quarta-feira, 30 de abril de 2014

A expetativa da revolução marxista

Negligenciando o perigo, atolados na lama do marxismo seródio por causa da perda de conforto e na expetativa de que a redistribuição do nada permita a recuperação de todos os rendimentos burgueses, inclusivé das reformas mais chorudas, a única revolta que se pressente nos países europeus (e mesmo nos EUA) é a expetativa de uma revolução socialisto-comunista, depois de a esquerda utópica ter despido a capa do relativismo politicamente correto.

Repare-se, como exemplo disso, no discurso do general Garcia dos Santos, considerado um moderado, no almoço, de 30-4-2014, da Associação 25 de abril, chamando «cobarde» e «nulidade completa» ao presidente da República e sugerindo que se cortem cabeças, enquanto professa uma democracia particular de bota cardada, artrose e reumático.

Debilidade europeia e norte-americana perante o avanço russo

O avanço da Rússia sobre a Ucrânia Oriental, depois de ter anexado a Crimeia, só é possível face à pusilanimidade norte-americana e do resto da Europa. Não parece sequer que a Rússia se fique pela Ucrânia.

A fraqueza da Europa (e dos norte-americanos apesar das sanções a empresários próximos do círculo de Putin, na esperança patética de que este ceda a glória aos interesses de conforto dos amigos) é ditada pelos negócios com os russos, mas principalmente pela fraqueza moral. Medo do chumbo das munições e dos caixões, como se a guerra, mesmo a moderna, pudesse ser feita sem homens, nem feridos, nem mortos. E como se a política pudesse ser feita ignorando a força e a firmeza coerente; e evitando análises sobre a cobardia dos líderes que precipita provocações e, finalmente, a própria guerra.

Enquanto isso, a Rússia apoia os nacionalismos, como na Hungria e em França. E os próprios nacionalismos europeus apoiam o irredentismo russo. Irredentismos, aliás, não faltam na Europa, como é o caso dos alemães que sonham recuperar os territórios perdidos na II Guerra Mundial, mesmo se não falam nisso publicamente.

A Europa caminha para a guerra, de quase todos contra quase todos, de novo. E morre quem se nega à firmeza na fase fria, ainda.


Atualização: este poste foi emendado às 21:49 de 6-5-2014.

terça-feira, 29 de abril de 2014

O liberalismo mata?

A propósito do muito bem escrito artigo «O raio dos pobres», de Tiago Matos Silva, de ontem, 28-4-2014, no Público - da perspetiva política de we-are-the-99-percent, («Não fossem precisos tantos pobres para fazer um rico»...) - que tem inúmeras verdades nas causas e no desprezo a que votam os pobres.

Não sou liberal, nunca fui. Nem na economia, nem nos costumes. Não me desiludo, portanto, com a desafinação da flauta mágica da economia liberal, na sua deriva financeira.

Vindo dos confins da Terra, como o etnocentrismo europeu a pensa, o Papa Francisco surpreendeu o mundo, mesmo o católico, com a exortação apostólica Evangelii Gaudium, de 24-11-2013, na qual escreveu corajosamente:
«também hoje devemos dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade social". Esta economia mata.» (p. 29).
Que o meu amigo Padre Fernando Calado Rodrigues, doutro confim central, tão central quanto o rincão transmontando do Portugal profundo é central, cita.

Tenho refletido bastante nos últimos tempos sobre a desigualdade na empregabilidade. Professor que sou, preocupado com a dimensão pedagógica do meu trabalho e das minhas lições, tenho encontrado grandes diferenças nos meus alunos, depois de concluída a licenciatura ou o mestrado (também usado como uma ocupação no desemprego), na entrada no trabalho, além do part-time que alguns fazem em boutiques e supermercados.

É certo que recomendo aos alunos que:
  1. Elaborem de um plano de marketing pessoal.
  2. Aceitem um estágio curricular gratuito de três meses (não mais) num setor ou função de interesse (e se conseguirem ser pagos por isso, melhor; senão é melhor do que se portarem como meninões em casa de pais complacentes).
  3. Façam um currículo (pode ser o modelo europeu desde que expurgado das excrescências e com o mesmo esquema na informática que aí é usado nas línguas) de apenas uma página com uma foto discreta e destacando os trabalhos de verão e part-time.
  4. Preparem uma carta curta e direta, indicando as qualidades que tenham (e que na entrevista devem provar) e as competências que possuem e com as quais podem beneficiar a empresa.
  5. Escolham setores (para evitar a circunstância da Alice).
  6. Criem base de dados com nome de empresa, nome do recrutador, mail, telefone, morada.
  7. Listem os contactos quentes (pessoas que conheçam) e os frios (pessoas que não conheçam) de pessoas que os possam ajudar, direta e indiretamente.
  8. Explorem pessoalmente os contactos quentes e os frios.

Creio que prestam atenção quando lhes recomendo estas regras simples: julgo, no entanto, que a grande maioria não as segue. Como tenho da minha função (missão...) a humildade de avaliação recomendada pelo padre António Vieira no Sermão da Sexagésima, entendo que a culpa não será deles (ouvintes), mas minha, por ser mau pregador. Mesmo que lhes afiance que estarei sempre disponível para os aconselhar na prospeção de trabalho.

Saídos da vida social que juvenilmente lhes ocupa a maior parte do tempo e do claustro sombrio da academia, onde vivem agrilhoados - como se se tratasse de uma caverna de Platão  de onde só trazem reminiscências de conceitos e técnicas -, para o encadeamento da vida profissional, acabam, parte deles, muito mais do que eu gostaria, no envio semanal de alguns poucos currículos para empresas à sorte e alvos de oportunidade sugeridos. Outros procuram de forma seletiva e com persistência, e acabam por conseguir, aqui ou ali, nisto ou naquilo - e teimando, laborando vencem. Raríssimo é aquele que cria auto-emprego ou arrisca criar uma empresa. A proatividade que lhes aconselhei com as regras acima indicadas, e em que foram treinados enquanto alunos, em muitos esfuma-se na auto-estima temporária que lhes foge dos olhos mal concluem o curso ou deixam alguma cadeira pendente.

Como a procura de trabalho por parte dos empregadores é menor do que a ofertade trabalho, há uma competição pelos lugares disponíveis de trabalho. Fica muita gente de fora nesta seleção que não é apenas natural, para além das cunhas promíscuas e do habitual nepotismo político. E ninguém é obrigado a emigrar - só que com dificuldade de encontrar trabalho no País e na ausência do bem estar material mínimo ou autonomia, é muitas vezes a alternativa de recurso.

Se os empregos fossem em número igual aos que oferecem a sua força de trabalho, não se colocava a questão da agilidade. Mas a discrepância é muito grande: 35% de desemprego jovem (15-24 anos), em março de 2014, em Portugal. E, assim, com exceções de sorte e de azar, que confirmam a norma, os mais espertos e os mais persistentes safam-se, e os menos ágeis e os mais resignados, ficam de fora. Uma espécie de esquema realmente fascista, embora de cunho liberal, em que «dos fracos não reza a história». Embora pelo meio, exista o Estado que proporciona amparo de subsistência e, nalguns casos, um esquema assistencialista alternativo ao trabalho disponível. Importa notar, ainda que seja assunto tabu, que o Estado Social(ista) iníquo a que chegámos - pois profundamente desigual porque aconchega uns e desprotege outros -, consolidou o desemprego seletivo: o desempregado pode recusar uma proposta de trabalho que não se coadune com as suas qualificações, ou a sua experiência, e manter o subsídio. Assim, existem trabalhos, para além da agricultura, para os quais existe procura mas poucos interessados em oferecer a sua força de trabalho para os desempenhar. E para além da questão do desemprego, existe na Europa ocidental e do norte, o rendimento social de inserção que fornece dinheiro - em vez do esquema norte-americano do pagamento direto de bens e serviços (a renda de casa, as senhas de alimentação para trocar por produtos alimentares e básicos no supermercado, etc.).

Portanto, por causa da desigualdade no desembaraço dos indivíduos e ainda por causa do papá-Estado, envolto na bancocracia e no assistencialismo, agrava-se o desemprego. Os indivíduos têm níveis diversos de capacidade intelectual e de desembaraço, o que, numa sociedade baseada principalmente na inteligência enquanto factor de classe, gera desigualdade inerente. O Estado, ao mesmo tempo que cria programas de empreendedorismo, desincentiva o risco da criação de negócios (ex: auto-emprego) e da oferta de trabalho: comunica ao indivíduo, em mil mensagens políticas, que se não puder arranjar trabalho, ou não quiser (que são casos muito menos frequentes, mas que existem) o trabalho disponível, lhe fornece um subsídio temporário, que pode alargar e, e no fim do período, fornecer-lhe rendimento social. Assim, enquanto empata e assiste, indignifica os cidadãos, porque não os valoriza pelo trabalho. O Estado não consegue ajustar a procura de trabalho das empresas e instituições à oferta de trabalho específica dos indivíduos, muito deles com formação e experiência distantes daquelas que a economia procura mais procura, face ao número correspondente aos formados e desempregados nessas áreas.

Um dos grandes problemas da sociedade da abundância, ainda que a caminho de nova escassez, é a ansiedade. A aversão ao risco é natural nos homens. Trabalhar por conta de outrém provoca menos ansiedade do que trabalhar por conta própria (auto-emprego ou empresa prórpia). E, assim, é natural que poucos jovens queiram arriscar porque o risco lhes diminui, pelo menos no imediato, a qualidade de vida e de descanso. E há cada vez menos interessados em subir ao calvário da criação de empresas e do auto-emprego legal.

O facto é que, com a complexidade e sofisticação do trabalho, e com justo alargamento da instrução a escalões mais baixos de desempenho escolar, está a ser cada vez mais difícil nos países desenvolvidos, oferecer trabalho. O desvio da economia real para a economia financeira, na bancocracia em que vivemos, e a fiscalidade proibitiva sobre o trabalho tem agravado esse desajustamento do trabalho.

Resulta desta análise que tem de ser ajustada a oferta e a procura de trabalho, e de libertação da pobreza (através do trabalho) por política consequente do Estado. Como a situação está... não pode continuar. Porque cabe à sociedade, e ao Estado que esta criou e mantém, proprocionar condições de bem-estar dos seus cidadãos, em vez de infligir sofrimento nos jovens, adultos e idosos. Na versão bancocrática e desapiedada da dignidade humana que sofremos, realmente este liberalismo mata.



Atualização: este poste foi atualiza às 14:54 de de 14-5-2014 e 20:03 de 20-5-2014.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Canonização de João XXIII e de João Paulo II

 

«Esta esperança e esta alegria respiravam-se na primeira comunidade dos crentes, em Jerusalém, de que falam os Actos dos Apóstolos (cf. 2, 42-47), que ouvimos na segunda Leitura. É uma comunidade onde se vive o essencial do Evangelho, isto é, o amor, a misericórdia, com simplicidade e fraternidade.E esta é a imagem de Igreja que o Concílio Vaticano II teve diante de si. João XXIII e João Paulo II colaboraram com o Espírito Santo para restabelecer e actualizar a Igreja segundo a sua fisionomia originária, a fisionomia que lhe deram os santos ao longo dos séculos.» (Realce meu).

Homilia do Papa Francisco na Canonização de João XXIII e de João Paulo II, na praça de São Pedro, em 27-4-2014:

O Papa Francisco canonizou os antecessores beatos João XXIII e João Paulo II, numa cerimónia em que também participou o Papa resignatário Bento XVI. Noutro plano, continua a preparação da reforma da Cúria Romana pelo grupo de cardeais designado agora C9.

Santos da Igreja pelos milagres comprovadamente produzidos por sua intercessão, tiveram a coragem de enfrentar o mundo por amor de Deus e dos homens. João XXIII (e Karol Wojtyla que participoiu ativamente no Concílio Vaticano II) modernizando a expressão da Igreja e abrindo-a mais à relação com os homens, como diz o Papa, ao «repristinar» (é essa a palavra usada no original da homilia em italiano) e «atualizar a Igreja, segundo a sua fisionomia originária». João Paulo II ao enfrentar o comunismo, a teologia marxista da libertação e sem concessão teológica ao integrismo pré-conciliar.

Ambos acusados de progressismo ou de conservadorismo, consoante o ponto de vista de análise, arcaram com as consequências da iluminação que sentiram e foram santificados pelo povo, bem antes de o serem formalmente: o bom Papa João XXIII e o Papa santo João Paulo II (mesmo em, vida). Mesmo os não crentes reconhecem a sua importância no destino do séc.XX e XXI. João Paulo XX, então, ele que tinha sobrevivido na Polónia ocupada à barbárie do nazismo, tornou-se o homem decisivo na queda do comunismo, responsável pelo morticínio de 100 milhões de mortos no século passado. Marxismo que está de novo em voga nas elites burguesas europeias e, novidade, norte-americanas (!...), agora que começam a despir o casaco ideológico politicamente correto pós-modernista com que cobriam as suas vergonhas relativistas.

O júbilo que agira sentimos não é da glória, mas de um marco importante na história comum. Uma alavanca de evolução na marcha dos homens. Precisamos do seu exemplo para recuperar a centralidade da conversão humana.

sábado, 26 de abril de 2014

Capital e trabalho

Colhi num amigo uma referência de debate interessante: Picketty, Thomas (2014, março). Capital in the Twenty-First Century. Harvard University Press (edição francesa de agosto de 2013).

O francês Thomas Picketty, um marxista-suave  (alertava-nos o Prof. Adriano Moreira, in illo tempore, a respeito do«Igreja, Carisma e Poder» de Leonardo Boff» de que um autor segue sempre o livro que não cita) da Paris School of Economics, socialista e conselheiro de Ségolène Royal  fustiga a desigualdade. Uma interpretação que cai como sopa no mel no discurso burguês do socialismo mundial, tão-tão na moda. No moderno socialismo, já não se trata de defender os pobres - o que interessa um pobre a um radical socialista burgês de classe média, motivado pela inveja?... - mas de pretender a redistribuição da fortuna dos muito ricos pela alta classe... média. Picketty baseado na velha ideia da redução da eficiência marginal de capital com o tempo, ao contrário do que a experiência de renovação económica demonstra.

Paul Krugman defende-o: «The Picketty Panic», 24-4-2014. E David Brooks zurze-o: «The Picketty phenomenon», 24-4-2014.

Há uma reflexão a fazer sobre o desvio financeiro da economia, que deve ser resolvido pelo Estado promíscuo nesta altura com os interesses financeiros, naquilo que chamo a bancocracia.

Mas não se resolve o problema económico do Estado com uma taxa sobre a riqueza, como a salgalhada da política fiscal de François Hollande, aliás, ilustra: a riqueza dos mais ricos (normalmente mais bem informados) é uma enguia que foge das mãos de quem a quer taxar para qualquer paraíso fiscal disponível. E não é com a tentativa de redistribuição da riqueza dos mais ricos que aumentamos significativamente o rendimento da classe média, mas com a criação de riqueza.

O desafio que temos é o de reduzir o imposto sobre o trabalho, transferindo o encargo para o consumo: quem mais trabalha, mais recebe; quem mais consome, mais paga. Mas isso ofende o paradigma ideológico da esquerda consumista e promotora do ócio. Só a promoção do trabalho, subsittuindo o modelo de Estado socialista ocioso em que vivemos, atalhará a desigualdade e permite a arrecadação de imposto, pelo aumento da atividade económica.

Já a caridade e a filantropia têm um efeito pedagógico de doação e de frugalidade que é útil, não apenas para quem receb, mas também para quem dá. Não chega. Mas ajuda. O Estado socialista está a falir. E a solidariedade é obra de todos.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

A política e as crianças em tratamento do cancro

Avisado por um comentador sobre esta notícia, fui verificar e confirmei. Para lá da autorização dos pais que há-de ter sido dada e da administração do hospital, que também a deve ter concedido, este é um exemplo do clima político instalado no País.

Na página do IPO-Porto no Facebook, em 22-4-2014:
«Assinalar os 40 anos do 25 de abril é o grande objetivo do Serviço de Pediatria do IPO-Porto ao desafiar 20 crianças e 20 personalidades portuguesas a invocarem ‘Liberdade’ através de fotografia. Deste desafio nasceu a exposição “40 ideias, 40 imagens” que vai ser inaugurada esta quarta-feira, 23 de abril, pelas 17h00, no Museu Militar do Porto, edifício da antiga PIDE/DGS.» (Realce meu).
O mesmo facto noutra notícia da página do próprio IPO:
«25 de Abril junta crianças do IPO e personalidades
Vinte crianças em tratamento no IPO-Porto e 20 personalidades - entre elas o primeiro-ministro Passos Coelho – vão invocar o 25 de abril com uma exposição fotográfica hoje inaugurada no Museu Militar do Porto.» (Realce meu)
Ou ainda o mesmo facto nesta outra.

Duas perguntas inevitáveis:
  1. «Assinalar os 40 anos do 25 de abril é o grande objetivo do Serviço de Pediatria do IPO-Porto»?
  2. Não conviria deixar as crianças em tratamento do cancro no IPO-Porto fora da instrumentalização política, qualquer que ela seja?


terça-feira, 22 de abril de 2014

Abril



Todos os anos é o mesmo fadário de natureza antidemocrática: ergue-se um tumulto de apelo ao derrube antidemocrático dos órgãos de soberania - Governo, Presidente, a própria Assembleia da República!... - em nome de pretensos ideais unânimes da revolução do 25 de abril de 1974. É certo que a revolução do 25 de abril de 1974 tinha motivação diversa para diferentes grupos de oficiais do MFA (Movimento das Forças Armadas):
  • os spinolistas, que a provocaram a médio prazo, queriam tomar o poder do Estado para um cesarismo confederativo;
  • os raros comunistas queriam, por esta ordem, descolonizar para os russos e instaurar no Portugal europeu um Estado comunista (as ilhas dos Açores e da Madeira, apesar de geograficamente separadas do continente, e tão desabitadas antes da chegada dos portugueses como Cabo Verde ou São Tomé e Príncipe, não eram para autodeterminar porque podiam cair na mão dos americanos...);
  • a maioria dos oficiais do quadro do MFA, resolvida a reivindicação da precedência sobre os milicianos, pretendia, como a maioria do povo, a liberdade política e a democracia representativa, bem como o desenvolvimento económico livre.

A dinâmica utópica da revolução propulsionou os capitães, e raros majores, do MFA que para funções administrativas para as quais não tinham preparação técnica e muito menos política ou económica. E, na linha da revolução cubana, o delírio revolucionário comunizou muitos oficiais politicamente neutros envolvidos no PREC (Processo Revolucionário em Curso - era útil fazer uma pesquisa dos jornais da época para conhecer o autor da expressão, tal como o da «descolonização exemplar»).

Resultou dessa politização extremista dos oficiais subalternos graduados em generais e em oficiais superiores e do impulso frentista (de direção comunista) dos média tomados pelas franjas extremistas, a ideia falsa de que a revolução do 25 de abril tinha, não o propósito da liberdade e da democracia representativa e do desenvolvimento económico associado através da economia de empresa, mas a repressão de sinal contrário e a «democracia popular» (ditadura do proletariado), com imposição de uma economia de direção central. Essa ideia tem sido repetida até à sua consolidação mediática, que parece impor-se. Um resultado, reconheça-se, que foi paradoxalmente ajudado pelos nostálgicos do regime anterior que descreveram desde logo a revolução como um golpe de Estado comunista, ignorando também a complexidade dos segmentos de mercado da sua génese e da população.

Assim sendo, fala-se em «Abril» para significar uma revolução marxista, de matriz cripto-comunista. Não era esse o «Abril» que mais de 79,43% da população (PS na altura de um Soares carluccista anticomunista) queria, conforme se provou nas eleições para a Assembelia Constituinte em 20-4-1975, que foi a consolidação do espírito popular de 74. É com esse «Abril», antidemocrático - onde cada cidadão não vale um voto e cada opositor não vale nada - porque desde o início, e mesmo após eleições, não respeitador da maioria da vontade do povo, que as antenas cripto-comunistas trotski-radicais e socialisto-marxistas, que enchem os média, vociferam num crescendo ubíquo, que começa logo depois do Carnaval e se prolonga até ao 1.º de maio. Com que objetivo? A reconquista do poder ao estilo de «o-Alentejo-ainda-há-de-ser-nosso», de um Estado perdido pela debilidade comunista nas mesmas ruas que apregoam ser a ágora do escrutínio.

A constestação do Governo, do Presidente, do próprio regime, são democraticamente legítimas. Mas do que se trata nesta frondice não é de uma tentativa constitucional de substituição do Governo e da Assembleia da República por outros de cor vermelha retinta. Trata-se do apelo à insurreição do povo e agora, descaradamente, das forças armadas e policiais, com o argumento, que falta demonstrar nas urnas de voto, de que o povo quer afinal o regresso do autoritarismo socialista ou do delírio comunista. Mesmo perante uma Europa em fervura irredentista, e, também por isso, atingindo a convição geral de que, apesar do requerido trabalho de casa dos governos empenhados em cobrir o passivo de executivos irresponsáveis existirá uma solução europeia para a dívida, para a qual o escarcéu socialista-comunista de um país com 2% da população da União pouco menos do que nada conta. E perante o contexto favorável a uma saída formalmente limpa da situação de protetorado do programa de socorro financeiro da União Europeia e FMI, possibilitada pela descida da taxa de juro das obrigações do Estado português a 10 anos para valores na casa dos 3,74%, em 21-4-2014..

E por que acontece este apelo à revolução frentista (marxista...), de Mário Soares, Vasco Lourenço (calado durante a ruína socialista e só agora, em 12-4-2014, três anos depois do adeus, denunciando a corrupção do regime socratino - «corrupção pura e dura, crua») e Freitas do Amaral?... Porque aquilo que se lhe opõe é uma direita de interesses, que ninguém quer defender - nem os próprios entretidos nos negócios, no corta-fitismo e na desorientação -, e uma lacuna política de meios de comunicação (jornais digitais) francos. Perante o baldio mediático da direita, a esquerda instala o seu esplendor revolucionário mediático.


* Imagem picada daqui.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Ecce homo!



Ecce Homo! Eis o Homem! Eis cada um de nós. Postos perante a vileza dos outros, na codícia humana - a outra face. Ter mais e ser mais. Mais riqueza e mais poder. Em vez de mais frugalidade e mails humildade.

Em tempos de relativismo - uma fusão da teoria pós-moderna sobre os costumes do ex-comunista Bauman com o liberalismo económico extremo -, o homem perde-se. Quanto mais possui (coisas e gente), mais lhe falta. Menos é.

O homem precisa de retornar a si e aos outros, ao ponto íntimo onde se depara com Deus. Isso implica uma frugalidade e uma humildade, que hoje são politicamente incorretas. Mas que são virtudes de sempre, e ainda mais necessárias agora. Não por causa da escassez que sofremos, e que se vai agravar pelo previsível regresso das guerras irrredentistas à Europa (e à Ásia). Mas por opção de vida.

O despojamento de bens materiais pelos mais jovens, avessos ao modelo de bibelots e napperons, dos maduros, e ao paradigma de casas e carros, dos boomers, e a sua preferência por experiências, eventos e serviços, não se explica somente pela falta de dinheiro. Resulta também do alheamento do modo de vida das gerações anteriores, virado para a acumulação de bens. Mesmo que, nessa acumulação de bens, existisse - com exceção dos carros - um objetivo último de transmissão de património para os filhos e não só a fruição do que se juntou.

Todavia, ainda estamos aquém do ponto desejado no ciclo de retorno que percorremos. Buscamos - novos e velhos - na euforia a felicidade que o êxtase do instante não nos pode dar. Contudo, o mal de vivre não se resolve com a euforia, nem sequer com a recordação dessa memória. A inquietação há-de resolver-se dentro de nós e no serviço dos outros, quando nos encontramos finalmente com Cristo.


Nota: este poste devia ter sido escrito ontem. Peço desculpa aos leitores. Mas talvez ainda vá em tempo.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Guardião



Recebi esta tarde, de minha irmã, uma esplêndida notícia.

O Papa Francisco nomeou hoje, 17-4-2014, como novo bispo auxiliar de Lisboa, o cónego José Augusto Traquina. A Santa Sé já não é o que era: o padre Zé Augusto vai a bispo sem passar por uma universidade romana...

Nascido lá no extremo oeste da minha freguesia de Évora de Alcobaça, quase na ponta norte da diocese de Lisboa, escuteiro que formou gerações de adolescentes e jovens (como este seu amigo discípulo), vocação amadurecida mais do que chamada tardia, o novo bispo José Augusto Traquina, é carismático e popular, homem excecionalmente bom, muito alegre, delicadíssimo no trato, extremamente simples, caloroso, de um discernimento proverbial e de uma capacidade de persuasão notável, de palavra ponderada e de decisão segura. Nascido pobre, manteve-se frugal. Modesto, e sem nunca lhe notar sequer um pingo de vaidade, sempre o previ bispo, e creio que também a maioria dos que o conheceram.

Fiel, firme na doutrina e moderno no estilo e na preocupação prioritária com os mais humildes (assim ao modo do estilo do Papa Francisco) não apenas na assistência social, mas também pastoral (sobre a qual fez uma tese de grande valia), enquanto ouvinte paciente e atento e mediador na resolução de problemas pessoais e institucionais, ao mesmo tempo que disponível para o diálogo com os não crentes e para se mover em território hostil. 

Homem do terreno, mas com traquejo de trato institucional, começa o seu serviço na Igreja após a ordenação com a gestão das vocações nos seminários da diocese, e, depois, finalmente, satisfeito o seu pedido de atribuição de uma paróquia, primeiro no Bombarral e depois em Benfica (Lisboa), ao mesmo tempo que desempenhava outras tarefas vocacionais e administrativas, localmente na direção de centros paroquiais e para a diocese.

Polivalente, músico (viola...) que toca, canta e compõe, interessado pelos média (na escrita e edição de imprensa e autor de programa de rádio em meados da década de 80). Criador de eventos e persistente na sua realização, animador de reuniões, com enorme habilidade na condução de assembleias e dirigente responsável.

Sério - traquina só de nome, o qual que também tem Maria com especial dedicação -, mas com sentido de humor, simpático e gerador de simpatia, e de conversa agradável. Com jeito especial para os mais novos e os mais velhos, trata cada pessoa como única e central.

Excelente evangelizador, foi profeta mesmo nas suas terras de Alcobaça, antes e depois da ordenação sacerdotal, o que demonstra bem a valia da sua bondade e do seu poder de conversão. Generoso, concentrado exclusivamente - e sem descanso... - no serviço dos outros, desligado de honrarias, estou certo que será como bispo auxiliar do Patriarca de Lisboa, senhor D. Manuel Clemente, o que é como padre e homem. 

Diria que o novo bispo José Augusto é tudo quando um bispo de sempre deve ser e tudo o um pastor de hoje beneficia. Quiçá, a concretização do Monumento a São Bernardo, em Alcobaça, no passado sábado, e o poste de ontem que me roubou o título de hoje, fosse já um sinal do que aí vinha: esperam-nos novos tempos e melhores ventos.

A nova missão representará para si um esforço, mas servidor de Deus e da Igreja, há-de desempenhá-lo com a lucidez e o empenhamento que Cristo lhe concedeu. Deus o abençoe!


Pós-Texto (17:18 de 19-4-2014): Também foi designado, nesta ocasião, bispo auxiliar de Braga, o cónego Francisco Senra Coelho, muito bem preparado para a função que agora o papa Francisco lhe confia e Deus requer. Deus o abençoe e auxilie!

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Pastor

A.B.C.. Cajado. 10 de Abril de 2014. Monumento a São Bernardo, Alcobaça.


Passou, sem grande referência nos média, o discurso do Papa Francisco na audiência aos membros do BICE - Gabinete Internacional Católico da Infância, em 11-4-2014.

O que passou aqui, como no se vê no DN é apenas a parte do pedido de perdão pelos abusos praticados por sacerdotes sobre crianças e adolescentes. Um reconhecimento, que se deve louvar, de atos que são crimes, além de pecados. Nas palavras do Papa:
«Sinto-me chamado a assumir a responsabilidade de todo o mal que alguns sacerdotes - muitos, muitos em número, mas não em proporção à totalidade -, a assumir a responsabilidade e a pedir perdão pelo mal que praticaram, pelos abusos sexuais de crianças. A Igreja está consciente deste dano. É um dano pessoal e moral deles, mas de homens de Igreja. E não vamos dar um passo atrás no que se refere ao tratamento destes problemas e das sanções que devem ser impostas. Pelo contrário, creio que devemos ser muito fortes. Com as crianças não se brinca.» (Tradução e sublinhado meus).
Porém, a notoriedade do Papa Francisco nos média dominantes termina no limiar da crítica do arcaísmo do estilo: tudo quando seja a reafirmação da doutrina não interessa.

Mas é fundamental realçar o que o Papa também disse além da referência que fez à violência sobre os menores, o trabalho escravo e o recrutamento de meninos para soldados. Afirmou o Papa:
«Há que reiterar o direito das crianças a crescerem numa família, com uma mãe e um pai capazes de criar um ambiente idóneo ao seu desenvolvimento e à sua maturação afetiva. Continuando a amadurecer na relação, no confronto, com aquilo que é masculinidade e a femininilidade de um pai e de uma mãe, e assim preparando a maturidade afetiva. (...)
A este propósito quero manifestar a minha recusa de todo o tipo de experimentação educativa com as crianças. Com as crianças e os jovens não se podem fazer experiências: não são cobaias de laboratório!
Os horrores da manipulação educativa que vivemos nas grandes ditaduras genocidas do século XX não desapareceram: conservam a sua atualidade sob roupagens diversas e propostas que, com alegação de modernidade, forçam crianças e jovens a caminhar pela estrada ditatorial do “pensamento único”. Dizia-me, há pouco mais de uma semana, um grande educador: "às vezes, não se sabe se, com estes projetos» - referindo-se a projetos concretos de educação - «se se manda um menino para a escola ou para um campo de reeducação". (...)
Para vós, trata-se de oferecer aos vossos dirigentes e colaboradores uma formação permanente sobre a antropologia da criança, porque é aí que os direitos e as obrigações têm o seu fundamento. (...)
Vem-me à ideia o logótipo que a Comissão da Proteção da Infância e da Adolescência tinha em Buenos Aires (…): o logótipo da Sagrada Família sobre um burrinho que foge para o Egito para defender o Menino. Às vezes, para defender, é necessário fugir; às vezes é necessário parar para proteger; às vezes é necessário combater. Mas é sempre preciso ter ternura.» (Tradução e realces meus)

Portanto, para que não restem dúvidas, o Papa reitera:
  1. O combate ao abuso sexual de crianças por membros da Igreja;
  2. O direito de cada criança a ser educado por um pai e uma mãe (recusando assim a adoção, e co-adoção, de crianças por casais homossexuais).
  3. A recusa da manipulação educativa de crianças e jovens e a transformação da escola em campos de reeducação politicamente correta.
  4. A rejeição da «estrada ditatorial do 'pensamento único' relativista.
  5. A fundação dos direitos da criança na «antropologia da criança» (isto é, na própria criança e não nos direitos dos adultos sobre as crianças).

A maior abertura da Igreja ao mundo pelo Papa Francisco - e o que se tem dito dessa atitude - tem sido confundida com resignação perante o relativismo. Aí está a contraprova. Acho que em vez do ceticismo, devemos preferir a confiança. Vale a pena usar a chave hermenêutica sobre a sua ação tática que o Papa deixou no final desta intervenção: às vezes, é necessário fugir; às vezes é necessário parar; e às vezes é necessário combater. Defender, proteger, combater.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Cister, de novo

Um projeto de três ano e meio, finalmente edificado, neste sábado, 12-4-2014, na cidade de Alcobaça, oitocentos e sessenta e um anos depois da doação de D. Afonso Henriques e sua mulher D. Mafalda, a São Bernardo e à Ordem de Cister, do Couto de Alcobaça. Uma peça esplêndida do excecional escultor alcobacense Luís Santos. Um monumento doado à cidade pela Academia de Cultura, que fundei e liderei com a ajuda de muitos, e realizada com a ajuda fraterna de vários patrocinadores e diversas boas vontades, sem qualquer apoio público para além da preparação da rotunda para receber o monumento. Um marco a recordar o passado com olhos postos na projeção do futuro: o regresso da Ordem de Cister a um pequeno cantinho do Mosteiro de Alcobaça. Replico abaixo, e com indulgência dos leitores, o texto preparado no qual baseei o meu agradecimento na inauguração do monumento, presidida pelo senhor Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente.



A.B.C., Monumento a São Bernardo, Alcobaça, abril de 2014


«Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria…». Nossa Senhora lembrou-se e Deus atendeu a nossa prece, mesmo nos momentos mais difíceis em que este projeto esteve bloqueado. Mas foi possível erguer esta magnífica obra de arte realizada à mão, durante quase um ano inteiro de esforço delicado, com máquinas mas também com escopro e cinzel, unicamente pelo excecional escultor alcobacense que é Luís Santos.

O trabalho realizado na formação e no desenvolvimento cultural local, pela Academia de Cultura, pelos membros da direção e seus órgãos sociais, a adesão dos seus sócios e os serviços dos seus colaboradores, no início da década de 2000, com 17 cursos de formação e a participação de centenas de alunos adultos e jovens e de distintos professores e conferencistas, é agora culminado com uma obra que fica.

Uma ideia minha já antiga de homenagear São Bernardo através de um Monumento, que propus aos membros da Academia de Cultura e que foi adotada e concretizada. Não como fim de um trabalho, mas como motivo – tal como na elevação de Alcobaça a Cidade, em 1995.

De 6.500 euros com que a Academia de Cultura partiu – uma espécie de cinco pães e dois peixes –, dentro da discricionariedade absoluta que esta tinha de dispor do seu dinheiro, e cuja proposta foi apresentada à Câmara Municipal em 28 de outubro de 2010, foi possível pedir e receber ajuda fraterna, congregar vontades e suceder, realizando um monumento que, de outro modo, custaria umas dezenas de vezes mais. Mas pedimos e deram-nos:
  • a pedra (para as duas peças do monumento), a energia, equipamentos e materiais, os serviços de corte e de movimentação, e o transporte, assegurados pela Mármores Vigário, com relevo para o senhor Rogério Vigário que, comigo, se tornou, na prática, co-administrador da edificação deste monumento;;
  • os projetores de iluminação e o serviço de grua pelo Crédito Agrícola de Alcobaça;
  • o báculo, pelo senhor Eng. Carlos Pinto de Abreu;
  • as inscrições pela Solancis, com custo complementado pelo Jornal O Alcoa;
  • as pontas das ferramentas pela GPA, do senhor Carlos Garrido;
  • a fotografia e a simulação gráfica pela FIP, do Dr. Vítor Ferreira;
  • o desconto da AuraLight (pelo Eng. Alberto Van Zeller) e da Idelgrua;
  • a consultoria histórica e iconográfica do Prof. Gérard Leroux;
  • o tecido da coberta pelo senhor Carlos Henriques; e a costura por outrem;
  • e o som pelo eng. Emanuel Manzarra;
  • e mais a colaboração pela Câmara Municipal, na pessoa do seu presidente Dr. Paulo Inácio, e do vice-presidente Hermínio Rodrigues, do eng. José António Francisco e dos funcionários, no arranjo da rotunda, onde este monumento, oferecido pela Academia, fica instalado. 
  • além da ajuda de outros amigos, que guardo in pectore
  • E da cooperação de outros fornecedores.

Acima de todos, no entanto, devo destacar o apoio firme, empenhado e indefetível, do Padre Carlos Jorge Vicente. E agora do senhor Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente que, por intermediação do nosso Prior, se dignou vir abençoar este monumento comunitário e que aqui produziu uma magnífica lição de história, destacando o papel fundamental de São Bernardo na consolidação e no desenvolvimento do País.

A Academia tem a honra de doar ao povo este monumento a São Bernardo, que é erguido aqui nesta rotunda da escola D. Inês de Castro, fisicamente longe, mas espiritualmente unido ao Mosteiro que São Bernardo traz na mão esquerda - e báculo de autoridade eclesiástica do Couto na outra. Fica agora a Câmara Municipal com a propriedade e a responsabilidade de proteção, manutenção e reparação, do monumento que doamos.

É hora de agradecer e, além dos patrocinadores e apoios, também: aos membros dos órgãos sociais da Academia de Cultura e aos seus sócios.

Para a Ordem de Cister, a Bernardo, seu primo por via materna, e abade de Clairvaux (Claraval), deu, em 8 de abril de 1153, D. Afonso Henriques, e sua mulher, D. Mafalda, o grande couto de Alcobaça (cerca de quatro centenas de quilómetros quadrados) à Ordem de Cister, em gratidão pela conquista milagrosa de Santarém e pela sua ajuda no reconhecimento da coroa portuguesa. À distância, é ele o fundador da Alcobaça moderna. Cerca de quatro meses depois, Bernardo falece. No olhar do seu rosto, que o escultor Luís Santos notavelmente representa, já se vê a nostalgia e o abandono da terra e o próximo trânsito para o Céu, de onde nos vê, com perdão dos pecados cometidos, com relevo máximo para a perseguição dos monges e a nacionalização do mosteiro, onde ainda não os deixaram voltar.

São Bernardo não nos deu apenas esta terra, pois foi determinante na obtenção da nossa Pátria, no reconhecimento político e no desenvolvimento do país. Alcobaça tornou-se um núcleo geo-histórico de Portugal, convertendo e dando sustento espiritual, difundindo cultura, introduzindo novas tecnologias e lançando a organização económica, fixando populações e criando bem-estar às gentes que aqui se abrigaram.

Esta é a hora de reconciliação dos alcobacenses e destes com a história de Alcobaça. Uma história mal contada e enviesada, escrita na época da perseguição religiosa, do confisco de mosteiros e de propriedades e da expulsão das ordens religiosas do séc. XIX e cuja mentira se prolongou no séc. XX - de monges algozes e de povo explorado -, omitindo fidalgos e burgueses, que também os havia… Negligenciando a ação civilizadora, de proteção e bem-estar do povo, de desenvolvimento económico e cultural. Uma história ingrata que agora harmonizamos. Da divisão artificial à paz ativa.

Alcobaça, consciência da portugalidade – e nomeadamente através da escrita dos seus grandes historiadores. Centro de oração e contemplação, mas também de irradiação do Espírito, da cultura e alma mater de ensino superior, e da tecnologia agrícola e pré-industrial. Uma Alcobaça que perdeu a matriz espiritual e cultural, mas que a pode começar a recuperar com a atribuição de um cantinho à Ordem de Cister no mosteiro enorme que ela mesma construíu e tudo poderá acolher. Sem exclusão, nem duplicidade.

Nesse sentido projetado, este Monumento a São Bernardo, é um sinal de esperança. Possa o espírito de concórdia e de persistência que orientou a edificação desta dádiva ser seguido.

Muito obrigado a todos.

António Balbino Caldeira

sexta-feira, 11 de abril de 2014

José Rodrigues dos Santos perseguido na RTP socratina?...

Duas perguntas a carecer de resposta breve:
  1. Será verdade que, mesmo após ser insultado por José Sócrates, em 6-4-2014, José Rodrigues dos Santos está a ser perseguido na RTP?!...
  2. Será verdade que a Comissão de Trabalhadores da RTP, dominada pelo Partido Comunista, se aliou ao socratismo e também está contra Rodrigues dos Santos?...

terça-feira, 8 de abril de 2014

Guerra de expansão da Rússia: Fase II - a Ucrânia Oriental


«- Príncipe Vorotinsky: Como vai terminar este problema?
- Príncipe Shuisky: Como vai terminar? Isso é não é difícil de saber.»
 Pushkin, Alexander S. (1831). Boris Godunov. Cena «Palácio do Kremlin»
(tradução minha da tradução inglesa). 

Tentando copiar Pedro, o Grande - mas sem modernidade nem economia de suporte -, Vladimir Putin, Czar de todas as Rússias, Soberano da Tchetchénia, Príncipe da Abecásia, Senhor da Ossétia do Sul e Rei da Crimeia, desencadeou a segunda fase da guerra de expansão da Rússia, provocando tumultos para invadir a Ucrânia Oriental e acrescentá-la aos seus domínios.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Deplorável, para não dizer até "desprezível"...

O programa de José Sócrates na RTP-1, de ontem, 6-4-2014.

Na expetativa de ser o candidato presidencial socialista à eleição de 2016, Sócrates ataca o o pré-candidato Durão Barroso, a propósito da entrevista deste à SIC e ao Expresso, em 28-3-2014, no qual revelou a penúria do Estado português, e a sua míngua de dinheiro para pagar salários e pensões (além dos juros...), que havia determinado o pedido de socorro financeiro. Sócrates insiste na narrativa (que Teixeira dos Santos acompanha) de o alegado «chumbo» (!?...) do chamado PEC IV (Programa de Estabilidade e Crescimento) no Parlamento. E, no segundo round face a José Rodrigues dos Santos (que acusou o «insulto» da má criação do ex-primeiro-ministro) atacou Durão, ao qual acusou de «momentos deploráveis, para não dizer até "desprezíveis"» (sic!...) e  de «desvario narcísico».

Na verdade, Sócrates não tinha de levar o PEC IV ao Parlamento. Se nem o Presidente da República informava previamente sobre o assunto como era da sua obrigação constitucional estrita, por que motivo haveria de obter uma aprovação do Parlamento para tomar uma decisão política da sua competência constitucional?!... Sócrates leva o chamado PEC IV ao Parlamento num inusitado projeto de «resolução» (!...), em 23-3-2011, para conseguir o alibi da culpa do PSD na rejeição dessa resolução que determinaria o pedido de resgate. Uma espécie de moção de confiança encapotada. A resolução é um ato do Parlamento sem qualquer efeito vinculativo. Portanto, o Parlamento não podia chumbar o que não tinha poder constitucional para recusar, apenas recomendar. E, mesmo da desnecessária resolução sobre o PEC IV, Sócrates faria o que quisesse: nada, como costumava fazer com tantas outras resoluções. Porém, assustado com as consequências da sua política despesista, encurralado pelos mercados e pela União Europeia, decidiu demitir-se com o argumento insólito de que a oposição não concordava com a sua política!...

Como já não havia dinheiro em cofre sequerpara pagar salários e prestações sociais (e os juros - esta parte também de a dizer no desmentido...), e os bancos estavam à beira do estrangulamento da sua magra liquidez, o pedido de ajuda externa do Governo socialista era inevitável. Por isso, Sócrates inventou essa consulta desnecessária ao Parlamento, para, através da patética «resolução» (sic) transferir a culpa da sua política ruinosa para os outros.

O povo percebe, mas Sócrates atormentado com os efeitos da mentira, não consegue. Como dizia Fernando Pessoa dos poetas, chega a fingir que é verdade, a mentira que deveras sente...


Atualização (13:26 de 8-4-2014): Este poste foi emendado na antiparáfrase de Pessoa, por deteção de erro por Rosa Lourenço. 

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Don't tread on me

«So be it, threaten no more.
To secure peace is to prepare for war.»
Mettalica (1991). Don't tread on me. Metallica.

Robert Gates afirmou que a Crimeia está perdida pelo Ocidente para a Rússia. Madeleine Albright (com Jim O´Brien) desculpam-se do caso do Kosovo (e da Bósnia) - e, todavia, apesar desse precedente a ira islâmica contra os EUA não abrandou. Obama foi surpreendido pelo parceiro russo, conta Stephen Hayes. George Will recorda o passivo russo na brutalidade contra a Ucrânia e noutro escrito lembra as táticas do III Reich alemão, em 1939, enquanto cita Stravinsky e a sua explicação do acidente geográfico da Polónia. Charles Krauthammer propõe um conjunto de ações firmes contra a Rússia, diferente daquelas da má consciência de Albright, criticano noutra crónica a «resposta patética» do presidente norte-americano. E Condoleezza Rice critica o vácuo de poder que Obama criou. Uma América onde, no entanto, Deus não morreu.

Por cá, o som dos clarins e dos tambores parece remoto pela distância geográfica e pelo distanciamento histórica. A guerra não dá jeito. E, como tal, a poeira acre da pólvora varre-se para debaixo do tapete fofo do bem estar. E, todavia, armam-se de novo os cães de guerra do irredentismo e da raiva da perda de território na II Guerra Mundial, e da I, com as consequentes limpezas étnicas inclusivamente aquela depois da guerra, com a deportação de populações. Não apenas a Rússia, mas também a Alemanha, a Hungria, a Polónia... Enquanto Putin se queixa da perda de território após a queda do Império soviético em 1989 e promete o irredentismo, deveria olhar para o seu insólito quintal (15 mil km2...) de Kaliningrado (Königsberg), em vez de preparar a invasão da Ucrânia leste e meridional.

Aos céticos da guerra, até que esta lhes cruze as soleiras das portas, juntam-se aqueles que dizem que isso, a acontecer, será lá longe e que não nos afeta. Também à crise de 1929 sobreveio uma guerra, que na Europa ocidental se quis evitar ignorando os sinais.

Na verdade, o choque político da Rússia já está a afetar a Europa e Portugal. A geopolítica intrometeu-se na discussão financeira e na recuperação ideológica do marxismo, que Mário Soares também intenta. Como é óvio o Manifesto dos 74 ficou obsoleto com este novo quadro internacional. A prioridade da defesa, e da recriação do cordão sanitário em volta da Rússia, obrigará ao dispêndio de grandes somas de dinheiro de ajuda para os países da linha da frente russa, obrigando a Alemanha a mudar de política e ao «quantitative easing» de economia de pré-guerra.

Portugal beneficiará indiretamente, através de uma espécie de cláusula da nação mais favorecida, das condições de crédito concedidas à Ucrânia e outros países de risco, como a Geórgia e a Moldávia. A prioridade tornou-se a defesa. A dívida terá, então, no médio-prazo, uma solução artificial, porque já passou o limiar da solução natural. Assim sendo, para quê forçar uma solução unilateral de incumprimento quando será a própria União Europeia a resolver, pela necessidade de coeão de bloco, essa questão, intensificando as compras de títulos de dívida no mercado secundário que ficam depois a esfarelar nos cofres do Banco Central Europeu? Não se perdoa: negligencia-se. É o que nos vale para resolver o delírio socratino e socialista da despesa festiva e de «la vitre cassée» do Parque Escolar e das cadeiras de hospital - Bastiat (1850). Ce qu'on voit e ce qu'on ne voit pas, cap. I. Todavia, o equilíbrio das contas e a recuperação do valor do trabalho, devem continuar, em qualquer caso, a ser princípios de boa gestão do Estado. E de preparação para os tumultos que aí vêm.

Mas a questão nacional nem é essa, mas a batalha dos costumes, com o outing entre fileiras do movimento gay

Aqui ao lado, é hoje publicado o livro de Pilar Urbano, «La gran desmemoria» que descobre que o rei D. Juan Carlos foi a alma da tentativa de golpe de Estado, do 23-F de 1981, de que só descolou à última hora, como conta numa entrevista em El Mundo, em 30-3-2014. Suárez tudo calou, mesmo antes de ter esquecido. Nas recentes exéquias de Adolfo Suárez o cardeal de Madrid Rouco Varela atreveu-se a falar da Espanha una, em vez de várias, e da necessidade de cura das feridas pendentes da guerra civil, para a qual alertou...

Em França, em 31-3-2014, o presidente Hollande substitui o primeiro-ministro germanófilo Ayrault pelo catalão rocardiano Manuel Valls, uma versão masculina e juvenil de Edith Cresson, na expetativa de que o desaire eleitoral socialista das autárquicas se atenue nas europeias.

Na Venezuela exangue e com insuficiência nos abastecimentos alimentares, prossegue a insurreição popular e endurece a violenta ditadura chavista, com encarceramento de opositores e destituição de deputados.

Em Roma, destapa-se a cortina da conjuntura perniciosa para a Igreja que terá contribuído para a resignação do papa Bento XVI, com a ilibação do ex-presidente do IOR, Ettore Gotti Tedeschi. E o Papa Francisco abre as portas da Santa Sé, enquanto ganha balanço para limpar a casa. Em Lisboa, faleceu, em 12-3-2014, o cardeal D. José Policarpo e o socialista Almeida Santos lamentou a sua morte: «tive o privilégio de ter a sua amizade, ser seu amigo». Paz à sua alma.

Vivemos tempos complicados e difíceis. É hora de preparar o futuro. E mesmo que a velhinha não queria atravessar a rua, é nossa obrigação preveni-la e aos adultos e jovens, do perigo que aí vem e da ação que importa tomar.