sábado, 29 de maio de 2010

Um crime continuado

Um amigo preveniu-me e verificou-se: o PS absteve-se ontem, 28-5-2010, no Parlamento, na «alteração ao Código Penal em matéria de crime continuado». Esta posição contrasta com o aditamento, introduzido na derradeira hora, pelo Dr. Ricardo Rodrigues, vice-presidente da bancada socialista, «salvo tratando-se da mesma vítima», do n.º 3 do art. 30.º do Código Penal, de 2007 (Lei 59/2007, de 4 de Setembro):

Artigo 30.º
Concurso de crimes e crime continuado


1 — O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 — Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
3 — O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.

Como foi denunciado na altura, o referido aditamento está à medida do processo Casa Pia, como aliás o próprio Código. Com efeito, se forem considerados provados vários abusos sobre a mesma criança, apenas contam como um só crime (crime continuado), reduzindo assim a pena eventual.

Perguntará o leitor menos avisado: mas esta mudança, pelo consentimento, não evitará que os arguidos do processo Casa Pia possam ser punidos apenas por um crime relativo a cada criança abusada, passando a ser punido cada abuso praticado na mesma criança? Não: aplica-se a lei mais favorável ao arguido... Ou seja, os arguidos do processo Casa Pia beneficiam dessa alteração, introduzida à última hora, no Código de 2007.

Isto é, cumprido o propósito dessa manobra, a lei pode, e deve, voltar à fórmula anterior, até para que o PS se possa justificar de que não protege arguidos de pedofilia. Porém, o efeito jurídico sobre os casos em julgamento é inútil. O único efeito é cobrir de areia, uma vez mais, os olhos dos portugueses.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As personalidades, e entidades das notícias dos media, que comento, quando arguidos têm direito constitucional à presunção de inocência até ao eventual trânsito em julgado de sentença condenatória.

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