Michelangelo Merisi da Caravaggio, La vocazione di San Matteo, 1599-1600,
capella Contarelli, San Luigi dei Francesi, Roma
Na capela Contarelli, da igreja de San Luigi dei Francesi (de entrada livre), em Roma, é preciso pôr uma moeda para, temporariamente, iluminar melhor as três pinturas de Caravaggio, e nomeadamente A Vocação de São Mateus. No quadro, Cristo, à direita, chama Mateus, com o mesmo gesto que Deus estende a Adão na alegoria da Criação, de outro Michelangelo, na Capella Sistina, um movimento seguido por Pedro. Mateus fica admirado pelo chamamento, enquanto as crianças reparam e os adultos se preocupam conspicuamente com o dinheiro. Na representação, a luz não penetra a penumbra pela janela do mundo, mas provém da Graça de Cristo. Todos somos chamados, nem todos ouvimos o apelo; e poucos são, enfim, os escolhidos. Mesmo a força da Graça esbate-se no desvio dos homens pela tentação do mundo.
Ainda por refazer do choque moral da renúncia do papa Bento XVI, em 11-2-2013, enquanto uns e outros analisam o ato de coragem e humildade, para lá da explicação autêntica, do próprio, de «falta de forças» para «governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho», «no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé». Uns que se atêm ao primeiro argumento (a falta de forças); e outros que sobrelevam o segundo argumento (a agitação do mundo), valorizando afinal o primeiro, cuja evidência tinham negado. Eventualmente, os mesmos que desvalorizam o anúncio do Evangelho e apenas se prendem ao governo da barca: os dois encargos que pesaram sobre os ombros do Papa, em anos de permeabilidade mundana do ministério da Igreja. Deus abençoe Bento XVI pelo sacríficio, pela coragem, pelo desapego de poder e pela lucidez da decisão iluminada que tomou, como o seu pontificado radioso de rumo e doutrina.
No meio da batalha do poder temporal, noutro sacrifício de outro Papa, que nos faz recordar a visão martirológica do terceiro segredo de Fátima, cuja interpretação foi muito bem realizada, em 26-6-2000, pelo próprio Joseph Ratzinger, enquanto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, mas que não nos desobriga da Penitência, sucedem-se as notícias e rumores de «impropriam influentiam» (!), de guerra de dinheiro e de divisões no ambiente da Santa Sé, na sequência das filtrações do chamado escândalo Vatileaks e da «Relationem», de 17-12-2012, dos cardeais, Herranz, Tomko e De Giorgi, que o Papa mandou fazer sobre factos que provavelmente influenciaram a sua decisão de renúncia. O temporal a querer impor-se ao sagrado, na própria Igreja, e a revolta vitoriosa do sagrado.
Para lá do espanto e da mágoa, fica-nos uma impressão in loco - no meio de uma Cúria, e de oficiais, da Santa Romana Chiesa de valor, responsabilidade, embaraço e comoção -, de que se pretende aplicar à escolha do novo Papa, as categorias de análise da política. Subvertendo os dois sistemas - de Deus e de César -, como, aliás, aconteceu nos últimos anos na Igreja. Assim, para lá da habitual teleologia ideológica sobre a posição de cada candidato face ao relativismo (encaixotado que está, por enquanto, o marxismo económico), no Totoconclave mediático sobram as categorias do estilo de comunicação, da cor de pele, da idade e da proveniência geográfica - até chegando ao detalhe de uma província de Itália, a Ligúria... A forma em vez da substância. Esquecendo que o propósito do Conclave é a escolha, inspirada pelo Espírito, de um Santo Padre, solum Deum prae oculis habentes, independentemente do estilo, da pele, da idade e da origem.
Ainda por refazer do choque moral da renúncia do papa Bento XVI, em 11-2-2013, enquanto uns e outros analisam o ato de coragem e humildade, para lá da explicação autêntica, do próprio, de «falta de forças» para «governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho», «no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé». Uns que se atêm ao primeiro argumento (a falta de forças); e outros que sobrelevam o segundo argumento (a agitação do mundo), valorizando afinal o primeiro, cuja evidência tinham negado. Eventualmente, os mesmos que desvalorizam o anúncio do Evangelho e apenas se prendem ao governo da barca: os dois encargos que pesaram sobre os ombros do Papa, em anos de permeabilidade mundana do ministério da Igreja. Deus abençoe Bento XVI pelo sacríficio, pela coragem, pelo desapego de poder e pela lucidez da decisão iluminada que tomou, como o seu pontificado radioso de rumo e doutrina.
No meio da batalha do poder temporal, noutro sacrifício de outro Papa, que nos faz recordar a visão martirológica do terceiro segredo de Fátima, cuja interpretação foi muito bem realizada, em 26-6-2000, pelo próprio Joseph Ratzinger, enquanto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, mas que não nos desobriga da Penitência, sucedem-se as notícias e rumores de «impropriam influentiam» (!), de guerra de dinheiro e de divisões no ambiente da Santa Sé, na sequência das filtrações do chamado escândalo Vatileaks e da «Relationem», de 17-12-2012, dos cardeais, Herranz, Tomko e De Giorgi, que o Papa mandou fazer sobre factos que provavelmente influenciaram a sua decisão de renúncia. O temporal a querer impor-se ao sagrado, na própria Igreja, e a revolta vitoriosa do sagrado.
Para lá do espanto e da mágoa, fica-nos uma impressão in loco - no meio de uma Cúria, e de oficiais, da Santa Romana Chiesa de valor, responsabilidade, embaraço e comoção -, de que se pretende aplicar à escolha do novo Papa, as categorias de análise da política. Subvertendo os dois sistemas - de Deus e de César -, como, aliás, aconteceu nos últimos anos na Igreja. Assim, para lá da habitual teleologia ideológica sobre a posição de cada candidato face ao relativismo (encaixotado que está, por enquanto, o marxismo económico), no Totoconclave mediático sobram as categorias do estilo de comunicação, da cor de pele, da idade e da proveniência geográfica - até chegando ao detalhe de uma província de Itália, a Ligúria... A forma em vez da substância. Esquecendo que o propósito do Conclave é a escolha, inspirada pelo Espírito, de um Santo Padre, solum Deum prae oculis habentes, independentemente do estilo, da pele, da idade e da origem.