domingo, 19 de outubro de 2014

Louvor a um soldado



«Para servir-vos, braço às armas feito».

                                                        Camões. Os Lusíadas. Canto X, 155.

Tudo parece passar, tudo parecer morrer. Tudo fica, tudo vive. Dura, para além da ilusão que o tempo esfuma. Espera, sem pressa nem pavor. Age, quando chega a hora justa. Vence, na volta que a esperança dá. Sempre.

Faleceu o comandante Alpoim Calvão, em 30-9-2014. Com desculpa do atraso, Do Portugal Profundo, presto homenagem à extraordinária figura do português, capitão de mar e de guerra que foi e cuja memória (honra e dever), perduram, libertado que fica da lei da morte, pelo seu heroísmo.

Conheci-o, por acaso num consultório médico, há muitos anos já. Perguntei-lhe se era quem parecia, confirmou e conversámos alguns minutos enquanto esperávamos. Lembro-me bem que me falou dos problemas que o rito de passagem da puberdade dos balantas causavam aos portugueses e não houve tempo para satisfazer as minhas questões sobre a história contemporânea por revelar. Tenho pena de não o ter procurado depois para me contar dos sentimentos de combatente e de resistente.

Nascido em Portugal continental, mas crescendo em Moçambique, sentindo o apelo do mar, junta-se à Marinha, não por causa do monóculo da ponte do navio e a farda alva das festas e modos finos, mas para ação: mergulho, fuzileiros, combate.

Numa época ainda de coragem e de galhardia, Calvão foi um desses guerreiros de fim de império, em que acreditava, combatendo em mil batalhas com o desprezo da própria vida, com que cabos de guerra autênticos conduzem homens a quem pedem justamente risco e sacrifício igual. Serviu a Pátria, olhos nos olhos e corpo a corpo, nos rios e matas da Guiné, num tempo pré-aburguesado, de mancebos rudes e de modos rústicos, que não compareciam ao chamamento por adesão a uma ideologia, mas por responsabilidade perante uma Nação ingrata, como costuma. Não respeitava as fronteiras dos aliados do inimigo de então, como este não respeitava as suas, e não compreendia as ordens absurdas de se deter nos limites geográficos do coito. Invadiu o que sentiu ter de invadir para provar a fraqueza militar do adversário, que se valia de santuários que a guerra não reconhece mas que políticos moles aceitam. E dirigiu a morte de adversários do seu Estado, com a astúcia que a guerra exige. Sujeito pela honra, e pela necessidade de eficácia militar e política, de não se gabar do que fazia. E obtendo o respeito dos ex-adversários, após o fim dos conflitos, demonstrando, já na vida empresarial, o amor que tinha pelas terras onde lutou e pelas gentes com quem conviveu.

Quando chegou a hora do fim do sonho da sua geração de um Portugal ultramarino, que os ventos da história, apesar da teimosia lusitana, já não consentiam manter de pé, e os militares cansados e sofridos quiseram fechar (mas em que não quis entrar precisamente por causa da descolonização que temia), Calvão dirigiu o MDLP, de resistência armada e civil à deriva comunista do pós-revolução do 25 de abril de 1974, na ironia com que a história envolveu Spínola. Nessa resistência armada, feita de bombas e algumas rajadas morreu gente - o saldo iirremediável e catastrófico de qualquer guerra, mesmo justa, para defender a cidade - tal como deste lado, nessa altura, e na guerrilha urbana da extrema-esquerda radical de Otelo. Acordado o armistício com os militares moderados do chamado Grupo dos Nove, e resolvido pelo processo habitual  deriva de bandoleiros, Calvão acolheu-se à democracia, sem renegar as ideias que professava.

Parece ser pecado, na atual época frouxa e de falta de vigor, louvar os combatentes, e ainda mais aqueles que encheram o peito de medalhas de bravura, num país que sempre as economizou. E o pecado é mortal, quando se enaltece esse valor de guerreiro relativo a uma época de um País sob um regime autoritário de direita. Sou um democrata, que preza a liberdade social e política e, portanto, não sou adepto do salazarismo: não o seria então, nem o sou agora. Defendo também a autodeterminação dos povos. Não concordo com algumas das ideias que o capitão de mar-e-guerra Alpoim Calvão defendia. Mas, a obrigação dos portugueses e do País, é agradecer e louvar o sacrifício e os feitos dos seus heróis, como Alpoim Calvão, o militar mais condecorado da Marinha portuguesa, em vez de maldizer soldados por causa de ideologia diversa.

Nós fomos, e somos, todos aqueles que a história vai acumulando na sedimentação da Pátria: tribais, feudais, absolutistas, cartistas e constitucionalistas, republicanos, autoritários, libertários, comunistas, socialistas, liberais e conservadores. Com várias origens, cores e modos, mas com na mesma comunidade de destino. Com matriz específica e várias filosofias de vida. Cada vez que desprezamos alguém que serviu o País, diminuímos o próprio País. Fomos, e somos, todos esses, todos nós. Por todos respondemos, por ação e omissão, e a todos integramos, com os seus contributos e pecados. Deus o recolha na paz que concede aos guerreiros depois das suas penas de vida. Obrigado.

16 comentários:

floribundus disse...

o único militar que os tinha no sítio, grandes e pretos

brilham os 250 generais salon

Anónimo disse...

Obrigado a um militar de raça. Sobre este a Judite só conseguiu ir buscar um E-mail a chamar ao mesmo bombista e Marcelo aceitou!

Anónimo disse...

Os meus pêsames. Imagino o vosso desgosto. É que perderam o vosso Pinochet. Grande perda.
Qualquer dia sai a biografia completa e depois todos perceberão a acomodação à democracia e o silêncio. Vocês não aprendem nada: falam sempre demais e demasiado cedo.


Anónimo disse...

Veja se sabe onde deve meter os seus pêsames.
Bandalhos já temos às dúizias, junte-se a eles e vá combater para o Iraque

Anónimo disse...

Um terrorista, é um terrorista. E, o MDLP, foi uma organização terrorista a que este traidor deu corpo. Se existir, que a justiça divina o confronte com as suas vitimas.

Carlos

Anónimo disse...

"Deus o recolha na paz que concede aos guerreiros depois das suas penas de vida. Obrigado."

A que Deus se refere ABC? haverá no imaginário de alguém, um Deus conivente com um sanguinário? qual guerreiros, qual carapuça! Na guerra matam-se pessoas. E na guerra que esse bandalho travou, não havia ÉTICA, nem o respeito pelas mais elementares regras reconhecidas internacionalmente.

Morreu um bandoleiro. Morreu um traidor. O mundo está mais despoluído.

Anónimo disse...

Nada que nos surpreenda, na reacção dos abandonados marxistas.

O que acharão esses admiradores do "politicamente correcto", sobre a decisão de Afonso Costa, líder do Partido Democrático (a versão da fatídica da I República, do Partido Socialista), de mandar para as Ardenas, dezenas de milhar de portugueses, sem equipamento militar adequado, e que na sua maioria por lá ficaram numa cova?

E o que dirão esses mesmos admiradores de Marx, sobre os pretos que Otelo matou e sobre os pretos que Costa Gomes, como chefe do estado maior, mandou matar por terras de África?

Ainda bem que há gente que dá o peito às balas, como o Prof. Balbino Caldeira. Sem medo. Estamos a chegar a uma hora determinante.

A Mim Me Parece disse...

"Não respeitava as fronteiras dos aliados do inimigo de então, como este não respeitava as suas, e não compreendia as ordens absurdas de se deter nos limites geográficos do coito. Invadiu o que sentia ter de invadir para provar a fraqueza militar do adversário, que se valia de santuários que a guerra não reconhece mas que os políticos moles aceitam."

Caríssimo Dr. ABC

Desta vez foi sumamente injusto, Dr.!
Porque quem ler o seu texto poderá ser levado a pensar que à época em causa valia o voluntarismo dum Gualdim Pais ou de um Deuladeu Fernandes!
Se Alpoim Galvão tivesse invadido a Guiné Conakry porque nesse dia acordara bem, ou mal, disposto, à revelia e sem o acordo explícito tanto da sua chefia operacional como da chefia política de Portugal, então não seria um herói, seria antes um militar irresponsável, indisciplinado, merecedor de grave sanção disciplinar! A Operação Mar Verde foi por ele planeada, apreciada e aprovada pelo Comandante Militar da Guiné após ser apresentada aos responsáveis militares e políticos do País que então existia. Tinha ela vários objetivos, uns alcançados e outros não, contando-se entre os primeiros o resgate de todos (julgo que eram cerca de vinte) de militares portugueses que há anos eram prisioneiros do PAIGCV e a destruição das lanchas rápidas que o PAIGCV tinha acabado de receber.

A Mim Me Parece disse...

Rectificando: o tal era Martins, não era Fernandes!

Anónimo disse...

Poesia realista:

Neste País já falido
Cheio de uis e ais
Comunistas dum cabrão
Sendo poucos são demais.

Viva o Grande Alpoim Calvão

Anónimo disse...

Há muitos que preferem o patusco e cobarde Otelo que até uma criança de meses mandou matar!

António Balbino Caldeira disse...

Meu Caríssimo
A Mim Me Parece

Que a sequência dos períodos:

Este: «Invadiu o que sentia ter de invadir para provar a fraqueza militar do adversário, que se valia de santuários que a guerra não reconhece mas que os políticos moles aceitam.»

Após este: «"Não respeitava as fronteiras dos aliados do inimigo de então, como este não respeitava as suas, e não compreendia as ordens absurdas de se deter nos limites geográficos do coito.»

Pode ter gerado a ideia de que eu indicava que a Operação Mar Verde sobre Conakry tinha sido realizada à revelia do comando militar e governo-geral local (Spínola) ou do governo de Portugal (Marcelo) ou da presidência da República (Thomaz). Eu li, in illo tempore, o livro «De Conakry ao MDLP», e portanto sei que a operação foi proposta por Calvão e aprovada pelas autoridades.

Quando escrevi que Calvão não respeitava os limites do coito do inimigo, estava a referir-me à ordem do comandante-chefe/governador Arnaldo Schultz, para que aquele parasse as operações de emboscada para lá da fronteira sudoeste (http://ultramar.terraweb.biz/CTIG/AlpoimCalvao/GAAC.pdf). Devido à pressão internacional só ocasionalmenbte, e mais no mandato de Spínola, é que as bases da guerrilha poucos quilómetros dentro dos países vizinhos e que faziam uma espécie de cerco ao território, eram atacadas.

Convém ainda uma outra explicação, sobre outros trechos do poste. O meu texto foi escrito propositadamente, sem citação explícita de alguns factos da história contemporânea político-militar do País, no que respeita à década de 1970, porque a sua exposição pública ainda é delicada. O leitor atento, e conhecedor desse período da história do nosso país, percebe o que significo e que não deriva de conjetura minha - seja na ação discreta no período final da guerra da Guiné, seja na necessária conclusão do Thermidor português, no final dos anos 1970 - mas de informação recolhida.

Anónimo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=Iu5XX-OTunc
Kevin Vickers, 58 anos

mas em Portugal o Português está ou sonha ser Reformado!!

Anónimo disse...

Apesar de tudo dou mais valor aos militares, (soldados rasos, furriéis, sargentos e oficiais milicianos) que no terreno deram o corpo às balas para cumprir as ordens dos senhores oficiais que estavam resguardados nos quarteis e ou trincheiras...

Anónimo disse...

Não me lembro, mas será que o Dr ABC escreveu alguma prosa aquando da morte do Cap. Salgueiro Maia?

Anónimo disse...

Tropa fandanga que fugiu da guerra...abandonou a população civil que, abandonada, ou conseguiu fugir ou foi assassinada.