segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Misericórdia




A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) contratou Paulo Pedroso, noticia a jornalista Maria Henrique Espada, na revista Sábado, de hoje, 25-11-2020

 "O ex-socialista e diretor de campanha de Ana Gomes assinou contrato em setembro, com efeitos retroativos a abril. Na mesma altura, foi também contratado pela Associação Mutualista Montepio, que se cruza com a Santa Casa como acionista. (...) A deliberação 1473/2020 de 25 de setembro da administração da SCML formalizou o contrato com Pedroso, no valor de 3.700 euros mensais (brutos), como consultor externo para um projeto de políticas de longevidade”.

Ex-subordinado do ex-ministro da Solidariedade e Segurança Social e seu colega no ISCTE, o provedor Edmundo Martinho contratou Paulo Pedroso logo após este perdido o cargo e o salário de diretor-adjunto suplente do Banco Mundial (Alternate Executive Director) em Nova Iorque, cargo que ocupara, em abril de 2018, em representação de Portugal, nomeado pelo Governo de António Costa. O atual representante do País no World Bank é Miguel Coelho, ex-economista chefe do Ministério das Finanças então dirigido por Mário Centeno.

Note-se que Paulo Pedroso perdeu a guerra de cerco da sua fação a António Costa, no Verão de 2019, uma fação à qual pertence Edmundo Martinho, provedor da SCML. Esse conflito interno saldou-se com uma derrota mal compensada pela queda, numa situação raríssima, de José António Vieira da Silva, visto pelo grupo poderoso como traidor depois de se ter passado para o socratismo em 2005. Em janeiro de 2020, Paulo Pedroso, seguindo ironicamente o movimento do seu rival José Sócrates (em maio de 2018), desfiliou-se do PS, no qual sobreviveu sua mulher, Ana Catarina Mendes, como líder parlamentar.

E qual foi a justificação apresentada pelo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho, para a contratação por 3.700 euros mensais, em abril de 2020, do amigo Paulo Pedroso recém-desempregado do Banco Mundial? A consultoria num projeto de criação de uma “Estratégia Nacional” de “Políticas Públicas de Longevidade”. Um caso diferente das fotocópias de legislação sobre educação pela qual, na ressaca do dispendioso processo da Casa Pia, o seu irmão João Pedroso recebeu 290 mil euros da amiga ministra Maria de Lurdes Rodrigues, em 2007 (ver Público, de 15-3-2009).

Contudo, Paulo Pedroso está na calha para se tornar provedor da Misericórdia de Lisboa. Não só porque o seu amigo Edmundo o deseja como sucessor, mas porque o primeiro-ministro pretende o armistício da guerra fratricida interna. Note-se que Pedroso é o coordenador de campanha de Ana Gomes, no pleito presidencial em que Costa estabeleceu uma neutralidade colaborante com Marcelo Rebelo de Sousa, embora formalmente o Partido Socialista se abstenha de apoiar qualquer candidato.

Assim, António Costa prepara-se para nomear o potencial rival Paulo Pedroso para o consolo de provedor da SCML, uma megainstituição de caridade, com um vasto conjunto de equipamentos, dedicados à infância e juventude, inclusivé várias casas de acolhimento de crianças e jovens em risco. O efeito que esta prevista nomeação governamental de Paulo Pedroso para provedor da SCML provocará nos utentes e funcionários da Santa Casa, bem como a comoção nas pessoas que sempre acreditaram nos testemunhos judiciais das vítimas dos abusos sexuais da Casa Pia, parece pouco importar ao primeiro-ministro António Costa. 


* Imagem picada daqui.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): Paulo José Fernandes Pedroso foi detido preventivamente, em 21-5-2003, por indícios da prática de 15 crimes de abuso sexual de menores. Foi libertado em 8-10-2003 do Estabelecimento Prisional de Lisboa, dirigindo-se imediatamente à Assembleia da República, onde foi recebido em triunfo pelos seus pares socialistas. Foi deduzida acusação contra ele pelo Ministério Público, em 29-12-2003, através dos procuradores João Guerra, Cristina Faleiro e Paula Soares e João Guerra da 2.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Distrito Judicial de Lisboa, no chamado processo de pedofilia da Casa Pia, por 23 crimes de abuso sexual de menores sobre quatro crianças. Porém, não foi pronunciado pela juíza de instrução Ana de Barros Queiroz Teixeira e Silva, em 31-5-2004, e não foi a julgamento. Em 9-11-2005, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sua não pronúncia.