O primeiro-ministro Passos Coelho declarou, em 1-8-2014, na Manta Rota, onde iniciou as férias:
«A estabilidade financeira é muito importante para a nossa economia e para o emprego, e não deixaremos de tomar todas as medidas que forem necessárias para garantir essa estabilidade».
Em contraste com o que
havia dito em 12-7-2014:
«As empresas que olham mais aos amigos do que à competência pagam um preço por isso, mas esse preço não pode ser imposto à sociedade como um todo e muito menos aos contribuintes.»
Em vinte dias, Passos passa da
recusa da intervenção estatal no banco (e
antes no grupo GES) à admissão dessa intervenção, cuja responsabilidade atira para o Banco de Portugal. O sinal é muito preocupante para o que se informará o povo logo mais.
Passos Coelho jamais terá o perdão do povo português se decidir a nacionalização de um banco falido como o BES e comprometer no banco recursos financeiros que o País não tem condição de pagar. Na prática, um segundo resgate, qualquer que seja a forma e a justificação que apresente. E como no BPN com a SLN, o GES acabará a chupar o sangue do BES, por mais que nos enganem que não. Porém, é do povo humilde que o Governo e o silencioso Presidente da República têm de cuidar: não é dos ricos entalados nos investimentos no BES/GES. Se enfiar o Estado na miséria do BES, Passos poderá responsabilizar Sócrates como o pai da ruína do País, mas será reconhecido como seu filho pelo povo indignado. A sua decisão de nacionalização dos prejuízos do falido BES corresponderá ao seu suicídio político, desbaratando o capital de responsabilidade que tinha arrecadado.
Aliás, não pode ignorar-se o péssimo sinal dado ao povo pelo Governo PSD-CDS, assumido pela ministra
Paula Teixeira da Cruz (uma enorme desilusão!) de nomear, neste preciso momento de comoção nacional (31-7-2014), um segundo juiz para o Tribunal Central de Instrução Criminal, para dividir a função com o heróico dr. Carlos Alexandre. A impressão que dá ao povo é de que também o Governo teme as consequências do trinado dos passarões engaiolados ou por engaiolar.
Em contraponto,
o líder do partido Socialista, António José Seguro afirmou em 1-8-2014:
«[O BES] não pode transformar-se num novo BPN. Isso tem de ficar muito claro porque é altura dos privados, em particular dos acionistas, assumirem as responsabilidades da sua decisão. Não se pode pedir aos contribuintes portugueses que assumam responsabilidades de más decisões ou alegadas irregularidades.»
É de louvar esta posição de Seguro que, como era de esperar, contrasta com o silêncio socratino do seu adversário António Costa, há muito comprometido com a família Espírito Santo.
Ao nível internacional, n
a Bloomberg, Mark Gilbert, também defendeu, em 1-8-2014, que não se deve beneficiar o infrator e recomenda um «desmantelamento organizadodo do grupo».
Entretanto,
em 2-7-2014, na SIC, Marques Mendes, na pele de porta-voz oficioso do Governo, anuncia para domingo à noite, uma intervenção confusa do Estado no banco, com nacionalização parcial (
quem fica de fora?), injeção de capital («4 a 5 mil milhões de euros» - no
Zero Hedge, em 31-7-2014, calculavam as necessidades de capital em 7 mil milhões de euros!...) e a criação de um
banco mau para onde transita o lixo (ativos tóxicos), sendo o BES (o
banco bom!?...) revendido em bolsa no prazo de seis meses. E justifica que o Governo contará com a linha de financiamento de 6,4 mil milhões de euros, do pacote do empréstimo da EU/FMI para esse fim.
Se assim for, por mais disfarçada que seja a nacionalização, estamos perante um
processo semelhante ao do BPN. Sabe-se como começa - com o Governo a prometer que não custa nada - e sabe-se como termina - com a descoberta de dívidas sobre dívidas e a assunção pelo tesouro público de tudo e de mais algumas promissórias. Se a nacionalização do BPN, que representava cerca de 2% do sistema bancário nacional, custou ao Estado português
8 mil milhões de euros, ainda nos arriscamos a que a nacionalização, dita «parcial» (não se prevê que os privados lá ponham dinheiro deles...) do BES (
cerca de 20% do sistema bancário nacional), possa ascender a dez vezes mais, à bagatela bancocrática de 80 mil milhões de euros (em linha de grandeza com os
52 mil milhões gastos pelo Estado irlandês no Anglo Irish), quando se fizerem as contas daqui por quatro anos. E então assistaremos, ainda resignados, à venda do BES, limpinho da silva, o
banco bom (?), por uma insignificância proporcional à cedência do BPN à elite angolana (
40 milhões de euros) - as agências, o equipamento, a formação que o pessoal tem, o sistema informático e a carteira de clientes sem valer nada... -, num paradigma de
piratização do Estado (venda a pataco de ativos valiosos, depois de expurgados de dívidas) que se tem seguido ao modelo de corrupção brutal do Governo anterior.
A nacionalização e o empréstimo pelo Estado de dinheiro ao BES para pagar aos acionistas e aos grandes investidores que compraram títulos especulativos do BES/GES, implica na prática, insisto, um
segundo resgate financeiro a Portugal, fazendo os pobres do País pagar os prejuízos dos grandes ricaços, e fazendo perigar a independência nacional.
Será o povo português a pagar a ajuda ao BES, tal como foi o povo irlandês a suportar na pele a ajuda ao Anglo Irish Bank. Com um mercado depauperado e uma economia rastejante, não há condições para, até no longo prazo, os bancos falidos portugueses gerarem lucros que permitam pagar empréstimos volumosos, desproporcionados face à sua situação financeira e à sua dimensão comercial. Terá de ser o povo a pagar mensalmente, através de pacotes consecutivos de austeridade desigual, a amortização e os juros (mesmo que diferidos) da dívida que os políticos, por ação e
omissão, desavergonhadamente contraiem, devido à bancocrática promiscuidade com os banqueiros. Se já andávamos de tanga, vamos ficar de fio dental, batendo o queixo de frio neste verão inverniço.
Ora, a
solução deste caso, em minha opinião, devia ser (veja-se também o meu
poste de 29-7-2014):
- A nomeação de uma administração judicial (pode ser a equipa de Vítor Bento), que funcionará como comissão liquidatária do BES/GES, pagando aos credores (além dos 100 mil euros que o Estado deve cobrir) conforme a lei estipula e só depois do apuramento de todas as dívidas e imparidades. As empresas do grupo GES também deverão ser liquidadas e vendidas à melhor oferta, que garanta viabilidade e emprego.
- O Estado apenas assumir perante os depositantes do BES apenas o que a lei estipula: cobrir os depósitos até 100 mil euros.
- Nem um chavo ser injetado pelo Estado, em empréstimo ou particpação acionista, para cobrir o buraco no BES.
- Nem um cêntimo ser entregue pelo Estado para cobrir as dívidas das demais empresas do Grupo Espírito Santo, para que não aconteça o mesmo que na SLN, que continuou a sugar a teta do Estado/CGD após a ruinosa nacionalização do BPN (oito mil milhões de euros para cobrir aplicações financeiras arriscadas, depósitos vultuosos e as participações dos acionistas, mais os créditos e os negócios feitos depois da nacionalização).
- O Estado não pagar aos acionistas e investidores em papel comercial da ESI, ESFG, Rio Forte e tutti quanti. Para os subscritores de papel comercial aos balcões do BES em Portugal - que o Banco de Portugal (BdP) deveria ter impedido - basta a provisão que o BdP obrigou o BES, posteriormente, a fazer.
A solução judicial é muito mais barata para o Estado, mesmo com o pagamento de subsídios de desemprego. E o pessoal acabará por se reciclar noutras instituições. Em qualquer caso, não pode arriscar-se um segundo resgate financeiro do País por causa de assegurar o emprego dos funcionários de uma empresa, sequer de um grupo.
Finalmente, e com base no próprio
comunicado do Banco de Portugal no dia 30-7-2014, que informa de indícios novos da «prática de atos de gestão gravemente prejudiciais para os interesses do BES e um claro incumprimento das determinações emitidas» pelo próprio Banco de Portugal, deve ser
detido preventivamente - com pedido subscrito imediatamente pelo Ministério Público, que o juiz de instrução certamente despachará - todo e qualquer dirigente do universo BES/GES, sobre o qual, independentemente da situação processual atual, existam dúvidas acerca da eventual continuação da atividade criminosa e de destruição de evidências, além do alarme social que representa, nesta altura, o gozo da sua liberdade.
O acesso judicial, agora mais facilitado por uma administração colaborante, às contas do BES/GES, e a análise da documentação entretanto apreendida, há-de ainda permitir apurar sem demora, além dos factos comprometedores já descobertos, o pagamento eventual de comissões a compinchas políticos, no negócio Vivo e noutros, como parcerias público-privadas, IGCP, transações na Venezuela - de construção civil ou a intermediação da
venda de papel comercial (500 milhões de euros?...) da Rio Forte ao fundo soberano deste país sul-americano - através de
escrow accounts, na Suíça ou
offshore , ou em sacos de numerário com posterior contrabando para a lavagem exterior. O que já se coligiu e o que entretanto se obteve, deve conduzir à
detenção preventiva imediata para prevenir o alarme social no País, perante a liberdade de alguém, quem quer que seja, que se saiba ter a máxima promiscuidade com estes escândalos financeiros.
Falemos claro: a indignação popular e a desorientação dos envolvidos facilita a oportunidade de resolução patriótica do nó górdio do sistema corrupto. Esta circunstância única deve ser aproveitada para agir. Agora ou nunca.
Pós-Texto (18:52 de 3-8-2014): Responsabilização
Para que fique já absolutamente claro, e antes do poste separado que pretendia escrever, depois de conhecida a decisão do Governo, hoje à noite (o Banco de Portugal é a fachada de uma decisão que politicamente o excede) sobre a responsabilização dos protagonistas.
Além do que escrevi sobre a culpa dos personagens acima mencionadas na criação (Governos Sócrates) e gestão do descalabro (Governo Passos Coelho),
deve ser responsabilizado:
- O Governador de Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, e os seus dirigentes com funções atinentes à regulação da atividade bancária. Depois da negligência pavorosa no caso BPN, e da promoção a vice-presidente do Banco Central Europeu (!...) do governador Constâncio, que corporizou esse descalabro, esperava-se que o Bando de Portugal tivesse sofrido uma reestruturação interna, de regras e de procedimentos, que evitasse uma caso semelhante. Aparentemente não o fez, e nisso também tem responsabilidade, o Governo e a Assembleia da República, bem como o Presidente, que a deveriam ter acautelado.
O caso BES/GES não é igual ao BPN/SLN: é dez vezes maior! E a falha na supervisão tem uma consequência proporcional, tornando-a ela própria ainda mais gravosa. Mesmo que os personagens sejam diferentes e Carlos Costa, que tenho como homem sério, não seja o malabarista econométrico do Vítor Constâncio que, aliás, deveria ser responsabilizado judicialmente pelo que aconteceu no BPN. Portanto, Carlos Costa deve demitir-se, bem como toda a administração do Banco de Portugal; e se não o fizerem, devem ser demitidos. Pelo envolvimento em processos judiciais por suspeita de crimes económicos, o Banco de Portugal jamais poderia ter mantido a idoneidade de administradores suspeitos de crimes económicos: o pagamento de impostos (a que se haviam furtado) ao abrigo do Regime Excecional de Regularização Tributária (RERT) não apagou a mancha irreparável na sua reputação; muito menos as imputações de alegado abuso de informação privilegiada.
Os administradores do BdP também devem ser responsabilizados judicialmente, se for detetado que as suas falhas têm essa natureza.
- O Conselho Diretivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), desde logo o seu presidente Carlos Tavares. A CMVM também falhou no cumprimento das suas funções de fiscalização e de ação. Deve demitir-se, ou ser demitido, o Conselho Diretivo da CMVM.- E tal como no BdP, deve proceder-se a uma reforma profunda da sua estrutura e do seu funcionamento.
- Os acionistas, os obrigacionistas (11 mil milhões de euros...) e os depositantes acima de 100 mil euros. Devem assumir o risco que o seu investimento lhes traz, numa economia liberal - ao contrário do que defendeu hoje, 3-8-2014, Pedro Santana Lopes. Quem investe não pode ter a garantia socialista de que não perde dinheiro nos investimentos e depósitos para lá do que a lei protege. Depois, todos devem ter o direito de processar o Estado, e os seus dirigentes, pelas declarações fantasiosas que foram transmitidas entretanto, a (im)piedosa mentira de Estado. E receber os seus créditos, na proporção do que se apurar, e ordenados com a preferência que a lei estipula. Com prioridade aos empregados no banco, que em qualquer caso serão uma grande parte despedidos - como no grupo GES.
É uma falácia mal intencionada alegar que a solução judicial (a administração Vítor Bento reinvestida em comissão liquidatária) implicaria que o Estado pagasse os 35 mil milhões de euros de depósitos que existiriam no final de junho de 2014, segundo as contas apresentadas: nem esse valor já será de 35 mil milhões, nem o valor dos depósitos até 100 mil euros terá essa dimensão. Insisto, ficará muito mais barata aos portugueses a solução judicial do que a solução de pôr os portugueses a pagar uma nacionalização e a impossível recuperação do Banco Espírito Santo (uma marca/instituição que está morta e arrefece!) - jamais o banco bom, o banco mau ou o banco assim-assim, conseguirão pagar ao Estado os valores que este lhes injete, a partir da linha de crédido disponível npo programa da troika e do segundo resgate a que obrigará - qualquer que seja o nome que dêem à nacionalização e ao segundo resgate. Foi o povo irlandês que pagou os 52 mil milhões da falência do Anglo Irish Bank, e sofreu os sacrifícios impostos ao seu bem estar por causa dessa ajuda: é o povo português quem pagará em espécie e em sangue, a ajuda a um banco privado em pré-falência, sem viabilidade de marketing nem económico-financeira.
Atualização: este poste foi reescrito às 12:14 de 3-8-2014 (desculpem os leitores o meu cansaço) e atualizado às 13:14 e 18:52 de 3-8-2014. Já agora, leiam o comentário do Prof. Norberto Pires, de há pouco, sobre este tem.
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