segunda-feira, 24 de março de 2014

O «animal feroz» cercado

Finalmente, o programa domingueiro de José Sócrates na RTP-1, agora quinzenal, deixou o ponto e ganha um entrevistador. Parabéns ao jornalista José Rodrigues dos Santos que confrontou ontem, 24-3-2014, o ex-primeiro-ministro com o seu passado e as suas palavras. Cercado pela própria demagogia, balbuciante, de sorriso amarelo e com o rosto atrofiado pelos incontidos esgares de raiva, o auto-intitulado «animal feroz» (Expresso, n.º 1656, 24-7-2004) confessou: «não vinha preparado para isto»...

O vídeo tem sido por aí ubiquamente bloqueado por zelosos funcionários da RTP num esforço inédito, mas fica aqui o linque da entrevista (na segunda parte do Telejornal de ontem, a partir das 20:45): http://www.rtp.pt/play/p1395/e148170/telejornal/344286.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Coadoção e agenda totalitária 

(Atualizado)


Não tenho a mínima expetativa positiva sobre a votação final, em plenário, do projeto de lei da coadoção por casais homossexuais no Parlamento, nesta sexta-feira, 14-3-2014.

Acho que a direção do PSD fez, nos Passos há muito perdidos, uma peça de teatro em três atos, de zizezague político, conforme ao seu interesse:
  1. Euforia inicial cúmplice com a reengenharia social da coadoção (e adoção) de crianças por casais homossexuais, que culminou na aprovação inicial, em 17-3-2014, com liberdade de voto (e liberdade de falta numa votação muito importante, sendo aqui denunciadas as faltas táticas de 17 deputados do PSD, em 97 que a bancada possui) com descida à comissão para debate na especialidade.
  2. Invocação tática de um referendo propositadamente equívoco sobre a co-adoção e adoção de crianças por casais homossexuais, a propósito da escolha do candidato do PSD à eleição presidencial e com as eleições europeias por fundo, para polarizar apoio do setor conservador da sociedade;
  3. Regresso à liberdade de voto inicial, mais discreta e, aparentemente, desta vez, sem faltas táticas e viagens patagónicas coincidentes.

Correrá, portanto, a peça conforme o texto do dramaturgo/encenador. A direção do PSD mostrará ao País (com evidência para a deputada Francisca Almeida, de Guimarães, e para a deputada Carina João Oliveira, líder da secção do PSD de... Fátima!...) que é muito moderna, muito progressista, muito prafrentex, muito liberal de esquerda nos costumes. Mas cada deputado deve assumir, perante os eleitores que o elegeram com determinada plataforma, como votou nesta questão.

Provavelmente, as crianças órfãs ficarão sem direito constitucional a um pai e uma mãe, sujeitas a uma escolha que os adultos liberais, juízes e procuradores e assistentes sociais e orfanatos liberais, hão-de fazer por elas, sujeitando-as à descontrução dos papéis biológicos, à vergonha na rua e na escola e ao extremo doloroso da intimidade na higiene, no vestir e despir, no caso de meninas adotadas por casais homossexuais masculinos e, ainda que, em menor grau (admitidos os estudos) vice-versa. Como escrevi em 5/3/2014, deve atender-se à
«evidência científica no megaestudo de Mark Regnerus, de 2012 (e a sua resposta às críticas enviesadas do poderoso lóbi), sobre os resultados da educação de crianças por pais homossexuais. Ou o artigo de Douglas Allen, de dezembro de 2013, no qual este conclui, relativamente à sua amostra, que: no caso dos pais gays, os filhos têm 69% da probabilidade dos filhos de pais heterossexuais terminarem o liceu; as filhas de pais gays tem apenas 15% (15%!?...) de probabilidade de terminar o liceu, em comparação com 45% no caso de raparigas filhas de lésbicas; no caso dos rapazes filhos de casais de lésbicas a percentagem sobe para 76%, mas desce para 61% no caso de pais gays
Na véspera da votação à noite (argumento de bolso, de última hora, para convencer deputados ingénuos), o jornal Público, de Bárbara Reis e Cláudia Azevedo, de 14-3-2014, atesta:
«Crianças de casais homossexuais desenvolvem-se como as outras
Ana Cristina Pereira
13/03/2014 - 21:04
Revisão de literatura científica revela que casais de lésbicas, em certos aspectos, até exercem melhor a parentalidade»
É a jornalista, a diretora, o jornal, que atestam. E para justificar a testada, a jornalista vale-se de mais um estudo (que não identifica claramente, apesar de referir o estudo publicado na Ex-Aequo) de Jorge Gato e Anne Marie Fontaine, do «Centro de Psicologia Diferencial» da Universidade do Porto (ou será Grupo de Investigação em Psicologia Diferencial do «Centro de Psicologia da Universidade do Porto»?). Qual dos estudos destes dois investigadores será?
Gato, Jorge; e Fontaine, Anne M. (2011). Impacto da orientação sexual e do género na parentalidade: Uma revisão dos estudos empíricos com famílias homoparentais. Vila Franca de Xira. Ex aequo, (23), 83-96.
A Ex Aequo é uma revista de «estudos feministas».

Ou será algum destes dois que constam no sítio da ILGA-Portugal?
Gato, Jorge C.; Fontaine, A. M.; Carneiro, Nuno S. (2010). Percepção de futuros profissionais de áreas psicossociais sobre o desenvolvimento psicológico de crianças educadas em famílias homoparentais. Actas do VII Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia.
Gato, Jorge, e Fontaine, Anne M. (2011). Desconstruindo preconceitos sobre a homoparentalidade. LES Online, 2(2). 
LES Online é uma «Publicação Digital sobre Questões Lésbicas». Esta publicação disponibiliza no seu sítio a apresentação "Que se F... o medo!», LES Online, Vol. 5, No 1 (2013) - no lançamento do livro “Trans iberic love”, de Raquel Freire (2013), Divina Comédia - feita por São José Almeida, que creio ser a jornalista do Público. Aí se refere o axioma de Judith Butler de que «o sexo é uma construção social» e o «Feminismo da Terceira Vaga».

Ou ainda este?
Gato, Jorge; e Fontaine, Anne M. (2013). Anticipation of the sexual and gender development of children adopted by same-sex couples. International Journal of Psychology, 48(3), 244-253.
Ou aquele?
Gato, Jorge; Freitas, Daniela; e Fontaine, Anne M. (2013). Attitudes Toward Same-Sex Parenting: Exploratory, Confirmatory, and Invariance Analyses of Two Psychometric Scales. Journal of GLBT Family Studies, 9(3), 205-229. (linque livre apenas para o resumo)
GLBT é o acrónimo de Gay, Lésbicas, Bissexuaisl e Transsexuais. Ultimamente também é acrescentada mais uma letra - GLBTT -, de Transgénero («pessoas que estão constantemente em trânsito entre um gênero e outro»). E ainda o neoconceito de Interssexuais («preferível ao termo hermafrodita, já bastante estigmatizado, precisamente porque hermafrodita se referia apenas a questão dos genitais visíveis»).

Para que se compreenda a tendência para o enviesamento ideológico nos estudos científicos dos efeitos nas crianças da parentalidade por casais homossexuais, que apoiam os direitos dos casais homossexuais à co-adoção e adoção de crianças, veja-se esta explicação de Gato e Fontaine (Desconstruindo..., 2011):
«De acordo com alguns autores (e.g., Clarke, 2000), ao considerar o exercício da parentalidade por pessoas homossexuais como eventualmente prejudicial, a investigação está ela própria a ser vítima de um enviesamento heterossexista.»
E embora estes dois autores considerem que, nesse seu trabalho, «a comparação com famílias heteroparentais foi essencial para avaliar os fundamentos das atitudes sociais preconceituosas relativamente à homoparentalidade», não deixam de dizer que
«No entanto, não podemos deixar de considerar também que a utilização desta abordagem é limitativa. A utilização de um grupo de controlo heterossexual pode mesmo constituir-se como um obstáculo à compreensão mais aprofundada das dinâmicas próprias às famílias homoparentais (Patterson, 1992).»

É neste contexto que se avaliam os efeitos: estudar a criação de crianças por casais homossexuais em comparação com casais heterossexuais é considerado, desde logo, como inconveniente!...

Devo indicar o meu disclaimer científico (e não dou opinião sequer sobre a qualidade científica destes trabalhos, que não ponho em causa): não acredito no argumento da fonte (autor ou publicação) para invalidar estudos científicos. Acredito em questionários equilibrados, em números, em algoritmos, em amostras representativas e na admissão cândida (que é condição de honestidade) de amostras de conveniência (que não deixo de valorizar, na medida do seu tamanho e dos segmentos inquiridos). A proveniência é o que é: não é mais, nem menos. Não invalida, por si só, conteúdos. O enviesamento (bias) não torce números, nem algoritmos, nem transforma amostras de conveniência em amostras probabilísticas. O problema da grande maioria dos estudos nem sequer é a escolha enviesada dos resultados favoráveis à posição do autor e a negligência, ou menosprezo, dos resultados que a contrariam. Vulgarmente, o problema começa logo com questionários desequilibrados. Lembro-me sempre de um colega professor, que foi meu professor destes assuntos, e que creio ser, sem desprimor dos demais, dos técnicos mais rigorosos na construção de questionários em Portugal. Ele indicava, como exemplo de enviesamento, que a pergunta dos referendos sobre o aborto, em 1998 e em 2007, conduzia a uma resposta afirmativa: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?». Pois, descontada já a expressão «por opção da mulher» (cuja formulação vai no mesmo sentido), a pergunta justa deveria ser: «Concorda, ou não concorda, com...». O que se tem passado nos temas fundamentais da ideologia do politicamente correto, com a sua ramificação da ideologia do género, é uma enorme pressão, de natureza totalitária, na academia, nos média, nas elites políticas, para a subjugação da ciência aos ditames ideológicos.

A ideologia do politicamente correto é um totalitarismo mais, nos sobressaltos de delírio que história da humanidade tem sofrido. Cairá, como caiem todos os impérios que obrigam todos a pensar da mesma maneira e não permitem ao indivíduo que se expresse de forma livre. Até lá, temos de a sofrer - mas combatendo-a.

Não é por esta ou por aquela derrota que rendemos a esperança.


Pós-Texto 1 (12:16 de 14-3-2014): Comentário da deputada Carina João Oliveira
A deputada Carina João Oliveira deixou. às 11:25 de 14-3-2014, um comentário na caixa de comentários deste blogue, que trago para o corpo do poste:
«Queira por favor ter o cuidado de ler a minha declaração de voto sobre o assunto em causa, quer na primeira votação: contra, igualmente espelhada na delcaração de voto aquando da questão do referendo. Que também sou contra.
Ser contra a co-adopção e ser contra o referendo à mesma matéria, parece ter sido causa de alguma má interpretação da vossa parte.
Agradeço a correcção dessa má interpretação, que está publicamente e devidamente declarada na pagina parlamentar da minha actividade enquanto deputada.
Assim queiram ser esclarecidos.
Melhores cumprimentos,
Carina João Oliveira»
Com efeito, a deputada Carina João Oliveira esteve presente, em 17-5-2013, na primeira votação do Projeto de Lei n.º 278/XII (do PS) sobre a coadoção de crianças por casais homossexuais, e verifico que votou contra. No que concerne ao referendo, linquei a notícia do DN, de 17-1-2014, que dava conta de que deputada Carina Oliveira (tal como Francisca Almeida) estava contra a proposta de consulta popular, uma notícia que não indicava o motivo. Diz a senhora deputada que votou contra o referendo sobre a codoção, e adoção, de crianças por casais homossexuais, e que apresentou declaração de voto. Procurei essa declaração sua sobre o referendo como me recomendou, mas não a encontrei nas intervenções do seu registo de atividade e também não consta o conteúdo da sua declaração de voto contra sobre a proposta do PS sobre a coadoção de crianças por casais homossexuais. Indicarei as razões que terá aduzido nessa declaração de voto sobre o referendo, quando ela me chegar.
Eu, e os portugueses, queremos ser esclarecidos: a senhora deputada quer esclarecer?


Pós-Texto 2 (13:21 de 14-3-2014): Resultado da votação sobre a coadoção de crianças por casais homossexuais
O projeto do PS sobre a coadoção de crianças por casais homossexuais não passou na votação final plenária no Parlamento, hoje, 14-3-2014:
  • A favor: 107 
  • Contra: 111 (PSD e CDS)
  • Abstenções: 5 (3 do PSD e 2 do PS)


Mais tarde, tentarei indicar quem no PSD votou a favor. No PSD abstiveram-se os deputados João Prata, Conceição Caldeira e Maria José Castelo Branco; no PS, abstiveram-se os deputados João Portugal e Isabel Oneto. O CDS mudou da liberdade de voto anterior (que tinha dado 3 abstenções anteriores na primeira votação) para a disciplina de voto contra. Os deputados dos demais partidos de esquerda votaram todos a favor.

Procurarei também conhecer os oito deputados faltosos, especialmente no PSD, e escrutinarei as razões oficiais de falta que apresentarem - e se a Presidente da Assembleia Assunção Esteves recusar a informação ou demorar excecionalmente prestá-la, denunciarei aqui o facto, tal como fiz em 25-7-2013 - com a votação incial do diploma em 17 de maio de 2013.

Creio que no PSD se temeram os efeitos de ricochete do tiro moderno da coadoção. E, tal como CDS, em vésperas de eleições europeias mais difíceis, se recuou. O resultado é, por isso, uma vitória tática e não estratégica.

Prevaleceu, por enquanto, a posição conservadora no Parlamento. Veremos por quanto tempo. Nós, aqui, que nos empenhámos com muito esforço nesta luta, ficamos satisfeitos com o resultado alcançado, que passou muito pela denúncia feita neste blogue das faltas táticas na bancada parlamentar do PSD na votação inicial de 17-5-2013. Esta é outra vitória do povo.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Cavaco atira a pedra e esconde a mão

A decisão do Presidente Cavaco Silva exonerar os seus consultores da Casa Civil, Dr. Vítor Martins e Eng. Sevinate Pinto não retira uma linha ao que escrevi ontem sobre o Manifesto para a reestruturação da dívida. Pelo contrário, acrescenta outra. Apesar da invocação oficial de Belém de que os dois não deram «ao Presidente previamente informação nem conhecimento da sua iniciativa» e do seu declarado distanciamento póstumo do manifesto. Ora vamos lá pô-la. Escrevi ontem, 12-3-2014 aqui:
«Não é possível que Leite, Martins e Sevinate, tivessem subscrito o manifesto sem autorização de Cavaco» 
A vírgula, então:«,»
pelo contrário, hão-de tê-lo feito com inspiração do próprio presidente que aliás  deve ter sido contactado pelos prováveis organizadores do Manifesto (Soares, com apoio do operacional Vítor Ramalho, mas também Cravinho e Pacheco Pereira). 
Cavaco Silva demorou trinta horas - entre as 10:15 de 11-3-2014 (notícia do Manifesto no Expresso) e as 16:59 de 12-3-2014 (notícia da sua decisão) para exonerar os seus colaboradores?!... Aí está a prova daquilo que entendo ser a sua maquinação, a sua hesitação e a sua fuga. Cavaco fez com Vítor Martins e Sevinate Pinto o que antes já tinha feito com Fernando Lima (em 21-9-2019). Pior, porque nesse caso foi obrigado a recuar e agora os dois colaboradores de ontem já nem constam hoje, quinta-feira, 13-3-2014, na lista da sua Casa Civil.

Cavaco usou, deu corda e aflito com as consequências... deixou cair. A sua fraqueza moral leva-o a recuar perante o perigo e a sacrificar soldados, que abandona desamparados no campo de batalha. Com esse comportamento cínico, desmotiva o empenhamento dos seus colaboradores e aliados e exibe um sinal de fraqueza perante os adversários. Sócrates, com todos os defeitos que lhe conhecemos, nunca o faz porque sabe que essa é uma condição indispensável de poder: no man left behind.

Do Portugal Profundo, não concordo com o Manifesto subscrito por Vítor Martins e Armando Sevinate Pinto. Mas tenho a melhor das referências sobre o sentido do dever e o seu patriotismo de um e de outro. Creio que eles, insuspeitos de socialismo, foram inspirados pelo próprio Presidente para uma posição muito desconfortável de apelo ao não pagamento da dívida pública do País - que dificilmente seria a sua - e que, como homens de honra, que acredito serem, assumiram aceitaram pessoalmente o odioso da manobra para afinal, protegerem quem os deixou cair.

Numa altura em que o País se apresta para retomar a sua soberania formal,- com taxas de juro das obrigações do Estado rebaixadas pela conjunção do cumprimento pacífico do programa de ajustamento e recuperação económica e da modificação da política europeia desde a presidência Draghi do BCE (1-11-2011) face à ameaça Marine Le Pen, com compra maciça de títulos no mercado secundário, e agora com a mudança do tabuleiro financeiro para o tabuleiro geopolítico após a anexação da Crimeia pela Rússia, em 28-2-2014 - Cavaco manifesta a sua oposição a essa reconquista formal, em nome de um «programa cautelar». A forma de «programa cautelar» só tem interesse para si, e para a oposição, para dizer que o Governo falhou no cumprimento do programa de ajustamento porque não seguiu os conselhos equívocos de Sua Excelência. Mas se, na verdade, não é Governo o autor principal do mérito nem a União Europeia/FMI, se foi o povo, as famílias e as empresas, que sucederam no sacrifício de uma injusta austeridade desigual, quem não entende isto despreza o duplo sacrifício do povo em proveito da cínica tática política.

Aliás, a fundamentação da reestruturação da dívida que o Protocolo apresenta e a análise que o Presidente faz no prefácio do livro «Roteiros VIII» do Presidente e  não é muito diferente, o que indica uma análise convergente. Justifica-se no Manifesto:
«A dívida pública tornar-se-á insustentável na ausência de crescimento duradouro significativo: seriam necessários saldos orçamentais primários verdadeiramente excepcionais, insusceptíveis de imposição prolongada.»
Diz Cavaco Silva no prefácio deste seu livro, publicado em 8-3-2014:
«Pressupondo um crescimento anual do produto nominal de 4 por cento e uma taxa de juro implícita da dívida pública de 4 por cento, para atingir, em 2035, o valor de referência de 60 por cento para o rácio da dívida, seria necessário que o Orçamento registasse, em média, um excedente primário anual de cerca de 3 por cento do PIB. Em 2014, prevê-se que o excedente primário atinja 0,3 por cento do PIB. (...)
Depois de concluir os respetivos programas de ajustamento, estes países continuarão sujeitos a uma supervisão pós-programa até terem reembolsado pelo menos 75 por cento dos empréstimos que lhes foram concedidos pela União Europeia, período que pode ser prorrogado por decisão do Conselho, sob proposta da Comissão.
Face à extensão em sete anos do vencimento dos empréstimos concedidos a Portugal pela União Europeia (52 mil milhões, no final do programa de ajustamento), não se prevê que ocorram reembolsos antes de 2025 e que a percentagem de 75 por cento dos reembolsos seja atingida antes de 2035.»
O Presidente de Portugal não acredita no País. No prefácio do livro, a palavras «crescimento» aparece 20 vezes contra apenas 2 vezes a palavra «austeridade», o que é coerente com as críticas que tem feita à política austera do programa de ajustamento. E mais sabe que o «compromisso» (19 vezes gasto no prefácio) em que teima, com os socialistas e quem mais fosse, exigiria a abertura dos cordões de uma bolsa quase vazia. Por mor de quê, senão da importância vazia de si próprio, é que Cavaco quer passar da contenção atual para o desbragamento socialista?...

Com esta guinada à esquerda, que se soma aos vetos e intervenções críticas sobre medidas de austeridade do Governo - e até a manifestação de oposição ao referendo sobre a coadoção e adoção de crianças por casais homossexuais!...  - Cavaco queria voltar ao comando político do País, com um governo attrape-tout de salvação nacional, a que agora chama «compromisso nacional de médio-prazo». Nisso insiste mesmo depois do País náufrago e ferido ter dado à costa de si e começar a recompor-se, Cavaco quer torná-lo uma cobaia de curandeiros charlatões, sujeito a mezinhas contraditórias em vez de alimento e autonomia.  Ainda que para tal ouse envolver-se numa salada russa azeda que vai da direita dos interesses ao radicalismo marxista de Carvalho da Silva, de Francisco Louçã e da filha (como leio no Manoelinho) de Camilo Mortágua!... Cavaco falhou redondamente. Fica ainda mais mais isolado, mais marginal, mais irrelevante.

quarta-feira, 12 de março de 2014

O manifesto da frente soarista

O Manifesto «Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente», ou «Manifesto dos 70», de 11-3-2014, que apela ao Governo a «reestruturar [leia-se não pagar], pelo menos, a dívida acima de 60% do PIB», é apenas mais um episódio da tentativa socialista de insurreição popular contra o Governo para a reposição do PS no poder.

A reestruturação da dívida (eufemismo para o seu não pagamento...) deixaria Portugal, um país pobre tradicionalmente deficitário na produção agrícola, extrativa e industrial, com um Estado sem credibilidade para obter novos empréstimos e sujeito a problemas de liquidez para pagamento de salários, pensões e outras prestações sociais, e sujeita à litigância internacional de credores irredutíveis como acontece com a Argentina há mais de uma década, ela mesma todavia excedentária na produção agrícola, extrativa e com tradição industrial. O manifesto considera que
«A dívida pública tornar-se-á insustentável na ausência de crescimento duradouro significativo: seriam necessários saldos orçamentais primários verdadeiramente excepcionais, insusceptíveis de imposição prolongada.»
Mas o que, ao contrário, é insustentável é a não existência de saldos orçamentais primários que cubram os juros da dívida contraída. Temos mesmo de viver com aquilo de que dispomos: essa é a condição de sustentabilidade de qualquer povo. Porque se não cumprimos o serviço da dívida, mais ninguém nos empresta nada e passaremos então a viver de acordo com uma condição que à paartida renegámos por causa de 4% de saldo orçamental. Isto é, ocorreria então, na mesma, aquilo que os manifestantes recusam cumprir.

Discuto neste poste, a lista dos subscritores e os motivos do manifesto.

Na lista dos 70 subscritores sobressaem incompatibilidades políticas, alianças de clãs e ausências táticas. Todos diferentes nas opções ideológicas, todos iguais e unidos, pelas circunstâncias, no ódio ao Governo. Não tenho tempo para fazer um sociograma de quem-controla-quem, mas fica um registo geral.

Nas incompatibilidades políticas, destacam-se (por ordem alfabética): Adriano Moreira, Alfredo Bruto da Costa, António Bagão Félix, António Capucho, António Saraiva, Armando Sevinate Pinto, Carlos Moreno, Diogo Freitas do Amaral, Eugénio Fonseca, Fausto Quadros, José Tribolet, Manuel de Lemos, Manuel Porto, Manuela Ferreira Leite, Ricardo Bayão Horta, Rui Marques e Vítor Martins. Destes, vários já se tinham convertido à fraternidade socialista-soarista há muito tempo, como são os casos de Freitas do Amaral, de Bagão Félix (em 2002), de Luís Braga da Cruz e de Alfredo Bruto da Costa, ou o líder da CIP (?...) António Saraiva, outros são conversões recentes, como é o caso do neo-soarino/socratino Carlos Moreno ou o zangado Capucho (que alinha em todos os grupos descontentes. Outras ainda eram expectáveis, como o meu professor Adriano Moreira - hoje uma sombra do que, afinal, nunca foi -, ou os melicianos Manuel de Lemos e Eugénio Fonseca. E outros uma surpresa: a maior delas, Manuela Ferreira Leite (e por arrasto, Vítor Martins e Sevinate Pinto); mas também o meu professor Manuel Porto ou Rui Marques (ex-MEP) ou Tribolet. O que faz Manuela Ferreira Leite junta com Pedro Marques Lopes?!... Mas incompatibilidades porquê? Porque estas personalidades alinhadas à direita se aninham num grupo de subscritores que tem Ramalho (criado de Soares), Galamba (João), Cravinho, Ferro, Carvalho da Silva, Soromenho-Marques, Boaventura, Louçã e Mortágua (filha)!... 

As alianças de clãs são significativas: acima de tudo, os bonecos das caldas do Dr. Soares que se descobrem quando este lhes puxa a guita; mas também, o clã ferroso; mais o clã católico-progressista (de fidelidade soarista-gutérrica-ferrosa); e agora o clã Cavaco Silva. Além de párias político-económicos, sem cargo atribuído no aparelho político-administrativo.

Nas ausências táticas: Soares, Sócrates, Guterres, Guilherme, Melícias, Teixeira dos Santos, Jorge Coelho, António Costa e Pacheco Pereira. Soares poupou-se. E a Sócrates e Teixeira dos Santos pouparam-nos. O grande ausente é... o Cavaco Silva, mas no Manifesto entra o seu alter ego Manuela Ferreira Leite e dois dos seus consultores na Presidência da República (Vítor Martins e Sevinate Pinto). Não é possível que Leite, Martins e Sevinate, tivessem subscrito o manifesto sem autorização de Cavaco. E repare-se que o Presidente Cavaco Silva, alvo principal do Congresso das Esquerdas, de 21-11-2013, tinha recomendado em 8-3-2013, no prefácio do livro «Roteiros VIII» que reúne os seus últimos discursos, um programa cautelar em vez de uma «saída limpa» do programa de resgate financeiro da UE-FMI que constitui a preferência governamental:
«Em termos gerais, para um país que conclua com sucesso um programa de assistência financeira, é possível que um programa cautelar seja preferível a uma saída dita “à irlandesa”.»

Cavaco Silva, enciumado do Governo (tal como Teixeira dos Santos) pelo êxito deste na execução financeira do programa de ajustamento e recuperação económica do programa de ajustamento decidido, em último grau, pela União Europeia e FMI, aproxima-se indiretamente dos manifestantes por duas razões: evitar a contestação da esquerda ao seu desempenho como presidente da República e sair do isolamento, face ao PS e ao PSD e da irrelevância político a que se confinou com a comunicação ao País, de 10-7-2013, após a demissão de Gaspar e Portas. Cavaco não concorda com a reestrutruração da dívida; mas aceita ainda menos a sua marginalização polícia.

Os motivos do manifesto são: a necessidade de abafar o êxito governamental do cumprimento financeiro e económico do programa de austeridade imposto pela União Europeia e FMI (vulgo «troika») e a necessidade de alargar a frente popular de matriz soarista à franja desamparada da direita sistémica.

A política financeira ruinosa dos Governos Sócrates contrasta com o sacrifício do país inteiro no cumprimento de um programa de austeridade que garantiu liquidez e alguma recuperação económica. O manifesto é conhecido no dia em que a taxa de juro das obrigações do Estado português a dez anos desceu aos 4,31%, o valor mais baixo desde abril de 2010 e que permite prever a saída do País de um programa formal de resgate financeiro (e evitar um programa cautelar formal).

Por outro lado, a frente popular soarista ficou demasiado estreita no Congresso das Esquerdas, em 21-11-2013, da Aula Magna da Universidade de Lisboa, e precisa de preparar o 25 de abril num crescendo mais abrangente. Note-se que o Manifesto - texto longo necessariamente negociado, que não há-de ter sido feito de um dia para o outro e com contactos e convites que hão-de ter demorado -, é publicado, não por acaso, cinco dias depois da manifestação policial semi-falhada de 6-3-2014, tal como o Congresso das Esquerdas ocorreu na noite da manifestação policial que rompeu o cordão de proteção da Assembleia da República, em 21-11-2013... Quiçá, se a manifestação resultasse noutra desautorização do Estado o Manifesto fosse publicado no dia seguinte...

Não é a reestruração da dívida que deveria ser reclamada, mas a suspensão do pagamento de toda e qualquer dívida de origem criminosa em contratos leoninos de um sistema corrupto, determinada pelos tribunais após suspensão administrativa dos contratos de certas parcerias público-privadas até à renegociação de valores justos. Desses pagamentos de valores absurdos derivados de contratos leoninos nenhum Congresso das Esquerdas se queixa... A restante dívida deve ser paga.

Registe-se que o sucesso da recuperação não pertence principlamente ao Governo, mas ao povo que sofreu a austeridade desigual (que poupou a classe política e castigou as classes médias e baixas) e, mesmo assim, se resignou ao seu cumprimento e teve arte para melhorar a economia e a caridade da família para aliviar casos de ruína.

O que a Pátria nos recomenda, irmãos de valores e de combate, é que a punhamos sempre no altar do nosso sacrifício, acima do caráter de quem ocupa o poder e dos interesses mesquinhos que representem os de «profano coração» de que escrevia Camões.


* Imagem do Manifesto do Partido Comunista, Londres, 1848, picada daqui.

terça-feira, 11 de março de 2014

Partilha

Uma ideia norte-americana muito interessante para replicar em Portugal: Medi-Share. Em nova organização ou em extensão de outras. Trata-se de uma organização de caridade norte-americana no qual os membros doadores pagam despesas médicas de pessoas com dificuldades económicas.

Em Portugal, o Estado apoia uma parcela das despesas de doença, mas, apesar da assistência social extra do Estado e das autarquias, muitas pessoas não têm dinheiro para aviar medicamentos, ou fazem-no com extrema dificuldade.

Ao socialismo, de raiz marxista, repugna a caridade. A caridade não se encaixa no modelo totalitário de luta de classes e de estatização de vida. Mas, atenta a experiência do socialismo real na União Soviética e na Europa do Leste, em África, e agora nas venezuelas, o Estado não providencia tudo. Continua, mesmo aí, em regimes anticapitalistas, a ser necessária a caridade e a interajuda civil.

A coesão social precisa das instituições de caridade da sociedade civil. Porque ajudam quem precisa e porque motivam a dar quem pode.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Notícias, processos e manobras - o caso BCP

Recomendo a leitura de um poste interessante do José da Porta da Loja sobre as notícias dos jornais sobre a sentença do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa que terá decidido que as sanções e coimas impostas pelo Banco de Portugal a Jardim Gonçalves, ex-presidente do BCP, bem como outras a outros administradores do banco, já prescreveram.

Sobre o caso BCP escrevi em 12-11-2013, o poste «Revisitando a história do BCP pelo socratismo». Aí comento a essência do assunto e indico o que está em julgamento no processo judicial («falsificação de documentos e manipulação de mercado») e as sanções administrativas impostas pela CVMM (em 2008) e pelo Banco de Portugal (em 13-5-2010), de que os sancionados recorreram.

Como contei nesse poste, no caso do antigo BCP, no processo judicial original, a acusação do Ministério Público, na parte que resistiu à fase da pronúncia, é de que Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal, Christopher de Beck e António Rodrigues,
"através de uma empresa do banco, usaram 17 offshores das ilhas Caimão para comprar e vender acções do BCP, procurando assim, e de forma dissimulada, condicionar as cotações dos títulos», mediante «testas de ferro», tendo essas operações alegadamente provocado «um prejuízo de 600 milhões de euros ao BCP, que foi escondido aos outros responsáveis do banco e às entidades reguladoras».
Em resumo, a acusação parece ser a seguinte: a administração do banco teria emprestado dinheiro, em condições desfavoráveis ao próprio banco, a testas-de-ferro para que eles acudissem aos aumentos de capital e subscrevessem a compra de ações que os investidores institucionais e os particulares não fizessem e o banco pudesse, assim, apresentar as operações de aumento de capital como um sucesso; a administração do banco escondeu esses factos, e o prejuízo decorrente da queda que entretanto aconteceu nas cotações, das autoridades de supervisão e do mercado. Os arguidos contestam a acusação do prejuízo para o banco (dizendo que se a operação durasse até 2007 não aconteceria) e de informação falsa.

O assunto é complexo, os processos administrativos deram lugar a recurso e processo judicial, e o trabalho jornalístico apressado resumido em espaço limitado de jornal, editados em grande parte por setores próximos do socratismo e contrários aos arguidos, ainda aumenta mais a confusão. Para o público, devido à natureza da atividade bancária, aos precedentes casos do BPN (acusações de «burla qualificada, abuso de confiança e fraude fiscal qualificada») e do BPP (acusações de «fraude fiscal, falsificação de contas, branqueamento de capitais, burla qualificada»), e apesar da gravidade das acusações ser bastante diversa, Jardim Gonçalves é irremediavelmente comparado a Oliveira e Costa e a João Rendeiro.

A manobra da tomada do poder no BCP pelo socratismo, com dinheiro emprestado (e uma parte perdido) por uma administração da CGD (Santos Ferreira, Armando Vara) meses depois entronizada no próprio BCP, e num feixe de vetores convergentes políticos (PS), administrativos (CMVM e Banco de Portugal), empresariais - Paulo Teixeira Pinto, Vasconcelos-Mora, António Mexia e Ricardo Salgado), maçónico e judicial (...) -, essa ficou por investigar. Quem beneficiou e o quê, com esta manobra, é fácil de perceber e nem carece de um desenho tosco. Mas fica aqui exposta, por encargo da consciência patriótica, para maior glória dos seus atores e dos seus agentes.

Na batalha mediático-política, ganha quem tem mais meios. Mas, mesmo sem meios, teimamos.


* Imagem picada daqui.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades referidas nas notícias dos média, que comento, não são suspeitas ou arguidas do cometimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade nestes casos; ou se, e quando, na posição de arguidas, acusadas, pronunciadas ou condenadas em tribunais de instâncias inferiores, gozam do direito constitucional à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.

sábado, 8 de março de 2014

Rússia, EUA e Barrosie

Toda a retórica mudada, do «leading from behind» à Rússia parceira do pedido de «observadores internacionais» (!?...), de um presidente fraco para as harsh words dele próprio e de Kerry e um simbólico navio despachado para o Mar Negro, tem o motivo de um índice de aprovação do presidente Obama, em queda (-17%). Em contraste, valha o que valha - e valerá pouco - o oficioso Pravda (a inflamada verdade a que eles têm direito) cita uma sondagem de uma agência russa que dá a Putin, 67,8% de aprovação.

Obama está envolvido numa guerra cultural prioritária para ele, e para todos os relativistas delirantes, de legalização do casamento homossexual e da adoção de crianças por casais homossexuais, de liberalização da droga (primeiro, o terrível cannabis...) e de defesa do aborto até ao coup de grâce da ponta de tesoura do partial birth abortion na nuca de algum bebé desgraçado. É essa a sua guerra. Das outras, das de ferro e fogo, foge - e recolhe as legiões.

Todavia, tal como dizia Trosky da dialética, tu podes não ter interesse na guerra, mas ela ter interesse em ti. You can run, but you can't hide... Desapiedada, a guerra vem ter contigo. «É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades...». Mas, se ela te procura uma e outra vez, e a ilusão não a diverge, como a podes evitar? Se, como disse aqui um dia, te querem a pele, como fazer? Não é justa a firmeza?... Ao fugir, ao recuar, o cobarde aumenta o perigo, porque não o faz por tática, por juízo de oportunidade ou por busca de melhor campo: fá-lo por medo.

A Rússia prepara-se para oficializar a anexação da península da Crimeia (o 84.º território), com o disfarce de um referendo marcado de uma semana para a outra. E procede ao reforço de tropas para tentar enforcar o sudeste da Ucrânia, criando uma zona tampão e de abastecimento da nova província. Como não tem tido oposição, vai avançando. Pelo discurso dos políticos realistas norte-americanos, como Robert Gates e Henry Kissinger, que atendendo à debilidade política, aconselham prudência, se percebe que os EUA (e a União Europeia, a «Barrosie», como a descreve Dominique Jamet, numa outra versão do problema...) não querem opor a força à Rússia, nem sequer as inconsequentes sanções económicas - e menos ainda sancionar os oligarcas que enriquecem Londres e investem na NYSE. Estadistas compreendem que quando um peanut farmer ou um community organizer mostram a fraqueza de que são feitos, e que as ameaças de última hora apenas confirmam, mesmo assim, interessa-lhes proteger a missão - porque sabem que a fraqueza de agora reduz o poder do futuro. Portanto, mais do que aproveitar o embaraço, protegem a presidência (este presidente pouco lhes importa).

Se a Rússia se mover ainda mais para ocidente, ocupando o sudeste da Ucrânia - quiçá sonhando com Odessa e deixando a Ucrânia sem mar quente! -, o poder de Kiev responderá e entrará na guerrilha. Mas não terá o apoio de combate de um só soldado norte-americano, inglês, francês (muito menos alemão, por enquanto...). A Rússia ocupa a Crimeia porque... pode.

Putin quer resuscitar um império morto, reerguer as forças armadas, reocupar os confins sul e oste, criar oblasts por onde possa, depois corredores, depois a mancha de óleo espesso a alastrar pelo território contígo. Joga o que o deixam jogar. O Ocidente jaz morto - e arrefece.


Atualização 20:26 de 10-3-2014): Poste emendado. O tempo, ai o tempo...

quarta-feira, 5 de março de 2014

Nazismo relativista

Cinzas. O experimentalismo tecnológico tem consequência social. Se a técnica está disponível, alguém a porá em prática. E o experimentalismo social tem consequência tecnológica, como se previa: o que a sociedade pretende, com as limitações de orçamento e desenvolvimento científico, vai criando.

O relativismo experimentalista, de uma sociedade cada vez mais diluída (mais líquida, à Bauman!) puxa pelo delírio criacionista, sem moral, nem limite. As crianças, os deficientes, os doentes, os velhos e os embriões, são sacrificados, porque mais fracos ou indefesos, à cultura da morte. E os órfãos -  e a sociedade, à ideologia do género que torna absolutamente proibida a palavra «sexo» - ironicamente numa época de sexo livre. Isto apesar da evidência científica no megaestudo de Mark Regnerus, de 2012 (e a sua resposta às críticas enviesadas do poderoso lóbi), sobre os resultados da educação de crianças por pais homossexuais. Ou o artigo de Douglas Allen, de dezembro de 2013 no qual este conclui, relativamente à sua amostra, que: no caso dos pais gays, os filhos têm 69% da probabilidade dos filhos de pais heterossexuais terminarem o liceu; as filhas de pais gays tem apenas 15% (15%!?...) de probabilidade de terminar o liceu, em comparação com 45% no caso de raparigas filhas de lésbicas; no caso dos rapazes filhos de casais de lésbicas a percentagem sobe para 76%, mas desce para 61% no caso de pais gays.

Cruzada esta Quaresma, da Vogata del Silenzio à Páscoa, cantaremos, de novo, com estrondo na alma, de Kiko Arguello (nem sabia...), «Ó morte onde está agora a tua vitória»... mas vamo-nos demorando no «sempre vencedora». Estamos em minoria face ao relativismo cultural com que os média lavaram a consciência das novas gerações, num modelo social filicida e parricida. Não temos meios (jornais digitais) - nem fazemos esforço para os ter... Sujeitam-nos num reduto de anomia pública e de silêncio mediático. Nem as igrejas escapam à fúria antirreligiosa. Ashes to ashes, enquanto não vier o juízo.

Agora, vêm aí as crianças concebidas com material genético de três progenitores (triple-parent embryos): duas mães e um pai. Já não se trata de barrigas de aluguer, mas da injeção de material genético de uma mãe no óvulo de outra - troca da mitocôndria celular de uma mãe por uma da outra.

Designer babies. Passámos além da seleção de embriões de escolha egoísta: tem este, ou aquele, defeito genético previsível, mata-se;  é menina, envenena-se. Da PND (PreNatal Diagnosis), avançámos para a PGD (Preimplantation Genetic Diagnosis) e agora, consequentemente, o fim da linha: designer babies, com manipulação genética. Primeiro por causa de uma doença, depois, mais tarde, como se previa, por causa da cor dos olhos... Meta-Mengeles tornados heróis, de novo.

Os clones humanos estão ao virar da esquina descontruída. Podem vir a envelhecer apressadamente como a ovelha Dolly, e sofrer de artroses, ou de outra qualquer malformação, mas serão (quase) iguaizinhos aos pais ou às mães.

Eugenismo sujo e duro. Nazismo relativista.


Atualização: este poste foi emendado e atualizado às 22:52 de 5-3-2014.

* Imagem picada daqui.

domingo, 2 de março de 2014

O terceiro cerco de Sebastopol



A invasão da península da Crimeia por forças armadas russas, em 28-2-2013, na sequência da deposição de um executivo ucraniano pró-russo, constitui uma agressão que deve ser repelida.

A invasão militar, com tropas e veículos não identificados (mas agora já assumida), com ocupação de cidades, instituições e serviços, nevrálgicos, cerco de quartéis e estabelecimento de controlos viários, nesta república da Ucrânia, sujeita agora a um governo fantoche russo,  segue-se à queda, em 22-2-2014, do regime corrupto de Viktor Yanukovitch (veja-se além do resort lunar de Yanukovitch, o fabuloso palácio de Viktor Pshonka (o procurador-geral ucraniano), que ocorreu após uma persistente insurreição popular no setor ocidental do país (com relevo para a praça Maiden em Kiev, na sequência da suspensão pelo governo ucraniano de um acordo de associação com a União Europeia, em 21-11-2013, e pronta celebração de acordos económicos com a Rússia. Como é evidente, o novo regime ucraniano não será favorável à intromissão russa, mas não houve ajuste de contas étnico no país que justificasse a manobra de Putin.

A Ucrânia está etnicamente dividida entre ucranianos e russos, estes maioritários na parte sudoeste do país, com relevo para a Crimeia (onde há também uma minoria de tártaros).

Após a implosão do império soviético, a Rússia manteve a base naval de Sebastopol (que divide com a decadente marinha ucraniana) na Crimeia, onde está ancorada grande parte da sua frota do Mar Negro, através de um acordo de utilização, prolongado, secretamente em 2010, até 2042 pela administração de Yanukovitch. O grande porto de Sebastopol, que não é o único porto militar russo na área, é o ponto central de controlo das rotas marítimas das águas quentes do Mar Negro, sujeitas ainda ao gargalo turco do Bósforo. Os portos russos das outras zonas ficam gelados no Inverno. E ainda que o poder áereo se tenha tornado mais independente, a Rússia não perdeu a velha obsessão geopolítica de acesso ao mar quente, uma sua linha estratégica secular sobre o sudeste da Europa e o Médio Oriente. E sempre viu na Crimeia uma província sua, pela qual lutou em meados do séc. XIX e em meados do séc. XX, apesar de em 1954 a península ter sido transferida pelo poder soviético para a república da Ucrânia.

O que se vê claramente nesta invasão é a política do presidente Vladimir Putin de reconstituir o império russo, usando o pretexto da proteção de minorias russas, de aspirações de independência de espaços geográficos de maior concentração de russos. O mesmo fez a Alemanha, de Hitler, no começo da II Guerra Mundial. O que Putin tenta agora na Ucrânia não é novo. Fez o mesmo no Cáucaso, com relevo, depois da Tchetchénia e do Daguestão em 1999 e noutros pontos do Cáucaso do Norte, para a Geórgia em 2008, com o pretexto de ataque das forças armadas georgianas a sublevados russos na Ossétia do Sul e na Abecásia. Perante a passividade, e protestos inócuos dos EUA e da União Europeia, a Rússia de Putin continua a ocupar militarmente a Ossétia e a Abecásia que pertencem ao território georgiano. Embaraçado pela perda de face perante a obstinação pró-europeia do povo ucraniano, e com problemas financeiros internos, depreciação do rublo, subida da inflação e estagnação económica, Putin avança.

A Ucrânia tem mais relevo mediático na Europa e nos EUA porque é maior do que a Geórgia, em território e em povo, e está mais perto. Em crescendo, e sem oposição firme, Putin conseguirá manter a ocupação militar da Crimeia e a Ucrânia sob soberania limitada. Não ficará por aqui e aproveitará qualquer dissidência noutros territórios do moderno cordão sanitário da Rússia - com exceção dos territórios junto à China que não lhe consentirá qualquer ousadia territorial. E a Alemanha terá na fraqueza política da União Europeia um motivo forte para o seu rearmamento.

Vistos os noticiários de hoje, entre um protesto mais vigoroso no Conselho de Segurança pela embaixadora norte-americana, sobressai uma retórica patética e receosa da administração Obama que desvaloriza a invasão terrestre, anfíbia e aérea, russa, e a legitima com caraterização de que são tropas da base militar da Crimeia. Uma equipa joga aquilo que a outra deixa jogar: Obama cede e recua.

Ignorando a responsabilidade norte-americana (e britânica) na preservação da soberania ucraniana, acordada no Memorando de Budapeste, de 1994, violada pelos russos também signatários desse tratado pelo qual a Ucrânia cedeu as armas nucleares estacionadas no país à Rússia em troca do respeito pela sua independência e integridade territorial, de não ser objeto de uso da força (russa...) e de não ser vítima de pressão económica (russa) para influenciar a sua política (o que a Rúsia faz sistematicamente com o fornecimento do gás e restrições alfandegárias), Obama refugia-se numa posição escondida na comunidade internacional relativamente ao conflito. Além de filtrar para as televisões que esteve hora e meia ao telefone com Putin, de suspender a participação na cimeira do G-8 em Sochi, de considerar sanções económicas e de circulação de dirigentes russos, e de pedir em privado aos ucranianos que não reajam à provocação. Tal como na Síria, a linha vermelha foi mais uma vez cruzada, sem que o cálculo de Obama mude. Perde a sua credibilidade externa na retórica mediática do «stern warning» e os EUA a sua dissuasão efetiva perante a Coreia do Norte. a China, o Irão, etc.. Barack Obama já tinha criticado em 21-2-2014, por causa da sua atitude mole na crise ucraniana, pelo senador McCain como «o mais ingénuo presidente da história» norte-americana.

Em vez da força, para a qual  não á alternativa em alturas críticas da vida dos povos perante agressões injustificadas e com motivos desonestos, os EUA, imersos numa revolução liberal-socialista, e uma União Europeia, atrofiada na sua inconsequência, permitem o avanço do expansionismo russo. Ora, aquilo que deve ser feito, sem demora, além de uma manifestação de apoio à defesa ucraniana da sua integridade territorial, é a celebração de um acordo de associação com a União Europeia, o financiamento da Ucrânia pela UE e FMI, e o alargamento da NATO à Geórgia e abertura de um processo de adesão da Ucrânia à NATO.

Nada será feito. Um passo atrás, e outro ainda. Angustiado no problema kantiano do contraste entre o dever ser e o que é, entre a responsabilidade necessária na condução política e a negligência corrupta da ocupação dos cargos, o Ocidente, cego, surdo e mole, sucumbe.