sábado, 29 de maio de 2010

Um crime continuado

Um amigo preveniu-me e verificou-se: o PS absteve-se ontem, 28-5-2010, no Parlamento, na «alteração ao Código Penal em matéria de crime continuado». Esta posição contrasta com o aditamento, introduzido na derradeira hora, pelo Dr. Ricardo Rodrigues, vice-presidente da bancada socialista, «salvo tratando-se da mesma vítima», do n.º 3 do art. 30.º do Código Penal, de 2007 (Lei 59/2007, de 4 de Setembro):

Artigo 30.º
Concurso de crimes e crime continuado


1 — O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 — Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
3 — O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.

Como foi denunciado na altura, o referido aditamento está à medida do processo Casa Pia, como aliás o próprio Código. Com efeito, se forem considerados provados vários abusos sobre a mesma criança, apenas contam como um só crime (crime continuado), reduzindo assim a pena eventual.

Perguntará o leitor menos avisado: mas esta mudança, pelo consentimento, não evitará que os arguidos do processo Casa Pia possam ser punidos apenas por um crime relativo a cada criança abusada, passando a ser punido cada abuso praticado na mesma criança? Não: aplica-se a lei mais favorável ao arguido... Ou seja, os arguidos do processo Casa Pia beneficiam dessa alteração, introduzida à última hora, no Código de 2007.

Isto é, cumprido o propósito dessa manobra, a lei pode, e deve, voltar à fórmula anterior, até para que o PS se possa justificar de que não protege arguidos de pedofilia. Porém, o efeito jurídico sobre os casos em julgamento é inútil. O único efeito é cobrir de areia, uma vez mais, os olhos dos portugueses.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As personalidades, e entidades das notícias dos media, que comento, quando arguidos têm direito constitucional à presunção de inocência até ao eventual trânsito em julgado de sentença condenatória.

sábado, 15 de maio de 2010

A visita do Papa Bento XVI a Portugal - um balanço

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ABC, Os sinos de Fátima, 13 de Maio de 2010


É altura de fazer um balanço sobre a visita do Papa Bento XVI a Portugal.

O balanço é muito positivo. Divido a análise em três partes: o Papa, o povo, os adversários, a organização e o Estado.

A visita do Papa foi um êxito extraordinário em condições muito adversas.

O momento da Igreja é muito doloroso pela acumulação das notícias, velhas e novas, de abusos sexuais de crianças por padres e colaboradores da Igreja e sobre o tratamento interno desses abusos. À parte as críticas justas à Igreja, pelo abafamento e circulação dos abusadores, e menosprezo do pior pecado sobre a Terra, Bento XVI tornou-se o alvo principal dos ataques malélovos, paradoxalmente ele que mais fez, contra esses abusos. Nomeadamente, ao chamar, em 2001, à Congregação para a Doutrina da Fé a resolução central desses casos, ao impor, já como Sumo Pontífice, uma nova política de prevenção e repressão mais atenta desses abusos, que culminou com a decisão de comunicação dos abusos às autoridades civis, esclarecendo, em 12-5-2010, em entrevista (ver abaixo) que «o perdão não substitui a justiça». Sublinho que a natureza dos ataques, e a sua motivação por causa da agenda conservadora de Bento XVI (as Igrejas protestantes, onde não há celibato obrigatório dos seus ministros, têm tido até maior incidência da pedofilia no seu clero do que a Igreja Católica, mas não sofreram contestação de nível semelhante por causa dos abusos sexuais), não diminui, em nada, a gravidade do problema, nem deve reduzir a necessidade de consolidar a política de prevenção rígida, repressão dura com comunicação obrigatória das denúncias às autoridades civis, e transparência, nem a catarse e nem a penitência interna. Mas se o momento era dramático, o Papa esteve à altura do desafio. Não fugiu ao assunto e não o diminuiu, antes sublinhou a gravidade do caso e assumiu a culpa da Igreja, construção humana sob inspiração divina, que vence, mas não elimina o pecado.

O Papa tem um carisma diferente de João Paulo II. Intelectual, professor, gestor administrativo, mais habituado, por força das funções que desempenhou, ao gabinete do que à pastoral de contacto, Bento XVI é um homem sereno, firme e da palavra. Que era um homem da palavra, escrita e pronunciada, reflectida e muito profunda, já se sabia. Mas Joseph Ratzinger é também um homem bondoso, amável e autêntico na coerência da prioridade ao amor verdadeiro. Essa imagem, reservada debaixo do ar sereno, finalmente verteu para o povo.

A novidade da visita é que o povo sentiu esse carisma de bondade e autenticidade do Papa e uniu-se a ele. E, por ter aderido ao carisma do Papa, para lá do estatuto solene de chefe da Igreja, também acolheu com abertura e atenção as suas palavras. Em Portugal, Bento XVI ganhou ouvintes, além de leitores. A Igreja que, à parte a questão da pedofilia, tem sofrido uma guerra do relativismo moral, por causa das suas posições face aos costumes (moral sexual, eutanásia, drogas, família) e economia (salários, preços e lucros justos), está a resistir e a constituir uma proposta de genuinidade de atitude, de procura radical de um sentido da vida, que, afinal, só se encontra em Deus. O povo toma consciência desse desígnio, da sua identidade religiosa, da moda da secularização da moda, da necessidade de recristianização, adere, junta-se e une. O desígnio da civilização do amor convoca e move. O povo aceita a mensagem do Papa de que não é possível mais ficar silencioso, recolhido, escondido.

Fora do povo, e à margem dele, ficaram confinados os adversários. Para estes bastou  a atitude tolerante do povo que despreza o desrespeito das provocações elitistas de distribuição de preservativos durante as cerimónias, de gozo do Papa, que não calça Prada (mas os sapatos oferecidos por um sapateiro italiano, Adriano Stefanelli), bem como a raiva elitista que se angustiou com a adesão popular ao Papa pelos cristãos. Como não se conseguiu atingir a sua mensagem moderna, ficaram apenas os costumeiros ataques sobre o estilo.

A organização da visita, liderada pelo bispo auxiliar de Lisboa, D. Carlos Azevedo esteve muito bem. Moderna, desempoeirada, aplicada. Parabéns pelo programa, pelo atento secretariado de apoio, e pela execução do programa. Mesmo a crítica ao selecto Encontro com o Mundo da Cultura, se menos feliz no nome, acabou por conseguir a rendição dos adversários e neutros ao respeito e diálogo com a Igreja, representada pela intelectualidade do Papa - veja-se a notável crónica de Eduardo Lourenço, no Público de 11-5-2010, «Um Papa alemão na tormenta». Apesar da visita decorrer durante a semana, contra a expectativa da vanguarda anti-católica, acorreram multidões ao encontro do Papa, em Lisboa (280 mil pessoas - e não 80 mil como foi noticiado, contando apenas com os espectadores ordenados no Terreiro do Paço), em Fátima (500 mil pessoas) e no Porto (150 mil pessoas), com grande sacrifício físico e financeiro - a maioria dos portugueses vive nesta altura com grandes dificuldades financeiras para poder tirar dias férias (e a tolerância de ponto que ocorreu no dia 13 de Maio foi só para os funcionários públicos...). A inclusão do Porto honra a Cidade Invicta e o seu bispo D. Manuel Clemente, que se tem constituído como uma autoridade moral de enorme relevo nacional, mesmo perante os media controlados pelo ateísmo radical do Governo. A visita teve o mérito extraordinário de revigorar o Papa para a sua missão de reevangelização da Europa e do mundo tradicionalmente cristão.

No comportamento do Estado durante a visita considero os seguintes aspectos: a neutralização, certamente por instrução governamental, dos media directa e indirectamente controlados (quase todos!...) que evitaram a temida afronta mediática ao Papa e à Igreja; o aproveitamento da visita para enterrar o impacto negativo do pacote de austeridade pós-bancarrota do País (na sexta-feira negra, 7-5-2010); a provocação - premeditada, premeditada... - do primeiro-ministro de Portugal, o radical anti-católico José Sócrates, ao Papa, visível na veiculação pelos media de que era Sócrates que recebia o Papa e não o contrário, no tratamento por Sócrates do Papa ao nível de um simples bispo (Eminência...) e em mandar sentar o Papa que o recebia em sua casa (a Nunciatura...) - segundo li no João Gonçalves do Portugal dos Pequeninos (que merece um louvor especial no trabalho de cobertura e protecção no acolhimento mediático do Papa); e culminando na distribuição, por jovens (Quanto receberam à hora? Quem os contratou? Seria uma dessas agências de trabalho temporário? Quem pagou a acção?  Os jovens sabiam mesmo ao que iam ou a organização dissimulou a tarefa, como no caso da Adecco?),  às portas do Santuário de Fátima, imediatamente antes da missa papal de 13-5-2010, de propaganda, folhetos e bonés (verdes e brancos), do Governo socialista, na era da austeridade (!), do programa Mais Centro da CCDRCentro-Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território (exemplar colhido in loco, por mim). Se o Governo socialista tem uma das agendas mais radicais do mundo, em países de tradição católica, contra a doutrina da Igreja, não deveria, no âmbito da separação do Estado, pelo menos respeitar os locais de culto não fazendo propaganda da sua acção durante as celebrações religiosas?



Folheto desdobrável distribuído aos peregrinos junto ao Santuário de Fátima, no início da Missa Papal, de 13-5-2010
Programa Mais Centro (Programa Operacional da Região do Centro - QREN)
Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro
Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território



ABC, Propaganda do Governo na Missa Papal de Fátima, do 13-5-2010
Boné distribuído aos peregrinos junto ao Santuário de Fátima, no início da Missa Papal, de 13-5-2010

Programa Mais Centro (Programa Operacional da Região do Centro (QREN)
Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro
Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território



Junto ainda os linques das intervenções do Papa em Fátima e no Porto:
  1. Oração do Papa na Capelinha das Aparições, Santuário de Fátima, 12-5-2010
  2. Homilia do Papa aos sacerdotes e religiosos na celebração das Vésperas, Igreja da Santíssima Trindade, Santuário de Fátima, 12-5-2010
  3. Discurso do Papa na recitação do Rosário, Capelinha das Aparições, Santuário de Fátima, 12-5-2010
  4. Homilia do Papa na Missa solene de celebração do 10.º Aniversário da Beatificação dos Pastorinhos Jacinta e Francisco, Santuário de Fátima, 13-5-2010
  5. Saudação do Papa aos doentes, no final da Missa, Santuário de Fátima, 13-5-2010
  6. Discurso do Papa às organizações de pastoral social, Igreja da Santíssima Trindade, Santuário de Fátima, 13-5-2010
  7. Homilia do Papa na missa na Avenida dos Aliados, no Porto, em 14-5-2010
  8. Discurso de despedida, no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, na Maia, em 14-5-2010


Actualizações: este post foi actualizado às 11:16 de 16-5-2010.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Fátima universal

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ABC, Fátima universal - Missa com Bento XVI no 13 de Maio de 2010


No Santuário de Fátima com a minha família, unidos ao Papa Bento XVI, depois de uma longa caminhada nocturna. A maior praça do mundo cheia de uma multidão crente. Como sempre.

Peregrinando, a pé, humildes, louvando e rezando, como minha avó em 1917, os meus pais e eu e os meus depois deles. Confiando na fé, na redenção dos homens e da própria Igreja. E pedindo, por intenções particulares, pela família, pelos amigos, pelas famílias de todos, por Portugal, pela Igreja universal e o mundo inteiro, pela intercessão da Virgem dos humildes.

A mensagen do Papa, da "civilizaçäo do amor" foi integrada pelo povo português que aderiu ao Santo Padre, apesar da campanha da mentira. A verdade de Deus triunfa sempre.


Actualizações: este post foi emendado às 20:50 de 13-5-2010, depois do regresso ao computador de secretária. O meio anterior era o possível. Mas valeu a impressão do directo. Emendado às 1:33 de 16-5-2010.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

«Deus é sempre a última palavra da história» - tradução da entrevista do Papa Bento XVI, de 11-5-2010

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A Sala de Imprensa da Santa Sé divulgou a transcrição da entrevista do Papa Bento XVI no avião, durante a viagem para Lisboa, ontem, 11-5-2010, para a viagem apostólica a Portugal. Pelo seu grande interesse, para cristãos, crentes de outras religiões e laicos, traduzo essa transcrição da entrevista do original italiano para português:
«[Perguntas:] Santidade, que preocupações e sentimentos leva consigo sobre a situação da Igreja em Portugal? O que pode dizer a Portugal, no passado profundamento católico e portador da fé no mundo, mas hoje a caminho de profunda secularização, seja na vida quotidiana, seja a nível jurídico e cultural? Como anunciar a fé num contexto indiferente e hostil à Igreja?

- Papa: Antes de tudo bom dia a vós todos e desejo de boa viagem, não obstante a famosa nuvem sob a qual estamos. Quanto a Portugal, experimento sobretudo um sentimento de alegria, de gratidão por quantofez e faz este País no mundo e na história e pela profunda humanidade deste povo, que pude conhecer numa visita e com tantos amigos portugueses. Direi que é verdade, absolutamente verdade que Portugal tem sido uma grande força da fé católica, levou a fé a todas as partes do mmundo; uma fé corajosa, inteligente e creativa; soube criar grande cultura, vêmo-lo no Brasil, no próprio Portugal, mas também a própria presença do espírito português em África, na Ásia. E, por outro lado, a presença do secularismo não é uma coisa totalmente nova. Já no séc. XVIII ali há uma forte presença do Iluminismo, basta pensar no nome Pombal. Assim, vemos que nestes séculos Portugal viveu sempre na dialéctica, que naturalmente hoje doi radicalizada e mostra-se com todos os sinais do espírito europeu de hoje. E esto parece-me um desafio e também uma grande possibilidade. Nestes séculos de dialéctica entre iluminismo, secularismo e fé, não faltavam nunca pessoas que queriam crar pontes e criar um diálogo, mas infelizmente a tendência dominante foi a contradição e a exclusão de um face ao outro. Hoje vemos que mesmo esta dialéctica é uma oportunidade, que devemos encontrar a síntese e um diálogo precursor e profundo. Na situação multicultural na qual estamos todos, vê-se que uma cultura europeia que fosse apenas racionalista não teria a dimensão religiosa transcendente, não estaria apta a entrar em diálogo com as grandes culturas da humanidade, que têm todas esta dimensão religiosa transcendente, que é uma dimensão do ser humano. E então pensar que aí seria uma razão pura, anti-histórica, existente apenas em si mesma e que seria esta "a" razão, é um erro; descobrimos sempre que se toca somente uma parte do homem, exprime uma certa situação histórica, não é a razão como tal. A razão como tal é aberta à transcendência e só no encontro entre a realidade transcendente e a fé e a razão o homem se encontra a si próprio. Então penso que a tarefa e a missão da Europa nesta situação é encontrar este diálogo, integrar a fé e a racionalidade moderna numa única visão antropológica, que completa o ser humano e torna assim também comunicável a cultura humana. Por isso direi que a presença do secularismo é uma coisa normal, mas a separação, a contradição entre secularismo e cultura da fé é anómala e deve ser superada. O grande desafio deste momento é que os doisse encontrem e assim descubram a sua verdadeira identidade. Esta, como disse, é a missão da Europa e a necessidade humana nesta nossa história.

[Perguntas:]  A crise económica agravou-se recentemente na Europa e envolve em particular também Portugal. Alguns líderes europeus pensam que o futuro da União Europeia esteja em risco. Que lições tirar desta crise, também no plano ético e moral? Quais as chaves para consolidar a unidade e a cooperação dos países europeus no futuro?

- Papa: Direi que mesmo esta crise económica, com a sua componente moral, que ninguém pode deixar de ver, seja um caso de aplicação, de concretização de quanto tinha dito antes, isto é que as duas correntes culturais separadas devem encontrar-se, de outro modo não descubrimos a estrada em direcção ao futuro. Também nisto vemos um dualismo falso, isto é um positivismo económico que pensa poder realizar-se sem a componente ética, um mercado que seria regulado por si próprio, puramente pelas forças económicas, pela racionalidade positivista e pragmática da economia - a ética seria qualquer outra coisa, estranha a isto. Na realidade, vemos agora que um pragmatismo económico puro, que prescinde da realidade do homem - que é um ser ético -, não acaba positivamente, mas cria problemas irresolúveis. Por isso, agora é o momento de ver que a ética não é uma coisa exterior, mas interior à realidade e ao pragmatismo económico. Para além disso, devemos ainda confessar que a fé católica, cristã, muitas vezes era demasiado individualista, deixava as coisas concretas, económicas, ao mundo e pensava somente na salvação individual, nos actos religiosos, sem ver que estes implicam uma responsabilidade global, uma responsabilidade pelo mundo. Então, também aqui devemos entrar num diálogo concreto. Procurei na minha encíclica "Caritas in veritate"  - e toda a tradição da Doutrina social da Igreja vai nesse sentido - de alargar o aspecto ético e da fé acima do indivíduo, na responsabilidade sobre o mundo, para uma racionalidade "perfumada" pela ética. Para além disso, os últimos acontecimentos no mercado, neste últimos dois, três anos, mostraram que a dimensão ética é interior e deve entrar no íntimo do agir económico, porque o homem é uno, e se trata do homem, de uma antropologia sã, que implica tudo, e só assim se resolve o problema, só assim a Europa se mdesenvolve e realiza a sua missão.»

[Perguntas:] Santidade, que significado têm hoje para nós as Aparições de Fátima? E quando, Santidade, apresentou o texto do terceiro segredo de Fátima na Sala de Imprensa do Vaticano, em Junho de 2000, estávamos lá vários de nós e outros colegas de então, foi-lhe pedido se a mensagem podia ser estendida para lá do atentado sobre João Paulo II, até outros sofrimentos dos Papas. É possível, segundo Sua Santidade, enquadrar também naquela visão o sofrimento da Igreja de hoje, por causa dos pecados dos abusos sexuais de menores?

- Papa: Antes de mais queria exprimir a minha alegria de ir a Fátima, de rezar defronte à Senhora de Fátima, que para nós é um sinal da presença da fé, que mesmo das crianças nasce uma nova força da fé, que não se reduz às crianças, mas que tem uma mensagem para todo o mundoe toca a história mesmo no seu presente e ilumina a história. Em 2000, na apresentação, tinha dito que uma aparição, isto é um impulso sobrenatural, que não vem apenas da imaginação da pessoa, mas na realidade da Virgem Maria, do sobrenatural, que um tal impulso entra num sujeito e se exprime na possibilidade do sujeito. O sujeito é determinado pela sua condição histórica, pessoal, temperamental, e então traduz o grande impulso sobrenatural no qual, na sua possibilidade de ver, de imaginar, de exprimirmas nesta expressão, formada pelo sujeito, esconde-se um conteúdo que vá além, mais profundo, e só no decurso da história podemos ver toda a sua profundidade, que era - digamos - "vestida" nesta visão possível às pessoas concretas. Assim direi, atmbém aqui, além da grande visãodo sofrimento do Papa, que podemos em primeira instância referir ao papa João Paulo II, são indicadas realidades do futuro da Igreja que lentamente se desenvolvem e se mostram. Por isso é verdade que além do momento indicado na visão, se fala, se vêa necessidade de uma paixão da Igreja, que naturalmente se reflecte na pessoa do Papa, mas o Papa existe para a Igreja e então são sofrimentos da Igreja que se anunciam. O Senhor disse que a Igreja estaria sempre em sofrimento, em modos diversos, até ao fim do mundo. O importante é que a mensagem, a resposta de Fátima, substancialmente não se dirige a devoções particulares, mas realmente à resposta fundamental, isto é, conversão permanente, penitência, oração, e as três virtudes teologais: fé, esperança e caridade. Assim, vemos aqui a verdadeira e fundamental resposta que a Igreja deve dar, que nós, cada indivíduo, devemos dar nesta situação. Quanto à novidade que possamos hoje descobrir nesta mensagem, nela está ainda o facto de que não só de fora vêm os ataques ao Papa e à Igreja, maso sofrimento da Igreja vem do interior da Igreja, do pecado que existe na Igreja. Também isto sempre se soube, mas hoje vêmo-lo num modo realmente aterrador: que a maior perseguição à Igreja não vem dos inimigos de fora, mas nasce do pecado da Igreja e que a Igreja, portanto, tem necessidade profunda de reaprender a penitência, de aceitar a purificação, de aprender, por um lado, o perdão, mas também a necessidade da justiça. O perdão não substitui a justiça. Numa palavra, devemos reaprender o essencial: a conversão, a oração, a penitência e as vitudes teologais. Assim, respondemos, sejamos realistas em pensar que o mal ataca sempre, ataca do interior e do exterior, mas que também as forças do bem estão presentes e que, no fim, o Senhor é mais forte do que o mal, e que Nossa Senhora, para nós, é a garantia visível, materna da bondade de Deus, que é sempre a última palavra da história.»
(Tradução minha)

Por causa da actualização de Bento XVI da interpretação de 13-5-2000 (o Comentário Teológico sobre o Terceiro Segredo é da autoria do, na altura, Cardeal Ratzinger) sobre a Mensagem de Fátima, e especialmente, do terceiro segredo de Fátima, publico abaixo o texto integral, ipsis litteris, do terceiro segredo de Fátima, conforme o fac-simile da carta da Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado (Irmã Lúcia) de 3 de Janeiro de 1944 - a carta do primeiro e do segundo segredo, cujo fac-simile a Congregação para a Doutrina da Fé também publicou, é de 31 de Janeiro de 1941 -, comunicados por Nossa Senhora aos três pastorinhos, Lúcia, Francisco e Jacinta, em 13 de Julho de 1917, na terceira Aparição:
« J.M.J.

A terceira parte do segredo revelado a 13 de Julho de 1917 na Cova da Iria-Fátima.

Escrevo em acto de obediência a Vós Deus meu, que mo mandais por meio de sua Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da Vossa e minha Santíssima Mãe.

Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fôgo em a mão esquerda; ao centilar, despedia chamas que parecia iam encendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos n'uma luz emensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas n'um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Varios outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fôra de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dôr e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de juelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam varios tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n'êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus.

Tuy-3-1-1944»

Discurso do Papa Bento XVI no «Encontro com o Mundo da Cultura»

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E está também já disponível o discurso do Papa Bento XVI no «Encontro com o mundo da cultura», há pouco, na manhã de 12-5-2010, pronunciado no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

Destaque maior para a criação de uma nova civilização, a «civilização do amor», que o Papa nota ter sido a proposta do Concílio Vaticano II. Na área do ecumenismo note-se a explicação da política de um «diálogo sem ambiguidades e respeitoso» da Igreja com as outras culturas e religiões. Na área da nova evangelização, sublinhe-se a admissão de que a sociedade atravessa uma «crise da verdade», na «tensão (...) entre o presente e a tradição», lembrando o Papa que a verdade é «garantia da liberdade». A angústia social que se sente na Europa tem razão no afastamento de Deus, pois diz o Papa: «para uma sociedade composta na sua maioria por católicos e cuja cultura foi profundamente marcada pelo cristianismo, é dramático tentar encontrar a verdade sem ser em Jesus Cristo». Portanto, importa na Europa e principalmente em Portugal, de acordo com a sua missão histórica, voltar ao «sentido da vida e da história», áquilo que o Papa designou por «sabedoria», de reevangelização - Bento XVI citou Camões «novos mundos ao mundo ir mostrando» -, num esforço de «busca da verdade», levando «as pessoas a olharem para além das coisas penúltimas e porem-se à procura das últimas».

Foi o seguinte o discurso do Papa.

Discurso do Papa Bento XVI  no «Encontro com o mundo da cultura»
Centro Cultural de Belém, Lisboa, manhã de 12-5-2010




«Venerados Irmãos no Episcopado,


Distintas Autoridades,


Ilustres Cultores do Pensamento, da Ciência e da Arte,


Queridos amigos,


Sinto grande alegria em ver aqui reunido o conjunto multiforme da cultura portuguesa, que vós tão dignamente representais: Mulheres e homens empenhados na pesquisa e edificação dos vários saberes. A todos testemunho a mais alta amizade e consideração, reconhecendo a importância do que fazem e do que são. Às prioridades nacionais do mundo da cultura, com benemérito incentivo das mesmas, pensa o Governo, aqui representado pela Senhora Ministra da Cultura, para quem vai a minha deferente e grata saudação. Obrigado a quantos tornaram possível este nosso encontro, nomeadamente à Comissão Episcopal da Cultura com o seu Presidente, Dom Manuel Clemente, a quem agradeço as expressões de cordial acolhimento e a apresentação da realidade polifónica da cultura portuguesa, aqui representada por alguns dos seus melhores protagonistas, de cujos sentimentos e expectativas se fez porta-voz o cineasta Manoel de Oliveira, de veneranda idade e carreira, a quem saúdo com admiração e afecto juntamente com vivo reconhecimento pelas palavras que me dirigiu, deixando transparecer ânsias e disposições da alma portuguesa no meio das turbulências da sociedade actual.


De facto, a cultura reflecte hoje uma «tensão», que por vezes toma formas de «conflito», entre o presente e a tradição. A dinâmica da sociedade absolutiza o presente, isolando-o do património cultural do passado e sem a intenção de delinear um futuro. Mas uma tal valorização do «presente» como fonte inspiradora do sentido da vida, individual e em sociedade, confronta-se com a forte tradição cultural do Povo Português, muito marcada pela milenária influência do cristianismo, com um sentido de responsabilidade global, afirmada na aventura dos Descobrimentos e no entusiasmo missionário, partilhando o dom da fé com outros povos. O ideal cristão da universalidade e da fraternidade inspiravam esta aventura comum, embora a influência do iluminismo e do laicismo se tivesse feito sentir também. A referida tradição originou aquilo a que podemos chamar uma «sabedoria», isto é, um sentido da vida e da história, de que fazia parte um universo ético e um «ideal» a cumprir por Portugal, que sempre procurou relacionar-se com o resto do mundo.


A Igreja aparece como a grande defensora de uma sã e alta tradição, cujo rico contributo coloca ao serviço da sociedade; esta continua a respeitar e a apreciar o seu serviço ao bem comum, mas afasta-se da referida «sabedoria» que faz parte do seu património. Este «conflito» entre a tradição e o presente exprime-se na crise da verdade, pois só esta pode orientar e traçar o rumo de uma existência realizada, como indivíduo e como povo. De facto, um povo, que deixa de saber qual é a sua verdade, fica perdido nos labirintos do tempo e da história, sem valores claramente definidos, sem objectivos grandiosos claramente enunciados. Prezados amigos, há toda uma aprendizagem a fazer quanto à forma de a Igreja estar no mundo, levando a sociedade a perceber que, proclamando a verdade, é um serviço que a Igreja presta à sociedade, abrindo horizontes novos de futuro, de grandeza e dignidade. Com efeito, a Igreja «tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo e contingência, a favor de uma sociedade à medida do ser humano, da sua dignidade, da sua vocação. […] A fidelidade à pessoa humana exige a fidelidade à verdade, a única que é garantia de liberdade (cf. Jo 8, 32) e da possibilidade dum desenvolvimento humano integral. É por isso que a Igreja a procura, anuncia incansavelmente e reconhece em todo o lado onde a mesma se apresente. Para a Igreja, esta missão ao serviço da verdade é irrenunciável» (Bento XVI, Enc. Caritas in veritate, 9). Para uma sociedade composta na sua maioria por católicos e cuja cultura foi profundamente marcada pelo cristianismo, é dramático tentar encontrar a verdade sem ser em Jesus Cristo. Para nós, cristãos, a Verdade é divina; é o «Logos» eterno, que ganhou expressão humana em Jesus Cristo, que pôde afirmar com objectividade: «Eu sou a verdade» (Jo 14, 6). A convivência da Igreja, na sua adesão firme ao carácter perene da verdade, com o respeito por outras «verdades» ou com a verdade dos outros é uma aprendizagem que a própria Igreja está a fazer. Nesse respeito dialogante, podem abrir-se novas portas para a comunicação da verdade.


«A Igreja – escrevia o Papa Paulo VI – deve entrar em diálogo com o mundo em que vive. A Igreja faz-se palavra, a Igreja torna-se mensagem, a Igreja faz-se diálogo» (Enc. Ecclesiam suam, 67). De facto, o diálogo sem ambiguidades e respeitoso das partes nele envolvidas é hoje uma prioridade no mundo, à qual a Igreja não se subtrai. Disso mesmo dá testemunho a presença da Santa Sé em diversos organismos internacionais, nomeadamente no Centro Norte-Sul do Conselho da Europa instituído há 20 anos aqui em Lisboa, tendo como pedra angular o diálogo intercultural a fim de promover a cooperação entre a Europa, o Sul do Mediterrâneo e a África e construir uma cidadania mundial fundada sobre os direitos humanos e as responsabilidades dos cidadãos, independentemente da própria origem étnica e adesão política, e respeitadora das crenças religiosas. Constatada a diversidade cultural, é preciso fazer com que as pessoas não só aceitem a existência da cultura do outro, mas aspirem também a receber um enriquecimento da mesma e a dar-lhe aquilo que se possui de bem, de verdade e de beleza.


Esta é uma hora que reclama o melhor das nossas forças, audácia profética, capacidade renovada de «novos mundos ao mundo ir mostrando», como diria o vosso Poeta nacional (Luís de Camões, Os Lusíades, II, 45). Vós, obreiros da cultura em todas as suas formas, fazedores do pensamento e da opinião, «tendes, graças ao vosso talento, a possibilidade de falar ao coração da humanidade, de tocar a sensibilidade individual e colectiva, de suscitar sonhos e esperanças, de ampliar os horizontes do conhecimento e do empenho humano. […] E não tenhais medo de vos confrontar com a fonte primeira e última da beleza, de dialogar com os crentes, com quem, como vós, se sente peregrino no mundo e na história rumo à Beleza infinita» (Discurso, no meu encontro com os Artistas, 21/XI/2009).


Foi para «pôr o mundo moderno em contacto com as energias vivificadoras e perenes do Evangelho» (João XXIII, Const. ap. Humanae salutis, 3) que se fez o Concílio Vaticano II, no qual a Igreja, a partir de uma renovada consciência da tradição católica, assume e discerne, transfigura e transcende as críticas que estão na base das forças que caracterizaram a modernidade, ou seja, a Reforma e o Iluminismo. Assim a Igreja acolhia e recriava por si mesma, o melhor das instâncias da modernidade, por um lado, superando-as e, por outro, evitando os seus erros e becos sem saída. O evento conciliar colocou as premissas de uma autêntica renovação católica e de uma nova civilização – a «civilização do amor» - como serviço evangélico ao homem e à sociedade.


Caros amigos, a Igreja sente como sua missão prioritária, na cultura actual, manter desperta a busca da verdade e, consequentemente, de Deus; levar as pessoas a olharem para além das coisas penúltimas e porem-se à procura das últimas. Convido-vos a aprofundar o conhecimento de Deus tal como Ele Se revelou em Jesus Cristo para a nossa total realização. Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza. Interceda por vós Santa Maria de Belém, venerada há séculos pelos navegadores do oceano e hoje pelos navegantes do Bem, da Verdade e da Beleza.»

terça-feira, 11 de maio de 2010

«Por fim o meu Imaculado Coração triunfará»

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E agora, uma nota sobre a providencial visita apostólica do Papa Bento XVI a Portugal, que já começou, e que está a receber um magnífico acolhimento do povo português. O destaque é para a visita a Fátima, onde o Papa peregrina, pedindo pelos sacerdotes e pela paz.

Nesse sentido, e sem deixar a mínima dúvida sobre a linha que tem seguido, e imposto, no seu pontificado, continuando aquela que tinha exercido na Congregação para a Doutrina da Fé, o Papa fez uma declaração cristalina de penitência da Igreja, aos jornalistas, na manhã de 11-5-2010, no avião, antes de aterrar em Lisboa, de acordo com o registo do Repubblica, sobre o escândalo da pedofilia na Igreja e ainda sobre a crise económica:
«O perdão não substitui a justiça. A penitência, a oração, a aceitação, o acolhimento, o perdão que ocorre dar, não satisfazem a necessidade de justiça porque o perdão não substitui a justiça. (...) É aterrador que a Igreja sofra ataques do seu interior. Hoje a maior perseguição à Igreja não vem de fora, mas dos pecados que existem dentro da própria Igreja. Fátima [a mensagem de Fátima] tinha-o previsto. Juntamente com o sofrimento do Papa, que em primeira instância podemos referir ao atentado a João Paulo II, na mensagem de Fátima existem indicações sobre a realidade do futuro da Igreja. O Senhor disse que a Igreja sofrerá até ao fim do mundo. E isso vêmo-lo hoje de modo particular.
[A crise económica] tem uma componente moral que ninguém pode deixar de ver. Os acontecimentos no mercado nos últimos dois ou três anos mostraram que a dimensão ética deve entrar no íntimo do agir económico. Vemos agora que um pragmatismo económico puro cria problemas. É o momento de ver que a ética não é uma coisa exterior, mas interior à racionalidade e ao prgmatismo económico. (...) A fé católica cristã, era muito individualista, [deixando] as coisas concretas ao mundo [e pensando] na salvação individual, nos actos religiosos. Também aqui devemos entrar num diálogo concreto. Procurei na minha encíclica Caritas in Veritate, e toda a tradição da doutrina social da Igreja vai neste sentido, alargar o aspecto ético e da fé sobre o indivíduo, para a responsabilidade do mundo». (Tradução minha do original italiano)

Publico esta declaração porque não a vi traduzida, na sua forma extensa, para português e me parece muito importante. As demais intervenções escritas do Papa, vão sendo publicadas pelos media, ainda que com o problema da edição jornalística que lhes quebra o encadeamento e o fio condutor.

Fica também aqui o link oficial para o texto, enquadramento e explicação, do chamado primeiro, segundo e terceiro segredos da mensagem de Fátima - e do «Comentário Teológico», da autoria do, na altura, Cardeal Ratzinger. Nesse sentido, esta declaração do Papa, no avião, que publico, constitui uma actualização da interpretação da mensagem de Fátima. A ditadura do relativismo moral dos nossos dias, e a dissolução social e oficial dos costumes, prolonga a agonia do totalitarismo - comunismo e nazismo -, que o mundo sofreu no século XX.

Pode estar a «grande cidade meio em ruínas», como a Irmã Lúcia descreve na sua visão, expressa no chamado terceiro segredo de Fátima. Mas, como já tinha profetizado no segundo segredo, «por fim o meu Imaculado Coração triunfará».


Pós-Texto 1 (23:59 de 10-5-2010 e 0:23 de 12-5-2010): O discurso do Papa após chegar ao aeroporto de Lisboa, em 11-5-2010, pode ser lido na íntegra e no original, no boletim do dia, da Sala de Imprensa da Santa Sé. Na Sala de Imprensa da Santa Sé poderá encontrar-se o texto dos discursos e homilias do Papa Bento XVI em Portugal.

O JN publicou a homilia de Bento XVI na missa do Terreiro do Paço, em Lisboa, de 11-5-2010, na qual o Papa enfatizou a «identidade cultural e religiosa» de Portugal e afirmou que «a prioridade pastoral hoje é fazer de cada mulher e homem cristão uma presença irradiante da perspectiva evangélica no meio do mundo, na família, na cultura, na economia, na política». Sem medo, nem vergonha, nem silêncio, nem conforto.


Pós-Texto 2 (11:25 de 12-5-2010): Está disponível, em italiano, o texto original da entrevista do Papa Bento XVI no avião, durante a viagem para Lisboa, ontem, 11-5-2010.


Actualizações: este post foi actualizado e emendado às 23:59 de 11-5-2010 e 0:23 e 11:25 de 12-5-2010.

sábado, 8 de maio de 2010

A Graça da Providência divina sobre Portugal

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Em 12 e 13 de Outubro de 1996, o cardeal Joseph Ratzinger presidiu, no Santuário de Fátima, às celebrações da aparição de Outubro de Nossa Senhora. Manifestou a vontade de antes das celebrações visitar o Mosteiro de Alcobaça. O reitor do Santuário de Fátima, Dr. Luciano Guerra, telefonou ao prior de Alcobaça, padre Alexandre Siopa, para que o cardeal fosse bem acolhido nessa visita. Era um sábado. O meu amigo Francisco, ligado à paróquia, telefonou-me para eu estar presente, mas não me conseguiu encontrar. Falámos nessa noite ou no dia seguinte. Contou-me a visita e eu expressei-lhe a minha pena por não ter estado presente. Relembra ele - eu eu já não - que eu lhe perguntei se ele sabia quem era o cardeal Ratzinger: ele não sabia. Ter-lhe-ei dito: «é o futuro Papa». O meu amigo riu-se e confessou-me depois que não acreditou. Relatou-me como foi: uma visita discreta. O cardeal vinha acompanhado por mais dois clérigos. Depois da visita e oração na nave central do Mosteiro, foram visitar as dependências do Mosteiro, nomeadamente os claustros e as salas circundantes. Mas foi-lhes pedido, pela funcionária do IPAAR (hoje IGESPAR), que pagassem o bilhete de entrada... Quando me referiram isso, lembro-me de me ter indignado por o IPAAR - que, nessa época, salvo erro, dirigido pelo Prof. António Ressano Garcia Lamas, estava numa guerra jacobina com a Igreja em todo o País, numa patética conquista de espaços de culto e dependências associadas (e imagens e alfaias litúrgicas...) que queria retirar à Igreja - cobrar entrada nos claustros da Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, cabeça da Ordem de Cister em Portugal, áquele que seria, nessa época, em minha opinião, a terceira figura da Igreja no mundo: o cardeal Ratzinger era o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé... Perdi a ocasião dessa visita, mas não desta vez. Se Deus me der vida e saúde, como diz o bom povo, irei, como peregrino, a pé, de casa a Fátima, neste 13 de Maio de 2010.

A visita do Papa Bento XVI a Portugal, neste momento, é providencial. Possamos nós ouvir a mensagem de fé, de verdade e de identidade com os valores de sempre.

É o seguinte o programa da Viagem Apostólica de Sua Santidade o Papa Bento XVI a Portugal, por ocasião do 10.º aniversário da beatificação dos pastorinhos de Fátima, Jacinta e Francisco Marto, de 11 a 14 de Maio de 2010:

11 de Maio, terça-feira
LISBOA


11.00 – Chegada ao Aeroporto Internacional da Portela, Lisboa
Acolhimento oficial
Discurso do Santo Padre


12.45 – Cerimónia de boas‑vindas, frente ao Mosteiro dos Jerónimos
Breve visita ao Mosteiro dos Jerónimos


13.30 – Visita de cortesia ao Presidente da República, no Palácio de Belém


18.15 – Santa Missa no Terreiro do Paço. Homilia do Santo Padre
Mensagem do Santo Padre comemorativa do 50º aniversário da inauguração do Santuário de Cristo Rei de Almada




12 de Maio, quarta-feira
07.30 – Santa Missa, em privado, na Capela da Nunciatura Apostólica


10.00 – Encontro com o mundo da cultura, no Centro Cultural de Belém
Discurso do Santo Padre


12.00 – Encontro com o Primeiro Ministro, na Nunciatura Apostólica
15.45 – Despedida da Nunciatura Apostólica
16.40 – Partida de helicóptero do Aeroporto Internacional da Portela de Lisboa para Fátima


FÁTIMA
17.10 – Chegada ao heliporto no grande parque do novo Estádio Municipal de Fátima


17.30 – Visita à Capelinha das Aparições
Oração do Santo Padre


18.00 – Celebração das Vésperas com sacerdotes, diáconos, religiosos/as, seminaristas e agentes de pastoral, na Igreja da SS.ma Trindade
Discurso do Santo Padre


21.30 – Bênção das velas, na Capelinha das Aparições
Discurso do Santo Padre. Oração do Rosário


13 de Maio, quinta-feira


10.00 – Santa Missa na esplanada do Santuário de Fátima
Homilia do Santo Padre. Saudações do Santo Padre


13.00 – Almoço com os Bispos de Portugal e com o Séquito Papal no Refeitório da Casa de Nossa Senhora do Carmo


17.00 – Encontro com as Organizações da Pastoral Social, na Igreja da SS.ma Trindade.
Discurso do Santo Padre


18.45 – Encontro com os Bispos de Portugal no Salão da Casa de Nossa Senhora do Carmo.
Discurso do Santo Padre


14 de Maio, sexta-feira
08.00 – Despedida da Casa de Nossa Senhora do Carmo
08.40 – Partida de helicóptero do heliporto de Fátima para o Porto
GAIA
09.30 – Chegada ao heliporto do Quartel da Serra do Pilar


PORTO
10.15 – Santa Missa na Avenida dos Aliados
Homilia do Santo Padre


13.30 – Cerimónia de despedida no Aeroporto Internacional Sá Carneiro do Porto.
Discurso do Santo Padre


14.00 – Partida de avião do Porto para Roma

sábado, 1 de maio de 2010

Cooperadores da causa da Verdade - a propósito da carta de Hans Küng

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Um comentador que muito prezo recomendou-me que lesse a carta do teólogo Hans Küng aos bispos do mundo publicada no dia 16-4-2010 no Irish Times: «Church in worst credibility crisis since Reformation, theologian tells bishops». A recomendação foi feita no dia seguinte à publicação da carta e nesse dia a li, tomando algumas notas no texto. Entendi que a deveria comentar, mas interpuseram-se outros assuntos mais urgentes - como a bancarrota do Estado e a sua soberania restante, além do constante combate pela democracia - e só agora encontro alguma tranquilidade para abordar o assunto. Tenho até a vantagem de ter lido, entretanto,  a resposta de George Weigel na prestigiada First Things: «An Open Letter to Hans Küng», de 21-4-2010 (via João Gonçalves, do Portugal dos Pequeninos) - ler a tradução para português «Carta Aberta a Hans Küng - por George Weigel».

Falarei sobre o Papa Bento XVI, a propósito deste ataque do teólogo - e padre... - Hans Küng.

George Weigel encontrou o «odium theologicum» na fonte deste texto e do comportamento de Hans Küng relativamente ao seu colega teólogo do Concílio Vaticano II, Joseph Alois Ratzinger. Admito que o motivo deste ataque, feito numa oportunidade de fragilidade da Igreja, devido à nova torrente de notícias novas e repetição de notícias velhas sobre abusos sexuais de crianças, de adolescentes e jovens, por parte de clérigos e colaboradores da Igreja, seja ainda mais fundo: a inveja. A carta de Küng é, assim, uma tentativa de desforra do confronto conciliar, meio século depois.

Na Igreja pós-Concílio Vaticano II, a linha católica conservadora consolidou, nos papados de João Paulo II e de Bento XVI, a vitória sobre a facção protestante liberal.

O mesmo se havia passado já com a superação (cristianização) da marxista, e legitimadora da violência, Teologia da Libertação - ver «Igreja, Carisma e Poder», que muito me impressionou, por «algumas sementes de verdade» (para usar as palavras do Papa João Paulo II sobre o socialismo marxista, em entrevista a La Stampa, de 2-11-1992) no diagnóstico de afastamento entre a Igreja-hierarquia e a circunstância dramática dos seus fiéis. João Paulo II  liderou a luta contra o marxismo na Igreja, muito preocupante na América do Sul e Central, e o relativismo liberal. O problema da Teologia da Libertação foi resolvido com a neutralização do marxismo e a integração das sementes de verdade, na libertação humana e na pastoral (com a maior ligação entre o padre e a comunidade), na qual também participou, em apoio de João Paulo II, nessa altura o cardeal Joseph Ratzinger - e Leonardo Boff abandonou, entretanto, o sacerdócio e afastou-se ainda mais da doutrina da Igreja.

batalha contra o relativismo moral, empreendida por João Paulo II (começar por ver a brilhante Carta-Encíclica Sollicitudo Rei Sociallis, de 1987), continua com Bento XVI, que já tinha sido um fiel colaborador do Papa na área teológica. Lembro a sua homilia na Missa Pro Eligendo Romano Pontifice, em 18-4-2005, na qual criticou:
a «ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades.»
A luta com o relativismo moral, o totalitarismo do politicamente correcto, que quer impor-se mesmo no terreno interno da Igreja, é mais subtil, porque este é mais insidioso: não há a violência física do marxismo em acção, mas a violência mediática e a ostracização pública. Mais ainda, o relativismo foi reforçado: as forças clássicas do livre-pensamento maçónico, do ateísmo materialista, dos liberais paelo e neo-clássicos, e dos que passam a odiar a Igreja quando a sua vida sofre a ruptura da separação conjugal ou uma grande amargura que os afaste da graça da Fé, foram aumentadas com a transmutação dos vencidos do marxismo. Note-se que, em Portugal, também houve, nos tempos revolucionários do final de 1974 e de 1975, uma adesão temporária de ateus materialistas ao comunismo que lhes passou, como diz a minha mãe, quando perceberam que afinal «o comunismo não era só contra o padre»...

É no contexto dessa batalha do relativismo moral contra a Igreja, principalmente por causa da moral sexual e do dinheiro, que se inscreve a carta do teólogo suíço, a quem o Papa, logo que eleito, num gesto de conciliação convidou para Castelgandolfo. O combate do relativismo tem forças internas acólitas, mas a sua origem está fora: é um facto peculiar destes tempos que estejam no exterior da Igreja os mais vocais preocupados com a sua mudança: não acreditam em Deus Nosso Senhor Jesus Cristo, mas pretendem mudar a doutrina da Igreja!... E a Igreja, povo e instituição, no seu conjunto - Papa, bispos, padres, monjes e monjas, e leigos -, que tem mais de dois milénios de história, sabe que só existe para mudar o mundo e que, se passasse a ser mundana, se dissolveria no secularismo que lhe aconselham ser... salvífico.

Muito do que Küng disse na carta aos bispos é falso, com indignação maior, como reage Weigel, para a acusação à Congregação para a Doutrina da Fé, dicastério da Cúria Roman de que Ratzinger foi Prefeito,  de que encobria os abusos, quando só a partir de 2001 ganhou a competência de julgamento desses casos e começou a definir uma política mais severa relativamente a abusadores, numa repressão e prevenção dos abusos que, já como Papa, tem endurecido.

Contesto o conteúdo da carta de Hans Küng.

O pontificado de Bento XVI tem o amor de Deus como princípio. E tem como função o serviço da Verdade, na demonstração, pela mensagem, de que a fé é também uma imanência da razão - numa actualização de Santo Agostinho. Como explica John L. Allen Jr., em «10 Things Pope Benedict XVI Wants You to Know», a fé precisa da razão e a razão carece da fé. A fé precisa da razão para evitar o cinismo, o nihilismo e o desespero. A fé precisa da razão, para se proteger do fundamentalismo, do extremismo e da violência. A Verdade é o resultado dessa conjunção da fé e da razão.

Enquanto o protestantismo se desagrega - ainda mais - e se profana, a Igreja Católica mantém-se como farol de consciência e unidade doutrinária e de prática, chegando, por isso, a atrair até os anglicanos descontentes. Todavia, visto como inflexível, é, possivelmente, o mais colegial dos últimos papas.

Bento XVI não tem uma vocação política, mas mais eclesial, contudo não deixa, de criticar corajosamente a guerra, a pobreza e a corrupção, in loco, como fez em África, as consequências tangíveis do relativismo moral no aborto e na eutanásia, na desagregação da família e da sociedade, na proibição mais ou menos mitigada da religião e reclamar a protecção dos mais humildes, dos doentes e do ambiente, afirmando a independência da Igreja face aos estados.

No plano interno da Igreja aumenta o esforço de reconciliação interna, para acomodar os descontentes mais liberais e para eliminar a tentação cismática do integrismo, ainda que correndo o risco de descontentar aqueles que entendem legítima apenas a conciliação externa. A mesma conciliação tem feito com as comunidades cristãs ortodoxas.

Mantém, sem comprometer a essência da doutrina, a preocupação ecuménica, na conciciliação universal com as outras comunidades religiosas, como os judeus e os islâmicos. Isto sem conceder à mentira repetida de que Pio XII não condenou o Nazismo, nem o Holocausto, nem protegeu os judeus, quando a Igreja, com sua ordem e gravíssimo risco, salvou centenas de milhares de judeus  de serem deportados e mortos nos campos de concentração - em contraponto com os dirigentes políticos aliados que encobriram do público os factos e as denúncias, como as de Jan Karski, por o tema não lhes ser prioritário...

Não beneficia do carisma mediático nem da energia do jovem João Paulo II, mas professor, que foi, e intelectual, que é, mantém uma grande capacidade de diálogo, paciência, serenidade e respeito com quem os outros, que podem ser coincidentes ou pensarem de modo diferente. Essa atitude também decorre da sua opção, no núcleo do apostolado da Igreja, pela Verdade e pelo Amor (Cooperatores Veritatis), que atraiem, em vez do poder e da lei, que obrigam, num tempo que alguns julgam já pós-cristão.

Promove a reforma da Igreja na sua relação com o mundo moderno, para maior atenção, sanidade, transparência e prestação de contas - nomeadamente na prevenção e repressão da vergonha dos abusos sexuais de crianças, adolescentes e jovens. E encoraja a evangelização efectiva através dos novos meios de comunicação (ver, por exemplo, http://www.pope2you.net/), em vez do silêncio, da reclusão, do recuo do espaço público, da resignação, do conforto e do receio de contacto com os não-crentes. Nesse sentido, destaque para o recente conselho de Bento XVI aos padres para que usem os novos meios digitais de comunicação, entre os quais... os blogues:

«aos presbíteros é pedida a capacidade de estarem presentes no mundo digital em constante fidelidade à mensagem evangélica, para desempenharem o próprio papel de animadores de comunidades, que hoje se exprimem cada vez mais frequentemente através das muitas «vozes» que surgem do mundo digital, e anunciar o Evangelho recorrendo não só aos media tradicionais, mas também ao contributo da nova geração de audiovisuais (fotografia, vídeo, animações, blogues, páginas internet) que representam ocasiões inéditas de diálogo e meios úteis inclusive para a evangelização e a catequese.»
Mensagem do Papa Bento XVI para o 44.º Dia Mundial das Comunicações Sociais, «O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos media ao serviço da Palavra», 16-5-2010

Os homens e as instituições não são perfeitos. A sua santidade estará na sua capacidade de redenção do Mal. A Igreja ultrapassará mais esta fase de sofrimento, limpeza e catarse e, depois, desejavelmente com serenidade, empreenderá as reformas internas necessárias, nomeadamente na organização, no laicado e no papel da mulher. Reformas que que não sofrem de objecção dogmática. Uma «hermenêutica de continuidade» em vez de uma «hermenêutica de ruptura» (Bento XVI, 22-12-2005).

Portanto, concluída a análise da sua carta, vemos que Hans Küng pode ter tido a oportunidade, mas não tem razão.

E é este homem, ao mesmo tempo frágil, fustigado pelo ditadura do relativismo moral, contestado com violência e desumanidade por não deixar levar a Igreja por «qualquer vento de doutrina» adversa que a conduziria ao precipício, e, ao mesmo tempo Pedra, que se mantém intacta da erosão dos tempos ácidos e turbulentos, que, em paz, se junta a nós, portugueses, no âmago ainda fidelíssimos, em meados de Maio de 2010, para um encontro apostólico. Saibamos acolhê-lo, agradecer-lhe e receber a sua bênção.





* Imagem picada daqui.


Actualizações: este post foi actualizado às 0:23 de 2-5-2010.