo perdeu o apoio da sua base sociológica e com um resultado baixo nas autárquicas vai ser muito grande a pressão política, externa aos dois partidos e interna, para a sua demissão e convocação de novas eleições, à qual Cavaco Silva e a troika dificilmente resistirão. O projeto de nomeação de um novo Governo, sem marcação de novas eleições, parece cada vez mais comprometido pela inépcia e debilidade do executivo e do Presidente. O regresso dos socialistas, antecipado pelos média fiéis, está cada vez mais próximo. E daqui, novamente, do setor verdadeiramente patriótico um combate ainda mais rijo.


Regras do adiamento do pagamento para novembro do subsídio de férias dos trabalhadores do setor público e dos pensionistas, de acordo com a referida lei:
  • No caso dos trabalhadores do setor público:
    a) Na totalidade no mês de junho, às pessoas cuja remuneração base mensal seja inferior a € 600;
    b) No mês de junho um montante calculado com base na fórmula subsídio/prestações = 1320 – 1,2 x remuneração base mensal e no mês de novembro o valor correspondente à diferença entre aquele montante e a totalidade do subsídio, às pessoas cuja remuneração base mensal seja igual ou superior a € 600 e não exceda o valor de € 1100;
    c) Na totalidade no mês de novembro, às pessoas cuja remuneração base mensal seja superior a € 1100.» 
  • E no caso dos pensionistas:
    a) Na totalidade no mês de julho, no caso daqueles cuja pensão mensal seja inferior a € 600;
    b) No mês de julho um montante calculado com base na fórmula subsídio/prestações = 1188 – 0,98 x pensão mensal e no mês de novembro o valor correspondente à diferença entre aquele montante e a totalidade do 14.º mês ou prestação equivalente, no caso daqueles cuja pensão mensal seja igual ou superior a € 600 e não exceda o valor de € 1100;
    c) No mês de julho um montante correspondente a 10% do 14.º mês ou prestação equivalente e no mês de novembro um montante correspondente aos restantes 90%, no caso daqueles cuja pensão mensal seja superior a € 1100.
Fiz uma simulação da parcela de subsídio de férias que receberão em junho/julho os trabalhadores do setor público e pensionistas que se encontrem no escalão de remuneração ou pensão pensal de 600 a 1.100 euros, de acordo com complicada fórmula do Governo:


Setor públicoPensionistas
Os que recebem 650 euros mensais  
 540 euros (83,1%)           
     551 euros (84,8%)
  Os que recebem 1.050 euros mensais     
 60 euros (5,7%)   
      159 euros (15,1%)


Atualização: este poste foi emendado às 12:54 de 22-6-2013.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades referidas nas notícias dos média, que comento, não são suspeitas ou arguidas do cometimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade.

terça-feira, 18 de junho de 2013

As afrontas do Governo Dilma a Portugal


As afrontas que a Presidenta Dilma Rousseff fez a Portugal na visita de 9 e 10 de junho de 2013, conforme indiquei no poste anterior, de 15-6-2013, não são casos isolados do seu governo face ao nosso País. Justifico a premeditação das afrontas da visita e a seguir conto também o ato de menosprezo que o Governo Dilma fez, em 2013, com as instituições de ensino superior portuguesas.

Em primeiro lugar, sobre a visita deve salientar-se que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil - conhecido na gíria por Itamaraty, nome do palácio sede no Rio de Janeiro, e que manteve o mesmo nome quando o ministério se instalou no Palácio dos Arcos em Brasília - indicava na nota n.º 199 da sua sala de imprensa, datada de 7-6-2013, que a visita acontecia no Dia de Portugal:
«A Presidenta da República, Dilma Rousseff, visitará Portugal em 10 de junho, data nacional portuguesa.»
Então, se a diplomacia brasileira sabia que o 10 de junho era o Dia de Portugal, também a própria Presidenta sabia. E, como é óbvio, ainda pior do que vai iria a diplomacia portuguesa, e seria uma desfeita inadmissível, se o Estado português não tivesse convidado a Presidenta brasileira, cuja chegada estava prevista para as onze horas da manhã de 9 de junho a estar presente nas cerimónias oficiais do Dia de Portugal, em Elvas, no dia seguinte. Portanto, a Presidenta Dilma foi convidada para as cerimónias. Mas terá recusado o convite, ofendendo a respeitosa reciprocidade que é norma da diplomacia - como disse, o Presidente Sampaio participou na comemoração oficial do dia nacional do Brasil (em comemoração do dia da Independência, 7 de setembro de 1822) em 1997 e o mesmo fez o primeiro-ministro santana Lopes em 2004. Assim, exatamente à hora em que o Presidente da República se perfilava perante as tropas em Elvas, no desfile militar do Dia de Portugal, em Lisboa, a Presidente da Brasil recebia o seu rival e ex-presidente Mário Soares. Depois, o Presidente da República Cavaco Silva teve de abandonar rapidamente o almoço e os convidados oficiais do 10 de junho em Elvas, para vir a Lisboa receber a Presidenta. Assim, resulta que a má vontade e o capricho da Presidenta Dilma atrapalhou até as cerimónias do Dia de Portugal, para além de pôr em causa as autoridades do país que a recebeu.

Era tradição que o primeiro país que o presidente eleito do Brasil visitava fosse Portugal. Quando Lula foi eleito, o primeiro-ministro Durão Barroso telefonou-lhe, em 28-10-2012, a pedir preferência na visita internacional e Lula prometeu-lhe apenas que Lisboa seria a primeira capital europeia que visitaria. Nove meses depois, de 10 a 12 de julho de 2003, Lula visitou Portugal. Mas Portugal ser o primeiro país europeu que visitava era uma ficção diplomática: ainda antes de tomar posse deu preferência à Argentina, Chile, EUA e México; e Portugal foi o 12.º país que visitou (alguns deles mais do que uma vez) e o 4.º país europeu, depois da Suíça (ainda que Davos e OIT), da Alemanha e da França... Mas já Fernando Henrique Cardoso tinha visitado depois da tomada de posse, em 1-1-1995, Uruguai, Estados Unidos, Reino Unido, Venezuela e Argentina, antes que em quinto lugar viesse a Portugal, em julho de 1995 (ainda que descrita oficialmente, como a primeira «visita de Estado» enquanto a viagem aos EUA foi descrita como «visita oficial»...). Dilma veio em 29 e 30 de março de 2011 a Portugal, ainda sem grande traquejo do direito internacional e das relações internacionais, que não parece ter melhorado suficientemente, e contrafeita do serviço de ama seca do doutoramento honoris causa de Lula na Universidade de Coimbra e fugindo ao seu irmão socialista Sócrates, de um País arruinado, que lhe queria pedir dinheiro emprestado para sustentar uma política delirante. A tradição já não é o que era. Nem a fraternidade.

Antes desta visita, em que a Presidenta Dilma faz penosamente lembrar um convidado mal-educado, que desmerece a hospitalidade que lhe dão, com a arrogância de, apesar de comer do bom e do melhor,  desprezar o dono da casa que lhe abre a porta e a dispensa, já o Governo Dilma tinha provocado alguns embaraços diplomáticos. Em 3 de março de 2012, quando fez uma escala técnica no Porto aparentemente para experimentar um restaurante, sem dar cavaco, senão por telefone e ao primeiro-ministro, às autoridades do Estado onde poisou. Ou, pior, quando cancelou, em cima da hora, uma cimeira prevista para setembro de 2012 mas andou aqui à volta a cirandar, aterrando no Reino Unido, em julho, na Espanha, em novembro, e na França, em dezembro. A Presidenta Dilma é muito caprichosa nas suas deslocações, sendo já vulgar que cancele viagens internacionais à última hora - quatro nestes dois anos e meio de mandato (desde 1-1-2011), segundo o jornal Zero Hora. Para Dilma, e a eminência parda petista que define a política externa brasileira (e o programa de Governo...) desde a ascensão de Lula e que transitou para a sua secessora, o delicado assessor Marco Aurélio Garcia (MAG), Portugal parece só servir como escala técnica para comer bacalhau e fazer umas compritas de privatizações a pataco. Apenas mais um episódio de uma série de viagens internacionais entendidas pelo povo brasileiro descontente como luxos de corte ambulante (ver Folha de São Paulo, de 17-6-2013, Papéis revelam gastos de Dilma em viagens).

Porém, em 24 de abril de 2013, o Governo brasileiro fez constar na imprensa que «Portugal é suspenso do Ciência sem Fronteiras» (ver Estado de São Paulo, 24-4-2013). O Ciência sem Fronteiras (CsF) é um programa do governo brasileiro, em que Dilma aposta muito, para concessão de bolsas de estudo de graduação (licenciatura) e de pós-graduação (mestrado e doutoramento) no estrangeiro com vista ao desenvolvimento tecnológico e académico brasileiro. A notícia é a seguinte:
«Portugal é suspenso do Ciência sem Fronteiras
Segundo Mercadante, mudança é temporária e visa a estimular bolsistas a aprender outras línguas
24 de abril de 2013 | 18h 50 
BRASÍLIA - O Ministério da Educação (MEC) anunciou nesta quarta-feira, 24, a concessão de mais 17.282 bolsas do programa Ciência sem Fronteiras (CsF) em vários países. Com isso, o número de bolsas para este ano soma mais de 41 mil.
Ainda estão abertos para este ano editais com 3.970 bolsas para China, Irlanda, Áustria, Bélgica e Finlândia. O ministério decidiu, porém, não conceder as bolsas que estavam previstas para 2013 em Portugal. A intenção é obrigar os estudantes a estudar uma nova língua, além de se formarem em sua área. “Queremos que os estudantes enfrentem a questão da língua, que todos aprendam uma nova língua”, afirmou o ministro Aloizio Mercadante. Nos últimos processos seletivos, Portugal, apesar de estar longe da excelência universitária de países como EUA e Alemanha, era um dos mais procurados.
Segundo Mercadante, a maior parte dos que queriam uma vaga em Portugal aceitou migrar para outro país. Pouco mais de 600 ainda resistem, mas, como não haverá mais vagas para instituições portuguesas, terão de escolher outras ou não serão aceitos pelo CsF.
O MEC decidiu oferecer um curso online de inglês para ajudar os candidatos a uma bolsa do programa. De acordo com o ministro, o mesmo será feito com línguas como espanhol, alemão, francês e até mandarim.
O ministro aproveitou a divulgação dos dados do CsF, em um auditório da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, para rebater críticas feitas ao programa.
Citando uma reportagem do Estado, afirmou que não há como o MEC usar convênios já existentes entre universidades brasileiras e estrangeiras para evitar o pagamento do curso porque esses acordos são “pontuais” e servem apenas para estudantes das instituições conveniadas. “Em geral, conseguimos o abatimento de taxas”, garantiu, citando especificamente o caso de um contrato com a Fundación Universidad, da Espanha, que ajuda a administrar o programa naquele país.
 “Eles nos ofereceram um seguro saúde por 420, quando o normal seria 1.080 por estudantes. Além disso, eles fazem pesquisas de vagas, toda a tramitação de documentos e vistos e os pagamentos para as diferentes universidades. No cômputo geral, o valor é inferior ao que pagaríamos”, garantiu, acrescentando ainda que há convênios semelhantes nos EUA, Alemanha, França e Grã-Bretanha.»

A sanção político-cultural decidida pelo Governo Dilma contra Portugal depois da classificação das candidaturas e da expetativa das instituições portuguesas protocoladas, foi preparada com esta outra notícia ofensiva, plantada no Estado de São Paulo, em 5 de março de 2013:
«Bolsistas fazem curso pior em Portugal
Entre estudantes do Ciência sem Fronteiras, quase 70% estão em universidades mais fracas
5 de março de 2013 | 2h 05 

Dos 2.587 bolsistas do Ciência Sem Fronteiras (CsF) em Portugal - o país é o segundo principal destino do programa -, quase 70% foram para universidades consideradas mais fracas que as principais instituições brasileiras ranqueadas pelo SCImago, reconhecido grupo de pesquisa internacional que classifica os melhores locais para se estudar na América Latina, Portugal e Espanha.
A situação - que preocupa os gestores do programa e custa aos cofres públicos R$ 48 milhões por ano - fez com que o governo federal agisse. Na sexta-feira, cerca de 9,7 mil candidatos ao intercâmbio em Portugal foram notificados pelo CsF sobre a possibilidade de trocar de país (mais informações nesta página).
Para chegar aos números, o Estado cruzou as informações sobre a quantidade de bolsas implementadas até janeiro de 2013 com o atual ranking ibero-americano da SCImago. Foram considerados índices de qualidade da produção científica e internacionalização dos pesquisadores.
No cruzamento, observou-se que, das bolsas implementadas nas cerca de 50 instituições portuguesas, apenas 818 universitários e pesquisadores brasileiros foram para instituições lusas como a Universidade do Porto e a Técnica de Lisboa. Elas são consideradas tão boas quantos as sete melhores universidades públicas do Brasil - USP, Unicamp, Unesp e as federais de São Paulo (Unifesp), Rio de Janeiro (UFRJ), Rio Grande do Sul (UFRGS) e Minas Gerais (UFMG) -, todas ranqueadas no top 20 da SCImago. Na lista das 250 melhores, o Brasil ocupa 82 postos e Portugal, 21.
Uma das principais plataformas políticas do governo, o CsF atingiu desde 2011 apenas 22% da meta de enviar 101 mil bolsistas "às melhores universidades do mundo" até 2015.
"O programa está mais preocupado em mostrar números. As universidades de Portugal não estão à altura das nossas, a não ser em algumas especialidades", afirma o economista Cláudio Moura e Castro, especialista em educação. 
Cursos piores.
Com base no prestigioso ranking QS World University, quando se compara o curso de Engenharia Civil da UFRJ com o da Universidade de Coimbra - que recebe a maior quantidade de brasileiros -, a instituição do Brasil se sai melhor.
No próprio site da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes), umas das administradoras do programa, nenhuma universidade portuguesa é sequer listada como referência na seleção de melhores instituições europeias, muito menos na relação das mais destacadas em Engenharia e Tecnologia, áreas consideradas prioritárias para o programa.
Um dos motivos da grande quantidade de universidades portuguesas disponíveis é a facilidade na assinatura dos convênios com o programa, afirma Luiz Felipe Lampreia, ex-ministro das Relações Exteriores e ex-embaixador em Portugal.
"Não significa que elas não tenham critério nem parâmetros de aceitação de alunos. Mas a demanda por uma universidade de ponta americana, como Stanford e Harvard, é certamente maior", diz Lampreia.
Além de não estarem sendo enviados para instituições de excelência internacional, os bolsistas em Portugal ainda deixam de aprender a segunda língua - outra missão central do CsF.
"Independentemente da instituição em que vai estudar, o aluno retornará ao País com um importante ganho cultural e acadêmico", pondera Erasto Fortes, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), também gestor do programa, diz que busca parcerias com as melhores universidades "disponíveis".
O CNPq informa ainda que o Ministério da Educação está desenvolvendo o programa Inglês sem Fronteiras para aumentar o número de bolsistas enviados para Estados Unidos, Canadá, Austrália e Grã-Bretanha.»

Com base nos índices e na comparação seletiva - o Governo Dilma compara as instituições de ensino superior português com as «principais instituições brasileiras» -, todas as instituições portuguesas são sancionadas pelo Governo brasileiro da mais modesta ao Técnico!... E como exemplo, sacam da chamativa Coimbra, destacando o exemplo do curso de Engenharia Civil da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra - só lhes faltou falarem na inclinação da Ponte Europa!...

As opções dos jovens brasileiros, nas quais avulta a língua, não contam porque o Governo tem outra política. Uma política tão clara, e tão rigorosa, que elimina as universidades portuguesas todas em detrimento das de países tão avançados com academias tão tecnologica e comercialmente avançadas como as da Ucrânia, a Hungria e a República Checa...
A culpa destas afrontas a Portugal, bem, a culpa da primeira afronta é dela, a culpa seguinte é do Governo, com o ministro dos Estrangeiros à cabeça, o primeiro-ministro na retaguarda, e o Presidente a fazer de pagem. Contudo, recomendava-se maior respeito aos governantes brasileiros atuais para preservar o património de fraternidade de caráter universal, depois do enorme esforço geopolítico-cultural - e mental e digital... - que os portugueses, ainda na ressaca da perda do Império e sujeitos à tentação do isolamento, têm feito nos últimos anos para a nova uniformização ortográfica, considerada por muitos a última espoliação insofrível, neste quadro moral agravado pela ruína económica - mais do que os acordos de 1943, 1945 e 1971 (descontando o acordo iberista de 1911). 

Dilma abusa porque lhe consentem o jogo do desprezo, em troca de comissões da piratização do Estado e de fotografias de circo. Sentido de Estado, que foi bom, esse perdeu-se no cerrado nevoeiro de uma Lisboa poluída. Reduzido na volta das traineiras naturalmente ao retângulo e à projeção heróica de uma diáspora orfã, Portugal tornou-se,após a descolonização, num país médio à escala europeia e num país pequeno à escala mundial, recebendo a importância que o seu poder económico, cultural, militar, populacional e territorial, lhe consentem: o que o Estado não pode perder é a dignidade, que vem arrastando pelo soalho dos palcos internacionais decadentes.

Consta que o ministro das Relações Exteriores de Lula, Celso Amorim, atual ministro da Defesa, não gostava de Portugal; e do atual, António Patriota, parece que é Dilma que não gosta, esvaziando o Itamaraty da intervenção habitual em detrimento do palácio do Planalto, e preferindo o radical Marco Aurélio Garcia... Longe da fraternidade de Getúlio, de Juscelino ou até de Fernando Henrique, vão os tempos das guerra da legalização dos dentistas brasileiros em Portugal (1191-2000) ou da legalização de emigrantes brasileiros ilegais, a que Portugal acedeu excecionalmente ou para que Portugal sacudisse a pressão comunitária que lhes queria subir a ponte levadiça da fortaleza Europa. Agora, provavelmente, o ministro da Ciência, Tecnologia e Educação, Aloizio Mercadante, também petista, faz o que a Presidenta lhe manda. E Dilma não parece ter grande consideração pelos portugueses.

Os comportamentos ultrajantes das autoridades dos Estados acabam por afetar a sensibilidade dos povos, nomeadamente nas suas horas mais críticas. Por isso, é com grande custo, que vemos o desprezo de um governo radical e arrogante, como o de Dilma, perante o infortúnio temporário de um povo orgulhoso, mas ainda sem a raiva suficiente para gritar pela Pátria e correr com os abusadores.


* Imagem picada da Folha de São Paulo.

sábado, 15 de junho de 2013

Notas da visita da Presidenta Dilma

A Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, visitou Portugal em 9 e 10 de junho de 2013. Extraio algumas notas dessa visita.

Recebeu o primeiro-ministro, o socialista António José Seguro, em 9 de junho, pelas 18 horas, durante uma hora, no Hotel Ritz, onde se hospedou. António José Seguro não se coibiu de fazer agora lóbi pelos interesses brasileiros, parecendo muito pouco preocupado com a autonomia da TAP, pois, segundo o diário i, de 10-6-2013,
«disse ver "com bons olhos" o investimento brasileiro na privatização da TAP, depois de, no fim do ano passado, ter condenado o executivo pela "trapalhada monumental" na privatização da transportadora aérea. "O investimento brasileiro não é bem estrangeiro, porque o Brasil é um país amigo" referiu Seguro, acrescentando que a TAP "deve ser um instrumento ao serviço da estratégia económica" do país».
No dia seguinte, acompanhada do ministro dos Negócios Estrangeiros, do embaixador em Lisboa, Mário Vilalva, e da eminência parda da política externa brasileira, o petista Marco Aurélio Garcia (oficialmente, Assessor Especial para os Assuntos Internacionais),  pelas 10:30, a Presidenta recebeu o Presidente da República, o socialista Mário Soares, que, à saída do encontro de uma hora, terá declarado ter relativamente a Dilma «um pensamento muito próximo acerca da situação atual» e que uma maneira de Portugal «sair da crise é que este Governo se demita»...

Os leitores dirão que me enganei, que Seguro não é ainda primeiro-ministro e que Soares já não é Presidente da República. Acho que não. Seguro é como se já fosse e Soares é como se não tivesse deixado de ser... Atendendo à importância que a Presidenta brasileira lhes deu... deve ser assim mesmo e a realidade já ter mudado por antecipação ou por flashback. Fui verificar que encontros com a oposição teve a Presidenta  brasileira Dilma Rousseff noutras viagens europeias:
  • na Espanha, em 15, 16, 17, 18 e 19, de novembro de 2012, não consta na agenda da Presidente eleita pelo Partido dos Trabalhadores, que tenha recebido o socialista Alfredo Pérez Rubalcaba ou Felipe González;
  • na França, em 11 e 12 de dezembro de 2012, nada consta que tenha recebido a oposição de direita;
  • e muito menos na Rússia, em 13 e 14 de dezembro de 2012, recebeu os oposicionistas.
Mas, em Portugal, a Presidenta brasileira baralha e dá confiança a quem valoriza, inscrevendo na própria agenda oficial esses compromissos com a oposição, antes de se reunir em 10-6-2013, com Passos Coelho, em São Bento, e com Cavaco Silva, em Belém. O encontro com Cavaco Silva (45 minutos) até durou menos tempo do que as audiências, de uma hora cada uma, a Soares e até a Seguro... E a reportagem da visita pela RTP intitula-se «Visita de Dilma Rousseff começou com encontro com Mário Soares»... Não importa apenas a ordem protocolar, mas a ocorrência desses encontros e o seu destaque oficial pela Presidenta do Brasil. Tenho insistido que só se respeita quem se dá ao respeito e o Estado português tem-se dado pouco ao respeito, por mais que o irrisório poder, e debilidade económica e moral atuais, lho diminuam.

Do programa oficial e das referências na imprensa, se percebe que o objetivo da visita era a privatização da TAP, dos CTT e das Águas de Portugal. Se José Dirceu e o Governo português quiseram vender sem êxito a TAP colombiano-brasileiro Efromovich (Sinergy-Avianca), já a presidenta Dilma faz lobbying para que a TAP seja comprada pelo norte-americano-brasileiro David Neeleman (Azul). De fora, fica a subsidiária TAP Manutenção e Engenharia (a aventura de compra à Varig, em 2005, em que Dirceu esteve alegadamente envolvido), que tem 2 mil funcionários e dá prejuízo, e que seria despachada para a Embraer, eventualmente com a compensação de um novo pacote de investimento desta empresa em Portugal, pago em grande parte pela União Europeia - curando a ferida do cão com o seu pêlo, a União Europeia financia um novo investimento da Embraer em Portugal que justifique o dote de cedência da TAP Manutenção e Engenharia à Embraer... Entretanto, depois do fracasso, em 20-12-2012, de compra por 35 milhões de euros de mel-coado da companhia de bandeira por Efromovich, a TAP tem de ser engordada com alguma subvenção governamental de equilíbrio, para que o povo coma melhor o preço de venda, de uma empresa de 13 mil empregados, tecnologia, rotas, património e equipamento.

Do lado português, o caso da TAP insere-se num modelo de piratização do Estado - negociação particular sombria (em vez de venda aberta em bolsa), garantia de preços de serviços (EDP, REN) e de investimentos (ANA),  ou de privatização a pataco com preço de venda irrisório justificado com dívidas (BPN) - que tem sido seguido, da herança socratina, pelo Governo PSD-CDS, quiçá inspirado pelo oligárquico paradigma de Yeltsin - ver Goldman, Marshall I. (2003), The piratization of Russia. Russian reform goes awry. Routledge.

Do lado brasileiro, o caso da visita de desprezo da presidenta Dilma e da aquisição da TAP insere-se na geopolítica brasileira (ver Bonfim, Araci Castro (2005), Geopolítica. Rio de Janeiro: ECEME). Uma geopolítica que já passou além da preocupação com a ocupação interna do território, e as questões do autoritarismo e da relação com os blocos ideológicos, do general Golbery do Couto e Silva (Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio. 1967) e ainda mais ousada do que a novidade da teoria do Quaterno, de 1996, do coronel Roberto Machado de Oliveira Mafra (Geopolítica: introdução ao estudo. Rio de Janeiro: ECEME. 1999), de divisão do globo em áreas de influência (bloco norte-americano, bloco sul-americano, bloco europeu e bloco asiático), na qual o Brasil seria naturalmente preponderante no bloco sul-americano, aproveitando ainda a doutrina de domínio da costa oposta - o bloco europeu apenas atrairia o norte de África. Neste outro Destino Manifesto, no Atlântico Sul, projetado também setentrionalmente até à Península Ibérica (e até Timor pela língua) pelo poderio económico e pelos recursos minerais, a somar ao poderio territorial e populacional, a terra que é de Vera Cruz ocupa «o lugar que a história daria a Portugal por ter sido um dia a metrópole colonizadora e dono do idioma, mas que a realidade, os números, a lógica e o destino dão ao Brasil» - capitão de mar-e-guerra Roberto Pacheco Leandro (2011), Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: espaço estratégico para afirmação do prestígio militar brasileiro. Rio de Janeiro, Escola Superior de Guerra (instituição cuja revista tem como lema «nesta casa estuda-se o destino do Brasil»).

Nesta digressão a Portugal de 2013, mal comparada - sem cachaça nem excentricidade -, Dilma faz de Jânio (conforme descrito no Salazar, vol. V, de Franco Nogueira), na inusitada visita, pré-tomada de posse, a Lisboa, em janeiro de 1961. E comporta-se assim porque pode. Embora estivesse em Portugal no 10 de junho, Dilma não foi às comemorações do Dia de Portugal, em Elvas, o que evidencia também uma política face ao nosso País. Não é apenas pela sua origem que a ex-guerrilheira de extrema-esquerda Dilma Vana Rousseff despreza um pequeno país de tradição católica, que em certas eleites se considera de escravocratas: o pai de Dilma era búlgaro e ela crê que a sua avó materna, portuguesa, era uma judia cristã-nova «devido às suas características físicas» (sic). Despreza-o porque pode: na balança do poder, Portugal muito pouco pesa. E assim, ainda pode menos.


Pós-Texto (23:57 de 15-6-2013): Desconsideração da Presidenta Dilma pelo Dia de Portugal
Para lá das outras falhas apontadas, a ausência da Presidenta Dilma nas cerimónias do Dia de Portugal, em Elvas, em 10-6-2013, quando se encontrava no nosso País desde a véspera, é uma falta de respeito para com o Estado português. Contraria a reciprocidade diplomática, pois já houve estadistas portugueses que participaram nas cerimónias do Dia da Independência do Brasil:

A arrogância oca da Presidenta Dilma, baseada numa convicção de superioridade que confunde desejos com resultados e, por exemplo, crescimento do consumo com crescimento do Produto Interno, teve hoje, 15-6-2013, um sério revés: foi vaiada por três vezes pelo público, no estádio Mané Garrincha, em Brasília, na abertura da Taça das Confederações. Mais lhe valia o respeito que é devido aos outros e o sentido de Estado, que se espera de um presidente brasileiro digno perante o povo português irmão.


Atualização: este poste foi atualizado e mendado às 23:57 de 15-6-2013.


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quinta-feira, 13 de junho de 2013

Revelações portuguesas na biografia de José Dirceu



Foi publicado no Brasil, no passado 7 de junho de 2013, o livro «Dirceu - A biografia», da autoria do jornalista da Veja, Otávio Cabral. O livro, que esgotou no fim de semana, foi publicado pela editora Record - esteve para ser publicado pela Leya, mas esta editora portuguesa, e agora com filial brasileira, «acabou desistindo do projeto alegando questões jurídicas» - onde é que já vi isto?... A Leya, como a irmã TVI, é especialista em mostrar muito interesse em receber matérias polémicas e... não publicar - um toma-lá-dá-cá suculento, que garante o desenvolvimento de negócios dos grupos editorais-económicos sistémicos em Portugal e noutros países da Europa Meridional e da América Latina. Recomendo aos leitores, que possam fazê-lo, a compra do livro, cujo valor instrutivo vale bem o nojo que se sente da análise da podridão que a biografia refere e peço a habitual atenção, e aviso, para qualquer erro meu na relação e comentário dos factos citados e referidos.

Li a biografia de Otávio Cabral sobre José Dirceu de Oliveira e Silva, e comento-a aqui, por causa do interesse que a atividade polémica, nomeadamente casos de alegada intermediação de negócios e de alegado financiamento partidário através do caixa dois (saco azul) de empresas, do ex-todo-poderoso presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), de 1995 a 2002, e ministro-chefe da casa civil no Governo de Lula (de 2003 a 2005), e depois lobista quando teve de abandonar o governo e a Câmara de Deputados, teve com o poder em Portugal, seja o Governo, políticos proeminentes (como Miguel Relvas), sejam grupos económicos (como a Ongoing ou a Portugal Telecom ou o Banco Espírito Santo), seja os negócios de Estado (como a privatização da TAP). O político brasileiro foi condenado a dez anos e dez meses de cadeia pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha (sic) em 12 de novembro de 2011.

A biografia conta a sua história de vida, a sua infância e juventude, o início da atividade política do estudante Dirceu, a sua radicalização, a ligação ao comunismo cubano, a volta ao Brasil e a sua imersão na guerrilha urbana, a fundação e sua ascensão do PT (como estrela anticorrupção!...) e a sua passagem pelo governo brasileiro, a relação de aliança e desconfiança com Lula, a sua forma dura de fazer política com compra de apoios políticos mediante dinheiro, cargos e imunidades, grande prioridade ao relacionamento com a imprensa, dificuldade em criar média próprios e a alternativa de «financiar uma rede de blogueiros simpáticos para ao Governo» (p. 191) através de empresas públicas, a escolha e promoção de magistrados próximos do partido, a chefia operacional do «Mensalão do Lulão» (p. 223) - com quarenta indiciados, entre os quais Dirceu, mas não Ali Babá... -, os negócios de Estado, e uma vida pessoal, dourada e faustosa, que não será exclusiva dos políticos brasileiros, de muitos milhões, hotéis seletos, jatos, carro com motorista, luxo (roupa cara, relógios), banquetes de iguarias e vinhos raros, e mulheres (garotas de programa, agenciadas por cafetinas, pagas al contado, e luluzinhas pagas em cargos ou empregos abstencionistas).

Já agora um parênteses com uma conclusão de interesse sobre a corrupção de Estado que se pode extrair desta biografia do político brasileiro: os favores políticos, nomeadamente no Brasil, tornaram-se mais baratos e os empresários mais somíticos na percentagem de comissão sobre os negócios de Estado. Isso significa que políticos corruptos têm de intermediar mais negócios para obterem o pé-de-meia que lhes permita a vida dourada pós-Governo. Esta novidade será útil à investigação da corrupção política: como precisam de fazer mais negócios para obterem a riqueza desejada, ficarão mais expostos ao risco e à investigação judicial. Por outro lado, o nível de fausto no topo do mundo, onde realmente os políticos corruptos se sentem, obriga à arrecadação de maior receita - o caso de Dirceu é paradigmático do comportamento financeiro do tipo jogador de futebol que perde rapidamente o que ganha. É o poder que o político absolutamente procura, mas esse poder é sôfrego de dinheiro: dinheiro para ostentar, dinheiro para pagar mulheres (ou homens...), dinheiro para pagar favores, dinheiro para comprar jornalistas, dinheiro para pagar campanhas, dinheiro para pagar aliados, dinheiro para pagar advogados...

O que traz de interesse para os portugueses esta biografia de José Dirceu? (Realce meu).
  1. Segundo o livro, alegadamente,
    «Marcos Valério [um dos operacionais do Mensalão, compra de apoio político de deputados da oposição ao Governo, através de mesada em dinheiro] «em 11 de Janeiro [de 2005], às cinco da tarde levou ao Planalto o representante do Banco Espírito Santo no Brasil [?], Ricardo Espírito Santo, para uma reunião com Dirceu. Os dois visitantes disseram ao ministro que havia a possibilidade de a Portugal Telecom, associada ao banco, doar € 8 milhões (...) ao PT. Em troca, o governo teria de ajudar a empresa portuguesa a comprar a Telemig, telefônica com atuação em MInas Gerais. (...) Em 24 de janeiro [de 2005] o tesoureiro do PT, Emerson Palmieri, embarcaria para Lisboa com os dois indicados de Dirceu. Lá, reuniram-se com Miguel Horta [e Costa], presidente da Portugal Telecom e acionista do Banco Espírito Santo, que confirmou a intenção de doar o dinheiro, mas apenas quando o negócio saísse. Os dois brasileiros se dececionaram pois não contavam com a cláusula de sucesso» (p. 201).
  2. A caricatura do socialismo pelos próprios: Felipe González, num jantar com Dirceu e José Saramago em Madrid, em 2005, confessa que «antes acreditava na revolução, depois em reforma e agora em reforma épica». Saramago tinha percebido mal e perguntara: «Reforma ética?». Ao que Felipe tinha retorquido, ponto o ponto no i de socialismo real: «Épica, Saramago, eu disse épica» (p. 210)...
  3. A alegada tentativa de venda da Varig, que estava perto da falência, à TAP, em junho de 2005 (já com o governo Sócrates no poder) - p. 213. Dirceu parece ter rodado da relação com o PSD para a expetativa de um relacionamento fraterno com o PS, que acabara de chegar ao poder.
  4. Alegadamente «Jefferson [um deputado denunciante do esquema do Mensalão] revelaria a viagem de Marcos Valério com representantes do PT e do PTB a Portugal, em busca de dinheiro do Banco Espírito Santo» (p. 229). Lula virara-se para os pobres e a sua popularidade resistia às revelações dos pagamentos do Menslão através do valerioduto (p. 282) e de outros canais e ao escândalo dos «aloprados» que chamuscaria novamente Dirceu (p. 253) - ou até mais tarde, quando já fora da Presidência, em 2012, ao escândalo do «esquema de corrupção» que envolvia a chefe de gabinete da Presidência da República, a voluptuosa Rosemary Noronha, que Lula nomeara e que acompanhava as comitivas do Presidente aio estrangeiro, quando a primeira dama não ia (pp. 287-288), onde novamente Dirceu foi referido.
  5. A fundação da JD Assessoria e Consultoria, para «começar a ganhar dinheiro de verdade» - «já que não posso mais ter mandato vou ser um homem rico» (p. 237). Otávio Cabral escreve que «contratá-lo como consultor abria portas para empresas interessadas em negócios com o governo brasileiro e de outros países nos quais tinha amigos no poder, como Cuba, Venezuela, Bolívia, Portugal, México, Angola e Moçambique» (p. 242). Dirceu era um comunista que passou então a intitular-se «capitalista» (p. 252). 
  6. Alegadamente, a Ongoing, do herdeiro Nuno Vasconcellos e do especialista em informação Rafael Mora, como «terceiro cliente fixo» de Dirceu (durante «seis anos e meio», p. 244), que alegadamente auferia uma avença em troca de arranjar negócios para a empresa portuguesa interessada em formar um grupo mediático no Brasil: publicação de balanços de empresas estatais no Brasil Econômico (jornal do grupo) através da Secretaria de Comunicação Social dirigida por um amigo de Dirceu, a tentativa abortada de compra da Rede TV, a aquisição do Jornal do Brasil (que correu mal) e do portal IG (pp. 243-244). Alegadamente, a namorada de Dirceu, nessa altura, Evanise Santos, também foi contratada pela Ongoing, como diretora de relações internacionais do jornal Brasil Econômico (p. 244).
  7. A associação ao escritório de advogados Lima, Serra, Fernandes e Associados, liderado pelo grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (Fernando Lima Valadas Fernandes) - p. 244 -, cujo sócio João Abrantes Serra teria apresentado os líderes da Ongoing a Dirceu. Alegadamente, associado ao escritório lusitano, Dirceu terá intermediado a compra da portuguesa Cimpor pelas brasileiras Votorantim e Camargo Corrêa (p. 244).
  8. Terá sido, alegadamente, o advogado João Abrantes Serra que terá apresentado José Dirceu a o político Miguel Relvas (que, também alegadamente, pertencia à mesma loja Universalis do Grande Oriente Lusitano) : «João Serra tornara-se o cicerone do ex-ministro por Lisboa, cidade que visitava a cada 45 dias. Costumava pegá-lo no aeroporto de Lisboa, passeá-lo pela cidade e o apresentar a restaurantes luxuosos e a seus amigos políticos, como o então deputado Miguel Relvas, a quem [Dirceu] conhecera em meados de 2007 e de quem logo se tornaria próximo» (p. 244). Alegadamente, Dirceu teria tentado promover junto do governo brasileiro, a editora Babel, de livros didáticos, de que João Abrantes Serra era sócio (p. 244).
  9. Alegadamente, Dirceu também se tornou lobista da Vale S.A., tendo ajudado o conglomerado brasileiro no licenciamento da maior mina de carvão do mundo, em Moatize, Moçambique (p. 247). 
  10. Mas o temido Dirceu passou a ser insultado onde quer que fosse, nomeadamente nos aeroportos, o que o obrigava a reservar o lugar da frente na classe executiva, que só ocupava à última hora (p. 259), e passou a ter de evitar sítios públicos. Todavia, em privado, tentava intermediava favores ao iraniano Kia  Joorabchian e o bilionário exilado russo Boris Berezovsky (pp. 261-262), morto em Londres em 23-3-2013.
  11. Pelo meio, ainda intermediou um negócio (em 2006) da fundação brasileira Armando Álvares Penteado  com a «Universidade de Lisboa» (sic) para a realização de MBAs (p. 262) - creio que se trata de uma revelação inédita a explorar.
  12. Ganhava muito, muito, dinheiro, de 2006 a 2012, mas também tinha de gastar muito para manter a sua influência e imunidade: alegadamente, de 2007 a 2010, «financiou campanhas de amigos e deu mesadas a militantes mais influentes com vistas a manter seu poder no PT» (p. 272). Ao mesmo tempo, abordava novos mercados, tendo sido apresentado a François Hollande, futuro presidente francês (p. 275).
  13. Finalmente, o livro revela que, alegadamente, José Dirceu, a quem na sequência da sua condenação a dez anos e dez meses de prisão, no julgamento do Mensalão, em 12-11-2011, foi apreendido o passaporte e proibido de viajar para o estrangeiro, e depois teve de enfrentar a cadeia, determinou que seu irmão, e sócio, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, o representasse na lobbying internacional, nesta etapa dura da sua vida. O Público, de 16-12-2012, diz sobre a movimentação de Germán Efromovich, da colombiana Avianca, para comprar a TAP que:
    «na primeira quinzena de Novembro de 2011, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, sócio e irmão de José Dirceu, veio a Lisboa falar com altos responsáveis. Semanas antes, Miguel Relvas tinha recebido Efromovich, a pedido do empresário».
    E Otávio Cabral completa neste livro que, alegadamente,
  14. «o negócio poderia render R$ 3 milhões de reais [cerca de 1,06 milhões de euros, à cotação de 12-6-2013] a Dirceu e tinha a simpatia de Miguel Relvas, ministro dos Assuntos Parlamentares de Portugal. Luiz Eduardo, na semana que passou em Lisboa, chegara a jantar duas vezes com Relvas, mas não conseguira concretizar a transação» (p. 295).
    A operação mediática em Portugal para suavizar previamente a decisão de venda do Governo da TAP, uma empresa estatal com 13 mil pessoas, o seu património, equipamento, tecnologia, marca e rotas, por 35 milhões de euros (!!...), além do compromisso de injeção de capital de 316 milhões de euros a curto prazo), e que culminou com uma amável entrevista de Judite de Sousa a Germán Efromovitch no prime time da TVI, em 18-12-2012, acabou por não resultar. O Governo viu-se forçado a abortar o negócio em  20-12-2012, à última hora, com a justificação de falta de garantias financeiras adequadas. Porém, o lóbi parece ainda não ter desistido do negócio de vender a TAP (eventualmente, enfolada financeiramente por algum subsídio governamental que justifique um preço maior) ao colombiano Efromovich.

O volume e impotância de revelações desta biografia não autorizada sobre as operações e ligações de José Dirceu em Portugal não é muito significativo e a maioria dos casos já tinha sido aflorada pela imprensa portuguesa, conforme se pode ver nos linques acima postos e. E outras empresas e personagens foram referidos na ligação a José Dirceu e à investigação do Mensalão (como António Mexia), sem todavia serem mencionados como suspeitos ou arguidos de qualquer crime.  O mais importante do livro é a integração dessas operações no contexto de degradação moral da política brasileira, com pontes mal cartografadas na política portuguesa. É também pela fresta dessa deterioração política do sistema político brasileiro que se entrevêem os laços bolorentos do sistema político português.


Atualização: este poste foi atualizado às 12:58 de 13-6-2013.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades referidas nas notícias dos média, que comento, não são suspeitas, ou arguidas, do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade nestes casos; e quando na situação de arguidos, ou de condenadas por sentença judicial em primeira instância, gozam do direito garantido pelas constituições portuguesa e brasileira, à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória. Note-se ainda que, apesar de chamados a prestar testemunho sobre os factos do chamado Mensalão, nenhum português dos referidos neste poste (como Ricardo Espírito Santo Salgado, Miguel Horta e Costa e António Mexia), ou outros que se conheçam, foi arguido, acusado, pronunciado ou condenado nos escândalos referidos, nem é, portanto, suspeito do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade nestes casos.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Cuidar da independência nacional

A.B.C., Escudo Português, Olivença, maio de 2013


No 433.º aniversário da morte de Camões, instituído em dia de Portugal, o jornal espanhol «20 Minutos», de hoje, 10-5-2013, destaca o Movimento Partido Ibérico, fundado, em 2011, por Paulo Gonçalves, da mesma Covilhã, de um ex-primeiro ministro que disse, em El País, em 10-4-2005: «Temos três prioridades em matéria de politica externa: Espanha, Espanha e Espanha» (tradução minha)...

Paradoxalmente, de acordo com o jornal El Periódico de Catalunya, de 8-6-2013, segundo uma sondagem («Barómetro de primavera») do instituto catalão GESOP, 57,8% dos catalães respondem positivamente à pergunta «Estaria de acordo que a Catalunha se tornasse independente e fosse um novo Estado da União Europeia», contra 36% que respondem negativamente...

A constante geopolítica do Portugal europeu não mudou: perdemos o Império em 1974, abrigámo-nos à União Europeia, a África despreza-nos como outrora (e agora) o Brasil, os EUA crentes no valor absoluto da supremacia aérea dispensam-nos, a Grã-Bretanha (que conserva Gibraltar perante a resignação espanhola, que todavia, defende Ceuta e Melilla...) isolou-se da política continental, a França e a Itália estão outra imersas em problemas internos e a Alemanha porta-se novamente como Estado diretor da União, a quem todos se vergam, parecendo seguir mais o modelo do general Karl Haushofer - ver Losano, Mario (2008). Karl Haushofer (1869-1946): o pai da geopolítica das ditaduras europeias. Verba Juris) - do que o seu inspirador - cf. O'Laughlin, J. e Wusten. H. (1990). Political Geography of Panregions. Geographical Review - da pan-região europeia, o austríaco conde Richard Coudenhove-Kalergi (filho de um diplomata austro-húngaro e de uma herdeira japonesa).

Engana-se quem negligencia o contexto da delicada circunstância política nacional que, aliás, não pode ser resolvida unicamente pela recuperação agrícola dos últimos anos, edulcorada pela literatura de justificação, sobre a negociação de adesão às Comunidades Europeias de 1977-1985 e os desastrosos programas agrícolas europeus posteriores, que tentou fazer o Presidente da República no seu discurso de hoje, quase três décadas depois. Num quadro perigoso de debilidade lusitana, vale-nos a ainda maior fraqueza castelhana que coincide com o crescimento dos nacionalismos basco e catalão...


Atualização: este poste foi atualizado às 20:36 de 10-6-2013.

As condecorações do Presidente Cavaco Silva

domingo, 9 de junho de 2013

Papa Francisco: «Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão»

Resposta do Papa Francisco a um fiel sobre o compromisso político dos cristãos, em audiência a alunos de escolas jesuítas, em 7-6-2013, na Aula Paulo VI, no Vaticano:
«Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão. Nós, cristãos, não podemos fazer de Pilatos, lavar as mãos. Não podemos! Temos de nos meter na política porque a política é uma das formas mais altas de caridade. Porque procura o bem comum. Os cristãos leigos devem trabalhar na política. (...)
A política é demasiado suja. Mas eu pergunto-me: "é suja porquê?". É suja porque os cristãos não se meteram nela com espírito evangélico?... É uma pergunta que te deixo. É fácil dizer que a culpa é daquele... Mas eu, o que faço?... É um dever! Trabalhar para o bem comum é um dever de um cristão.» (Tradução minha).
Habemus Papam! Um com um discurso novo e duro, como nesta outra resposta de improviso, na mesma audiência:
«A crise que nós, neste momento, estamos vivendo (...) é uma crise humana. Diz-se: "é uma crise económica, uma crise do trabalho"... Sim, é verdade. Mas porquê? Porque este problema no trabalho, este problema na economia (...) são consequências do grande problema humano. Aquilo que está em crise é o valor da pessoa humana. E nós devemos devemos defender a pessoa humana. (...) É a crise da pessoa. Hoje, a pessoa não conta. (...) Conta o dinheiro. E Jesus deu o mundo, tudo o que criou, à pessoa, ao homem e à mulher, para que o desenvolvessem, não ao dinheiro. (...) A pessoa está em crise porque a pessoa hoje (...) é escrava. E nós devemos libertá-la destas estruturas económicas e sociais que a escravizam. (...) É essa a vossa tarefa.» (Tradução minha).


Desde os últimos anos da década de 1970, e apesar dos textos do Concílio Vaticano II e das mensagens papais, foi instilada, por forças internas e externas, nos cristãos da Europa Ocidental e da América do Norte a ideia de que deveriam afastar-se da política, uma ideia falaciosamente justificada com a doutrina da separação de Deus e do Estado. Internamente, a mensagem foi passada sobre o pretexto cómodo (fraco e promíscuo) de que a política era uma atividade indigna para um cristão. Externamente, a mesma mensagem foi veiculada, ubiquamente, sob o princípio, pretensamente democrático mas proveniente da ideologia do politicamente correto, de que os cristãos deveriam parar de promover os seus valores na sociedade e deveriam confinar-se às capelas e às suas famílias. No fundo, o motivo não era apenas a defesa da imunidade (que o Padre Vieira reconhecia ser o maior bem do eclesiástico), mas uma conjunção supostamente progressista nos costumes, um aggiornamento mundano da recomendação social da Igreja. Nessa conformação com o domínio do politicamente correto, na qual o cristão foi relegado para uma categoria de sub-humano com menos direitos e deveres políticos do que os ateus, a abstenção foi, em si mesma, um modo prático de colaboracionismo com os adversários, compensada pelo poder, na sua relação com as estruturas nacionais e locais dirigentes da Igreja, com deferência, subsídios, pensões (capelanias) e proteção mediática, e na sua relação com católicos proeminentes, com tachos e segurança financeira.

O efeito desta resignação política foi catastrófico para a sociedade. É altura de mudar. Chega de recuo! E de egoísmo promíscuo. É tempo de intervenção.

sábado, 8 de junho de 2013

Ventos de mudança na política financeira na Europa e a continuidade de Vítor Gaspar

Cresce a onda para uma viragem da política europeia da moeda alta/austeridade para moeda baixa/quantitative easing. Veja-se a maior liberdade do presidente francês, em Tóquio, em 7-6-2013, refém da proteção alemã para manter juro baixo na dívida pública, em ousar criticar a sacro-germânica política moeda alta e controlo monetário estrito, a que a Comissão Europeia, para além do Banco Central Europeu, tem estado presa. E na própria Alemanha, as sondagens indicavam no final de maio de 2013, uma ligeira maioria de esquerda: a CDU/CSU cresce, mas à conta do seu parceiro de coligação FDP...

A promessa da nova teoria milagrosa do quantitative easing é a depreciação cambial competitiva com redução da dívida pública através da criação eletrónica de moeda. Uma política que tem sido praticada pelos EUA de Bernanke/Obama e agora também pelo Japão, de Shinzo Abe. No quantitative easing, o Estado cria moeda para comprar aos investidores os títulos de dívida que ele próprio emite, reduzindo a dívida pública artificialmente e, como lança mais moeda para circulação deprecia o seu valor face às outras, melhorando a balança comercial. Num ambiente de penúria de empresas e das famílias, atascadas em dívidas, e devido à procura de títulos em dólares e noutras moedas fortes noutras partes do mundo, o quantitative easing não tem, por enquanto, provocado um aumento significativo da inflação nos EUA, no Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte ou no Japão (que se mantém abaixo dos 2,5%). Embora, seja espectável que no futuro próximo isso venha a ocorrer: não há almoços grátis com impressão de moeda.

Não creio na política monetarista-socialista do quantitative easing e prefiro o equilíbrio orçamental. Mas não parece haver alternativa na Europa à criação de moeda quando norte-americanos e japoneses depreciam as suas moedas para tornar as suas exportações mais baratas. A possibilidade de provocar uma descida do euro através da redução da taxa de juro do Banco Central Europeu não é viável, pois esta encontra-se no valor record de 0,5% (neste mês de junho de 2013) e muito pouco mais pode descer. Ora, a recuperação económica no velho continente só é possível se a zona Euro trouxer a sua moeda para um valor próximo da sua competitividade económica: o euro, como qualquer moeda, deve valer o que a economia da Europa vale. O euro não pode continuar a ser empolado pela política germânica, imposta a toda a Europa, de prioridade ao poder de compra dos alemães numa economia virtualmente em pleno emprego: em abril de 2013, 5,4% de taxa de desemprego geral e 7,5% de taxa de desemprego jovem na Alemanha - em comparação, no mesmo mês de abril de 2013, com os 27,2% de desemprego geral e 57,2% de desemprego jovem, em Espanha, ou, ainda no mesmo mês, em Portugal, 17,8% de desemprego geral e 42,5% de desemprego jovem!...

E assim chegamos à política nacional: o apóstolo nacional da política germânica de austeridade e moeda alta, o Dr. Vítor Gaspar, deve ser substituído no Ministério das Finanças. Porque não pode advogar uma política e logo a seguir, sem período de nojo, a sua contrária. Na verdade, essa política falhou em Portugal na economia e também nas finanças públicas. Creio até que não sucedeu porque não se atalhou a corrupção e se ergue uma austeridade iníqua: uma austeridade que os portugueses tolerariam desde que fosse rija com os poderosos, nomeadamente os beneficiários das parcerias público-privadas. Nesse capítulo, Gaspar até poderia começar no seu ministério substituindo a vista grossa do Observatório do QREN, mas decidiu nessa e noutras áreas que lhe competem, jamais afrontar a corrupção do País, para ganhar um salvo-conduto socialista - note-se a recusa em fornecer aos juízes dados, a que o seu Ministério tem acesso, sobre a utilização individual de cartões de crédito do Tesouro pelos governantes anteriores. Portanto, uma nova política precisa de um novo ministro das Finanças.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

A necessidade de um Plano Marshal para a recuperação da economia dos países do sul da Europa

Quando o próprio FMI admite falhas no resgate financeiro da Grécia e aponta o dedo ao falhanço nas escolhas das reformas estruturais determinadas pela Comissão Europeia naquele país (ver WSJ, de 5-6-2013, o Monde, de 5-6-2013 e o Ekathimerini, de 6-6-2013), recomendo a leitura do artigo de Mathew O'Brien, The Mystery of Why Portugal Is So Doomed, em 5-6-2013, em The Atlantic, onde se expõe o problema da falta de crédito às pequenas e médias empresas (PMEs) portuguesas e a sua consequência na queda do Produto Interno Bruto (PIB).

No artigo, é evidenciado o problema da corrupção em Portugal - referindo o artigo por Mathew Iglesias, na Slate, em 6-7-2012, «Southern Europe's small business problem». Todaiva, as PMEs portuguesas não escolhem ficar desse tamanho porque a corrupção é mais fácil nessa dimensão, mas ao contrário: são as grandes empresas que conseguem subsídios do Estado e crédito mais facilmente, devido a políticas seletivas que as protegem. Por isso, sou contra as políticas seletivas que permitem aos negociadores da mercadoria dinheiro, obter fundos do Estado, com elevado custo por trabalhador (chegando-se a casos de «investimentos superiores a um milhão de euros por trabalhador»): é melhor distribuir os benefícios de modo uniforme, nomeadamente pela via fiscal.

Note-se, todavia, que a corrupção é um assunto tabu para a esquerda sistémica portuguesa: o PS não fala sobre isso; e o Bloco e o PC omitiram geralmente a corrupção do Governo Sócrates e pouco falam da atual. O que se regista nas empresas, aliás, são «lucros abissais» - como dizia Jerónimo de Sousa, antes de lhe terem explicado o significado semântico...

Sem crédito, o investimento estiola. Numa economia, como a portuguesa, que assenta na força das pequenas e médias empresas, o estrangulamento do crédito às PMEs, de que é maior exemplo a Caixa Geral de Depósitos, também provoca recessão económica. Essa asfixia, que o Banco Central Europeu   negligencia, é ainda mais penosa num contexto de recuperação das exportações por parte das empresas portuguesas, com ganhos de competitividade pela necessidade de concorrer em mercados externos, que são mais exigentes.

Realmente, a economia portuguesa, e especialmente as PMEs, precisam de uma espécie de Plano Marshall - não basta a esmola alemã de apoio do KfW, prometido por Wolfgang Schäuble a Vítor Gaspar. Um plano de apoio - sem discriminação setorial - que inclua uma mudança na fiscalidade, para aliviar o custo proibitivo do trabalho (IRC, Taxa Social Única) e que contemple uma redução significativa do IRC sobre as pequenas e médias empresas e que chegue à isenção absoluta no caso de micro-empresas. Um plano alargado às PMEs dos países do sul da Europa. O Governo tem de mudar de cassete.