sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Votos e o seu cálculo: uma análise mais profunda das eleições em Portugal no início do terceiro milénio


Ouvi a entrevista franca do Prof. Rui Moura Ramos, presidente do Tribunal Constitucional, ontem, 25-2-2011, na TSF, sobre os erros no cálculo dos votos e dos eleitores do sufrágio presidencial de 23-1-2011 e ainda sobre a dificuldade e impedimento de votação aos eleitores que mudaram do bilhete de identidade para o Cartão do Cidadão. Vou analisar os dois assuntos e juntar cálculos, legislação e conclusões.

Erros no cálculo dos votos e dos eleitores
Sobre os erros no cálculo dos votos e dos eleitores, revela a falta de meios, programas e sistemas informáticos, e deficiente organização e ausência de sistemas redundantes de cálculo, verificação, conferição e supervisão, no registo e cálculo dos votos pelas assembleias distritais de apuramento eleitoral e pela assembleia geral (nacional) de apuramento dos votos.

Compreende-se agora melhor como surgiram as discrepâncias nos números do Tribunal Constitucional face à Direcção-Geral da Administração Interna do Ministério da Justiça, que, presumo, terá sistemas e meios informáticos actuais. A revelação sobre tipos de erros, por exemplo, selecção errada de células de Excel, assusta e preocupa. Percebe-se que a pressão do tempo para a publicação rápida dos resultados provoca erros prováveis quando os recursos humanos para a tarefa são, quiçá, insuficientes, os meios obsoletos e a organização muito deficiente. Transcrevo - depois do aborrecido trabalho de reconhecimento de caracteres do documento em extensão pdf. -, um excerto da «Acta da Reunião da Assembleia de Apuramento Geral da Eleição Presidencial», datada de 22-2-2011, «convocada para apurar a eventual necessidade de corrigir os números» das actas de 31-1-2011 e 1-2-2011:

«Foram presentes à Assembleia as respostas recebidas dos presidentes das assembleias de apuramento distrital a quem havia sido solicitada a confirmação ou a rectificação dos dados constantes das assembleias de apuramento distrital inicialmente transmitidos.
Dessas respostas resulta que:
Vinte assembleias distritais confirmaram os dados inicialmente transmitidos.
A assembleia de apuramento distrital n° 1 do distrito de Braga corrigiu os números transmitidos, indicando que o erro provinha da circunstância de se não terem reflectido na acta enviada inicialmente os resultados das vinte e nove primeiras freguesias do concelho de Barcelos.
A assembleia de apuramento distrital de Castelo Branco rectificou o número de inscritos constantes da acta de apuramento primeiramente enviada.
A assembleia de apuramento distrital de Coimbra rectificou os lapsos de cálculo verificados na acta anteriormente enviada, apresentando uma versão corrigida dos resultados.
A assembleia de apuramento distrital do Porto relativa aos concelhos do Porto e de Matosinhos comunicou que, “por lapso informático, não foram considerados os elementos referentes à secção de voto n° 10 da freguesia de Leça da Palmeira, no concelho de Matosinhos", tendo suprido a omissão referida, indicando os resultados em questão.
A assembleia de apuramento distrital do Porto relativa aos concelhos de Vila Nova de Gaia e Gondomar referiu ter contabilizado, por lapso, no concelho de Gondomar, duas vezes os dados da freguesia de Foz do Sousa, tendo omitido os referentes à freguesia de Fânzeres. Mais referiu ter efectuado a respectiva correcção.
A assembleia de apuramento distrital de Setúbal corrigiu “o lapso ocorrido, no que respeita à soma dos votos das freguesias do concelho de AImada" e contabilizou 13 votos antecipados entretanto recebidos do Consulado Geral de Portugal em Londres.
A assembleia de apuramento distrital de Viseu corrigiu os lapsos verificados, rectificando em conformidade os números inicialmente apresentados.
A Assembleia de apuramento geral verificou ainda não terem sido incluídos nos resultados do apuramento geral os votos da mesa de Londrina, integrada no consulado de Curitiba.
Aberta a discussão, entendeu a Assembleia de apuramento geral que, apesar da inexistência de protesto ou reclamação, devem ser corrigidos os erros materiais (erros de cálculo, na circunstância) que, mesmo não produzindo efeitos na determinação do candidato eleito, sejam susceptíveis de se repercutir de forma significativa nos resultados inicialmente apurados. Em face do que decidiu aceitar as rectificações apresentadas e acima referidas, que serão incorporadas na acta de apuramento geral.
Já quanto à contabilização de votos antecipados realizada pela assembleia de apuramento distrital de Setúbal na sua reunião de 21 de Fevereiro de 2011, que excede a referida possibilidade de correcção de erros materiais, entendeu-se que não havia que a tomar em consideração, pelo que o apuramento geral não reflectirá quanto a esse número de votos a alteração traduzida na acta de apuramento distrital de Setúbal.»
Segundo esta nova acta, vinte assembleias distritais de apuramento confirmaram «os dados inicialmente transmitidos» (os constantes na acta de 31 de Janeiro?), enquanto outras seis (Braga, Castelo Branco, Coimbra, Porto, Setúbal e Viseu) efectuaram e comunicaram correcções, além da assembleia de apuramento geral ter, ela própria, acrescentado os votos de Londrina, no consulado de Curitiba, Brasil. Portanto, não é um caso isolado. Os motivos dos erros, pelas assembleias de apuramento distrital que tiveram a franqueza de os expor, depois de terem efectuado mal o cálculo, suscitam, mesmo a pessoas com menor instrução informática, o maior espanto.

Porém, de acordo com o JN, de 22-2-2011continua a discrepância entre os números do Tribunal Constitucional, desta acta de 22-2-2011, e os números da DGAI (que não sofreram alteração entre a data em que os consultei, o dia seguinte à eleição, e hoje, 25-2-2011): nos eleitores inscritos, nos votantes, nos votos brancos e nulos, nos candidatos e nos votos validamente expressos. Actualizo o quadro que compilei no meu poste de 4-2-2011 e calculo as diferenças entre os números do Tribunal Constitucional e da DGAI.


As diferenças entre uns dados e outros foram reduzidas - a discrepância nos dados percentuais é muito reduzida, às centésimas (por exemplo, o Prof. Cavaco Silva regista 52,95% dos votos em vez de 53,14%) -, mas um voto é um voto e não deveria existir nenhuma. Não é difícil, nem muito caro, criar um sistema fiável, com meios actualizados um programa dedicado e pessoal profissionalmente preparado para executar, ao nível distrital e nacional, o cálculo do escrutínio. Creio que esta ocasião, de exposição das diferenças nos números de votos do Tribunal Constitucional e da DGAI pode ser aproveitada para benefício do País, pois não é saudável existirem dúvidas sobre o número de votos e nascer a desconfiança sobre a votação.

Os membros das assembleias de apuramento distrital são tão pouco conhecidos como os americanos os membros do colégio eleitoral presidencial... Mas a composição das assembleias de apuramento distrital interessa para compreender a sua eficácia e justificar o seu trabalho. Estipula o n.º 1 do art. 98.º do Decreto - Lei nº 319-A/76, de 3 de Maio (Eleição para o Presidente da República):

«1. A assembleia de apuramento distrital será composta por:
a) Um magistrado judicial, designado pelo presidente do tribunal da relação do distrito judicial respectivo, que servirá de presidente, com voto de qualidade;
b) Dois juristas, escolhidos pelo presidente;
c) Dois professores, preferencialmente de Matemática, que leccionem na área da sede do distrito, designados pelo Ministro da Educação e Cultura;
d) Seis presidentes de assembleias de voto, designados pelo governador civil;
e) Um secretário judicial da sede do distrito, escolhido pelo presidente, que servirá de secretário, sem voto.»
Não sei que formação, preparação, planeamento prévio do trabalho, distribuição de tarefas, modo de contabilização (o programa Excel que o presidente do Tribunal Constitucional referiu?) verificação, conferição, supervisão, meios informáticos e de comunicação, estas assembleias têm - e o próprio Tribunal Constitucional. Mas, à parte o arcaísmo da integração de «professores, preferencialmente de Matemática» parece ser, nesta era de informática profissional, um trabalho amador, sem meios nem recursos humanos adequados que sejam providenciados pelo Estado, uma tarefa  que o legislador e os envolvidos entendem poder ser realizada à maneira da contabilização física dos boletins de voto numa mesa eleitoral de freguesia.
A imprensa não tem entendido ser útil explorar este tema com uma reportagem sobre o registo e cálculo dos votos pelas assembleias de apuramento. E a Assembleia da República também não o fez ainda. Mas é evidente que o País carece de uma explicação detalhada, até pelos dirigentes das assembleias de apuramento distrital para erros vários de largas dezenas de milhar de votos e de eleitores. Pode ser que devido a este escândalo a lei e o sistema de apuramento de resultados mudem e, se assim for, já valeu o nosso esforço. É muito difícil convencermo-nos de que os erros em seis assembleias de apuramento distrital, agora expostos, tenham sido exclusivos desta eleição...


Dificuldade e impedimento de voto de eleitores com Cartão do CidadãoO assunto da dificuldade e impedimento de voto, neste sufrágio presidencial, de eleitores com Cartão de Cidadão, ainda não está cabalmente esclarecido, nem se viu uma assunção das culpas, e consequente demissão, de responsáveis políticos e administrativos, ou do primeiro-ministro. A pequena entrevista do presidente do Tribunal Constitucional à TSF  é útil também para explicar os problemas decorrentes da péssima gestão do processo eleitoral pelo Governo. O Prof. Rui Moura Ramos não identifica motivos nem autores, mas salientou o problema incontornável no caso de eleitores no estrangeiro que não podiam fisicamente deslocar-se a tempo para outra assembleia de voto, quando o cartão do cidadão a tivesse indirectamente transferido.

Aqui não omitimos a responsabilidade do Governo na trapalhada eleitoral, tão grande é a evidência de boicote do Governo na não realização da habitual campanha maciça de informação sobre as eleições e de promoção do dever cívico do voto, de não notificação (nem campanha de aviso) aos cidadãos com Cartão de Cidadão sobre o seu novo número de eleitor e o novo local de voto (quando essa transferência tenha ocorrido, sem que o eleitor soubesse) e negligência na insuficiência da capacidade dos servidores de internet e telefónicos para informação sobre o número de voto.

Em democracia, o voto é sagrado e não pode haver impedimento do seu exercício nem dúvidas de fé no seu cálculo.


* Ilustração picada daqui.

1 comentário:

Anónimo disse...

Oh Prof. Balbino Caldeira,

Falta de meios? Num país, que gasta milhões em "simplex" e Magalhães!?

Falta de recursos humanos, quando as Direcções Gerais, os Serviços dos Ministérios, estão cheias de pessoas que vão lá colocar o casaco às 9h10m, e saiem antes das 16h00m?

Falta de organização?

Sim, mas aí, a organização vem de cima. Não cabe apenas às mesas eleitorais. E aí, tem que se chamar o Dr. Rui Pereira, o Dr. Alberto Martins, o Prof. Rui Moura Ramos, e toda essa gente, que é paga principescamente por um Povo cada vez mais faminto.

Não há desculpa.

A incompetência é do TOPO do Estado. Deveriam rolar cabeças.

Esta gente não aprende nada com a Tunísia, o Egipto, a Líbia e os que se seguem.

Estão a chamar os demónios.

Eles virão.

O Prof. Cavaco que seja suave, como tem sido até aqui, e que se prepare para o exílio no Brasil ou em Angola!