A Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, visitou Portugal em 9 e 10 de junho de 2013. Extraio algumas notas dessa visita.
Recebeu o primeiro-ministro, o socialista António José Seguro, em 9 de junho, pelas 18 horas, durante
uma hora, no Hotel Ritz, onde se hospedou. António José Seguro não se coibiu de fazer agora lóbi pelos interesses brasileiros, parecendo muito pouco preocupado com a autonomia da TAP, pois, segundo o
diário i, de 10-6-2013,
«disse ver "com bons olhos" o investimento brasileiro na privatização da TAP, depois de, no fim do ano passado, ter condenado o executivo pela "trapalhada monumental" na privatização da transportadora aérea. "O investimento brasileiro não é bem estrangeiro, porque o Brasil é um país amigo" referiu Seguro, acrescentando que a TAP "deve ser um instrumento ao serviço da estratégia económica" do país».
No dia seguinte,
acompanhada do ministro dos Negócios Estrangeiros, do embaixador em Lisboa, Mário Vilalva, e da
eminência parda da política externa brasileira,
o petista Marco Aurélio Garcia (oficialmente, Assessor Especial para os Assuntos Internacionais), pelas 10:30, a
Presidenta recebeu o Presidente da República, o socialista Mário Soares, que, à saída do encontro de
uma hora, terá
declarado ter relativamente a Dilma «um pensamento muito próximo acerca da situação atual» e que uma maneira de Portugal «sair da crise é que este Governo se demita»...
Os leitores dirão que me enganei, que Seguro não é ainda primeiro-ministro e que Soares já não é Presidente da República. Acho que não. Seguro é como se já fosse e Soares é como se não tivesse deixado de ser... Atendendo à importância que a Presidenta brasileira lhes deu... deve ser assim mesmo e a realidade já ter mudado por antecipação ou por
flashback. Fui verificar
que encontros com a oposição teve a Presidenta brasileira Dilma Rousseff noutras viagens europeias:
- na Espanha, em 15, 16, 17, 18 e 19, de novembro de 2012, não consta na agenda da Presidente eleita pelo Partido dos Trabalhadores, que tenha recebido o socialista Alfredo Pérez Rubalcaba ou Felipe González;
- na França, em 11 e 12 de dezembro de 2012, nada consta que tenha recebido a oposição de direita;
- e muito menos na Rússia, em 13 e 14 de dezembro de 2012, recebeu os oposicionistas.
Mas, em Portugal, a
Presidenta brasileira baralha e dá confiança a quem valoriza, inscrevendo na própria agenda oficial esses
compromissos com a oposição, antes de
se reunir em 10-6-2013, com Passos Coelho, em São Bento, e com Cavaco Silva, em Belém. O encontro com Cavaco Silva (
45 minutos) até durou menos tempo do que as audiências, de uma hora cada uma, a
Soares e até a
Seguro... E a reportagem da visita pela RTP intitula-se «
Visita de Dilma Rousseff começou com encontro com Mário Soares»... Não importa apenas a ordem protocolar, mas a ocorrência desses encontros e o seu destaque oficial pela
Presidenta do Brasil. Tenho insistido que só se respeita quem se dá ao respeito e o Estado português tem-se dado pouco ao respeito, por mais que o irrisório poder, e debilidade económica e moral atuais, lho diminuam.
Do
programa oficial e das
referências na imprensa, se percebe que o
objetivo da visita era a privatização da TAP, dos CTT e das Águas de Portugal. Se
José Dirceu e o Governo português quiseram vender sem êxito a TAP colombiano-brasileiro Efromovich (Sinergy-Avianca), já
a presidenta Dilma faz lobbying para que a TAP seja comprada pelo norte-americano-brasileiro David Neeleman (Azul). De fora, fica a subsidiária
TAP Manutenção e Engenharia (a aventura de compra à Varig, em 2005, em que
Dirceu esteve alegadamente envolvido), que tem 2 mil funcionários e dá prejuízo, e que
seria despachada para a Embraer, eventualmente com a compensação de um novo pacote de investimento desta empresa em Portugal, pago em grande parte pela União Europeia - curando a ferida do cão com o seu pêlo, a União Europeia financia um novo investimento da Embraer em Portugal que justifique o dote de cedência da
TAP Manutenção e Engenharia à Embraer... Entretanto, depois do fracasso, em 20-12-2012, de compra por
35 milhões de euros de mel-coado da companhia de bandeira por Efromovich, a TAP tem de ser engordada com alguma subvenção governamental de equilíbrio, para que o povo coma melhor o preço de venda, de uma empresa de 13 mil empregados, tecnologia,
rotas, património e equipamento.
Do lado português, o caso da TAP insere-se num modelo de
piratização do Estado - negociação particular sombria (em vez de venda aberta em bolsa), garantia de preços de serviços (EDP, REN) e de investimentos (ANA), ou de
privatização a pataco com preço de venda irrisório justificado com dívidas (
BPN) - que tem sido seguido, da herança socratina, pelo Governo PSD-CDS, quiçá inspirado pelo
oligárquico paradigma de Yeltsin - ver
Goldman, Marshall I. (2003), The piratization of Russia. Russian reform goes awry. Routledge.
Do lado brasileiro, o caso da visita de desprezo da presidenta Dilma e da aquisição da TAP insere-se na
geopolítica brasileira (ver
Bonfim, Araci Castro (2005), Geopolítica. Rio de Janeiro: ECEME). Uma geopolítica que já passou além da preocupação com a ocupação interna do território, e as questões do autoritarismo e da relação com os blocos ideológicos, do general Golbery do Couto e Silva (
Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio. 1967) e ainda mais ousada do que a novidade da teoria do Quaterno, de 1996, do coronel Roberto Machado de Oliveira Mafra (
Geopolítica: introdução ao estudo. Rio de Janeiro: ECEME. 1999), de divisão do globo em áreas de influência (bloco norte-americano, bloco sul-americano, bloco europeu e bloco asiático), na qual o Brasil seria naturalmente preponderante no bloco sul-americano, aproveitando ainda a doutrina de domínio da costa oposta - o bloco europeu apenas atrairia o norte de África. Neste outro
Destino Manifesto, no Atlântico Sul, projetado também setentrionalmente até à Península Ibérica (e até Timor pela língua) pelo poderio económico e pelos recursos minerais, a somar ao poderio territorial e populacional, a terra que é de Vera Cruz ocupa «o lugar que a história daria a Portugal por ter sido um dia a metrópole colonizadora e dono do idioma, mas que a realidade, os números, a lógica e o destino dão ao Brasil» -
capitão de mar-e-guerra Roberto Pacheco Leandro (2011), Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: espaço estratégico para afirmação do prestígio militar brasileiro. Rio de Janeiro, Escola Superior de Guerra (instituição cuja revista tem como lema «
nesta casa estuda-se o destino do Brasil»).
Nesta digressão a Portugal de 2013, mal comparada - sem cachaça nem excentricidade -,
Dilma faz de Jânio (conforme descrito no
Salazar, vol. V, de Franco Nogueira), na inusitada
visita, pré-tomada de posse, a Lisboa, em janeiro de 1961. E comporta-se assim porque pode. Embora estivesse em Portugal no 10 de junho, Dilma não foi às comemorações do Dia de Portugal, em Elvas, o que evidencia também uma política face ao nosso País. Não é apenas pela sua origem que a ex-guerrilheira de extrema-esquerda Dilma Vana Rousseff despreza um pequeno país de tradição católica, que em certas eleites se considera de escravocratas:
o pai de Dilma era búlgaro e ela crê que a sua avó materna, portuguesa, era uma judia cristã-nova «
devido às suas características físicas» (
sic). Despreza-o porque pode: na balança do poder, Portugal muito pouco pesa. E assim, ainda pode menos.
Pós-Texto (23:57 de 15-6-2013):
Desconsideração da Presidenta Dilma pelo Dia de Portugal
Para lá das outras falhas apontadas, a ausência da
Presidenta Dilma nas cerimónias do Dia de Portugal, em Elvas, em 10-6-2013, quando se encontrava no nosso País desde a véspera, é uma falta de respeito para com o Estado português. Contraria a reciprocidade diplomática, pois
já houve estadistas portugueses que participaram nas cerimónias do Dia da Independência do Brasil:
A arrogância oca da Presidenta Dilma, baseada numa convicção de superioridade que confunde desejos com resultados e, por exemplo, crescimento do consumo com crescimento do Produto Interno, teve
hoje, 15-6-2013, um sério revés: foi vaiada por três vezes pelo público, no estádio Mané Garrincha, em Brasília, na abertura da Taça das Confederações. Mais lhe valia o respeito que é devido aos outros e o sentido de Estado, que se espera de um presidente brasileiro digno perante o povo português irmão.
Atualização: este poste foi atualizado e mendado às 23:57 de 15-6-2013.
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