A propósito do abuso sexual de crianças por padres, que tem atingido a Igreja Católica e, nomeadamente a portuguesa, apresento neste blogue um «Memorando sobre o impacto do abuso sexual de menores na Igreja portuguesa», documento inédito que, com um amigo, elaborei e entreguei pessoalmente a quem devia, em 21 de fevereiro de 2014. Publico o texto porque continua atual - e em penitência de, erradamente, o ter mantido inédito.
Cinco anos depois, na Igreja portuguesa estamos quase no mesmo ponto e, com exceção de algumas Igrejas locais (com destaque para a norte-americana, a irlandesa e a alemã), muito pouco se avançou. Leia-se a comunicação da vaticanista mexicana Valentina Alazcari no Encontro «A proteção dos menores na Igreja», organizado pelo Papa Francisco, em 23-2-2019.
A política de silêncio é terrível e tem de ser mudada porque negligencia as vítimas, as crianças e as suas famílias, escandaliza e afasta os fiéis e justifica a indignação da comunidade. Importa reconhecer que até há pouco, a atitude padrão na Igreja era a transferência do padre pedófilo para outra paróquia, onde, por mais que prometesse ao superior, conter a sua tara, frequentemente voltava a abusar de crianças.
É necessário instituir, e executar, uma política de tolerância zero com os abusos, de transparência e comunicação imediata às autoridades judiciais dos indícios de abuso sexual. A César o que é de César e a Deus o que é de Deus: a Igreja não tem nem órgãos, nem gente preparada para investigação criminal dos abusos; e o processo canónico deve ser independente do processo da justiça do Estado a que nenhum clérigo ou colaborador da Igreja pode ser eximido quando incorrer num crime.
Mudar não é apenas necessário, mas urgente!
«Memorando sobre o impacto do abuso sexual de menores na Igreja portuguesa21-2-2014
O assunto do abuso sexual de crianças sobre a Igreja portuguesa instalou-se como um tópico de tendência nos média portugueses, nos blogues e nas redes sociais, e suscita aflição social. Foi por causa disso que solicitámos em 7 de outubro de 2013 uma audiência [...].
Independentemente do trabalho interno de documentação, de repúdio, de prevenção e de resposta ao problema do abuso sexual de crianças, e da maior atenção e intervenções públicas que o tema tem merecido por parte da Santa Sé e do Episcopado português, a opinião pública que se formou, e que se mantém, relativamente à pedofilia e mesmo aos abusos sexuais de crianças por parte de clérigos, outras vocações consagradas, catequistas e demais membros dos movimentos eclesiais, desconfia da resposta da Igreja. Mais ainda, apesar dos estudos que concluíram pelo menor número e menor percentagem de abusos sexuais de crianças, e de pedofilia, na Igreja Católica face à sociedade em geral, e outras confissões religiosas, a ideia que perpassa na sociedade, numa organização inspirada por Deus mas governada por homens, é precisamente a contrária, uma convicção de generalização de abusos e de tendências pedófilas.
Cremos, portanto, que se justifica a apresentação [...] da nossa preocupação com o tema da pedofilia e do abuso sexual de crianças e com o impacto negativo do tema na avaliação da Igreja em Portugal por parte da sociedade e dos próprios cristãos. Assim, cremos que seria útil ponderar as seguintes ideias:
- Não negação do problema do abuso sexual de crianças na Igreja, ainda que raro.
- Divulgação dos procedimentos instituídos pela Igreja Portuguesa, em consonância com a Santa Sé (http://www.vatican.va/resources/index_po.htm) Santa Sé, sobre o abuso sexual de crianças por membros do clero, nomeadamente do documento da CEP, «Diretrizes referentes ao tratamento dos casos de abuso sexual de menores por parte de membros do clero ou praticados no âmbito da atividade de pessoas jurídicas canónicas», de 19-4-2012 (http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?&id=90586).
- Comunicação pública pela Igreja portuguesa do trabalho concreto de prevenção e de resposta ao problema do abuso sexual de menores por membros do clero; e de que serão remetidos para o Ministério Público todos os casos em que se apurem indícios do cometimento de abusos e que a colaboração com as autoridades civis no apuramento da verdade nestes casos é total.
- Adoção das melhores práticas de outras Igrejas no tratamento do problema, nomeadamente da mudança de atitude da Igreja norte-americana (http://www.usccb.org/issues-and-action/human-life-and-dignity/sexual-abuse-of-children/index.cfm).
- Maior ênfase ao apoio psicológico e social na prevenção e na resposta aos abusos, sem prejuízo do indispensável enquadramento do direito canónico aplicável.
- Realização de um simpósio nacional sobre o abuso sexual de crianças, com a participação de especialistas e participação da imprensa.
- Criação de um painel de especialistas – a exemplo do Centro de Proteção da Criança da Universidade Gregoriana (http://elearning-childprotection.com/) - que realize conferências e ações de formação sobre a realização de comunicações perante o episcopado, as Igrejas diocesanas e as ordens religiosas, e movimentos eclesiais, sobre a pedofilia e o abuso sexual de menores, a sua prevenção, resposta e tratamento, nomeadamente da questão da reincidência.
- Criação de uma comissão nacional, junto da Conferência Episcopal, e de comissões em cada diocese, para prevenção e análise preparatória de queixas de abusos sexuais de crianças. Essas comissões devem integrar clérigos, psicólogos/psiquiatras, juristas e assistentes sociais.
- Criação de grupos diocesanos de oração e apoio a vítimas de abusos, que sejam auxiliadas por psicólogos/psiquiatras e assistentes sociais.»
Cinco anos depois, na Igreja portuguesa estamos quase no mesmo ponto e, com exceção de algumas Igrejas locais (com destaque para a norte-americana, a irlandesa e a alemã), muito pouco se avançou. Leia-se a comunicação da vaticanista mexicana Valentina Alazcari no Encontro «A proteção dos menores na Igreja», organizado pelo Papa Francisco, em 23-2-2019.
A política de silêncio é terrível e tem de ser mudada porque negligencia as vítimas, as crianças e as suas famílias, escandaliza e afasta os fiéis e justifica a indignação da comunidade. Importa reconhecer que até há pouco, a atitude padrão na Igreja era a transferência do padre pedófilo para outra paróquia, onde, por mais que prometesse ao superior, conter a sua tara, frequentemente voltava a abusar de crianças.
É necessário instituir, e executar, uma política de tolerância zero com os abusos, de transparência e comunicação imediata às autoridades judiciais dos indícios de abuso sexual. A César o que é de César e a Deus o que é de Deus: a Igreja não tem nem órgãos, nem gente preparada para investigação criminal dos abusos; e o processo canónico deve ser independente do processo da justiça do Estado a que nenhum clérigo ou colaborador da Igreja pode ser eximido quando incorrer num crime.
Mudar não é apenas necessário, mas urgente!