quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A violação pelas autarquias do espartilho financeiro do Estado

A Câmara Municipal de Leiria, liderada pelo socialista Raul Castro, informou, em 24-8-2012, que vai violar a Lei dos Compromissos (Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro), um ato que presumo irá ser seguido por outras, e não só as governadas pelo Partido Comunista e Partido Comunista... A Lei dos Compromissos «impede as entidades públicas de assumirem despesas para as quais não tenham receita prevista nos três meses seguintes». A Câmara de Leiria invoca que só assim pode contratar o fornecimento de transportes e refeições aos alunos do concelho.

O argumento das refeições e transportes escolares é um argumento demagógico: não é para isso que falta dinheiro à Câmara de Leiria. Falta dinheiro é para as obras e eventos que quer mostrar ao povo em ano eleitoral, como é este de 2012, e que a nova lei impede que as câmaras contratem se não tiverem fundos. E, como ela, muitas. Os autarcas habituaram-se a fazer uma barragem de artilharia eleitoral no último ano de mandato, a que se seguem três anos de penúria e de atraso de pagamento a fornecedores para pagar as contas do fartote. E quando existe o perigo de a câmara ser conquistada por força política rival ainda é maior o desvio entre a receita efetiva (distante da empolada receita orçamentada) e a despesa real, que excede a despesa prevista e registada, através de encargos assumidos e não pagos. A aflição financeira do Estado não deveria acomodar o populismo eleitoral das autarquias nesta reta final de mandato até outubro de 2013. Mas o lóbi político vai vencer o ministério das Finanças e a necessidade de rigor financeiro do Estado imposto pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional.


* Imagem picada daqui.

domingo, 26 de agosto de 2012

Crime: «humanização» e realismo

Anders Behring Breivik, o extremista islamófobo que matou 77 pessoas (das quais 69 a tiro) e feriu 242 outras, maioritariamente adolescentes e jovens, em 22-7-2012, na Noruega, recebeu, hoje, 24-8-2012, uma pena de prisão de 21 anos, devendo cumprir um mínimo de 10 anos - embora possa ser mantido em custódia se continuar a ser considerado uma ameaça para a sociedade. O tribunal não o considerou demente e, portanto, inimputável, o que regozijou o pluri-homicida.

Breivik cumprirá a pena na prisão de Ila. Terá direito a três celas de 8 m2 cada: um quarto, um pequeno ginásio e uma sala com um computador portátil sem ligação à Internet e acesso a um espaço exterior. Bem como televisão. Por enquanto, não terá acesso a outras partes da prisão - e daí terem-lhe sido dadas três celas -, nem ao convívio com outros presos, mas os dirigentes da prisão desejam que isso venha a acontecer. A prisão divulgou imagens de celas, ainda que não tenha indicado se são as de Breivik.




Num cúmulo das teorias do bom selvagem da esquerda utópica, a Noruega esmera-se no humanismo até nas suas prisões, dedicadas à reabilitação dos criminosos através de «instalações modernas e confortáveis». As instalações das prisões norueguesas são luxuosas, e nomeadamente as de alta-segurança, como se pode ver nesta reportagem da Time, de 2010, sobre a prisão de Halden Fengsel, a que a revista chama «a prisão mais humana do mundo».


Quarto individual da Prisão de Halden, Noruega -
com quarto de banho, mini-frigorífico e TV de écran plano



Prisão de Halden, Noruega - sala
«Cada 10 ou 12 celas têm um cozinha e sala, onde os prisioneiros preparam as suas refeições
e relaxam após o dia de trabalho. Nenhuma célula de Halden tem grades».



Prisão de Halden, Noruega - Gimnodesportivo
 (basquetebol, futebol de salão, pista de corrida e parede de escalada)
 



Prisão de Halden, Noruega - Estúdio de gravação (com mesa de mistura profissional)


Prisão de Halden, Noruega - Pátio exterior
(com árvores, relva e circuito de manutenção num espaço de 18 hectares)



Prisão de Halden - Decoração de interiores
A prisão de Halden contratou um decorador de interiores, que usou 18 cores diferentes
 para criar uma atmosfera de variedade e estímulos.  A prisão tem ainda uma casa de hóspedes
 com dois pisos (e um quarto de casal), onde os detidos podem receber as suas famílias durante a noite.



Prisão de Halden - Pequeno hospital (com moderna cadeira de dentista).
Os detidos têm serviço in loco, dos médicos, enfermeiros e dentistas locais.



«Para ajudar os detidos a desenvolver rotinas e a reduzir a monotonia da clasura,
os arquitetos espalharam as áreas de estar, de trabalho e de atividade, pelas instalações.
Neste "laboratório de cozinha", os detidos aprendem os conhecimentos básicos de nutrição e culinária.
Numa tarde recente, na mesa estava sorbet de laranja caseiro e fatias de frutos tropicais.
Os detidos podem frequentar cursos de catering, de chefes de cozinha e de empregados de mesa.»



«Para aliviar o peso psicológico do encarceramento, os planeadores de Halden
gastaram  cerca de um milhão de dólares em pinturas, fotografias e "instalações".
Segundo um panfleto informal da prisão, este mural do  grafitador norueguês Dolk
"traz um toque de humor a um espaço muito controlado". Os dirigentes esperam que a arte
 - e ateliês creativos como aulas de desenho e trabalhos em madeira -
dêem aos detidos «o sentido de que são levados a sério"»
.



Ainda de acordo com esta reportagem da Time, os guardas da prisão, dos quais metade são mulheres, devem, segundo as regras do serviço, «motivar o detido para que "a sua pena seja tão cheia de sentido, iluminadora e reabilitadora quanto possível"». Assim, «frequentemente, os guardas comem e jogam com os prisioneiros, o que, segundo o diretor, reduz a tensão e encoraja o bom comportamento». Além dos guardas andarem desarmados, segundo o Telegraph, de 26-7-2011, que refere, sem indicar fonte, uma taxa de reincidência do crime nos dois anos após a libertação de apenas 20% em comparação com 50% na Grã-Bretanha.

Segundo o arquiteto desta prisão, Hans Henrik Hoilund, o luxo é necessário para que «os detidos não se tornem reincidentes quando reentrem na sociedade». Explica o seu conceito: «a coisa mais importante é a prisão se pareça o máximo possível com o mundo exterior». Assim, «para evitar uma sensação carcerária, as paredes exteriores não são feitas de betão, mas de tijolos, de aço galvanizado e de madeira; os edifícios parecem ter crescido organicamente da floresta». E o muro de segurança de seis metros de altura, que delineia o perímetro da prisão, é tapado pelas árvores e o seu topo é arredondado «para não ser tão hostil».

A CNN, em 3-8-2011, fez uma reportagem sobre a prisão norueguesa de Bastøy, a qual «é mais um campo de férias do que um equipamento corretivo».

O caso horrível do assassínio em massa de Breivik não permite tirar conclusões sobre a dissuasão das penas e da severidade da prisão. E, realmente, a função reabilitadora da prisão, sobre o castigo e o exemplo social, é humanamente meritória. Mas não podemos evitar a impressão de que o sorriso de Breivik durante a leitura da sentença também terá a ver com uma pena e uma detenção muito menos severa do que teria noutros países, como os EUA. Além disso, este caso ilustra a desconformidade das penas europeias à violência contemporânea - mesmo que não tendo declarado Breivik psicopata o sistema penal norueguês valer-se-á da psicopatia para tapar o absurdo, com o prolongamento da pena além dos 10 anos de pena mínima que a lei prevê na sentença de 21 anos que lhe foi cometida...

O assunto da dissuasão das penas é um dos que mais divide a esquerda da direita. E a esquerda tem imperado, tanto na política penal como na repressão do crime. Embora o nível de crescimento da violência não seja resolvido com as teorias penais germânicas pós-nazismo, influenciadas pelo remorso da consciência no despertar do genocídio e da guerra. Mas a dita «humanização» da esquerda - penas mais curtas, condições de detenção mais leves, liberdade condicional regimes semi-abertos mais frequentes e mais precoces - é relativa, pois aceita a liberalização do aborto como causa da diminuição do crime - ver Donohue, John J. and Levitt, Steven D., The Impact of Legalized Abortion on Crime (2000). Quarterly Journal of Economics. Porém, se é aceite que penas mais altas e de reincidência têm um efeito utilitário de diminuição do crime, pela maior taxa de encarceração de delinquentes e pelo receio da punição - ainda que nos crimes mais violentos a dissuasão seja menor e nos psicopatas ineficaz -, a esquerda argumenta com causas diferentes (como a desigualdade, demografia e as drogas) e com a questão do custo, para justificar uma opção que é, antes do mais, filosófica: a proteção do bom selvagem constrangido pela sociedade ao crime.


Atualização: este poste foi atualizado e emendado às 8:54 de 27-8-2012.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Do socratismo libertando

Recomendo a leitura de «Relatório sobre RTP metido na gaveta», no Sol, de 22-8-2012, com destaque para as posições de Eduardo Cintra Torres, José Manuel Fernandes e João Duque. Apesar da resposta rápida do Governo que decidiu a concessão da RTP... 1, como tinha aqui vaticinado em 15 de Agosto - e RDP. O Governo fecha o Canal 2, mas não clarifica a situação da RTP-Informação, além da RTP-Internacional e RTP-África que presumo que se mantenham. Tal como Eduardo Cintra Torres, também não acredito que o Governo tenha coragem de abdicar de um canal próprio de informação. E, se aliena parte da despesa de transferência do Estado,  transfere a receita do castigo fiscal sobre os cidadãos para a empresa privada concessionária... receber a Contribuição do Audiovisual. Lembro que esta taxa é obrigatória para todos os consumidores de eletricidade, vejam ou não televisão, oiçam ou não rádio, como garagens e escadas de condomínio!... 

O Governo PSD-CDS perdeu depressa o ímpeto reformador e, em setores críticos, sucumbiu aos lobos travestidos de cordeiros e foi seduzido pelas piranhas com canto de sereias - num cenário cada vez mais aflitivo de desvio orçamental crescente. O Governo acredita que, com nova pele, lobos e piranhas perdem a natureza socratina irreparável. Essa é a explicação para que, para lá de toda a promiscuidade e intersecção de interesses, nas informações (!?...), na justiça, no fisco, na ASAE, na economia, quase tudo continue ingenuamente na mesma.

O exemplo mais absurdo e perigoso de promiscuidade e impotência perante o socratismo, mesmo após a pancada sucessiva dos socialistas, é o das informações. Por que não quer o Governo português investigar o bando de esbirros das operações negras no regime socratino, como está a fazer o espanhol à banda Interligare? Foi só em Espanha que se compraram, e usaram as malas móveis GI2 israelitas (um milhão de euros cada) para escutar os adversários políticos?... Como se podem ignorar as tecnologias, e o seu uso, do piso exclusivo da rua Gomes Teixeira, em Lisboa, onde só se entrava com impressão digital? Ou os gestores da informação em tempo real proporcionada pelo sistema Temis, para combate político sobre adversários? Ou a intrusão, análise e ação, sobre a correspondência pessoal no sistema de informação do Governo Sócrates? Ou a intrusão eletrónica em computadores dos cidadãos? Ou o assalto a residências? Ou a vigilância ostensiva sobre patriotas?


* Imagem editada daqui.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Pilotos

No livro «La France - est-elle finie?», de 2011, anterior à viragem eleitoral de junho de 2012, Jean-Pierre Chevènement critica à esquerda a troca do socialismo pelo neo-liberalismo, enquanto nota que a direita, «depois da morte do general de Gaulle, afastou-se progressivamente da nação» e «não se preveniu que a identidade é somente o que resta quando se perdeu a soberania». Resignação, que nos tempos áureos, chamavam aburguesamento e agora é empobrecimento conformado.

A identidade é sobretudo uma questão francesa, não se colocando, com a dimensão gaulesa, no Portugal multicor, e integrador, do Quinto Império, como o mito, de matriz cristã e cultura lusófona. Ainda que no nosso País existam fenómenos preocupantes de marginalização e assistencialismo em minorias desintegradas do todo social. Não estamos perante o desafio da islamização crescente, como a França, nem defronte ao irredentismo das autonomias espanholas, nem à recolonização ameríndia dos Estados Unidos.

Nesta altura aflitiva, à beira da catástrofe social e num contexto de corrupção política entranhada no Estado e nos partidos de poder, o problema fundamental da Pátria é o equilíbrio das contas do Estado, que é condição de trabalho, comida e cama. Ora, este problema só se conseguiria resolver a médio-prazo com a suspensão de pagamento das parcerias público-privadas e repor a trabalhar as multidões desempregadas e beneficiárias do rendimento social de (des)inserção. Não parece que o poder, nem o povo, queiram assumir esse sacrifício. E, portanto, continuaremos num esquema estatal de Dona Branca, criando artificialmente dinheiro para pagar custos de corrupção e preguiça.

Vivemos um mundo delirante em que setores do PSD e do CDS, acompanham bloquistas e socialistas (ver ionline, de 11-8-2012), na legalização do cultivo de droga (cannabis). Sem valores, num pântano político de corrupção, envolto numa pretensa «modernidade líquida», resta a procura de um bem-estar vazio e ocioso e, à exceção dos picos de prazer e violência, o adormecimento pessoal e social, no conforto abúlico, visto como fim supremo da evolução humana. Mas é por causa da apatia dos indíviduos e das comunidades e da desagregação moral que importa criar, trabalhar e lutar. Não somos passageiros da Terra: somos pilotos do céu.


Atualização: este poste foi emendado às 12:20 de 24-8-2012.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Investigar o negócio da Vivo durante o II Governo Sócrates

Quando se abre uma nova etapa na direção judicial do Estado, é hora de reclamar a investigação dos grande negócios de Estado dos Governos socialistas. Nesses negócios, merecem análise especial, como no caso Freeport, as recusas terminantes pelo Governo de determinadas decisões seguidas, pouco tempo depois, do seu consentimento surpreendente.

A mudança de posição do II Governo Sócrates na venda à espanhola Telefónica da posição da PT (30%) na brasileira Vivo deve ser investigada. Em 1 de julho de 2010, no Público, justificando o veto do Governo ao negócio, exercido com a sua golden share, José Sócrates escreveu:
«A PT é uma empresa muito importante para o País. E a participação da PT na Vivo é um activo estratégico de sucesso no mercado brasileiro - é mesmo a empresa de telecomunicações nº 1 no Brasil. Sucede que a internacionalização da PT e a sua presença no Brasil é absolutamente fundamental para a economia portuguesa».
Sobre o negócio, segundo o Económico, de 26-5-2010, o presidente do BES, Ricardo Salgado, afirmou que «tudo tem um preço, menos a honra». Reagindo ao veto estatal,  no DN, em 1-7-2010, Ricardo Salgado «criticou o Governo e recordou ainda que em cima da mesa está um negócio que representa cerca de 4,4% do produto interno bruto (PIB) português». O grupo Espírito Santo detinha, nessa altura, diretamente 7,99% da PT, além da sua «testa de ferro» Ongoing (apesar de não ser conhecido qualquer acordo parassocial) com (6,77%). Com base nesses valores, e sem qualquer outra eventual participação direta ou indireta de outras empresas e acionistas ligados ao Grupo, a venda terá representado um encaixe para o grupo Espírito Santo, diretamente por dividendo e com valorização da vendedora PT, cerca de 599 milhões. Outros grupos com posições acionistas na PT, como Visabeira (2,53%) e Controlinveste (2,28%) tiveram ganhos proporcionais - além do Estado com a a posição da Caixa Geral de Depósitos (7,3%).

Passado menos de um mês, em 28 de julho de 2010, a PT vende à Telefónica a sua posição na Vivo com o consentimento e aplauso do Governo português!... E Sócrates sustenta, sem se desmanchar, que «a defesa dos interesses estratégicos de Portugal está assegurada». Nem a diferença de valor, nem os 23% da Oi, a tal com «grandíssimo potencial» (sic), onde a PT aplicou parte da mais-valia, valem uma mudança tão radical de atitude. Para além das quotas de mercado de telecomunicações brasileiro, a águia Vivo (a voar no móvel) da Telefónica tem crescido incomparavelmente mais do que a tartaruga OI (atascada no fixo).

Mas os acionistas da PT não beneficiaram apenas do negócios, também de isenções fiscais patrioticamente inadmissíveis. Segundo o Público, de 4-11-2010, o negócio realizou-se com a habitual isenção de mais-valias, que o Governo deixou passar apesar da dimensão do negócio, além de outra isenção fiscal para a antecipação para dezembro de 2010 de parte (1 euro por ação) do dividendo extraordinário desse negócio - o Governo deixou passar essa antecipação de dividendo em 2010, optando por não lhe impor a tributação especial que exerceu sobre a parte restante de 65 cêntimos por ação do dividendo extraordinário. Repito que as isenções fiscais duplas existiam, mas face a um negócio que, segundo o próprio Ricardo Salgado, representava 4,4% do PIB português, é dificlmente compreensível que o Governo tenha abdicado de taxar a transação, o que só nos dividendos permitiria ao Estado amealhar 260 milhões de euros, se fossem aplicadas as regras previstas para 2011. O Estado tem o império da lei e devia de repartir equitativamente os sacrifícios e de forma progressiva, para mais num Governo socialista: quem mais ganha, mais paga. Mas o Estado e os cidadãos, são os prejudicados no jogo de interesses.


Atualização: este poste foi emendado às 17:44 de 22-8-2012.


* Imagem picada daqui.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): as entidades referidas nas notícias dos media, que comento, não são arguidas ou suspeitas do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Texto integral do acórdão do processo Freeport

Publico a transcrição do teor integral do acórdão do chamado processo Freeport, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Montijo do Círculo Judicial do Barreiro e, no final, o despacho de extração de certidão judicial, de remessa do acórdão ao Ministério Público, para inquérito-crime sobre alegados pagamentos feitos a José Sócrates pela Freeport Leisure PLC «para conseguir obter a declaração de impacto ambiental favorável e outras licenças posteriores» do Freeport, lido publicamente em 20-7-2012, deliberado pelo coletivo a que presidiu o juiz Dr. Afonso Andrade, os quais louvo pelo seu patriotismo e coragem. Publico o acórdão por serviço público e devido ao interesse político e patriótico que o processo tem. Os arguidos Manuel Pedro e Charles Smith foram absolvidos do crime de extorsão pelo qual havia sido acusados e pronunciados.

No despacho dos três juízes que ordena a extração de certidão para remessa ao Ministério Público  com o intuito de averiguar os alegados pagamentos a José Sócrates para viabilização do Freeport, pode ler-se:

«da prova produzida resultaram fortes indícios de que existiram pagamentos feitos pela Freeport Leisure PLC a pessoa ou pessoas com poder de decisão dentro do Governo e da Administração Pública, nomeadamente com poder de conceder ou negar a Declaração de Impacto Ambiental favorável, num cenário que poderá eventualmente configurar, à luz do disposto actualmente nos arts. 223º, nºs. 1 e 3-a), 372º,1 e 374º-A,2 CP, a prática de um crime de extorsão agravada, ou então um crime de corrupção passiva para acto ilícito agravada. E é no contexto desses pagamentos feitos pela Freeport Leisure PLC para conseguir obter a declaração de impacto ambiental favorável e outras licenças posteriores, que surgem as referências ao nome José Sócrates. (...)

Por ser assim, porque é insustentável manter por mais tempo uma situação em que recaem suspeitas e indícios da prática de um crime grave sobre pessoa que exerceu o cargo de Primeiro-Ministro de Portugal, e que nunca foi constituído arguido no inquérito e nem sequer foi ouvido como testemunha, a fim de permitir que essas suspeitas e indícios sejam finalmente averiguados e simultâneamente a fim de permitir ao visado defender a sua honra na sede própria, ao abrigo do disposto no art. 242º,1,b do CPP».

Note-se que o acórdão não conclui que «Pinóquio» seja o narigudo Sócrates, nem que «Bernardo» (ou «Fatman») seja o seu anafado primo, cuja papada a TVI exibiu - mas também não aceita as teses desculpatórias, a rogo, da defesa por inverosímeis. Em rigor, pencas, banhas e primos, há muitos - e filósofos também. O acórdão não assume a hipótese de  o «Gordo» (ou o «Fatman») do Freeport, ser o primo de José Sócrates, José Paulo Bernardo Pinto de Sousa, o qual, ouvido no inquérito Freeport em 9-11-2009, terá desmentido ser  o «Bernardo» ou o «Gordo», o «primo», a que se referiram envolvidos no caso como receptador dos alegados pagamentos a um tal «Pinóquio» para licenciamento do Freeport, que teriam ocorrido «durante dois anos em pequenas quantias de três e quatro mil euros», através de «pequenos envelopes castanhos por baixo da mesa», «em 2002/2003», através de um agente, «um primo» (ver  transcrição no CM, de 28-3-2009, do video realizado por Alan Perkins da Freeport sobre a  reunião de 3 de março e 2006, em Alcochete, com Charles Smith e João Cabral, emitido pela TVI em 27-3-2009). Sobre a prescrição de eventual procedimento criminal relativamente aos factos do acórdão relativos a José Sócrates, objeto de extração de certidão judicial pelo coletivo do Barreiro, recorde-se que o polémico licenciamento do outlet foi aprovado pelo ministério do Ambiente em 14 de março de 2002, e a eventualidade dos pagamentos que Charles Smith admitiu - «em numerário durante dois anos (...) em pequenas quantias de 3 mil, 4 mil euros (...) demorámos dois anos a pagar isso» -, lançam eventualmente a prescrição para 14 de março de 2014. A justificação para esses ditos pagamentos, que Charles Smith reconhece na dita reunião de Alcochete, terem alegadamente sido feitos depois de março de 2002 é que «havia um acordo sobre o pagamento e os pagamentos foram depois, embora ele já não estivesse no Governo» porque «o Sócrates tinha grandes ligações». Lembro que José Sócrates sempre negou qualquer ilegalidade ou irregularidade suas no caso Freeport e que o seu advogado, Dr. Proença de Carvalho, reagiu, segundo a Rádio Renascença, ao acórdão, logo no dia 20-7-2012, lamentando que «um tribunal retome suspeitas com base em depoimentos fantasistas e puramente caluniosos, de pessoas sem conhecimento directo dos factos, e que se limitaram a repetir rumores».

Mas melhor do que qualquer nota é o texto do desassombrado acórdão que, se não pode integrar os indícios e documentos produzidos pelos média extraprocesso, fixa um conjunto organizado de factos e nexos, que torna a acusação noutra e constitui, para a história judicial e política do País, como arguidos a corrupção do Estado e a pusilanimidade da justiça. O texto insofismável do acórdão deve ser lido com atenção pelos patriotas, pois significa o melhor juízo do regime degradante de uma nação resignada.


Publico em seguida a transcrição, que creio fiel, do teor integral do acórdão. Retirei o endereço postal dos arguidos; e por o Blogger trocar, por deficiência, o símbolo do «e comercial inglês» pela expressão «&», substituo-o pelo «e» português, escrevendo assim, por exemplo, a sociedade de Charles Smith e Manuel Pedro como «Smith e Pedro». Vale o disclaimer habitual: as entidades referidas nos textos que publico, como comentários, no próprio texto do acórdão, ou no despacho de extração de certidão judicial para inquérito-crime relativo aos alegados pagamentos a José Sócrates «para conseguir obter a declaração de impacto ambiental favorável e outras licenças posteriores» do Freeport, que aqui transcrevo, não são arguidas, sequer suspeitas, do cometimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade - e mesmo que fossem arguidas gozariam do direito à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.







«CÍRCULO JUDICIAL DO BARREIRO
3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Montijo

Acordam os Juízes que constituem o
TRIBUNAL COLECTIVO
do
CÍRCULO JUDICIAL DO BARREIRO
 

I - RELATÓRIO

            Em processo comum, com intervenção de TRIBUNAL COLECTIVO, o MINISTÉRIO PÚBLICO acusou

Manuel Carlos Abrantes Pedro Nunes – gestor, divorciado, nascido a 15 de Novembro de 1958 em São João Baptista - Tomar, filho de Rogério Pedro e de Maria de Lurdes Silva Abrantes, residente na (...), sócio da firma "Smith e Pedro Consultores Associados, Lda" e ex-administrador da "Freeport Leisure Portugal, SA"

Charles Angus Smith – cidadão de nacionalidade britânica, engenheiro, casado, nascido a 8 de Agosto de 1948, filho de Walter Smith e de Margaret  Brown, residente na (...), sócio da firma  "Smith e Pedro Consultores Associados, Lda",

            imputando-lhes a prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º, 223º, nºs. 1 e 3-a), com referência aos artigos 204º, nº 2-a) e 202º- b), todos do Código Penal.

            Devido ao circunstancialismo que está espelhado nos autos e que confere a este processo uma natureza sui generis, afirmação que será esclarecida adiante, entende este Tribunal que é essencial fazer um relatório mais extenso do que costuma ser habitual, de forma a deixar transparente a tramitação que desembocou nesta acusação.

            Assim, retira-se dos autos que foi feita uma denúncia por via de uma carta anónima, entregue em 20.10.2004 no Departamento de Investigação Criminal de Setúbal da Polícia Judiciária. Nessa carta reproduzem-se vozes públicas, boatos e rumores segundo os quais, em síntese, para a aprovação do projecto de construção da Freeport em 2001/2002 houve entrega de dinheiro ao Ministro do Ambiente e apoio à campanha eleitoral autárquica do Partido Socialista, e ainda que existem dois assessores da Câmara de Alcochete que têm procurado sugar dinheiro aos patrocinadores do empreendimento bem como a outros empresários que investem ou pretendem investir em Alcochete.
            Essa carta anónima deu origem à Averiguação Preventiva nº 73/04, no âmbito da qual se realizaram diversas diligências destinadas a apurar da credibilidade da denúncia.
            Finalmente, em 4.2.2005, na sequência dessas averiguações, foi aberto o inquérito. Esse inquérito incidia sobre suspeitas de corrupção, onde um dos nomes apontados como suspeito era o antigo Ministro do Ambiente, que, como é público e sabido, nessa altura era líder da oposição e cerca de um mês depois era Primeiro-Ministro de Portugal.
            Tal circunstância impunha, só por si, a necessidade de extrema celeridade e sigilo na averiguação dos factos, fosse para confirmar a veracidade das suspeitas, fosse para as afastar de todo, em qualquer dos cenários estando em causa o interesse nacional.
            Porém, o processo esteve a marcar passo na Comarca do Montijo, de 4.2.2005 a 1/10/2008, data em que transitou para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal. Eis a primeira razão que nos levou a qualificar este processo como sui generis.
            Ao longo deste inquérito foram constituídos arguidos e ouvidos como tal José Dias Inocêncio, José Manuel Carvalho da Silva Marques, João Carlos Azevedo de Meneses Caiado Cabral, Eduardo Armando Matos Capinha Lopes, Carlos Alberto Moreira Alves de Oliveira Guerra, Manuel Carlos Abrantes Pedro Nunes e Charles Angus Smith.
            Foram inquiridas 80 testemunhas.
            Foram expedidas diversas cartas rogatórias dirigidas às Justiças do Reino Unido, de França, do Mónaco, da Ilha de Jersey, das Cayman Islands, da Ilha de Mann, e da Grécia.
            Foram realizadas uma Perícia Urbanística e Ambiental e uma Perícia Financeira, foram feitas buscas às instalações da Câmara Municipal de Alcochete, às instalações da Reserva Natural do Estuário do Tejo, às instalações da empresa Smith e Pedro, Consultores Associados, Lda, às instalações da empresa Freeport Management Services, Ltd, às instalações da empresa Freeport Leisure Portugal, SA, à residência de Charles Angus Smith, e às instalações do Banco Português de Negócios, entre outras.
            Foram efectuadas várias intercepções telefónicas.
            Constituiram-se assistentes nos autos Fernando Sérgio Gomes Lopes, Zeferino Augusto Lourenço Boal, Força Emergente Associação, José António Mendes Cerejo, e Gilberto Conceição dos Santos Figueiredo[1].

            Em 12.7.2010, os Procuradores que dirigiram o inquérito redigiram um ofício que remeteram à Directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, cujo teor consta de fls. 8482 dos autos, onde se pode ler o seguinte: "conforme é do conhecimento de V. Exa. teve a presente investigação como objecto a determinação das circunstâncias que rodearam o licenciamento do complexo lúdico-comercial Freeport, em Alcochete, designadamente se ocorreram pagamentos ilícitos a responsáveis pelas diversas entidades competentes para a aprovação do licenciamento. Entre os responsáveis dessas entidades figuram, designadamente, o Ministro do Ambiente do XIV Governo Constitucional, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, actual Primeiro Ministro de Portugal e Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira, então Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, actual Ministro da Presidência. Assim, tendo em conta as funções que exerciam na altura, bem como a circunstância de terem sido referidos em diversos momentos do inquérito, por alguns intervenientes, bem como em documentos apreendidos, designadamente José Sócrates, importa que se proceda à inquirição de ambos, não obstante a ausência de qualquer proposta da PJ nesse sentido. Atentas as actuais qualidades de José Sócrates e de Manuel da Silva Pereira, respectivamente Primeiro-Ministro e Ministro da Presidência, gozam ambos da prerrogativa de deporem por escrito, nos termos do disposto no art. 624º, nº 2, a) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 139º, nº 1 do Código de Processo Penal. Assim, junto se remetem os questionários e respectivos anexos de documentos, solicitando a V. Exa. as necessárias providências no sentido de se proceder à inquirição das individualidades acima referidas, pelo modo indicado".
            O processo foi apresentado à Directora do DCIAP no dia seguinte, 13.7.2010, onde a mesma, a fls. 8484, se pronunciou sobre outras questões anteriormente suscitadas no processo, mas nada disse ou decidiu sobre o pedido dos Procuradores titulares do inquérito para ouvir José Sócrates e Manuel Silva Pereira. Tanto quanto os autos documentam, foi como se tal pedido nunca tivesse existido. Segunda razão para considerar este processo peculiar.
            E assim ficou o processo, até que 10 dias volvidos, em 23.7.2010, é proferido o despacho final do inquérito. E nesse despacho volta-se a fazer referência a essa diligência probatória não realizada, nos seguintes termos: "após a análise do inquérito e compulsados todos os elementos que dele constam, verifica-se que, nesta fase, importaria, não obstante a ausência de qualquer proposta neste sentido por parte da Polícia Judiciária, proceder à inquirição do então Ministro do Ambiente, actual Primeiro Ministro e do então Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, actual Ministro da Presidência. Na verdade, foram eles os principais decisores políticos do processo de licenciamento do complexo comercial "Designer Village" e, além do mais, foram referidos em diversos documentos apreendidos e em depoimentos prestados por alguns dos intervenientes nos factos em investigação".
            Seguiu-se a lista das perguntas que os Procuradores entendiam que deveriam ter sido feitas a José Sócrates e Manuel Silva Pereira e não foram.
            Terceira característica anómala destes autos, pois não é habitual tal suceder.

            E prossegue o despacho final do inquérito, fazendo referência a outras diligências probatórias que ficaram por fazer: nomeadamente, que foi emitida uma Carta Rogatória às Justiças de França para interrogatório como arguido de Sean Collidge, que não foi cumprida porque foi recebida informação de que o mesmo estaria na altura a residir em Inglaterra, sendo que aqui foi obtida informação de que o mesmo não residia no Reino Unido. Seguiu-se a lista das perguntas que pretendiam que tivessem sido feitas a Sean Collidge; o mesmo sucedeu com Keith Payne, sendo que até à data do despacho de acusação não tinha sido recebida a resposta a essa Carta Rogatória, enviada às Justiças da Grécia.
            Foi também expedida uma Carta Rogatória dirigida às Justiças de Cayman, com a qual se pretendia variada informação sobre titulares e movimentos de determinadas contas bancárias, e ainda outra Carta Rogatória às Justiças da Ilha de Mann, mas até à data do despacho final não foi recebida qualquer resposta.

            Finalmente, é feita referência no despacho final do inquérito a que por despacho do Ex.mo Vice Procurador Geral da República de 4.6.2010 foi fixado o fim do prazo para o encerramento do inquérito no dia 25 de Julho de 2010.
            Todas estas considerações foram feitas a 23 de Julho de 2010, e logo apenas 2 dias antes do fim do prazo fixado para o encerramento do inquérito, pelo que foram consideradas inviabilizadas todas as diligências supra referidas.
            Chegou-se assim ao despacho final do inquérito com várias diligências probatórias reputadas de importantes pelos titulares do inquérito que não foram feitas porque o prazo final que lhes foi imposto não o permitiu.
            Finalmente, são os autos arquivados contra os arguidos José Dias Inocêncio, José Manuel Carvalho da Silva Marques, João Carlos Azevedo de Meneses Caiado Cabral, Eduardo Armando Matos Capinha Lopes, Carlos Alberto Moreira Alves de Oliveira Guerra, e são acusados Manuel Carlos Abrantes Pedro Nunes e Charles Angus Smith, nos termos supra referidos.

            Os arguidos apresentaram contestação, dizendo em resumo que a tese de extorsão, vertida na acusação, por parte dos arguidos ao Freeport "é simplesmente ridícula e completamente infundada". "Tão infundada, aliás, que a suposta vítima nunca se queixou, verbalmente ou por escrito". Acrescentam também que não são os factos constantes da acusação que estão errados. A maior parte deles, aliás, não lhes merecem qualquer reparo. Erradas estão, segundo eles, as conclusões da acusação, que não são baseadas em factos, mas em deduções completamente descabidas.
            Pugnam pois pela sua absolvição.

            Realizou-se a audiência de julgamento, com a presença dos arguidos, os quais começaram por informar que pretendiam prestar declarações, mas que só o fariam após a produção de toda a prova indicada pelo Ministério Público. Assim foi, e os arguidos prestaram declarações após a produção de toda a prova testemunhal.

            Subsistem válidos os pressupostos processuais apreciados no despacho designativo do dia do julgamento, pelo que nada impede a apreciação da substância da causa.

II - FUNDAMENTAÇÃO
a) OS FACTOS PROVADOS

            1. Em 1999 foi colocado à venda o terreno onde outrora funcionara a fábrica de pneus da Firestone Portuguesa, SA, em Alcochete, com uma área total de 375.400 m2 e localizado na Área Metropolitana de Lisboa – Margem Sul, na freguesia de Alcochete e distrito de Setúbal.
            2. A zona onde se encontra tal terreno encontrava-se em franca expansão, por via da recente construção da ponte Vasco da Gama, em 1998, circunstância esta que veio a  proporcionar um acentuado encurtamento do tempo de travessia da cidade de Lisboa para a Margem Sul do Tejo, existindo a expectativa de um grande desenvolvimento urbanístico das zonas do Montijo e Alcochete.
            3. A empresa britânica RJ McKinney Ltd, negociou a aquisição do terreno e teve necessidade de obter informação acerca do que no terreno e zonas circundantes poderia vir a ser construído, já que se tratava de uma área protegida e inserida em Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo.
            4. A importância da informação prévia devia-se à circunstância do espaço de implementação do projecto incluir, não só o perímetro da Firestone, mas também a área B, para estacionamento, cuja aprovação era imprescindível para a venda do terreno.
            5. A RJ McKinney Ltd, pretendia reconverter a antiga fábrica da “Firestone” de Alcochete, zona degradada e sem medidas de gestão ambiental e situada num terreno com níveis de poluição significativos, instalando no local um complexo comercial, designado por “Designer Village” e dessa forma criar a oferta de um conjunto de serviços.
            6. A zona de intervenção consistia em três áreas, denominadas A, B e C, nas quais as actividades propostas eram diferenciadas.
            7. Na área A propunha-se a localização do recinto do complexo lúdico-comercial “Designer Village” (75.000 m2), com percursos pedonais, estruturas verdes, espelhos de água (52.318 m2) e estacionamento subterrâneo (19.000 m2).
            8. Na área B propunha-se localizar a zona de apoio ao equipamento comercial e seria localizado o estacionamento à superfície, com uma área de cerca de 45.000 m2, recorrendo-se à utilização de pavimentos permeáveis. Nesta área integrar-se-ia ainda uma praça exterior, espaços de circulação pedonal e uma estrutura verde, com espaços de circulação e lazer.
            9. A área C, então ocupada por um laranjal abandonado, seria reconvertida, recuperada e valorizada, como zona tampão, com coberto vegetal, local onde se situava o “sítio das hortas”, zona de prioridade III a nível de protecção ambiental.
            10. A RJ McKinney Ltd encomendou então à empresa Planiplano – Paisagem, Ambiente e Ordenamento, Lda., a elaboração de um EIA[2] a apresentar ao ICN[3] no sentido de tentar a obtenção de um parecer de pré-viabilidade para o projecto.
            11. Billy McKinney, sócio e administrador da firma RJ McKinney Ltd e o seu secretário Martin Date, conheciam o arguido CHARLES SMITH, engenheiro escocês, o qual desenvolvia a sua actividade em Portugal desde 1985 e havia trabalhado para a firma Lusoponte, Concessionária Para a Travessia do Tejo, SA, como responsável pelas expropriações decorrentes da construção da Ponte Vasco da Gama.
            12. O arguido CHARLES SMITH tinha, assim, muitos conhecimentos da zona onde se situa o terreno onde se localizava a antiga fábrica de pneus da Firestone.
            13. Por via da sua actividade na zona, o arguido CHARLES SMITH, por sua vez, conhecera o arguido MANUEL PEDRO, cidadão nascido em Alcochete e onde seus pais tinham propriedades, conhecedor de todo o meio envolvente e do modo de funcionamento de todas as estruturas, designadamente do poder local e central.
            14. Na altura, os arguidos CHARLES SMITH e MANUEL PEDRO trabalhavam juntos, mas não haviam ainda constituído formalmente a firma Smith e Pedro – Consultores Associados, Lda.
            15. Billy McKinney sabia que os arguidos CHARLES SMITH e MANUEL PEDRO eram pessoas com muitos conhecimentos, tanto na administração pública central como na local, pelo que os contratou para tratarem de todas as questões relativas ao licenciamento do projecto, tendo sido aconselhados como influentes no poder decisório.
            16. O arguido CHARLES SMITH contactou então o arquitecto Rui Duarte Braga, da empresa de arquitectura “T-5 – Planeamento, Arquitectura, Engenharia e Construção, Lda”, no sentido de ser elaborado um “pedido de informação prévia” a solicitar à Câmara Municipal de Alcochete.
            17. Entretanto, por indicação do engenheiro João Filipe Rebelo Pinto, então Director Comercial da Lusoponte com quem o arguido CHARLES SMITH trabalhara nessa empresa, veio a ser marcada uma reunião com o então Vice-Presidente do ICN, Dr. José Manuel Marques o qual, no dia 29 de Abril de 1999, lhes forneceu as primeiras indicações sobre os procedimentos que deveriam adoptar no futuro, com vista à prossecução do objectivo do parecer de pré-viabilidade para o projecto. Nesta reunião estiveram presentes, designadamente e para além do próprio arguido CHARLES SMITH e José Manuel Marques, o arguido MANUEL PEDRO e Martin Date, secretário da R J Mckinney.
            18. No dia 20 de Maio de 1999, a R J Mckinney apresentou ao Presidente do ICN, o arquitecto Carlos Guerra, um Relatório de Avaliação Ambiental relativo ao projecto lúdico no terreno da antiga fábrica da Firestone, com vista à despistagem de conflitos, dada a sua inserção nos domínios da ZPE[4] do Estuário do Tejo e, logo no dia seguinte, José Manuel Marques enviou uma carta à R J Mckinney, comunicando que iria apresentar o projecto na próxima reunião da Comissão Intersectorial da ZPE.
            19. A R J Mckinney apresentou, em 31 de Maio de 1999, um pedido formal, acompanhado de um pré-projecto do complexo, ao Presidente do ICN, o qual foi enviado para parecer da Comissão Intersectorial do Plano de Gestão da Zona de Protecção do Estuário do Tejo, presidida pelo ICN, sendo este organismo representado pelo Dr. José Manuel Marques.
            20. Apenas já no mês de Julho, o Director da RNET, Antunes Dias, teve conhecimento do projecto, através de publicação no boletim municipal.
            21. Com efeito, conforme referido supra, no ponto , em Julho de 1999 decorreram negociações entre as empresas R J Mckinney e a Freeport, PLC, a quem veio a ser cedida a posição contratual da primeira, substituindo-se a Freeport à R J Mckinney na posição de promotor, com vista à instalação do complexo comercial no terreno da antiga fábrica da Firestone. Acordou-se o pagamento faseado e dependente das várias fases de aprovações do projecto.
            22. Nos termos do contrato celebrado entre as duas empresas, datado de 19/11/1999, a Freeport, PLC comprometia-se a que, conseguido o licenciamento, caberia à R J Mckinney o recebimento de uma percentagem equivalente à valorização do terreno licenciado.
            23. Com o intuito de fazer sentir aos britânicos a importância da influência pessoal do co-arguido MANUEL PEDRO sobre os responsáveis das autoridades portuguesas que iriam decidir sobre a aprovação do projecto, o arguido CHARLES SMITH, no dia 10 de Julho de 1999, informou a Freeport Leisure PLC de que tinha ocorrido uma reunião no ICN, tendo o seu Vice-Presidente, José Manuel Marques, deixado claro ao arguido MANUEL PEDRO que lhe “estava a fazer um favor pessoal, ao concordar com a alteração do uso da REN[5], para estacionamento, já que se estava a pôr em risco (…) junto das várias entidades envolvidas”.
            24.  Em reunião realizada no dia 13 de Dezembro de 1999, a Comissão Intersectorial pronunciou-se sobre a viabilidade do projecto, aprovando o Relatório de Avaliação Ambiental (RAA).
            25. No dia 22 de Dezembro de 1999 foi emitido um parecer favorável à prossecução do processo – Relatório de Avaliação Ambiental, sob a forma de projecto de arquitectura e respectivo EIA - assinado pelo então Vice-Presidente do ICN, José Manuel Marques.
            26. Em Março de 2000, com base no parecer favorável do ICN, foi emitida, pela Comissão de Coordenação Distrital e Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), uma Autorização Prévia favorável à localização do empreendimento para o projecto apresentado.
            27. No dia 24 de Abril de 2000, o arguido CHARLES SMITH enviou um fax à empresa “R J Mckinney”, informando que havia efectuado um pagamento ao Engenheiro Rebelo Pinto, relativamente a quem referiu “que foi útil nos bastidores na resolução da área B – Reserva Ecológica (REN), juntamente com o Dr. Augusto Ferreira do Amaral”, e que, em breve, deveria ser efectuado um pagamento ao “Lobby”, no valor de 22.000.000$00.
            28. No dia 18 de Maio de 2000, o arguido CHARLES SMITH, sempre com o acordo do arguido MANUEL PEDRO e com a preocupação de evidenciar a importância decisiva dos seus contactos em Portugal, enviou um fax à “Freeport Leisure”, à atenção de Jonathan Rawnsley, Director Comercial, aconselhando a manter os consultores da “R J Mckinney”, isto é, a “Planiplano” alegadamente “porque tem a aprovação do ICN”, “Joaquim Letria – consultor dos meios de comunicação social bem considerado, com importantes ligações a nível político” e “Dr. Ferreira do Amaral - advogado (Ex-Ministro do governo, irmão no actual governo).
            29. Por sua vez, mais tarde e no dia 16 de Junho de 2000, Nicholas Lamb, representante da “Benoy Limited”, enviou a Peter Athey, Gestor Externo do Projecto Freeport, uma carta, dando-lhe conta de que os arguidos CHARLES SMITH e MANUEL PEDRO seriam úteis ao desenvolvimento do projecto “devido aos seus conhecimentos locais, aos seus contactos políticos” (na verdade, ele acha que o projecto será “difícil” sem eles).
            30. No dia 7 de Julho de 2000, como consequência da acção dos arguidos, Jonathan Rawnsley elaborou um memorando, dirigido a Sean Collidge, fundador e CEO da Freeport, Alain Van Hulle, da administração da Freeport, Gary Russell, Administrador e Jurista da Freeport PLC e Peter Woolley, Director Financeiro da Freeport PLC, dando conta, além do mais, da necessidade do possível pagamento de um “honorário” aos arguidos CHARLES SMITH e MANUEL PEDRO, “para que eles auxiliem na obtenção de todas as autorizações, ao nível local e regional, necessárias para o projecto”. Questiona as capacidades técnicas do arguido CHARLES SMITH mas realça os “contactos alargados” que ele mantém com as autoridades, a nível local e regional, designadamente através do arguido MANUEL PEDRO. Afirma ainda que o orçamento para o projecto se deverá situar próximo dos 80 milhões de libras.
            31. Em Junho de 2000, a empresa de arquitectura britânica Benoy Limited, responsável pelo conceito inicial do complexo comercial a construir, contratou os serviços da sociedade de arquitectura portuguesa “Promontório – Arquitectos Associados, Lda” para que esta desenvolvesse as ulteriores fases dos projectos de arquitectura, licenciamento, execução e acompanhamento da obra.
            32. No dia 10 de Junho de 2000 teve início, na DRAOT[6], o procedimento de AIA[7], com base num projecto apresentado pela “R J Mckinney”, sendo autor do mesmo a empresa “Planiplano”.
            33. No dia 10 de Outubro de 2000 foi emitido, pelo ICN, um parecer sobre a alteração dos limites da ZPE do Estuário do Tejo e, alguns dias depois, a 14 de Outubro de 2000, a Câmara Municipal de Alcochete comunicou à “Smith e Pedro” a decisão de viabilidade do pedido para demolição das instalações da antiga fábrica da Firestone, vindo a ser autorizada pela CMA a sua demolição.
            34. No dia 26 de Outubro de 2000, a Smith e Pedro recebeu a comunicação do parecer técnico por parte da Comissão de Avaliação (composta pela DRAOT, IPAMB[8] e ICN) declarando a desconformidade do EIA, com o fundamento de não abordar os aspectos essenciais relativos ao conteúdo do EIA e por deficiências metodológicas na caracterização do estado do ambiente e na previsão dos impactos ambientais.
            35. Entretanto, no dia 3 de Agosto de 2000, os arguidos CHARLES SMITH e MANUEL PEDRO haviam constituído já a sociedade “Smith e Pedro Consultores e Associados, Lda.”.
            36. Posteriormente, a “Smith e Pedro Consultores e Associados, Lda.” veio a ser contratada pela Freeport PLC, para tratar de todas as questões relativas ao licenciamento do projecto, tendo sido formalizado um primeiro contrato em 20 de Outubro de 2000, um segundo contrato em 3 de Junho de 2002 e um terceiro contrato em 9 de Setembro de 2002.
            37. Em altura não apurada do ano 2000, o arguido MANUEL PEDRO manteve uma reunião com o advogado Albertino Antunes, a quem solicitou apoio jurídico para diversas matérias, entre as quais o projecto “Designer Village”, tendo sido celebrado, verbalmente, um contrato de avença entre Albertino Antunes e a Smith e Pedro Consultores e Associados, Lda., para prestação de apoio jurídico.
            38. Como consequência da acção dos arguidos, a 6 de Novembro de 2000, através de um “Memorando Interno”, Gary Russell, Administrador e Jurista da Freeport PLC, informou Jonathan Rawnsley (Director Executivo da Freeport PLC) e Sean Collidge, fundador e CEO da Freeport, entre outras matérias, que “… se a Smith e Pedro estiver certa ao dizer que precisamos de pagar montantes substanciais em dinheiro a pessoas para obter licenças, presumivelmente outras pessoas podem pagar montantes substanciais de dinheiro às mesmas pessoas para prorrogarem a emissão dessas licenças.”
            39. A 4 de Dezembro de 2000, os arguidos CHARLES SMITH e MANUEL PEDRO foram informados por Gary Russell de que haviam sido nomeados consultores da “Freeport Leisure Portugal, SA”.
            40. A 1 de Fevereiro de 2001, os arguidos MANUEL PEDRO e CHARLES SMITH, no âmbito da sua actividade, promoveram um jantar no “Clube dos Empresários”, em Lisboa, ao qual estiveram presentes, para além deles próprios, os advogados Albertino Antunes, José Gandarez e seu sogro, na altura Ministro da Economia do XIV Governo Constitucional, Mário Cristina de Sousa, o Embaixador Britânico, Gary Russell e o Presidente do ICEP, António Luís Neto.
            41. Em 27.3.2001, a Smith e Pedro, enviou um fax à Freeport no sentido de ser organizada uma viagem a Londres, para uma reunião e visita a um centro comercial por parte de Miguel Boieiro, dois engenheiros da Câmara Municipal de Alcochete, Manuela Boeiro, Eugénia Macedo, José Catalão e António Lourenço (estes representantes da comissão urbanística e ambiental).
            42. No dia 12 Maio de 2001, Maria João Burnay, foi nomeada vice-presidente do ICN, tendo sido encarregue, por ordem do presidente, Carlos Guerra, do dossier para redefinição da ZPE. Este disse-lhe que o processo estava atrasado e que se tornava necessário a sua conclusão, devido a haver conhecimento da entrada do pedido de construção do empreendimento turístico da Barroca D’Alva.
            43. No dia 14 de Maio de 2001, a “Smith e Pedro” enviou a Rik Dattani, Gestor de Projecto da Freeport PLC um e-mail, no qual, entre outros assuntos, refere, no que diz respeito ao EIA, que o acompanhamento irá envolver uma reunião com o Ministro do Ambiente ou com o Secretário de Estado, reunião esta a ocorrer na semana que se inicia a 11 de Junho. Mais se informou que se irá elaborar uma lista das “pessoas chaves a nível técnico e político” a convidar para uma visita a um projecto “Freeport” no Reino Unido.
            44. No dia 22 de Maio de 2001 teve início de um novo procedimento de AIA por parte da DRAOT-LVT, cujo promotor era a Freeport Leisure Portugal SA, sociedade entretanto constituída.
            45. O EIA foi acompanhado de um projecto de arquitectura realizado pela sociedade de arquitectos Promontório – Arquitectos Associados, SA, o qual constituía já um verdadeiro projecto de execução, com pormenorização inabitual nesta fase de licenciamento.
            46. Entretanto, o proponente “Freeport Leisure (Portugal), SA, já havia procedido à demolição das antigas instalações da fábrica da Firestone e dera início ao tratamento dos solos contaminados existentes no interior da propriedade. Para tal, a Freeport suportou a despesa de 2.000.000$00, posteriormente descontados no pagamento à RJMcKinney.
            47. Depois de constituída a Comissão de Avaliação de Impacte Ambiental foram realizadas diversas reuniões e os arguidos CHARLES SMITH e MANUEL PEDRO desdobraram-se em múltiplos contactos com vista à aprovação do projecto apresentado.
            48. No dia 13 de Setembro de 2001 a “Freeport Leisure Portugal, SA” informou a Câmara Municipal de Alcochete de que foi estabelecido um contrato com o consórcio “Somague/Edifer”, com vista à construção do complexo comercial e, no mesmo dia, ocorreu, em Alcochete, uma reunião na qual estiveram presentes os arguidos CHARLES SMITH e MANUEL PEDRO, Rik Dattani, Simon Walter, da Benoy, Fernando Vasco Costa, da Promontório, Ian McMahon e Peter Athey, da EP Stevens. Consta da acta desta reunião: “Consulta pública concluída a 18 de Setembro. O relatório será então apresentado ao Ministério do Ambiente; passadas três semanas o relatório é enviado ao Ministro; na melhor das hipóteses, segundo CS, haverá uma decisão antes do Natal”.
            49. No dia 8 de Novembro de 2001 a “Smith e Pedro” elaborou um “RELATÓRIO DE SITUAÇÃO RELATIVAMENTE ÀS APROVAÇÕES DOS PLANOS”, no qual se refere, entre muitas outras matérias, que “Fomos abordados pelos quatro partidos políticos no sentido de contribuirmos para as suas campanhas eleitorais, e faremos um relatório deste assunto em separado, porém recomendamos que considere fazer uma contribuição, principalmente para o partido que está no poder e que irá aprovar esta fase do projecto (…).”
            50. No seguimento desse relatório o arguido Charles Smith manuscreveu um documento onde se encontram descriminados os montantes a atribuir aos partidos políticos, vindo referida a quantia de 3.000.000 para o PS, com a referência que se trata do actual partido do governo, e de 300.000 para cada uma dos restantes partidos (PSD, CDU e CDS-PP).
            51. Ainda no mês de Novembro de 2001, depois de duas reuniões com o ICN, a Smith e Pedro elaborou relatórios a informar a Freeport de que tinham obtido a informação de que a posição do ICN seria a de um parecer favorável condicionado.
            52. No dia 26 de Novembro de 2001 foi enviado ao Gabinete do Secretário de Estado do Ambiente o parecer final da Comissão de AIA, no qual foi proposta a decisão de desfavorabilidade.
            53. Do parecer do ICN constavam já, no entanto, as modificações que teria que sofrer o projecto, por forma a que o mesmo pudesse vir a ser objecto de uma aprovação e que, resumidamente, tinham a ver com a supressão de valências, tais como o hotel, o bowling, a discoteca, a iluminação e a redução dos lugares de estacionamento.
            54. No dia 4 de Dezembro de 2001, os arguidos foram contactados por telefone e chamados a uma reunião que teve lugar depois das 23h00, no gabinete do advogado Dr. Albertino Antunes, sito na Avenida 5 de Outubro em Lisboa, para debater o assunto relacionado com a aprovação do projecto Freeport, na qual estiveram presentes, para além do referido advogado e dos arguidos, o engenheiro João Carlos Cabral, bem como os advogados José Francisco Gandarez e Alexandre Oliveira.
            55. Os arguidos foram então informados nessa reunião que o projecto do Freeport iria ser “chumbado” em 48 horas, mas que havia a possibilidade de o mesmo vir a ser aprovado se a Freeport estivesse disposta a pagar dois milhões de libras.
            56. No dia seguinte, 5 de Dezembro, o arguido CHARLES SMITH telefonou para  Rik Dattani, Gestor de Projecto da Freeport Leisure Portugal, SA, dizendo-lhe que um advogado tinha convocado a Smith e Pedro para uma reunião e os havia informado de que o projecto ia ser “chumbado”, mas que seria possível a sua aprovação contra o pagamento de dois milhões de libras, dinheiro esse que deveria ser depositado numa conta escrow no Banco Espírito Santo em Londres, mais referindo que o pedido pode ter vindo directamente dos Ministros.
            57. Rik Dattani, imediatamente após ter terminado a conversação telefónica com o arguido CHARLES SMITH, manuscreveu um papel, apontando os elementos que lhe foram transmitidos, designadamente com as referências e os nomes “José Sócrates”, “Ministro da Economia”, “Silva Pereira” e “Rui Nobre Gonçalves” formando o seguinte quadro:

José Sócrates  --- ministro da economia
                                                                  |   
                                    Rui Gonzalez                    Silva Pereira
                                             |                                            |
         Secretário de Estado do Ambiente           Secretário de Estado

            58. No dia 6 de Dezembro de 2001, exactamente 48 horas depois da reunião acima referida, pelo Secretário de Estado do Ambiente foi proferida uma DIA[9] desfavorável, com base no parecer da CA[10] e porque, segundo o ICN, “o projecto, localizado na Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo, apresenta elevadas cargas de visitantes e de ocupação que não se coadunam com os objectivos da política do ambiente e conservação da natureza que levaram à criação desta ZPE, nem com o disposto na Directiva Aves e Habitats.
            59. Entretanto, o arguido CHARLES SMITH deslocou-se para o Algarve onde contou a diversas pessoas a sua versão do que se havia passado e, como conhecia um tio do então Ministro do Ambiente, contactou-o a relatar o sucedido.
            60. O tio do então Ministro do Ambiente era o Engenheiro Júlio Eduardo Carvalho Monteiro, o qual, perante o contacto do arguido CHARLES SMITH, ocorrido no dia 9 de Dezembro de 2001, se comprometeu a “arranjar” uma reunião com o seu sobrinho José Sócrates, então Ministro do Ambiente.
            61. No dia 11 de Dezembro, nomeadamente aconselhados por José Inocêncio, os arguidos Charles Smith e Manuel Pedro contactaram Eduardo Capinha Lopes solicitando uma reunião. Entretanto, o Arquitecto Eduardo Capinha Lopes havia efectuado trabalhos para a campanha eleitoral do partido socialista, nas eleições autárquicas de 2001, para os concelhos de Alcochete, Moita, Barreiro, Grândola e Santiago do Cacém. Ofereceu ainda à Câmara Municipal de Alcochete o projecto para o fórum municipal de Alcochete.
            62. No dia 12 de Dezembro de 2001 os arguidos promoveram uma reunião/jantar, à qual estiveram presentes, para além deles próprios, os arquitectos Eduardo Capinha Lopes e João Banazol, Jonathan Rawnsley e Gary Russell. O arguido CHARLES SMITH elaborou então um memorando, a enviar ao arguido MANUEL PEDRO, onde descrevia os objectivos dessa reunião:
Explicar a situação actual referente ao pedido de aprovação dos planos e em simultâneo compreender melhor a relação de trabalho e ligação dos arquitectos com o Ministério do Ambiente”.
Refere-se ainda e designadamente, o seguinte:
            “Esta reunião foi marcada na sequência de uma reunião anterior entre o Freeport/ S e P/CL, em Lisboa, no dia 11 de Dezembro.
            S e P entregou a CL uma cópia dos documentos e desenhos relevantes tal como foram apresentados às autoridades para aprovação do licenciamento, juntamente com a actual resposta. S e P explicou também o trabalho desenvolvido até ao momento neste campo.
            Finalmente, refere-se ainda:
            “7 – Assim que essa metodologia seja aceite na generalidade, CL discutirá então o projecto com o Freeport, com mais pormenor, na próxima semana, e simultaneamente apresentará um proposta relativa a honorários.”
            Neste último ponto foi ainda explicado que “o gabinete de arquitectura CL tem excelentes relações de trabalho com o Ministério do Ambiente e que será possível obter-se uma rápida aprovação do projecto, desde que a CL seja nomeada pelo Freeport e lhe sejam dadas instruções no sentido de continuar com as linhas de metodologia proposta”.
            63. No dia 13 de Dezembro de 2001, o arguido CHARLES SMITH enviou uma carta a Jonathan Rawnsley, onde, aludindo à reunião mantida no dia anterior com os arquitectos da “Capinha Lopes”, referiu:
            “Os arquitectos CL (Capinha Lopes) foram-nos recomendados pelas autoridades envolvidas nas aprovações do plano, como sendo as pessoas que podem ajudar na reformulação do projecto de acordo com as sugestões da DIA (Declaração de Impacte Ambiental).
            CL estão muito próximos do Ministro do Ambiente, assegurando uma aprovação adequada no interesse de todas as partes envolvidas. Estou também certo que não são arquitectos baratos.
            Atendendo a que vamos reunir com o Secretário de Estado a seu tempo, seria aconselhável continuar a contactar com CL e tentar, logo que possível, estabelecer alguma forma de relação tendo em vista o futuro.
            Seria igualmente importante para si enviar-lhes um fax amanhã de manhã, exprimindo o interesse em continuar a discutir este assunto e possivelmente em reunir-se com eles em Londres, na próxima semana. Não tenho dúvidas de que tal irá possivelmente fazer com que a declaração do Secretário de Estado seja positiva, no jantar, sexta-feira à noite! Confirme hoje, por favor, se consegue ou não fazer isso. Entretanto enviar-lhe-ei uma nota da reunião com CL.
            64. No dia 16 de Dezembro de 2001, José Dias Inocêncio, como candidato do Partido Socialista, é eleito Presidente da Câmara Municipal de Alcochete e o então Primeiro-Ministro António Guterres, por via dos resultados eleitorais verificados, anuncia que iria apresentar ao Presidente da República a demissão do Governo com vista à realização de eleições legislativas antecipadas.
            65. No dia 21 de Dezembro de 2001, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail a Jonathan Rawnsley, dando-lhe conta de comentários do arguido MANUEL PEDRO, com o seguinte teor:
            “Existe uma relação directa entre Capinha, o novo Presidente da Câmara e o actual governo que nos ajudará de uma forma. O Sec. de Estado irá, não tenho dúvida, reunir connosco em Janeiro, segundo nos disse o novo presidente o novo Presidente da Câmara.
            A abordagem do senso comum deve ser usada e deve manter-se aberto um canal de comunicação com Capinha, independentemente de qualquer reunião com sec. de estado.
            A carta deve dizer no mínimo:
            De acordo com conversa telefónica efectuada …
            É intenção da Freeport contratar os vossos serviços seguindo a respectiva legislação portuguesa aplicável por ex. a situação de outros arquitectos e de acordo com as várias reuniões e consultas efectuadas junto de vós reformulação do projecto de arquitectura (…)”
            66. No dia 7 de Janeiro de 2002 José Dias Inocêncio tomou posse como Presidente da Câmara de Alcochete e, no mesmo dia, Jonathan Rawnsley informou o arquitecto Capinha Lopes de que tinha sido nomeado arquitecto principal da “Freeport Leisure Portugal, SA”, lembrando-lhe da importância na obtenção de parecer favorável antes das eleições nacionais de 17 de Março de 2002.
            67. Entretanto, na sequência de diversas diligências e contactos levados a cabo pelos arguidos, no período de tempo compreendido entre os dias 8 e 24 de Janeiro de 2002 realizaram-se diversas reuniões no Ministério do Ambiente, seguramente no dia 11, designadamente com as presenças do Ministro do Ambiente, Secretário de Estado do Ambiente, Presidente do ICN, Directora da DRAOT  e José Dias Inocêncio, para além dos próprios arguidos e no dia 24, com o Ministro do Ambiente e com o arguido Manuel Pedro, Sean Collidge e Gary Russell.
            68. No dia 7 de Janeiro de 2002, a “Smith e Pedro” enviou a Gary Russell um relatório confidencial onde consta, entre outros assuntos, que:
            “F - Em resultado da situação actual, fomos contactados pelo novo Presidente da Câmara de Alcochete (CMA) que recomendou que qualquer trabalho necessário de alteração ao projecto deverá ser efectuado por um arquitecto aceitável/credível perante os departamentos técnicos do governo.
            Para este fim contactámos Capinha Lopes (CL) e marcámos reuniões em Lisboa e em Londres com a Freeport/ a S e P/ a CL, informando sempre o Presidente da Câmara Municipal acerca dos nossos planos.
            G – O caminho a seguir:
            Dado que o novo Presidente da Câmara é do mesmo partido político do actual governo, e ele apoia o projecto em 100%.
            Dado que os CL são arquitectos aceitáveis e que nos foram apresentados pela CMA.
            Dado que a alteração de qualquer decisão pelo Secretário de Estado irá provavelmente necessitar de input do ICN/ da DRAOT/ da CMA.
            Dada a necessidade de considerar alguma reformulação do projecto para tomar em consideração os comentários do ICN.
            H – A Freeport deverá considerar seriamente a contratação da CL Associados para a reformulação do projecto de modo que este fique aceitável para as autoridades.”
            69. No dia 18 de Janeiro de 2002 teve início na DRAOT novo procedimento de AIA, com base num projecto apresentado pela “Freeport Leisure Portugal, SA”.
            70. No dia 21 de Janeiro de 2002, a “Freeport Leisure Portugal, SA” efectuou um pagamento a ”Smith e Pedro Consultores Associados” no valor de £50.000 (cinquenta mil libras), sem estar documentado por qualquer factura ou contrato.
            71. No dia 25 de Janeiro de 2002, a DRAOT oficiou à "Smith e Pedro Consultores Associados, Lda.", solicitando o envio, até ao dia 28/01/2002, de elementos complementares para efeitos de conformidade do EIA.
            72. A 30 de Janeiro de 2002, A DRAOT informou a "Smith e Pedro Consultores Associados, Lda." que "A comissão de Avaliação deliberou declarar a Conformidade do Estudo de Impacte Ambiental", com a concordância do ICN.
            73. No dia 5 de Fevereiro de 2002, iniciou-se o período de consulta pública do processo de AIA, tendo o mesmo decorrido até 05/03/2002 (21 dias).
            74. No dia 10 de  Março de 2002, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail a Gary Russell, onde manifesta o desejo de assinar um acordo o mais rapidamente possível. Forneceu-lhe o número da conta bancária da "Smith e Pedro Consultores Associados, Lda" da agência bancária de Alcochete do "Banco Espírito Santo" e, entre outros assuntos, referiu:
            "O que isto significa é que acredito que devíamos considerar um fraccionamento de honorários, pagável apenas quando das várias aprovações e licenças correspondentes, por outras palavras, em vez de pagar 90% pelo início no local, seria um método mais seguro a divisão da "success fee[11]" em partes mais pequenas, possivelmente 4 ou 5 partes (ou até mais).
            Penso que gostaria que considerasse esta situação, na medida em que reflecte um método mais controlado e valorizado. Não esquecendo que na reunião de 17 de Janeiro foi deixado ao seu critério avaliar o valor do trabalho envolvido, especialmente o valor directamente relacionado com a aprovação do EIA.
            Outra interpretação do cenário pode ser a de que o total da success fee é pagável aquando da aprovação do projecto na fase de arquitectura, i.e. final de Abril início de Maio, o que pode não ser o mais vantajoso para si, daí o plano para dividir os honorários.
            Não tenho dúvida de que a aprovação do EIA é a parte principal e de que as aprovações do projecto de arquitectura e projectos de execução são secundárias.
            A condição (1) verificar-se-á a 14 de Março e é a mais importante de todas, o resto irá ao seu lugar automaticamente e o respectivo sucesso depende, de facto, mais de nós, do gestor do projecto, da equipa do projecto, do que alguém no Ministério ou na Câmara. Por esta razão, elaborei um programa geral. Penso que todos compreendemos este ponto. É assim que o Presidente da Câmara Municipal de Alcochete vê a questão (...)".
            75. No dia 14 de Março de 2002 foi emitido parecer favorável condicionado pela Comissão de Avaliação de AIA e, na mesma data, por despacho do Secretário de Estado do Ambiente, foi emitida decisão (DIA) “favorável condicionada” ao pedido de AIA, formulado em 18/01/2002.
            76. É o seguinte o teor da conclusão de tal decisão:
            “Face ao exposto, a avaliação do EIA permite concluir que o projecto, nos moldes propostos não apresenta impactes negativos significativos sobre os descritores analisados, nomeadamente em termos locais e globais da ZPE. Assim, com base no parecer elaborado pela Comissão de Avaliação do projecto “Complexo Lúdico-Comercial Designer Village”, emito Parecer Favorável, condicionado ao cumprimento integral das medidas de minimização propostas, bem como dos Programas de Monitorização constantes do parecer da CA e sintetizados nos quadros em anexo”.
            77. Em 14/03/2002, foi aprovado, em reunião de conselho de Ministros, o Decreto-Lei n.º 140/2002, de 20 de Maio, o qual, alterou os limites da ZPE do Estuário do Tejo, excluindo, além do mais,  a área A dos terrenos da antiga fábrica da Firestone da ZPE.
            78. No dia 20 de Março de 2002, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail a Billy McKinney, em resposta a um outro que havia recebido, em que este se queixava do facto de não ter sido informado do resultado da DIA, cujo teor é o seguinte:
            "Desculpa, mas pensei que soubesses que eu só estava à espera do documento formal - isto não tem sido fácil e não preciso de comentários sarcásticos - este assunto está a causar-me muitas preocupações e nunca foi minha intenção ser mal educado ou não te informar. Tenho estado sob ordens muito rígidas do Ministro no sentido de não dizer nada antes da recepção do documento e do relatório; não vi o relatório, logo não posso comentar (...)".
            79. No dia 6 de Abril de 2002 tomou posse o XV Governo Constitucional e, no dia 9 do mesmo mês, o arguido CHARLES SMITH enviou uma carta a Sean Collidge, onde, entre outros assuntos e aludindo a uma reunião ocorrida em Lisboa, em Janeiro de 2002, referiu:
            "(...) Embora seja contra a minha natureza, e acredito contra a sua também, sinto que devemos continuar a dialogar com o Ministério do Ambiente no que se refere às aprovações e aos respectivos prazos".
            80. No dia 18 de Maio de 2002, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail para o arguido MANUEL PEDRO, onde, entre outros assuntos, referiu o seguinte:
            "(...) Meu objectivo é de responder positivamente a Gary na segunda feira sem falta, tal forma que nos podemos aceitar o form of agreement para assinar, e pedir freeport enviar £80.000 ainda semana que vem para que nos podemos pagar pinnochio algo no dia 31 de Maio conforme que eu combinei com bernardo para não ariscar atrasar nada, seja protocols ou architectural projects".
            81. No dia 3 de Junho de 2002 foi celebrado um segundo contrato de consultadoria entre a "Freeport Leisure Portugal, SA" e a "Smith e Pedro Consultores Associados, Lda.", no valor global de £500.000 (quinhentas mil libras esterlinas), sendo que a primeira tranche deste pagamento já havia sido efectuada em 24/1/2002, como pagamento alegadamente de "boa fé" (sem emissão de qualquer factura).
            82. No dia 13 de Junho de 2002, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail a Gary Russel, sob o assunto "Portugal - success fee", cujo teor é o seguinte:
            “Quanto à nossa conversa da noite passada, irá efectuar uma transferência para a S e P hoje.
            Se me permite aconselho-o a enviar a remuneração, esta semana, em duas partes - uma para o EIA e a outra para os protocolos. Preciso de pelo menos 2/3 semanas para fazer a alocação do dinheiro.
            Tenho as pessoas sob controlo à força desta transferência.
            Acrescento que não serão feitas alocações sem primeiro esclarecer a aprovação consigo.
            Será possível enviar-me a confirmação da transferência (O Gary ou o seu pessoal da área financeira), logo que a transferência seja efectuada?
            A transferência poderá demorar uma semana antes que as alocações possam ser realizadas.
            Tal resultará na medida em que me permite pressionar no sítio certo para conseguir aquilo que precisamos logo que possível (...)"
            83. No dia 14 de Junho de 2002, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail a Gary Russel, sob o assunto "Portugal pagamentos", com o seguinte teor:
            "Caro Gary: Confirme por favor, se foi enviado algum dinheiro respeitante a success fee ? Melhores cumprimentos (...)".
            84. No dia 15 de Junho de 2002, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail a Gary Russel, sob o assunto "Portugal pagamentos", com o seguinte teor:
            "Caro Gary: Estou preocupado que o protocolo não seja assinado até eu poder dizer ao gordo que foi feita uma transferência. Não estou a falar de pagamento. Informe-me, por favor, logo que possível (...)".
            85. No dia 17 de Junho de 2002, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail a Gary Russel, sob o assunto "Portugal pagamentos", com o seguinte teor:
            "Caro Gary: É um grande problema. Veja o e-mail que lhe enviei a 13 de Junho. Se eu puder pelo menos mostrar que há uma transferência a caminho, acredito que irá ajudar. Qual a posição relativamente à aprovação do EIA, pois para este também é necessário um pagamento de 50K ?
            De novo, não estou a dizer para pagar, faça apenas uma transferência de modo a que nada fique estagnado neste sentido, e nós precisamos de tempo para fazer as alocações, etc. (...)".
            86. No dia 19 de Junho de 2002, o arguido CHARLES SMITH recebeu de Gary Russell  um e-mail , sob o assunto "success fees", com o seguinte teor:
            “Parabéns, compreendo que os protocolos foram assinados por todas as partes necessárias e enviei o pagamento relativo à success fee relativamente aos mesmos, de acordo com o contrato (...)".
            87. No dia 20 de Junho de 2002, o arguido CHARLES SMITH, em resposta ao e-mail mencionado no ponto anterior, enviou um e-mail a Gary Russel, sob o assunto "success fee", com o seguinte teor:
            "Obrigado. Pode, por favor, providenciar no sentido de termos uma cópia do documento de transferência a fim de relembrar a transferência para Portugal.
            Para aprovação do EIA ainda falta o certificado do IPAMB, mas deve estar para breve. É necessário mais um pagamento de uma success fee para esta fase.       Provavelmente na próxima semana.
            Pode também fazer o seu melhor para enviar as nossas remunerações e custos para os protocolos esta semana, pois também temos pessoas a quem temos de pagar. O Jonathan está ao corrente desta situação e o total, em Euros, corresponde a 72.500 mais IVA, do qual recebemos 10.000 mais IVA, há cinco dias atrás (...)."
            88. No dia 26 de Junho de 2002, ocorreu uma reunião, nos escritórios da "Freeport PLC", em Londres onde estiveram presentes Graham Holdaway, funcionário da Freeport, Rik Dattani, o arguido Charles Smith, João Cabral, Simon Walter, da Bennoy, Ltd, João Banazol, Jorge Silva e Peter Athey. Da acta de tal reunião consta, entre outras matérias, que:
            “2.2 CS informou que as autoridades exigiram 17.000 Euros para assinar os projectos. O Freeport ficou de preparar".
            89. No dia 9 de Setembro de 2002, foi celebrado um terceiro contrato de consultadoria entre a "Freeport Leisure Portugal, SA" e a "Smith e Pedro Consultores Associados, Lda" e, no dia 13 de Setembro de 2003, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail ao arguido MANUEL PEDRO, onde, entre outros assuntos, se referiu:
            "Reuniões - O Jonathan quer que marquemos uma reunião com o Ministro da Economia. Podemos ir a esse almoço na câmara de comércio no dia 17 - verifiquei o e-mail que nos enviaram recentemente com o convite (...)";
            "Pinnochio requer atenção, através da success fee e eu vou contactar o Gary Russel nesse sentido (...);
            "Pode contactar a Inocência de novo para ver onde é que os ventos sopram?
            E como parte da nossa estratégia ficar perto do homem! Sempre que possível".
            90. A empresa dos arguidos, “Smith e Pedro Consultores Associados, Lda”, recebeu da "Freeport PLC" quantias nos valores globais de €410.309,20 (quatrocentos e dez mil trezentos e nove euros e vinte cêntimos), relativo ao exercício do ano de 2002 e de €284.604,64 (duzentos e oitenta e quatro mil seiscentos e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), relativo ao exercício do ano de 2003, sem que tivessem sido emitidas as respectivas facturas e pagos os impostos devidos.
            91. A Freeport, com o projecto “Designer Village” de Alcochete, fez um investimento de cerca de €200.000.000 (duzentos milhões de euros).

FACTOS NÃO PROVADOS: com interesse para a decisão, resultaram não provados os seguintes factos:

                1. Os arguidos CHARLES SMITH e MANUEL PEDRO, logo desde a altura em que começaram a trabalhar para a R J Mckinney, com o intuito de conseguirem para ambos um enriquecimento ilegítimo, haviam formado já o propósito de obterem, da parte da Freeport, o recebimento de quantias em dinheiro de valor consideravelmente elevado, alegadamente destinadas a efectuar pagamentos indevidos a responsáveis titulares de cargos das entidades públicas competentes para decidir da aprovação do projecto, ou seja e designadamente, do Ministério do Ambiente, ICN, DRAOT e Câmara Municipal de Alcochete.
                2. Assim, desde logo os arguidos projectaram fazer os pedidos de entregas de dinheiro à administração da R J Mckinney e posteriormente à Freeport, sempre invocando o destino acima indicado às verbas solicitadas e com a advertência de que tal era imprescindível para a aprovação do projecto, dessa forma se evitando os elevados prejuízos que decorreriam da eventual não aprovação.
                3. Com a supra descrita actividade, os arguidos pretenderam que os administradores da Freeport, perante a iminência de a empresa sofrer elevados prejuízos com a eventual não aprovação do projecto, tendo em conta o elevado investimento que já havia sido feito pela empresa, lhes entregassem as quantias, de valor consideravelmente elevado, supra referidas.
                4. Não obstante os arguidos terem levado a cabo, nos termos supra descritos, a prática de todos os actos necessários e adequados a alcançar o seu desiderato, não se apurou que a administração da Freeport PLC tivesse cedido às suas pretensões e entregue as quantias por eles solicitadas.
                5. Face à aludida circunstância, inteiramente alheia às suas vontades, os arguidos não terão visto satisfeitas as suas pretensões.
                6. Agiram os arguidos em concertação de esforços e intenções, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo serem proibidas as suas descritas condutas.

JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
(a formação da convicção do Tribunal)

Cumpre agora explicar porque razão o Tribunal deu como provados e como não provados os factos supra expostos, ou seja, fundamentar o julgamento sobre a matéria de facto (arts. 97º,5 e 374º,2 CPP).

Em primeiro  lugar, e aqui fica mais uma razão pela qual começamos por afirmar a natureza sui generis destes autos, a esmagadora maioria dos factos dados como provados é incontroversa, pois são factos que o Ministério Público alegou na acusação como sendo verdadeiros, e que também os arguidos admitiram que eram verdadeiros na sua contestação. Assim sucedeu com os factos alegados no despacho de acusação sob os nºs a 20º, 23º a 27º, 33º a 39º, 41º a 49º, 52º a 55º, 62º, 63º a 66º (apenas com a ressalva da tradução), 67º (apenas com a ressalva da tradução), 68º a 70º, 72º, 73º, 75º, 76º, 77º, 78º (apenas com a ressalva da tradução), 79º a 83º, 84º (só negam a referência às verbas indevidas), 85º a 93º, e 96º. Assim, porque não faria sentido perder mais tempo a fundamentar a decisão de dar como provados factos que todas as partes intervenientes aceitam como verdadeiros, e que estão cabalmente assentes em prova documental e testemunhal, limitar-nos-emos a remeter para essa prova documental indicada em anexo a cada um dos artigos da acusação, bem como às testemunhas que sobre tal matéria se pronunciaram.
            Sobre a matéria de facto constante do artigo 28º da acusação, dúvidas não há que se tratam de factos verdadeiros, pois estão documentalmente demonstrados (cfr. Apenso T, fls. 18), embora devamos excluir desse artigo o que já não é facto, mas sim entendimento ou convicção. Assim, é incontestável que em Março de 2000, com base no parecer favorável do ICN, foi emitida, pela Comissão de Coordenação Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), uma Autorização Prévia favorável à localização do empreendimento para o projecto apresentado. Já o "entendimento" da R. J. McKinney e Freeport sobre se essa circunstância era susceptível de constituir direitos e gerar expectativas legitimas aos promotores, como opinião que é, e até podendo mesmo aflorar matéria de direito, foi retirada do elenco dos factos provados.
            Os factos alegados sob os arts. 29º, 30º, 31º, 32º da acusação não foram contestados pelos arguidos, que apenas se pronunciam sobre o significado a retirar de tais factos, aceitando a realidade dos mesmos implicitamente.
            Os arguidos não se pronunciam sobre os factos alegados nos artigos 50º, 51º e 71º da acusação.
            E, finalmente, os arguidos negam total ou parcialmente os factos contidos nos artigos 21º, 22º, 40º, 56º a 60º, 61º, 74º, 94º, 95º, 97º, 98º e 99º.
            Por razões lógicas e de necessidade de exposição, vamos deixar para o final a análise dos factos contidos nos artigos 21º, 22º, 95º, 97º, 98º e 99º da acusação. Tais factos referem-se ao elemento intelectual da infracção imputada aos arguidos[12], e para poder chegar fundadamente aos mesmos, seja para os confirmar, seja para os infirmar, teremos de analisar primeiro os factos concretos do mundo exterior que ficaram indubitavelmente demonstrados, pois será em grande parte a partir deles que se poderá (ou não) deduzir a intenção de quem os praticou.
            Sobre os factos contidos nos artigos 50º e 51º da acusação, apesar de os arguidos não se terem pronunciado sobre eles de todo na contestação, quer para os admitir quer para os negar, não teve o Tribunal a menor dúvida em dar os mesmos como provados. Por um lado, porque a prova documental que os sustenta é cabal e incontroversa (Apenso E, vol. XIII, fls. 3948/3949, que é uma acta da reunião em causa, elaborada pela Smith e Pedro, Lda;  Apenso PC – HD 1, vol. VIII, fls. 2252/2254 - relatório da situação, elaborado pela Smith e Pedro). E por outro porque os mesmos se inserem de forma coerente e congruente em todo a situação que envolveu a construção do outlet Freeport em Alcochete, e que analisaremos em detalhe mais adiante. O mesmo podemos dizer dos factos referidos no art. 71º da acusação, que resultam provados com base nos documentos constantes do Apenso E, vol. XIII, a fls. 3915 e do Apenso O, vol. 1, a fls. 28 e 29, e ainda com base nos depoimentos testemunhais de Maria Fernanda Vara, João Cabral, Rui Nobre Gonçalves, e Jonathan Rawnsley.
            Merece destaque o depoimento de Fernanda Vara, porque da primeira vez que se pronunciou, disse que nessa reunião no Ministério do Ambiente estiveram presentes o Ministro José Sócrates, o Presidente do ICN, o Presidente da Câmara Municipal de Alcochete, o Secretário de Estado Rui Gonçalves e ela própria. Era uma reunião interna. Não esteve nenhum inglês, nem arquitectos do projecto. Por haver uma contradição flagrante com as declarações que a mesma testemunha havia prestado em sede de inquérito, após os devidos trâmites legais as mesmas foram lidas na audiência. E constatou-se que em inquérito a testemunha tinha ainda dado como presentes nessa reunião o Arquitecto Capinha Lopes e o arguido Manuel Pedro. Após lhe terem sido lidas essas suas declarações, a testemunha acabou por reconhecer e declarar que a verdade era o que tinha declarado em inquérito.

            A prova produzida e analisada nesta audiência de julgamento foi documental, testemunhal e pericial, e ainda a prova consistente nas declarações dos arguidos.
            A documental e pericial é a que se mostra descrita no despacho de acusação, e ainda aquela cuja junção o Tribunal determinou oficiosamente, ao abrigo do disposto no art. 340º CPP.
            A prova testemunhal, também para além da que foi arrolada na acusação e na contestação, abrangeu ainda um antigo Administrador da Freeport, ouvido por iniciativa do Tribunal, e um Engenheiro que trabalhou para a Smith e Pedro, a requerimento da defesa, ambos ao abrigo do que dispõe o artigo 340º CPP.
            Os arguidos decidiram prestar declarações, não no momento próprio que a lei reserva para as mesmas, logo na abertura da audiência de julgamento (art. 341º CPP), mas sim após a produção de toda a prova da acusação e da defesa.
            Também por isso, entende este Tribunal que a melhor maneira de proceder à fundamentação da decisão é fazê-lo de uma perspectiva cronológica, até onde for possível. Assim, começaremos por analisar toda a prova apresentada pela acusação, depois pela defesa (a qual foi muito reduzida), e deixaremos para o final as declarações dos arguidos.

            E antes de começarmos a analisar em detalhe a prova produzida, é ainda importante fazer algumas observações prévias, essenciais para entender não só a decisão a que o Tribunal chegou, como também o percurso difícil que foi necessário percorrer para lá chegar.

            I- Quer os arguidos que foram acusados nestes autos, quer a grande maioria das pessoas que com eles interagiram no decurso da prática dos factos trazidos a este Tribunal, muitas das quais foram ouvidas como testemunhas, são pessoas com formação superior e com vasta experiência profissional.
            Em parte por causa disso, nesta audiência de julgamento estivemos perante tudo menos factos lineares na sua ocorrência e narração judicial. Se pensarmos nos julgamentos correntes no dia a dia dos Tribunais, como por exemplo o furto, o roubo por esticão ou mesmo o homicídio de rua, onde os factos são evidentes e lineares assim como evidente e linear é a percepção que as testemunhas têm sobre eles, aqui o Tribunal deparou-se com uma situação que está no extremo oposto. Podemos dizer que quase todos os factos alegados, bem como os factos circunstanciais ou indiciários que foi necessário analisar, tinham duplo ou triplo sentido.
            Por outro lado, houve testemunhas que mentiram nos seus depoimentos, recorrendo umas vezes à mentira directa, outras vezes tentando iludir o Tribunal com verdades enganosas, outras usando variados truques retóricos, dificultando a tarefa de determinar a verdade. E para dificultar ainda mais a nossa tarefa, vários desses depoimentos não foram totalmente forjados, antes conjugando afirmações verdadeiras com afirmações falsas. Assim saiu reforçado o velho aforismo judicial segundo o qual "a prova testemunhal é a meretriz das provas".

            É também essencial, ainda antes de entrar na apreciação da prova, começar por olhar para a estrutura interna da acusação.
            A acusação contém um conjunto extenso de factos, e um rol de provas, que se olhados de longe e isoladamente nos aparecem como totalmente inócuos e lícitos. Porém, se fossem efectivamente lícitos e inócuos, não teriam lugar num despacho de acusação. Por isso, teremos de presumir que tais factos, ao serem alvo de uma análise de proximidade, integrados e inter-relacionados uns com os outros, vistos à luz das regras da experiência e do senso comum, poderão acabar por nos levar a uma conclusão bem diversa, já com relevo para a decisão.
            Podemos dividir a acusação em 5 partes:
            1. Factos que descrevem o início e o andamento do projecto e do pedido de licenciamento, e situam os arguidos e a sua relação com os promotores, descrevendo algumas comunicações entre eles;
            2. A referência a uma reunião ocorrida num escritório de Advogados, envolvendo um conhecimento antecipado sobre a decisão de impacto ambiental, e suas consequências;
            3. A referência à decisão de impacto ambiental desfavorável, a substituição da equipa de arquitectos, o novo processo de avaliação de impacto ambiental e a decisão de impacto ambiental favorável;
            4. Descrição de várias comunicações escritas entre os arguidos entre si e entre os arguidos e a Freeport;
            5. A descrição do plano de extorsão dos arguidos, o que eles pretenderam, como executaram o seu plano, essencialmente o elemento intelectual da infracção;

            E na base de todos estes factos e de todas estas condutas estão as pessoas que descrevemos supra, inteligentes e experientes, que, querendo, têm os conhecimentos, a capacidade e os meios para dissimular a verdade dos factos se nisso tiverem interesse.

            A segunda observação prévia que importa fazer é para tecer breves considerações sobre o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º CPP.
            Dispõe esse artigo que salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
            Segundo Germano Marques da Silva[13], "o princípio da livre apreciação da prova traduz uma terceira fase da evolução história dos sistemas jurídicos da prova criminal, fase em que passou a ser objectivo fundamental a verdade histórica -impondo-se ao Juiz, no fundo, a mesma atitude e intenção do investigador histórico- e foi possível vencer o puro judidísmo formal na actividade e juízo probatórios e abri-los aos imprescindíveis contributos dos conhecimentos psicológicos, sociológicos e científicos da mais variada espécie. O actual sistema da livre convicção não deve definir-se negativamente, isto é, como desaparecimento das regras legais de apreciação das provas, pois não consiste na afirmação do arbítrio, sendo antes a apreciação da prova também vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório".
            E acrescenta este Professor: "também a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique  e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva. A livre apreciação da prova não deve, pois, ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão".
            E mais adiante ainda: "o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto, trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente  da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há de fundar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência".
            Todas estas regras e princípios orientadores destinam-se a, na expressão do Prof. Figueiredo Dias, levar o Julgador à convicção da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.
            Por seu turno, Paulo Pinto de Albuquerque[14] escreve citando o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1165/96, reiterado pelo Acórdão nº 464/97: "O princípio da livre apreciação da prova é direito constitucional concretizado. Ele não viola a Constituição da República Portuguesa, antes a concretiza.
            Vamos ainda, porque nos parece importante, chamar à colação dois acórdãos relativamente recentes do Supremo Tribunal de Justiça, que reputamos de grande utilidade para que se possa entender melhor como este Tribunal chegou às conclusões supra expostas sobre a matéria de facto.
            Assim, escreve-se no Acórdão do STJ de 7/4/2011 (Relator: Conselheiro Santos Cabral), o seguinte:

 "a máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, ou seja, é uma inferência que permite a afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano” e este relacionamento permite afirmar um facto histórico não com plena certeza mas, como uma possibilidade mais ou menos ampla. A máxima da experiência é uma regra e, assim, não pertence ao mundo dos factos. Consequentemente, origina um juízo de probabilidade e não de certeza. (...) O princípio da causalidade significa formalmente que a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal. Dito por outra forma, aceite uma causa, normalmente deve produzir-se um determinado efeito e, na inversa, aceite um efeito deve considerar-se como verificada uma determinada causa. O princípio da oportunidade fundamenta a eleição da concreta causa produtora do efeito para a hipótese de se apresentarem como abstractamente possíveis várias causas. A análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito. Provado no caso concreto tal efeito deverá considerar-se provada a existência da causa.
Do exposto resulta que o princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno, mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno. Só este convencimento, alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária, quando é este tipo de prova que está em causa, pode alicerçar a convicção do julgador. (...)
Em relação à prova indiciária, o funcionamento e creditação desta, está dependente da convicção do julgador a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável nomeadamente em sede de sentença. Por qualquer forma é incontornável a afirmação de que a gravidade do indício está directamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indício que resiste às objecções e que tem uma elevada carga de persuasividade como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno, é preciso o indício quando não é susceptível de outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado. Por fim os indícios devem ser concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão do facto indiciante. Verificados os respectivos requisitos pode-se afirmar que o desenrolar da prova indiciária pressupões três momentos distintos: a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento".

            Também importa trazer a esta análise o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 6/10/2010, de quem é Relator o Conselheiro Henriques Gaspar:

  "A verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos. Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova– as presunções naturais.
A observação e verificação do homem médio constituem o modelo referencial. Na dimensão valorativa das “regras da experiência comum” situam-se as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidade ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência de vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta. (...)
  A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do art. 349.º do CC. Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido. As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência: o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto.
  Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes». «São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar».
  A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
  A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre a base e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção. Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
  A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outros.
  A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
  O julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta de certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada.
  Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões. A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da existência dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na al. c)".

            Será essencial ter sempre presentes os ensinamentos que se retiram desta jurisprudência, para entender a fundamentação que se vai seguir.

            A terceira observação prévia é que, como já dissemos, a matéria de facto alegada que foi objecto de controvérsia foi, nesta audiência, drasticamente reduzida. A esmagadora maioria dos factos materiais descritos na acusação ficou provada sem qualquer disputa, atenta a prova documental e testemunhal produzida, e a concordância por parte da defesa dos arguidos, manifestada na sua contestação.
            O que os arguidos impugnaram frontalmente foram os artigos onde está alegado que eles, desde o início, e com o intuito de conseguirem para ambos um enriquecimento ilegítimo, haviam formado o propósito de obterem da parte da Freeport o recebimento de quantias em dinheiro de valor consideravelmente elevado, alegadamente destinadas a efectuar pagamentos indevidos a responsáveis titulares de cargos das entidades públicas competentes para decidir da aprovação do projecto.

            Daqui resulta, inevitavelmente, que, se excluirmos a reunião entre os arguidos e três advogados ocorrida no dia 4.12.2001, sobre cujo conteúdo existe viva controvérsia, o que nos resta é um amplo conjunto de factos, pacíficos e incontroversos, que para o Ministério Público são a concretização de uma tentativa de extorsão da parte dos arguidos dirigida à Freeport PLC, e que para a Defesa dos arguidos não passam da descrição do seu trabalho como consultores, sendo que a Acusação construiu sobre eles "uma tese simplesmente ridícula e completamente infundada".
            Esta situação com que este Tribunal foi confrontado é a todos os títulos anómala, e invulgar. Anómala, porque é uma acusação que imputa aos arguidos um crime grave mas em que Acusador Público e Defesa estão de acordo quanto à esmagadora maioria dos factos alegados. Invulgar, porque fazendo apelo à experiência de 20 anos deste Tribunal Colectivo, não temos memória de ter julgado outro caso semelhante.
            Mas não proferimos esta afirmação apenas a título de curiosidade.
            Daqui decorrem importantes implicações processuais.
            Ao não estar perante um diferendo sobre factos, ou ao estar perante um diferendo sobre um conjunto muito reduzido de factos, decorre que então, para que o julgamento faça sentido, teremos de considerar que o litígio que nos foi trazido, e que temos de aceitar tal como foi apresentado por força do princípio do acusatório, configura um diferendo sobre a interpretação a dar a factos dados como adquiridos ab initio.
            Daqui decorre outra consequência processual de relevo: é que na busca da verdade histórico/processual[15], a mera descrição dos factos alegados e provados não se afigura suficiente para chegar a uma decisão, pois já vimos que sobre eles foram construídas duas teses explicativas totalmente antagónicas.
            Dizendo de outra forma, se não é sobre os factos alegados -a não ser numa curta medida- que vai recair a controvérsia processual, a luta entre acusação e defesa, então essa controvérsia vai recair sobre quê ?
            Dizendo ainda de outra forma, que tipo de litígio é que se está a pedir a este Tribunal que dirima ?
            Sobre factos já vimos que não é, ou pelo menos só o é numa curta medida, pois dos 100 artigos que compõem a acusação, apenas 16 são impugnados pelos arguidos, e desses 16, 6 referem-se ao elemento intelectual da infracção, pelo que o litígio sobre factos materiais se resume a 10 artigos, e mesmo desses apenas em 4 há verdadeira controvérsia substantiva.
            E a produção da prova indicada na acusação, mais do que destinada a apurar factos já assumidos como verdadeiros pelos arguidos, só tinha sentido útil se se destinasse a apurar da existência do alegado plano de extorsão, primeiro dirigido à R. J. McKinney e posteriormente dirigido à Freeport.
            Mas esta afirmação não nos resolve a questão: já vimos que o Tribunal vai ter de produzir a prova que foi indicada pelo Ministério Público, para a partir dela aferir da existência do tal plano de extorsão.
            Mas como ?
            Se a prova a produzir for, como é de esperar, destinada a demonstrar a veracidade dos factos materiais que estão alegados, então corremos o sério risco de chegar ao final da produção de prova na mesma exacta situação em que estávamos à partida.
            Ainda em sede de análise prévia à estrutura interna da acusação, e para reforçar o que acabámos de dizer, uma vez que os factos materiais alegados e admitidos por acordo são interpretados de maneira diferente pelos arguidos e pelo Ministério Público, tal significa que, salvo melhor interpretação, tais factos materiais não são unívocos, nem claros, antes são ambíguos no seu conteúdo e no seu significado.
            Desta forma, este Tribunal só tinha uma de duas alternativas: a) ou absolvia logo os arguidos à partida, dizendo que os factos alegados e provados e sobre os quais havia acordo não poderiam nunca sustentar uma condenação, por serem ambíguos; b) ou produzia toda a prova apresentada na acusação, na expectativa de que dela resultasse algo de útil, nomeadamente que daí emergisse um conjunto de factos indiciários ou circunstânciais que nos permitisse ver os factos materiais provados a uma luz nova, na qual eles adquirissem o seu verdadeiro enquadramento e significado.
            Claro que não se trata de uma verdadeira alternativa, pois à face da lei este Tribunal está obrigado a produzir toda a prova indicada na acusação, a investigar por sua iniciativa todos os factos que lhe parecerem importantes para a decisão, dentro dos limites do objecto do processo, e a proferir uma decisão nos estritos termos do disposto no art. 311º,1,2,a,3, 365º, 368º e 372º CPP, e art. 3º da LOFTJ, entre outros.
            Assim, foi perante este quadro com que nos deparámos que este Tribunal presidiu à produção da prova indicada na acusação

I
            Feitas estas explicações introdutórias necessárias, vamos agora iniciar o percurso de explicação da decisão, seguindo a ordem da acusação.
            O primeiro momento onde surgem mencionados pedidos ou referências a necessidades de envio de montantes monetários feitos pelos arguidos é no artigo 29º, no qual se alega que "no dia 24 de Abril de 2000, o arguido CHARLES SMITH enviou um fax à empresa “R J Mckinney”, informando que havia efectuado um pagamento ao Engenheiro Rebelo Pinto, relativamente a quem referiu “que foi útil nos bastidores na resolução da área B – Reserva Ecológica (REN), juntamente com o Dr. Augusto Ferreira do Amaral”, e que, em breve, deveria ser efectuado um pagamento ao “Lobby”, no valor de 22.000.000$00".
            Sobre este facto, temos prova documental incontroversa, a fls. 5147 a 5153 do Apenso E, volume XIX e fls. 1646 a 1649 do Apenso E, volume VII.
            Foi ainda ouvido o Engenheiro Rebelo Pinto, que declarou, em síntese, que aconselhou o arguido Charles Smith sobre a forma como apresentar ao Estado Português um estudo prévio para fazer um centro comercial tipo outlet na zona da antiga fábrica da Firestone. E ainda apresentou os arguidos ao Dr. Augusto Ferreira do Amaral, que era seu amigo de infância, no escritório dele. Acrescenta que nunca teve nenhum contrato com eles. E refere que pela sua ajuda não lhe pagaram nada. Só por altura do Natal é que lhe deram um relógio barato, da Burberry, que ele nunca usou, pois tem o seu Rolex, que usa há 30 anos. Especificamente sobre ter recebido algum pagamento dos arguidos afirma que pensa não ter recebido, mas não garante, pois já passaram muitos anos, ele está doente, e pode ter sido uma quantia que tenha passado despercebida no meio dos vários pagamentos que recebia.
            A William McKinney foram feitas várias perguntas sobre a existência ou não de pagamentos ilícitos a altos decisores em Portugal, e a testemunha negou ter qualquer conhecimento disso. A certa altura respondeu que Sean Collidge e Gary Russell é que sabiam tudo sobre pagamentos ilícitos. Não ele, que nunca pertenceu à Freeport.

            Posto isto, da análise desta prova não nos parece possível extrair qualquer suporte para sustentar a intenção dos arguidos de extorquir dinheiro aos promotores do projecto. Acresce que falta de todo a referência à ameaça com mal importante, que como veremos posteriormente é essencial para a procedência da acusação.

            O próximo facto relevante que nos surge é o do artigo 40º da acusação.
            Aí se afirma que "como consequência da acção dos arguidos, a 6 de Novembro de 2000, através de um “Memorando Interno”, Gary Russel, Administrador e Jurista da Freeport PLC informou Jonathan Rawnsley, (Director Executivo da Freeport PLC) e Sean Collidge, fundador e CEO da Freeport, entre outras  matérias, que “… se a Smith e Pedro estiver certa ao dizer que precisamos de pagar montantes substanciais em dinheiro a pessoas para obter licenças, presumivelmente outras pessoas podem pagar montantes substanciais de dinheiro às mesmas pessoas para prorrogarem a emissão dessas licenças.”
            Aqui importa notar que apesar de os arguidos terem negado ter proferido tal afirmação, este Tribunal não teve a menor dúvida em dar tal facto como provado. Primeiro, com base no documento constante do Apenso CR, volume 46, a fls. 49/50 e volume 24, a fls. 27, que é um memorando de Gary Russel para Jonathan Rawnsley no qual se refere o excerto supra citado. Recordemos que o Apenso CR contém toda a documentação apreendida em Inglaterra e enviada pelo Serious Fraud Office às autoridades de investigação em Portugal. Assim, que Gary Russell proferiu aquela afirmação, dirigindo-se a Jonathan Rawnsley, é algo que não suscita dúvidas. O que se poderia discutir é se os arguidos ou algum deles terá dito a Gary Russell que a Freeport "precisa de pagar montantes substanciais em dinheiro a pessoas para obter licenças". E embora não exista prova directa, este Tribunal não tem dúvida em considerar que a frase de Gary Russell se baseia no que lhe foi dito pelos arguidos. Primeiro, porque Gary Russell e Jonathan Rawnsley foram ouvidos como testemunhas, falaram do seu relacionamento com a Smith e Pedro, e nada no seu depoimento permite pensar que Gary Russell teria mentido ao seu colega Rawnsley, inventando aquela afirmação como tendo saído dos arguidos. Aliás, diga-se que depois da audição de todas as testemunhas, e à luz das regras de bom senso, não conseguimos encontrar uma única razão para Gary Russell escrever tal memo contendo aquela frase se não tivesse recebido aquela informação provinda dos arguidos. Porquê haveria ele de inventar tal coisa ? É do domínio do fantástico pensar que Gary Russell, no ano 2000, dirigindo-se ao seu colega Jonathan Rawnsley, lhe enviou um memo contendo informação falsa, com o objectivo de prejudicar Charles Smith e Manuel Pedro, incriminando-os no âmbito de um processo crime que só viria a ser instaurado em 2005. Acresce que não era certamente do seu interesse nem no interesse da Freeport efectuar pagamentos desnecessários a funcionários, para obter licenças.
            Outra coisa, bem diversa, é analisar este facto no contexto da acusação que estamos a apreciar. Será que estamos perante um dos factos através dos quais os arguidos teriam materializado o seu plano de extorquir dinheiro de forma ilícita à Freeport ?
            Não foi produzida melhor prova sobre esta matéria em concreto. Pelo que, no limite, sempre estaríamos no âmbito da presunção de inocência dos arguidos. Porém, outros desenvolvimentos houve, relacionados com factos alegados mais à frente na acusação que, como veremos, vêm sustentar a convicção de que quando os arguidos informaram a Freeport de que precisava de pagar montantes substanciais em dinheiro a pessoas para obter licenças" não estavam a tentar extorquir dinheiro à empresa inglesa, usando o logro e a ameaça com mal grave, antes se limitaram a transmitir à Freeport a situação com que se depararam no processo de licenciamento do empreendimento.

            Continuando.
            O alegado nos artigos 43º e 45º da acusação não merece análise mais detalhada, pois é óbvio que tais factos não se referem a tentativas de extorsão vindas da parte dos arguidos, mas antes a típicos actos de lobbying e marketing empresarial.

            De seguida deparamo-nos com o alegado nos artigos 51º e 52º da acusação.
            Num dos computadores da empresa Smith e Pedro foi encontrado um documento escrito em 8.11.2001, intitulado “RELATÓRIO DE SITUAÇÃO RELATIVAMENTE ÀS APROVAÇÕES DOS PLANOS”, no qual se refere, entre muitas outras matérias, que “Fomos abordados pelos quatro partidos políticos no sentido de contribuirmos para as suas campanhas eleitorais, e faremos um relatório deste assunto em separado, porém recomendamos que considere fazer uma contribuição, principalmente para o partido que está no poder e que irá aprovar esta fase do projecto (…).”
            Igualmente foi apreendido numa busca às instalações da Smith e Pedro um documento manuscrito pelo próprio arguido Charles Smith, onde se encontram discriminados os montantes solicitados pelos partidos políticos, vindo referida a quantia de 3.000.000 para o PS, com a referência que se trata do actual partido do governo, e de 300.000 para cada uma dos restantes partidos (PSD, CDU e CDS-PP).
            Estes factos estão indubitavelmente provados, quer porque os arguidos confirmaram a sua veracidade, quer porque assentes em prova documental incontroversa (cfr. fls. 167, do volume I do Apenso E; fls. 3945/3946, do mesmo apenso, volume XIII; fls. 4691 a 4695; e Apenso PC – HD 1, volume VIII, fls. 2252/2254).
            A questão relevante aqui é saber se de facto os referidos partidos políticos sugeriram aos arguidos que a Freeport contribuisse para as suas campanhas eleitorais ou não, e logo se não terá sido invenção dos arguidos.
            A Acusação limitou-se a produzir prova demonstrativa que os arguidos transmitiram à Freeport pedidos de contribuições que teriam sido feitos pelos 4 principais partidos, com a sugestão de que fosse considerada a hipótese de efectuar uma contribuição ao partido que estava no poder. Os arguidos não conseguiram -nem sequer tentaram- demonstrar que de facto foram destinatários desses pedidos. Ao contrário, Manuel Pedro Nunes afirmou nada saber sobre essa matéria, e, como veremos ao analisar as declarações de Charles Smith, este arguido, assumindo embora a autoria de tais documentos, declarou que é falso que tenha sido abordado pelos 4 partidos políticos (PS, PSD, CDU e CDS-PP) a pedir contribuições para as respectivas campanhas eleitorais, tendo sido ele que inventou essa referência.
            Temos que dizer que mais uma vez, na falta de melhor prova, o in dubio pro reo funciona a favor dos arguidos, e isto apesar de a declaração de Charles Smith, se tivesse sido considerada credível, que não foi, poder ter funcionado a favor da tese do Ministério Público.
            A pouca prova testemunhal que recaiu sobre esta matéria foi a que emergiu dos depoimentos de William Roland McKinney e de Jonathan Rawnsley.
            William McKinney declarou que se lembra de uma proposta para fazer contribuições aos partidos políticos vinda da Smith e Pedro. Isto porque havia eleições locais naquela altura e o arguido Manuel Pedro pensou que era melhor agradar-lhes. Mas não sabe se o dinheiro chegou a ser entregue ou não. Deixou esse assunto nas mãos dos arguidos. Mas diz que ficaria muito admirado se soubesse que tinha libertado esses fundos.
            Jonathan Rawnsley declarou que se lembra que antes das eleições lhes pediram para pagar dinheiro a um partido político. Ao que se lembra a sugestão de fazer esses pagamentos pode ter vindo de Charles Smith ou de Alain Van Hulle, que era o director responsável pelo comércio de retail, e que veio algumas vezes a Portugal, e era o Director Europeu da Freeport. Mas que se recebeu o pedido em causa, então de certeza que o transmitiu a Gary Russell ou a Sean Collidge. Perguntado se a Freeport tinha por norma dar contribuições para partidos políticos nos países onde operava, respondeu categóricamente que não. E não sabe se foram feitos alguns pagamentos para partidos políticos em Portugal.
            Assim, em conclusão, foi feita prova que os arguidos transmitiram à Freeport a informação de que foram abordados pelos 4 principais partidos políticos e que recomendaram que fosse feita uma contribuição  principalmente para o partido que estava no poder, mas não se fez a prova de que tal tenha efectivamente acontecido, e nem se fez a prova de que esse pedido fosse a concretização de um plano dos arguidos de extorquir dinheiro à Freeport para seu benefício pessoal.

A matéria constante do artigo 53º da acusação, segundo a qual ainda no mês de Novembro de 2001, depois de duas reuniões com o ICN, a Smith e Pedro elaborou relatórios a informar a Freeport de que tinham obtido a informação de que a posição do ICN seria a de um parecer favorável condicionado, é da maior relevância para o apuramento da verdade. Tal facto, além de ser aceite como verdadeiro pelos arguidos, ainda está devidamente suportado no documento constante do Apenso E, volume II, a fls. 227 e seguintes.
Porque esta matéria está umbilicalmente ligada com outra que será analisada mais adiante, para lá deixamos os necessários desenvolvimentos. Por agora, interessa apenas reter que este Tribunal não vê nesta informação dirigida à Freeport, a informar esta empresa de que a posição do ICN será a de parecer favorável condicionado, um acto doloso destinado a extorquir dinheiro ilicitamente.
Julgamos até que será dificil, pela sua razoabilidade, fugir a acompanhar a afirmação feita na contestação dos arguidos segundo a qual estes factos são o desmentido lógico da imputação aos arguidos do crime em causa nestes autos. E perguntam logo a seguir os arguidos: por quê e para quê haveriam os arguidos de informar o Freeport de um eventual parecer favorável condicionado do ICN, se depois, o que pretendiam era extorquir dinheiro dizendo que era necessário fazer um pagamento para obter tal desiderato ? Pergunta que este Tribunal acompanha.

            E chegamos finalmente aos artigos 56º a 61º, cuja importância é vital para o destino de toda a acusação. Estamos perante o que podemos designar de o momento-chave de toda a matéria de facto. Estamos a referir-nos à reunião tida no dia 4 de Dezembro de 2001 no escritório de advocacia de Albertino Antunes, em Lisboa, na qual estiveram presentes os dois arguidos, João Cabral, e mais 3 Advogados.
            Recordemos numa súmula que o Ministério Público alega na acusação, coerentemente com o crime que imputa aos arguidos, que estes se dirigiram àquele escritório de Advogados e informaram os mesmos que o projecto iria ser chumbado em 48 horas, mas que seria possível a aprovação caso a Freeport estivesse disposta a pagar uma determinada quantia e se alterassem as equipas técnicas. Esta alegação bate certo com o referido plano dos arguidos, de conseguirem para ambos um enriquecimento ilegítimo, à custa da Freeport.
            Por isso, a importância desta reunião não pode de todo ser subestimada. Ela marca, aliás, o único verdadeiro momento de controvérsia processual sobre factos concretos, pois os arguidos, na sua contestação, negam peremptória e materialmente a versão que dessa reunião foi vertida na acusação; porém, não apresentaram logo a sua versão do que se terá passado, na contestação, antes remetendo para a audiência de julgamento.
            Sobre a existência da reunião e sobre quem nela participou não houve controvérsia, pois as testemunhas Albertino Antunes, Alexandre Oliveira, José Gandarez, e João Cabral foram a esse propósito unânimes, e foram igualmente secundadas nessa parte pelos dois arguidos. Acrescem ainda os variados documentos juntos aos autos principais, v. g. a fls. 3904, a fls. 159 do Apenso E, volume I, e ainda a fls. 344 e verso do Apenso CR, volume 46, que são o que podemos designar de o rasto material que a dita reunião deixou para o futuro.
            Mas esgotados estes pequenos aspectos consensuais, todos os restantes elementos dessa reunião foram controversos.
            Sobre quem convocou a reunião e sobre o que se terá passado no decurso da mesma, este Tribunal Colectivo foi colocado perante duas versões distintas. A primeira versão, que corresponde grosso modo ao que está alegado na acusação, foi sustentada pelo depoimento das testemunhas Alexandre Oliveira, José Gandarez e Albertino Antunes. A segunda versão, que poderíamos qualificar como totalmente oposta, foi sustentada na audiência de julgamento não só pelos arguidos, nas suas declarações, mas também por João Carlos Cabral, Engenheiro que trabalhou com os arguidos na Smith e Pedro, Lda de 2000 a 2006/7, que esteve presente na dita reunião, e cujo depoimento foi requerido pela Defesa dos arguidos ao abrigo do disposto no art. 340º CPP. É mais um aspecto peculiar deste processo que uma testemunha presencial de factos tão relevantes, diríamos mesmo essenciais para a defesa, não tenha sido logo arrolada na contestação e a sua inquirição tenha ficado dependente do assentimento do Tribunal via art. 340º CPP.
            Para além destes depoimentos, foi produzida ainda prova testemunhal circunstancial, não directamente sobre o que se passou na reunião, mas sobre o comportamento posterior de quem nela participou, que se revelou da maior importância para o Tribunal conseguir chegar à verdade sobre o que se passou nessa reunião. Esta reunião é aliás um excelente exemplo da já mencionada dificuldade em chegar à realidade nua e crua dos factos, uma vez que o que nela se passou foi alvo de uma delicada manobra de cosmética, com o objectivo de dissimular a verdade sobre a mesma.
            Eis um resumo da descrição feita pela testemunha João Cabral do que se passou nessa noite: depois de alguma confusão sobre a data em que a reunião teria ocorrido, se 4 se 5 de Dezembro, mas acabando a testemunha por reconhecer que deve ter sido dia 4, e isto porque o fax da Smith e Pedro na altura estava adiantado  um dia, declarou que estavam ele e os arguidos a jantar em Alcochete, no dia 4 de Dezembro de 2001, quando o Dr. Manuel Pedro recebe uma chamada do Dr. Albertino Antunes, para irem de urgência a uma reunião no escritório deste, em Lisboa. Quando lá chegaram estavam presentes as pessoas supra mencionadas. José Gandarez disse-lhes que o projecto ia ser chumbado em 48 horas, e tinha de ser remodelado, e que eles Advogados tinham uma equipa para isso, mas que a Freeport tinha de pagar dois milhões de escudos (mais tarde corrigiu para dois milhões de contos). Ficaram em estado de choque! Repete várias vezes que ficaram em estado de choque. E mais lhes foi dito que a resposta tinha de ser dada em 48 horas. O Dr. Manuel Pedro pediu que mandassem a proposta por escrito. Sairam da reunião em estado de choque e foram para o escritório em Alcochete.
            Por seu lado, a versão apresentada pelas testemunhas Albertino Antunes, José Gandarez e Alexandre Oliveira foi, em síntese, esta: Albertino Antunes e Manuel Pedro eram amigos e já se conheciam há 25 anos. O escritório do Dr. Albertino deu apoio jurídico à Smith e Pedro e ao próprio Dr. Manuel Pedro, indirectamente em assuntos ligados com o empreendimento Freeport, como elaboração de estudos e pareceres sobre incentivos de natureza fiscal e outros assuntos, relacionados com a EDP, etc.
            No dia 4.12.2001 o Dr. Manuel Pedro telefonou ao seu amigo Albertino a pedir uma reunião muito urgente sobre o Freeport, sem dar mais detalhes. Albertino Antunes convocou telefónicamente os seus Colegas Alexandre Oliveira e José Gandarez, que apesar de serem juniores no escritório tinham dado apoio jurídico à Smith e Pedro, para estarem todos presentes na reunião, pois o seu contributo poderia ser necessário.
            A reunião teve assim lugar no dia 4.12.2001 ao início da noite, no escritório da Sociedade de Advogados.
            Nessa reunião o Dr. Manuel Pedro informou que tinha sabido do chumbo iminente do projecto, e que tinha receio de que esse chumbo caísse muito mal junto dos ingleses da Freeport, que eram o principal ou único cliente da Smith e Pedro. E queria fazer algo para defender a imagem da Smith e Pedro. A partir daqui o relato destas testemunhas tornou-se vago, sem haver uma descrição detalhada do que foi dito e por quem.
            Albertino Antunes avançou logo que percebe muito pouco de Direito do Ambiente, e que nem sequer sabia quem é que iria proferir a decisão final nessa matéria. Lembra-se que se falou da mudança das equipas. A conclusão a que chegaram era a de fazer um texto, para ser enviado para a Freeport. Mas no dia da reunião não saiu logo um texto concreto. Isso ficou para o dia seguinte, onde Albertino Antunes e Manuel Pedro, por telefone, acertaram os termos do documento.
            Alexandre Oliveira disse que lhes foi explicado que em face da iminência de o projecto ser chumbado era necessário reagir a esse chumbo. Acrescentou que a reunião foi a pedido dos clientes.
            José Gandarez declarou que a ideia que tem é que o projecto ia ser rejeitado e a preocupação era comunicar tal chumbo anunciado à Freeport. A Smith e Pedro comunicou o chumbo iminente, e a reunião era para ver o que se podia fazer. Explica que a sociedade de advogados nunca lidou directamente com a Freeport, nem nunca tratou do licenciamento do projecto, pelo que não tinham contactos com o Ministério do Ambiente; pelo que a informação sobre o chumbo só pode ter vindo da Smith e Pedro. Não sabe quem convocou a reunião. Lembra-se que se falou da mudança de equipas. Sabe que os advogados da Freeport eram a Vieira de Almeida e associados. Não se lembra de terem sido falados valores na reunião, ou de quais fossem estes. Sobre o resultado da reunião desconhece de todo. Pensa que se falou da mudança de equipas.
            Porque da audição destes quatro depoimentos não resultou o cabal e imediato esclarecimento da verdade, o Ministério Público requereu, com a concordância dos arguidos, a acareação entre estas 4 testemunhas.
            Efectuou-se tal diligência, em 3 fases sucessivas, sendo João Cabral acareado separadamente com cada um dos referidos Advogados.
            E está chegada a altura de tirar conclusões.
            Este é, claramente, um caso de escola de aplicação do disposto no art. 127º CPP.
            Temos três testemunhas que defendem uma versão dos factos, e uma testemunha que defende uma versão diferente, e até oposta. O Tribunal não teve dúvidas em considerar que a versão trazida pela testemunha isolada (João Cabral) foi a que mais se aproximou da verdade. Não é fácil passar para o papel o processo mental de raciocíonio que levou o Tribunal a formar essa convicção, porque trata-se de um processo que envolve simultâneamente vários raciocínios paralelos, circulares, em que a mente do Julgador não segue um percurso linear, antes sofre o que podemos designar de vários saltos lógicos e cronológicos, avanços e recuos, passando por todos os fragmentos de prova recolhidos, até sedimentar a decisão final.
            A primeira ideia a reter é a de que, intrinsecamente, sem olhar para outros acontecimentos exteriores à reunião, a versão apresentada por João Cabral tem coerência interna, e faz sentido em si mesma, ao passo que a versão trazida por Alexandre Oliveira, José Gandarez e Albertino Antunes contraria de frente o senso comum e as regras da experiência, e por isso padece logo à nascença de um vício genético que a descredibiliza. O facto de os arguidos serem chamados a uma reunião onde lhes é dito, em traços largos, que ou a Freeport paga uma quantia elevada ou o projecto é chumbado em 48 horas nada tem de implausível ou de contraditório. É um cenário criminal típico de uma situação de corrupção passiva, ou de extorsão, mas com total coerência interna.
            Agora, pensar, como parece que o faz a Acusação, que foram os arguidos que marcaram a reunião porque sabiam que o projecto iria ser reprovado no Ministério do Ambiente, e queriam com apenas 48 horas de antecedência comunicar para a Freeport uma forma de obviar a esse chumbo mudando equipas técnicas e dispendendo uma quantia monetária considerável, e que para isso precisavam do apoio daquele escritório de Advogados é algo que não faz sentido à luz do bom senso e das regras da experiência. Aliás, a própria descrição apresentada pelas três referidas testemunhas retira credibilidade e consistência ao relato por si feito. Aquelas três testemunhas foram unânimes em dizer que não trabalhavam directamente com o projecto Freeport, não percebiam muito de Direito do Ambiente, nada sabiam sobre qual a decisão que iria ser proferida ou sequer quem era a entidade que a iria proferir, e mesmo assim os arguidos teriam recorrido a eles para os ajudarem a redigir um texto a enviar para a Freeport em Londres. E foi notória a sua preocupação em frisar que não tiveram nada a ver com o conteúdo do texto que foi escrito no dia seguinte, apenas escreveram o que lhes foi dito pelo arguido, ou seja, diríamos nós, ter-se-iam limitado a funcionar como meros dactilógrafos.
Mas as contradições e as incongruências foram vastas e reveladoras. Vamos apontar apenas a mais sugestiva e reveladora, que teve lugar já na parte final do depoimento de Albertino Antunes, quando lhe foi perguntado se o depoimento que ele acabara de prestar podia ser resumido da seguinte forma: o seu escritório não trabalha nem em Direito Administrativo nem em Direito do Ambiente. A preocupação do Dr. Manuel Pedro era grande, porque estava em causa um segundo chumbo do projecto e a Freeport era o seu único cliente. Então o Dr. Manuel Pedro dirige-se a um escritório onde estão 3 Advogados que assumidamente não percebem nada daquelas matérias, e que não fazem outra coisa que não seja repetir e transcrever as palavras do Dr. Manuel Pedro. Foi isto ? E responde a testemunha, com notória dificuldade de articulação das palavras: “foi mais ou menos isso”.
            Deixemos agora a implausibilidade intrínseca da versão apresentada na acusação, e passemos para os acontecimentos imediatamente posteriores à dita reunião.
            Aqui já temos prova material e objectiva da existência da reunião e também do seu conteúdo, pois para a posteridade ficaram documentos escritos, e eles ajudam-nos a aferir da credibilidade dos depoimentos testemunhais referidos, ou da falta dela.
            O primeiro desses documentos consta a fls. 3904 dos autos, e foi junto justamente pela testemunha Albertino Antunes, ao ser ouvido em fase de inquérito, como sendo o documento que foi enviado pelo seu escritório à Smith e Pedro.
            Para total compreensão do significado deste documento, vamos transcrever o essencial do mesmo. No topo tem escrito em maiúsculas a palavra "MEMO". Depois segue-se este texto:

"1. Na qualidade de advogados da Smith e Pedro, Lda, temos vindo a fazer diligências no sentido de obter a aprovação do projecto ............., por parte da área do ambiente.
2. Neste momento, há algumas questões técnicas a resolver. Caso contrário, o projecto é indeferido na sua totalidade, sendo o despacho proferido em 48 horas, devido à necessidade de cumprimento de prazos legais.
3. Face a esta emergência, conseguimos formar uma equipa técnica capaz de resolver aquelas questões e obter a aprovação condicionada, devendo o projecto apresentado ser reformulado, alterando o uso previsto para as áreas da discoteca, bowling, ...... . O parqueamento previsto deverá ser reduzido para cerca de metade, mais tarde será possível vir a alargar o estacionamento, demonstrando a sua necessidade para o empreendimento e a não afectação do sistema ambiental envolvente). Com estas alterações o projecto será aprovado em cerca de 90 dias.
4. O custo da equipa técnica para este efeito é de PTE 1 250 000, devendo ser pago dez por cento com a aprovação condicionada e o restante com a aprovação do projecto reformulado. Os pagamentos deverão ser processados em termos e condições a indicar.
5. Caso estas condições possam ser aceites, necessitamos de uma resposta até às 18 horas do dia 6 de Dezembro de 2001.
Lisboa, 05 de Dezembro de 2001".

            Temos depois no Apenso E, volume I, fls. 159, a versão em língua inglesa desse mesmo documento, já que o mesmo se destinava a ser enviado para Inglaterra. Todavia, apresenta algumas diferenças, aliás deveras significativas. Logo no início, em vez da referência a "na qualidade de Advogados da Smith e Pedro", surge-nos a expressão "on behalf of Smith e Pedro", que poderemos traduzir por "em nome da Smith e Pedro". Depois, sobre essa mesma frase aparecem 4 riscos diagonais, dando a clara aparência de que tal frase foi cortada por não ser do agrado de quem a reviu. Imediatamente a seguir, quando no primeiro documento não é identificado o nome do projecto, aqui já surge a referência a "Freeport Designer Village Resort". Temos na mesma a referência à quantia monetária de PTE 1.250.000, e entre parenteses surge-nos o número de 3.906.250 Libras.
            Este documento consta do Apenso E, o que significa que foi apreendido nas instalações da empresa dos arguidos, Smith e Pedro, Lda.
            Depois temos documentos juntos no decurso da audiência de julgamento:
            a) a fls. 10274 consta um fax com o logotipo da sociedade de Advogados Albertino Antunes e associados, enviado ao Dr. Manuel Pedro, onde se pode ler: "Caro Manuel, junto enviamos memo (versão Portuguesa) a versão inglesa foi enviada por e-mail. Um abraço do Alexandre Oliveira".
            A fls. 10275 surge-nos o mesmo memo, escrito em Português, com várias correcções escritas à mão por cima. No topo está escrito à mão: "aqui vai o memo corrigido". Merece destaque o primeiro parágrafo, onde por cima do texto original "na qualidade de Advogados da Smith e Pedro", que surge rasurado e riscado, foi escrito à mão: "Sabendo que a Freeport quer obter a aprovação ....". E na parte final, surge escrito à mão a seguinte frase: "encontramo-nos disponíveis para uma deslocação a Inglaterra caso seja solicitado".
            A fls. 10276 está o memo em versão inglesa, idêntico ao que consta do Apenso E, volume I, fls. 159, mas onde a expressão "on behalf of Smith e Pedro" não aparece riscada.
            A fls. 10278 está outro fax com o logotipo da sociedade de Advogados Albertino Antunes e associados, enviado à Smith e Pedro, à atenção do Dr. Manuel Pedro, onde se pode ler: "Caro amigo, uma vez que nos é vedado invocar a qualidade de advogados da Smith e Pedro, Lda, e que, no nosso entender, não fazem qualquer sentido os termos propostos para o envio da missiva, vimos informar que não iremos proceder ao seu envio. Qualquer esclarecimento é favor contactar Dr. Albertino Antunes. Sem outro assunto, os melhores cumprimentos. Atentamente, Alexandre Oliveira".
            E finalmente, sendo caso para dizer “last but not least”, na língua-mãe do arguido Charles Smith, temos o documento constante do Apenso CR, volume 46, fls. 344v. Trata-se de um documento apreendido pelas autoridades inglesas nas instalações da Freeport em Londres, que foi posteriormente entregue à Polícia Judiciária pela polícia Inglesa, pelo seu óbvio interesse para a investigação destes autos. No topo do documento está escrito o nome Rik Dattani. Por baixo, tem as seguintes referências: Sujeito – Charles Smith; Tipo de entrada – chamada telefónica; Companhia – Smith e Pedro, Consultores Associados; Início – Quarta-feira, 5/12/2001, às 14h55; Fim - Quarta-feira, 5/12/2001, às 15h08; Duração: 13 minutos; Contactos – Charles Smith + JR (manuscrito); Categoria – Alcochete, Intermediário.
            Por baixo pode ler-se: “Conversação com Charles Smith. Charles explicou que ele, Manuel Pedro e João Cabral foram convidados para irem a Lisboa às 23h de ontem à noite, para falarem com um Advogado chamado Albertino. O Albertino deixou claro que o projecto seria aprovado se a Freeport depositasse 2 milhões de libras numa…”.
            A partir daqui termina o texto impresso e segue texto manuscrito.
            Podemos ler as referências a "2 milhões de libras, Vera de Almeida (sic), fala com a polícia; Conversação com Viera de Almeida: o advogado informou que o pedido pode ter vindo dos próprios ministros. O pagamento deveria ser efectuado a um agente fiduciário de Londres. Conta de Espírolo dos Santos" (sic).
            Mais abaixo surge um organigrama, manuscrito, onde no topo, ao centro se pode ler “José Sócrates – Ministro da Economia. Daí parte um traço para baixo, que bifurca em dois segmentos: para o lado esquerdo surge o nome "Rui Gonçalves – Secretário de Estado do Ambiente". Para o lado direito surge o nome “Silva Pereira – Secretário de Estado".

            Vamos começar por olhar para a essência do documento intitulado de "memo", deixando para depois os detalhes.
            E o que este Tribunal retira de tal documento é que o mesmo, tal como está escrito, não faz o menor sentido, ou pelo menos não resiste a 5 minutos de análise.
            De acordo com o teor literal deste documento, ou "memo", pretende-se informar a Freeport PLC que daí a 48 horas (e repare-se na precisão do timing) o projecto será indeferido na sua totalidade, por causa de algumas questões técnicas. Mas nada está perdido, pois já foi formada uma equipa técnica capaz de as resolver, e obter a aprovação condicionada. Para isso terão de ser expurgadas do projecto algumas valências ali indicadas. E com essas alterações, o projecto será aprovado em cerca de 90 dias. Finalmente, informa-se que o custo da equipa técnica para este efeito é de PTE 1 250 000, e que é necessária uma resposta até às 18 horas do dia 6 de Dezembro de 2001.

            Ora, este Tribunal sabe, porque está documentalmente provado e é incontroverso, que o indeferimento a que este memo se refere é na verdade a decisão final do procedimento de Análise de Impacte Ambiental, por parte da DRAOT-LVT, que teve início em 22 de Maio de 2001 (e cujo promotor era justamente a Freeport Leisure Portugal SA), e que findou por decisão desfavorável proferida em 6.12.2001, nem mais nem menos que 48 horas depois da reunião no escritório de Albertino Antunes, o que faz com que a última frase do memo onde se pode ler que "é necessária uma resposta até às 18 horas do dia 6 de Dezembro de 2001" tenha adquirido um valor profético.
            Esse procedimento obedece a regras legais estritas, que são as previstas no Decreto-Lei nº 69/2000, de 3 de Maio.
            Como se escreve no Parecer Ambiental que consta do apenso T junto a estes autos, elaborado por Manuel Duarte Pinheiro, as possibilidades que daqui emergem para as decisões no âmbito da Análise de Impacte Ambiental (AIA) são as seguintes:

            1. Se os Estudos de Impacto Ambiental (e Projecto) não apresentarem elementos suficientes, é dada a desconformidade, terminando o processo;
            2. Encerramento do Processo por parte do Promotor;
            3. Reformulação
            4. No caso do processo de AIA avançar, a declaração de Análise de Impacte Ambiental pode ser de 3 tipos: a) desfavorável; b) favorável; c) favorável condicionada.

            Só por esta breve descrição já se vê que a dois dias de ser proferida a decisão final, qualquer tentativa de levar a sério o que está escrito no referido memo, de se poder alterar as equipas e o projecto, ainda a tempo de converter o que era desfavorável em favorável, morre à nascença. A ser verdade o que se afirmava no referido memo, de dali a 48 horas ser proferida a decisão final desfavorável, então era técnica e juridicamente impossível alterar o que quer que fosse nesse curto lapso de tempo a ponto de alterar a decisão final.
            Por outro lado, e no mesmo sentido, no “memo” pode ler-se que se conseguiu formar uma equipa técnica capaz de resolver aquelas questões e obter a aprovação. Que equipa seja essa, composta por quem, como foi formada, e o que fez, foi coisa que não se apurou. Nenhuma testemunha identificou sequer um membro dessa equipa. Podemos concluir com a máxima certeza que não existia equipa nenhuma.
            Podemos ainda recordar aqui o que foi dito por algumas testemunhas ouvidas nesta audiência, com conhecimentos na matéria, sobre se seria plausível, ou sequer possível o cenário que tal memo inculca.
            Por exemplo, João Horácio Banazol, sócio do Gabinete de Arquitectura Capinha Lopes, declarou, referindo-se ao valor mencionado no memo, que se se tratar de um milhão duzentos e cinquenta mil contos, para fazer a referida alteração ao projecto, é um valor perfeitamente absurdo, por ser muito alto. E se pensarmos em um milhão, duzentos e cinquenta mil escudos, é igualmente um valor absurdo, porque muito baixo.
            Rui Nobre Gonçalves, o Secretário de Estado que assinou a decisão desfavorável de 6.12.2001, quando perguntado se no prazo de 48 horas antes de ser tomada uma decisão que já se sabia ser desfavorável era possível o promotor alterar a correr as equipas e o projecto a tempo de ainda evitar a decisão desfavorável, respondeu logo que não: e explicou que já havia um parecer da Comissão de Avaliação, logo o que haveria a fazer era apresentar um novo projecto.
            Paulo Miguel Garcia Perloiro, Arquitecto e sócio-gerente do Gabinete de Arquitectura Promontório, responsável pelo primeiro projecto Freeport, sobre a mesma matéria declarou que era impensável em 48 horas alterar as equipas e o projecto a tempo de obter decisão favorável ainda dentro do mesmo Procedimento de Análise de Impacto Ambiental.
            Foi ouvido também Carlos Alberto Marcelino de Albuquerque, biólogo, que trabalhou no ICN e acompanhou o processo Freeport, dando pareceres técnicos sobre o mesmo, e interveio mesmo no processo de Avaliação de Impacto Ambiental. E foi-lhe perguntado, acerca desta questão, se depois do parecer do ICN e ainda antes da decisão do Secretário de Estado seria possível haver uma alteração do projecto por eliminação das valências que o ICN achava que não eram admissíveis, e conseguir por isso levar a uma decisão favorável do Secretário de Estado. Respondeu: "é claro que não é possível. Se alguém tentasse fazer isso a decisão seria nula. Faltaria o parecer sobre o novo projecto".
            Logo, a conclusão inevitável, incontornável e segura, é a de que o que se passou naquela reunião no escritório de Advogados de Albertino Antunes, e que levou à redacção no dia seguinte do referido "memo" não foi uma normal reunião de negócios, entre Advogados e os seus clientes, para tentar resolver um problema técnico destes últimos. Mas vamos deixar para momento posterior a qualificação do que se passou nessa reunião, pois antes disso temos ainda de analisar outra prova que sobre tal matéria foi igualmente produzida. Referimo-nos a prova indirecta mas esclarecedora.
            Temos em primeiro lugar o depoimento de Júlio Eduardo Coelho Monteiro. Esta testemunha prestou um depoimento que podemos designar de franco, espontâneo e totalmente credível, apesar dos problemas de saúde que notoriamente o afligiam. Afirmou que conheceu o arguido Charles Smith em meados de 1990, na Quinta do Lago. E que foi contactado por este arguido, pensa que pelo telefone, na sua residência de Cascais. Charles Smith desabafou com ele, dizendo que estava a tentar aprovar um projecto de um grande centro comercial, mas que alguém lhe tinha pedido uns milhões para conseguir a aprovação. E pela forma franca e espontânea como Charles Smith falou, a testemunha ficou convencida que ele estava a falar a verdade, que lhe tinham mesmo pedido aquele dinheiro todo para aprovar o outlet da Freeport. Em resposta a este desabafo do arguido Charles Smith, Júlio Monteiro disse-lhe que era tio do Ministro do Ambiente na altura, José Sócrates, e ofereceu-se para o pôr em contacto com o seu sobrinho. E acrescentou que logo no dia seguinte telefonou ao sobrinho, explicou-lhe a situação, e este disse: "Tio, mande cá vir o homem". Depois, transmitiu ao arguido Charles Smith esta possibilidade para ir falar com o Ministro do Ambiente. E aqui findou o seu conhecimento sobre essa matéria. Não sabe se Charles Smith chegou ou não a reunir-se com José Sócrates. Nem um nem outro voltaram a falar com ele sobre tal assunto. Acrescentou ainda que pensa que Charles Smith já sabia que ele era tio do Ministro do Ambiente, mas não tem a certeza.
            Quando perguntado sobre alguns detalhes desta conversação com Charles Smith, nomeadamente sobre a data dessa conversa e sobre o valor que Charles Smith lhe transmitiu que lhe foi exigido para a aprovação do empreendimento, Júlio Monteiro respondeu que devido à sua idade e aos problemas de saúde que tem já não se recorda. Na sequência desta afirmação da testemunha, o Tribunal leu as declarações da mesma em sede de inquérito. E o que a testemunha declarou nessa sede foi que Charles Smith lhe telefonou num domingo, em Dezembro de 2001, para lhe dizer que um gabinete de advogados lhe estava a pedir 4 milhões de euros, ou contos, não tem a certeza, para desbloquear a situação.
            Outro depoimento importante foi o de Augusto Martins Ferreira do Amaral.
            Advogado de profissão, declarou conhecer os arguidos, e sobretudo Manuel Pedro, de quem é amigo de longa data, desde os tempos em que o arguido era estudante na Faculdade de Direito.
            Augusto Ferreira do Amaral foi ainda Advogado de William Roland McKinney, que era o proprietário-promitente vendedor, e ajudou na transmissão da posição de promotor e venda dos terrenos à Freeport. Declarou que teve várias reuniões com os arguidos, mas sobretudo com Manuel Pedro, que o informava regularmente sobre o andamento do projecto. A partir de meados de 2001, com o afastamento de William McKinney, deixou de acompanhar de perto o projecto Freeport. Mas Manuel Pedro continuava a informá-lo regularmente sobre como é que iam as coisas. Em finais do ano de 2001 o arguido Manuel Pedro deu-lhe conta que as coisas estavam complicadas, com o EIA. Em finais de Dezembro de 2001 ou Janeiro de 2002 o Dr. Manuel Pedro vai ao seu escritório e desabafa que "tinha havido uma exigência por parte das autoridades, de entrega de dinheiro pela Freeport e ele estava até um bocado escandalizado com isso. Foi pedida esta quantia..., muito grande, que o escandalizou. E até lhe disse que veio expressamente a Portugal um Inglês, para saber o que se passava. O que o Dr. Manuel Pedro lhe disse foi que lhe tinha sido dito que a licença seria concedida se houver um pagamento pela Freeport para a conta x, desta quantia. E ele estava escandalizado, pelo montante, e pelo destinatário, que ele na altura não quis acreditar. Pensa que na altura o valor era 500 mil contos (centenas de milhares de contos). Ele perguntou ao Dr. Manuel Pedro, mas para quem é o dinheiro, é para o Director Geral do ambiente ? Resposta: "Não. Upa Upa!" É para o chefe de gabinete ? "Não. Upa Upa!" É para o Secretário de Estado ? "Não! Upa Upa ! É para o José Sócrates". Disse este nome, claramente. Foi o que ele disse, escandalizado. E acrescentou que "na altura nem acreditou, mas o Dr. Manuel Pedro era de tal maneira espontâneo, na forma como falou, que ele até depois, com o fluir dos acontecimentos, percebeu que era tudo verdade !!!"
            O arguido ainda lhe chamou a atenção para que a área da ZPE foi alterada na última reunião do Conselho de Ministros daquele Governo.
            Acrescentou ainda que o Dr. Manuel Pedro foi falar com ele apenas para desabafar, não lhe tendo pedido conselho algum. Mas ao mesmo tempo também para lhe dar a boa notícia, de que o projecto iria finalmente avançar.
            Como é óbvio, este depoimento tem de ser visto e interpretado à luz do disposto no art. 129º CPP. Dispõe o nº 1 desse normativo que “se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o Juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas”.
            Refira-se desde já que nos termos deste preceito, o depoimento indirecto não é proibido, antes sendo admitido como meio de prova, desde que seja analisada a sua credibilidade através da fonte originária da informação, atenta a sua privilegiada razão de ciência.
            Vem a propósito citar aqui o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.6.2003, in CJ 2003, XXVIII, tomo III, fls 51: "A prova por ouvir dizer, quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente pelo arguido, é passível de livre apreciação pelo Tribunal, quando o arguido se encontra presente em audiência, e por isso com plena possibilidade de a contraditar, ou seja, de se defender".
Se olharmos para o depoimento de Augusto Ferreira do Amaral veremos que o mesmo tem partes que o qualificam como depoimento directo e outras como indirecto.
Mas nesta fase da fundamentação o Tribunal está apenas a tentar perceber o que realmente terá ocorrido na “famosa” reunião dos arguidos no escritório de Advocacia de Albertino Antunes, olhando para os eventos imediatamente posteriores que possam estar com ela ligados.
A essa luz, aquilo que Augusto Ferreira do Amaral relatou a este Tribunal e que decorreu da sua percepção directa, já é matéria que pode e deve ser valorada. Assim, é depoimento directo que pode e deve ser valorado a afirmação de que um dos intervenientes na reunião (Manuel Pedro), dias depois da mesma ter lugar se dirige ao escritório de um Advogado de quem é amigo há longa data, e que até está por dentro do assunto, por ser Advogado de William McKinney, e lhe relata que foi exigido à Freeport para obter a licença que necessitava, uma quantia muito elevada, a ser entregue ao na altura principal responsável pelo Ministério do Ambiente, ao qual, recordemos, competia conceder ou negar o licenciamento. À luz das regras da experiência e do senso comum, é impossível ao intérprete não estabelecer de imediato uma ligação entre os dois eventos.
E frisemos que importante aqui é Manuel Pedro ter ido de propósito ao escritório do seu grande amigo para lhe relatar o que relatou, e que ao fazê-lo dava mostras de estar indignado, mas ao mesmo tempo satisfeito porque o projecto iria finalmente avançar. Ou seja, que Manuel Pedro assim se comportou, e assim desabafou junto do seu grande amigo, é algo que este Tribunal pode e deve ter presente, por ser resultado de um depoimento directo, e, diga-se, totalmente credível, que não foi contraditado por ninguém, a não ser pelo próprio arguido Manuel Pedro, em termos totalmente inconvincentes, e que serão analisados a final. Não podemos é deixar de registar que estamos perante mais uma das peculiaridades deste processo, em que uma testemunha arrolada pela acusação presta um depoimento que, não obstante se situar no âmbito do objecto do processo, redunda todo ele em benefício dos arguidos. Recordemos que a determinado ponto do depoimento, depois de ter relatado o que acabámos de reproduzir, a testemunha disse que tanto quanto sabe, a tese de extorsão constante da acusação é falsa. Os arguidos eram os meros transmissários dos recados que lhes foram dados no Gabinete ou no Ministério. E a fonte da sua informação era o que lhe foi relatado pelo seu amigo Manuel Pedro, em quem ele confiava totalmente.
            Outro depoimento importante foi o de Jonathan Louis Rawnsley, consultor imobiliário/ Chartered Surveyer, que trabalhou para a Freeport desde 1998. Era Gestor de projectos, e coordenava o desenvolvimento de vários projectos em vários sítios da Europa, um deles o de Alcochete. Terminou a sua relação com a Freeport em Setembro de 2004.
            Quando lhe foi perguntado se tinha sabido do pedido de pagamento de dinheiro (suborno) feito na reunião com os Advogados respondeu de imediato que não soube de nada.
            Porém, logo a seguir, ao ser confrontado com o documento constante do apenso CR, volume 2º, fls. 360 (K-Konsult), declarou que já se recordava de ter tido uma conversa com Rik Dattani, que era seu assistente na altura, sobre um indivíduo chamado Keith Dayne ou Keith Payne, sendo que Rik Dattani lhe transmitiu que esse indivíduo estava a tentar ser contratado pela Freeport, após o chumbo ambiental de 2001. Pensa que o documento que lhe foi exibido faz parte dessa conversa. Foi-lhe perguntado o que queria dizer a parte manuscrita no ponto 2 do documento, onde se lê “before the bribe”, ou seja, "antes do suborno". Declarou que não percebe essa parte. Apenas se lembra que Dattani disse que Keith Payne tinha dito que havia um boato em Lisboa sobre uma abordagem feita junto de nós para obter pagamentos. Não sabe mais do que isto.
            A pergunta seguinte foi um pedido para a testemunha explicar como é que aquilo que acabou de dizer se pode conjugar com a nota que está escrita à mão na parte de baixo da página, e que lhe foi dirigida por Rik Dattani, onde se diz: “Jonathan, este é o tipo que está a par do suborno de 2 milhões.
            E só então, depois de todo este percurso, a testemunha declarou que afinal já se lembrava de ter falado com Rik Dattani sobre uma proposta de suborno lhes ter sido apresentada. Declarou então a testemunha que Rik Dattani lhe relatou ter recebido um telefonema do arguido Charles Smith, onde este contava que lhes tinha sido feito um pedido de pagamento de 2 milhões de libras. Mas Jonathan Rawnsley vai mesmo mais longe, e admite até ter ouvido a conversa em causa, porque Rik Dattani ao receber a chamada, colocou a conversação em altavoz. O que nos permite qualificar esta parte do depoimento como depoimento directo. Referiu então a testemunha que o arguido Charles Smith telefonou para Londres, para falar com Rik Dattani, conversa que ele ouviu em altavoz, tendo Smith relatado a reunião com os Advogados, na qual foi feito um pedido de pagamento para um partido, ou para caridade. Mais acrescentou que não deu relevância a esse assunto, pois se tivesse dado teria levado o assunto ao conhecimento de Gary Russell ou a Sean Collidge, seus superiores dentro da Freeport. Perguntado porque razão não levou o assunto a sério respondeu que não levou a sério porque não era uma proposta séria.
            Sucede porém que Gary Russell, ao prestar o seu depoimento nesta audiência de julgamento declarou que se lembrava de numa reunião do Conselho de Administração Jonathan Rawnsley ter dito que Rik Dattani lhe tinha transmitido que um grupo de pessoas tinha pedido 2 milhões (euros ou libras, já não se recorda) para garantir a aprovação do projecto. O que leva este Tribunal a pensar que, à luz do próprio critério avançado pela testemunha, ela teria levado o assunto muito a sério. E como é natural, Jonathan Rawnsley foi confrontado com essa contradição, e foi-lhe pedido que a explicasse. Com alguma notória incomodidade, declarou que já passaram 10 anos, teve muitas reuniões durante esse tempo, e admite que a memória lhe tenha falhado. Mas fez questão de continuar a repetir que não tinha levado esse assunto do pedido de dinheiro feito pelos Advogados a sério.
            Este depoimento é muito importante, porque nos mostra sem qualquer margem para dúvidas, que Jonathan Rawnsley está a querer encobrir algo relacionado com um suborno, ou pedido de suborno, ocorrido em Portugal nesta altura. Desde logo, o facto de a testemunha ter caído em flagrante contradição ao começar por negar ter sabido de um pedido de suborno que teria sido transmitido à Freeport por Charles Smith, e ao ser confrontada com o depoimento de Gary Russell ter recuado e dito que afinal já se lembrava de um pedido de suborno, transmitido a Rik Dattani tendo ele ouvido a conversa em altavoz, é esclarecedor. Por outro lado, basta ter conhecimentos superficiais de Psicologia para saber que uma das formas mais eficazes que o cérebro humano tem de passar a informação da memória de curto prazo para a memória de longo prazo, é receber essa informação em momentos de grande tensão e stress. Ora, nós sabemos, pela prova produzida nesta audiência, e que analisaremos posteriormente, que aqueles momentos de Dezembro de 2001 e Janeiro de 2002 foram momentos de elevado stress quer para os arguidos quer para os administradores da Freeport. Logo, o alegado esquecimento de Rawnsley não passa de uma tentativa de ocultar o que na realidade aconteceu.
            Gary Russell, que foi Director Comercial da Freeport desde 1998 a 2007 e esteve envolvido no processo de licenciamento do Freeport de Alcochete, ouvido como testemunha, declarou que, como já vimos, também soube, via telefonema de Charles Smith, que um grupo de pessoas tinha pedido 2 milhões (euros ou libras, já não se recorda) para garantir a aprovação do projecto. Seguindo na linha de Jonathan Rawnsley, também disse que não deu qualquer relevância a esse assunto. O que sabe de certeza é que a Freeport não pagou. Pelas mesmas razões que já explicámos, o seu depoimento, na parte em que diz que não foi dado qualquer relevo ao pedido de dinheiro, não mereceu credibilidade.

            Outra testemunha que alegou conhecer factos circunstanciais sobre o que se passou na referida reunião foi Keith Robert Payne: explicou que teve algumas reuniões nas instalações de uma empresa denominada Quinta da Arrábida-SA, cujo presidente executivo (CEO) é Roger Abraham. E conversou com ele sobre os problemas com o Estudo de Impacto Ambiental de um outro projecto que ele estava a tentar desenvolver no Alentejo. E foi nessa conversa que Roger Abraham lhe disse que Charles Smith lhe tinha confidenciado que tinha tido problemas com o Estudo de Impacto Ambiental de Alcochete e que tinha sido chamado a más horas da noite (late at night) a uma reunião num escritório onde lhe tinham dito que mediante o pagamento de uma grande quantia o Estudo de Impacto Ambiental seria aprovado.
            Porém, nesta parte o seu depoimento foi desmentido por Roger Abraham, ouvido como testemunha por iniciativa do Tribunal, e que declarou que nunca teve essa conversa com Charles Smith.
            Keith Payne confirmou igualmente o documento acima referido (K Konsult), dizendo que foi ele que o elaborou e assinou. Apenas ressalvou não saber de quem são as anotações manuscritas. Assim, não há dúvidas que esta testemunha sabia que numa reunião em Lisboa tinha sido dito aos arguidos que se a Freeport quisesse a aprovação do projecto teria de pagar uma quantia muito elevada. O que já não se apurou foi qual a razão de ciência dessa testemunha, sendo todavia provável que o mesmo tenha advindo da convivência com Charles Smith na Quinta do Lago.

            Peter Thomas Griffith Woolley, que foi Director Financeiro da Freeport PLC entre 1996 e 2007, também declarou que soube que o referido pedido de dinheiro tinha sido feito, mas mais uma vez afinou pelo mesmo diapasão de Jonathan Rawnsley e Gary Russell de não terem dado relevância a tal facto. Diz que eram coisas do Rik Dattani, que era um membro muito junior da Freeport.

            Rik Dattani foi a mais importante das testemunhas sobre esta matéria. Ele declarou que trabalhou para a Freeport de Janeiro de 2001 a Julho de 2002, foi o Director responsável pelo projecto de Alcochete. Foi esta testemunha quem elaborou o documento já referido atrás, constante do Apenso CR, volume 46, fls. 344v. E o que ele relatou nesta audiência, ao ser ouvido por video-conferência, foi que o arguido Charles Smith lhe telefonou em 5.12.2001 para lhe relatar um pedido de pagamento dirigido à Freeport. Mais concretamente, Charles Smith disse-lhe que tinha ido a uma reunião na véspera onde se falou de pagamentos para garantir a aprovação. Ele tomou notas dessa conversa telefónica num papel, o referido documento. Foi confrontado com esse documento, reconheceu a sua letra, e disse que são as notas que ele tomou logo a seguir à conversa com Charles Smith. Recorda-se, ao olhar para o documento, que lhe foi dito que quem convocou a reunião foi o advogado Albertino, embora não faça ideia quem ele seja. No topo, está manuscrita por si uma nota que parece "cinco de todo", e que, sabendo que Rik Dattani não fala português, podemos pensar com razoável confiança que se refere à localização do escritório daquele advogado, que sabemos ser na Avenida Cinco de Outubro.
            Confirmou também a data e hora da conversa. E confirmou ainda a hora manuscrita, segundo a qual a conversa durou cerca de 30 minutos. Das 15:07 às 15:30. Pensa que a hora que escreveu à mão corrige a informação dactilografada.
            Foi-lhe perguntado se a seguir ao telefonema com Charles Smith conversou com alguém da sociedade de Advogados Vieira de Almeida, ao que declarou que não se lembra se a referência que escreveu a Vieira de Almeida foi porque ele teve uma conversa com um advogado dessa sociedade, ou se foi Charles Smith que a teve.
            Confirma que o valor pedido para aprovar o projecto foi 2 milhões de libras.
            Sobre o significado da referência a "Vera de Almeida - falar com polícia", pensa que pode ter sido a ideia que lhe ocorreu na altura. Ou podiam ser instruções recebidas. Não se lembra. Não se recorda de ter dito ao Charles Smith para eles apresentarem a proposta por escrito. Quando começou a conversa estava sózinho, mas logo a seguir chegou Jonathan Rawnsley, e ele pôs a conversação telefónica em alta-voz. E quando acabou a conversa foram de imediato falar com Sean Collidge, que negou peremptóriamente qualquer pagamento e disse que a Freeport era uma empresa que não se metia naqueles meandros. Acrescentou que já não se lembra bem, mas pensa que as notas que ele tomou vieram todas da conversa que teve com Charles Smith, e do que ele pode ter conversado com a Vieira de Almeida. A referência ao depósito numa conta escrow do Espírito Santo foi o que Charles Smith lhe disse sobre a forma como o pagamento deveria ser feito.
            A seguir foi confrontado com o organigrama que ele próprio elaborou na segunda folha do mencionado documento. E Rik Dattani declarou que pensa que os nomes que ali aparecem eram os nomes das 3 pessoas chave para obter a aprovação do EIA.  Ele não conhecia aqueles nomes, os quais lhe foram transmitidos por Charles Smith. Tem a certeza de que as notas manuscritas são todas da sua autoria. Sobre a parte em que manuscreveu "may have come from the ministers themselves[16]", pensa que foi Charles Smith que lhe disse isso, que o advogado Albertino indicou que a fonte do pedido eram os próprios ministros.
            Este depoimento foi totalmente credível, pela conjugação de vários factores: a forma como foi prestado (e aqui estamos a referir-nos à comunicação verbal e não verbal); o cotejo do que Rik Dattani declarou com os documentos mencionados supra, do qual resultou uma congruência essencial entre os dois meios de prova; não se vislumbrou nenhum motivo para Dattani ter mentido nesta audiência, por não ter ligação directa com qualquer dos arguidos, por já não pertencer aos quadros da Freeport, e porque como ele próprio nos disse, saiu da empresa logo a seguir a estes factos, em Julho de 2002.
           
            Se agora acrescentarmos à prova testemunhal indicada a prova documental que foi produzida e identificada supra, mais óbvias se tornam as conclusões a que este Tribunal chegou.
            Começando pelo já mencionado documento constante do Apenso CR, volume 46, fls. 344v, o documento no qual Rik Dattani, assistente de Jonathan Rawnsley, tomou apontamentos enquanto falava ao telefone com Charles Smith, estamos perante um importantíssimo meio de prova, não só pelo facto de ser prova material objectiva, e logo não alterável ao sabor das conveniências do momento, coisa que não se pode dizer da prova testemunhal, como também pelo facto indesmentível de ser um documento feito no dia a seguir à reunião ter tido lugar. E foi confirmado na íntegra pelo seu autor. Outro aspecto fundamental desse documento, e repetimos, fundamental, é a data e hora que ficaram registadas mecânicamente no mesmo, e que nos permite ter a certeza absoluta de que essa conversa telefónica teve lugar no dia 5/12/2001, e qual a hora em que começou e a hora a que acabou, bem como o tempo de duração da mesma. Esta prova diz-nos que Charles Smith telefonou para a Freeport em Londres a relatar a sua versão do que se passou na reunião que teve lugar na véspera no escritório de Advogados de Albertino Antunes, em Lisboa, e que nesse telefonema teve como interlocutor Rik Dattani. Este documento dá-nos a certeza absoluta de que esse telefonema aconteceu de facto, e que teve lugar no dia 5.12.2001, pelas 14h55. Logo, podemos concluir, também com a máxima certeza humanamente possível, que a reunião em causa teve lugar no dia 4.12.2001, tal como alegado na acusação. Esta questão da data exacta em que a reunião ocorreu é extremamente relevante, como veremos adiante.
            Todas as testemunhas que participaram na reunião disseram que no decurso da mesma não foi redigido documento algum, e que o já referido memo foi redigido e enviado no dia seguinte. Os documentos em causa surgem-nos datados, por quem os redigiu, com a data de 5.12.2001, o que mais uma vez demonstra que a reunião ocorreu na véspera, dia 4.
            O facto de a data aposta mecânicamente pelo aparelho de fax da sociedade Smith e Pedro nalguns daqueles documentos ser a de 6.12.2001, contraditóriamente com toda a restante prova, mostra quanto a nós que era o fax da Smith e Pedro que estava com um desfasamento de um dia, aliás como declarou João Cabral.
            Isto quanto à data da reunião.
            No que se refere ao montante que a Freeport deveria pagar, João Cabral declarou que o dinheiro pedido foi 2 milhões de escudos, e mais tarde disse que afinal eram 2 milhões de contos. Mas que quando receberam o fax já no escritório da Smith e Pedro, esse valor já tinha descido para um milhão, duzentos e cinquenta mil contos.
            No documento que emergiu da reunião aparece, como vimos, o valor de PTE 1.250.000. Porém, na versão inglesa do mesmo documento surge já o valor de 3.906.250 Libras. Trata-se de dois valores totalmente díspares, que nada têm a ver um com o outro.
            Em suma, da prova documental e testemunhal surgem-nos vários valores díspares, mas todos eles extremamente elevados. Por razões que nos parecem óbvias, de credibilidade, cremos que o valor mais fiável é o que resulta do documento supra mencionado, escrito por Rik Dattani, valor que lhe foi transmitido telefonicamente por Charles Smith, de 2 milhões de libras. Trata-se de um valor transmitido por Charles Smith a Rik Dattani no dia a seguir à reunião, que ficou escrito num papel, e por isso a confiança de que o mesmo não terá sido “trabalhado” posteriormente ao sabor dos acontecimentos é elevada. Por outro lado, à data destes factos, este Tribunal não tem nenhum motivo para duvidar do que Charles Smith transmitiu a Rik Dattani, pelo contrário, tem todos os motivos para acreditar que Charles Smith disse a verdade.
            Neste momento, cremos ser possível já explicar as conclusões que retirámos sobre o que se passou na reunião no escritório de advogados de Albertino Antunes.
            A primeira e mais importante é que o cenário descrito na acusação fica liminarmente afastado. A ideia de que Charles Smith e Manuel Pedro Nunes teriam marcado aquela reunião para obter um documento, redigido pelos advogados em causa, a fim de o enviar para os administradores da Freeport, com vista a convencer estes a enviar a verba de 2 milhões de libras como condição necessária para desbloquear o projecto, quando na realidade essa verba iria direita para o bolso dos arguidos, não resiste a dois minutos de análise da prova. Se partirmos do pressuposto de que arguidos, advogados e administradores da Freeport são pessoas minimamente inteligentes, então quer a conclusão que a acusação pretende retirar dos factos que alega é absurda, como os próprios factos alegados são impossíveis de ser dados como provados, pelo menos neste mundo e de acordo com as regras pelas quais ele se rege. Para aceitarmos tal cenário, primeiro, teríamos de aceitar que os arguidos, tendo planeado cometer o crime de extorsão agravada, teriam tornado íntimos desse seu plano 3 advogados, dos quais só um era minimamente próximo de si. Depois, teríamos de aceitar como normal que os arguidos, sabendo e podendo redigir sózinhos uma proposta dessa natureza para a enviar para Londres, tivessem recorrido àqueles 3 advogados, que, pela prova feita nesta audiência, pouco ou nada sabiam de direito do ambiente e nem estavam a par do andamento do projecto. Teríamos igualmente de admitir como normal que a execução do plano dos arguidos, depois de ter envolvido 3 pessoas estranhas (os advogados), tivesse esbarrado em pormenores insignificantes como o cabeçalho do documento a enviar para Londres, se este dizia "na qualidade de advogados da Smith e Pedro", ou "em nome da Smith e Pedro", ou outra coisa qualquer. Igualmente teríamos de admitir que na mente dos arguidos os administradores da Freeport seriam pessoas obtusas ao ponto de enviar dois milhões de libras apenas com base num documento absurdo, como é seguramente o "memo" que analisámos atrás. Mais ainda, teríamos de pensar que os arguidos seriam eles próprios obtusos, por terem tentado pôr em marcha este plano criminoso para obter 2 milhões de libras da Freeport pouco depois de terem informado esta de que tinham garantias de que o projecto seria aprovado com condições.
            De toda a prova mencionada, este Tribunal retira como seguro que os arguidos Charles Smith e Manuel Pedro foram chamados a uma reunião no escritório de advocacia de Albertino Antunes, onde estavam este e mais outros dois advogados, e onde lhes foi transmitido que dali a 48 horas o projecto seria chumbado pelo Ministério do Ambiente, mas que seria aprovado se a Freeport pagasse dois milhões de libras. João Cabral mereceu credibilidade na parte em que disse que os arguidos e ele próprio ficaram em estado de choque perante tal proposta. É razoável e normal que, perante um cenário daqueles, fosse essa a reacção dos arguidos. Daí o fazer todo o sentido que a reunião tenha tido lugar à noite, depois das 23h00, como resulta do documento manuscrito por Rik Dattani para que houvesse o menor número possível de testemunhas do que se iria passar. E perante uma proposta destas, de natureza óbviamente inconfessável, subitamente o texto do memo redigido no dia seguinte e as várias versões e correcções do mesmo começam a fazer todo o sentido. No fundo estava-se perante uma proposta da qual ninguém queria a paternidade. Os arguidos enjeitavam-na, e bem, porque a mesma não era sua. Os advogados queriam usar o título de advogados da Smith e Pedro, provavelmente para estarem a coberto do sigilo profissional, e também para que quem lesse o documento atribuísse a proposta ao mandante e não ao mandatário. Repare-se que também se vê da documentação junta que os arguidos nem sequer aceitaram a versão onde os advogados escreveram a expressão "em nome da Smith e Pedro", e o arguido Manuel Pedro escreveu à mão as palavras "tendo conhecimento que a Freeport quer obter a aprovação do projecto...".
            Estes cuidados extremos com o texto e com a posição da Smith e Pedro e dos Advogados em relação a ele seriam totalmente descabidos caso o conteúdo fosse inócuo, ou, dizendo melhor, caso o conteúdo do mesmo correspondesse ao seu valor facial. Se estivessemos perante uma proposta vantajosa, de salvação do projecto Freeport, que iria conseguir o licenciamento através da alteração das equipas técnicas, ou pelo menos perante uma proposta que visava permitir à Smith e Pedro salvar a face perante o cliente, então podemos ter a certeza que um consenso rápido sobre o texto teria sido logo alcançado, e o texto teria sido remetido com urgência para Londres, e todos os interessados quereriam ficar com os louros dessa vitória. Ao invés, todos os cuidados que já vimos que esse texto despertou mostram com nitidez que as duas partes sabiam muito bem o que estava para ser transmitido. E outro argumento que desmonta por completo a tese da acusação é o facto de, contra tudo o que seria expectável num plano criminoso desta natureza e desta audácia, ter havido aqui um desentendimento entre os arguidos: enquanto Manuel Pedro se ocupava com a redacção e a correcção de aspectos meramente formais de um documento a enviar para Londres, que continha uma aparência de uma proposta de mudança das equipas técnicas e de alteração de certos aspectos do projecto, mediante um preço, Charles Smith telefonava directamente para a Freeport e comunicava secamente que tinha sido informado, na véspera, num escritório de advogados, que o projecto iria chumbar dali a 48 horas, mas que seria aprovado se a Freeport depositasse dois milhões de libras numa conta "escrow" do Banco Espírito Santo de Londres. Ao observar com atenção a comunicação que Charles Smith fez a Rik Dattani, quer através do depoimento deste quer pelo teor do documento que este escreveu, veremos que nenhuma referência é feita à formação de uma equipa técnica, não é feita uma única referência às questões técnicas a que era necessário responder, e nada se diz sobre as alterações que deveriam ser introduzidas no projecto. Charles Smith transmite para Londres uma típica proposta de extorsão ou corrupção passiva provinda de terceiros em que a ameaça grave é o chumbo do projecto, tão típica que até inclui a referência ao pagamento ter forçosamente de ser feito por depósito numa escrow account do Banco Espírito Santo em Londres.
            A partir daqui, a tese da extorsão feita pelos arguidos está abalada.
            Vamos acrescentar o que é óbvio, porque estamos em processo penal, terreno onde aquilo que é óbvio é constantemente negado com veemência.
            Como é evidente e emerge do mais elementar senso comum, ninguém põe por escrito uma proposta destas, e depois assina o nome no final.
            O que se faz, quando não se consegue fugir a apresentar uma qualquer forma de documento, é exactamente aquilo que resulta do "memo" analisado atrás: um texto dissimulado, contendo uma aparência de proposta negocial lícita, para que o destinatário da proposta atribua mais seriedade à mesma.
            O que sucedeu de diferente neste caso, e que veio a permitir às autoridades criminais ter conhecimento do pedido de dinheiro, foi que Rik Dattani apontou num documento o essencial da proposta, e esse documento sobreviveu durante 10 anos, foi encontrado pela Polícia Inglesa, e entregue à Polícia Portuguesa.
            E se mesmo assim quiséssemos ir mais longe na nossa averiguação, e testar os limites do absurdo, caberia ponderar: e se Charles Smith mentiu a Rik Dattani do princípio ao fim do telefonema ?
            Se tentássemos ir por essa via de análise chocaríamos de frente com vários obstáculos intransponíveis: a) o que é que Charles Smith ganharia com isso ? b) Porque iria Charles Smith procurar activamente contactar Júlio Monteiro, tio do Ministro responsável pela aprovação ou reprovação do estudo de impacte ambiental, contando-lhe a mesma mentira ? c) Porque iria Charles Smith pedir ou tentar obter uma reunião com o Ministro do Ambiente ? d) E como entender a carta que Charles Smith enviou a Sean Collidge no dia 9 de Abril de 2002, e a resposta deste, que analisaremos mais adiante, das quais resulta um entendimento entre os dois de que algo de grave e desagradável se passou em Lisboa em Janeiro de 2002, que teve a ver com a construção do outlet, mas que nem um nem outro nada poderiam ter feito para evitar ? e) se, como pensamos, estamos perante pessoas experientes e inteligentes, seria plausível que os arguidos fossem avançar com um plano ardiloso, para tentar extorquir 2 milhões de libras a pessoas como Sean Collidge, Gary Russell ou Jonathan Rawnsley, administradores da Freeport Leisure PLC, empresa multinacional cotada em bolsa ? Gary Russell que, segundo o depoimento sugestivo e credível de William Roland McKinney, o empresário que esteve no início deste projecto Designer Village, e que depois cedeu o seu lugar de promotor à Freeport, era o “Consiglieri” de Sean Collidge, e era "o cérebro" por detrás de toda a equipa da Freeport ? f) E seria admissível que logo o primeiro acto de execução desse plano fosse comunicar aos administradores ingleses, de forma directa, que ou eles depositavam dois milhões de libras numa conta escrow de um determinado Banco ou o projecto era chumbado ? g) E, mais fascinante ainda, tendo presente que naquele exacto momento a Freeport não pagou a quantia pretendida, como conseguiriam os arguidos cumprir a ameaça, e provocar uma decisão desfavorável, contra a informação que lhes tinha sido transmitida ? h) E porque fariam os arguidos tal coisa, quando do contrato que celebraram com a Freeport resulta, linearmente que os seus honorários eram pagos por tranches ligadas à obtenção das várias licenças e autorizações necessárias à abertura do Centro Comercial ? i) e como interpretar factos incontroversos nestes autos, como por exemplo que José Pedro Ferreirinha Batista, Advogado da Sociedade que representava em Portugal a Freeport tivesse declarado de forma cabal e incontroversa que a relação da Freeport com a Smith e Pedro sempre foi normal, sem qualquer conflito ou litígio, e sobretudo que perdurou até 2006/2007 ? j) E como entender que Gary Russell, o “cérebro” da Freeport, tivesse declarado nesta audiência que nunca suspeitou que os arguidos quisessem extorquir dinheiro à Freeport, tendo até acrescentado que o próprio Dr. Manuel Pedro até foi convidado para ser Administrador da Freeport Portugal, e que a ideia com que ficou do trabalho desenvolvido pela Smith e Pedro foi positiva ? k) E, introduzindo agora uma nuance no argumento, como entender que apesar de os arguidos terem comunicado à Freeport que os Advogados daquele escritório em concreto lhes tinham feito uma proposta típica de extorsão, no valor de 2 milhões de libras, acto cuja natureza criminal é indesmentível, e de terem até espalhado essa versão por várias pessoas, com todas as consequências conhecidas, mesmo assim a relação entre Manuel Pedro e Albertino Antunes continuasse a ser boa por vários anos, ao ponto de este continuar a ser Advogado daquele ainda por vários anos após esses factos, pelo menos até 2008, coisa que foi relatada ao Tribunal por Alexandre Oliveira e não foi desmentida nem pelos arguidos nem por ninguém ? l) E que o próprio Albertino Antunes tenha declarado em audiência, também sem ser desmentido por ninguém, que deu apoio jurídico à Smith e Pedro, Lda e ao próprio Dr. Manuel Pedro, enquanto Advogado, até Janeiro de 2009 ? m) E como entender que Manuel Pedro e Augusto Ferreira do Amaral declarem manter relação de amizade até hoje, se Augusto Ferreira do Amaral tivesse mentido neste processo sobre o desabafo de Manuel Pedro em relação ao pedido  de verbas à Freeport para aprovação do projecto ?

            Poderíamos continuar por este caminho mas seria inútil.
            Cremos ter demonstrado e justificado a decisão a que chegámos, sobre a reunião do dia 4 de Dezembro de 2001. O que se passou nessa reunião não foi o que se alega na acusação. E não se trata de lançar mão do in dubio pro reo. Trata-se de reconhecer que a prova produzida demonstrou quanto a nós sem a menor dúvida que esse cenário está excluído.
            Para este Tribunal, o que se passou nessa reunião foi, em traços largos, o que João Cabral e os arguidos relataram.
            Assim, em conclusão, perante toda a prova produzida, e que acabámos de analisar, podemos dizer sem qualquer dúvida que a versão alegada nos artigos 56º a 59º da acusação é falsa. A reunião em causa, que teve lugar no dia 4.12.2001, à noite, não serviu para aquilo que a acusação alega. Serviu, isso sim, para que uma proposta de aprovação do projecto Freeport contra pagamento de dinheiro fosse feita aos arguidos, para que estes a transmitissem ao destinatário, a Freeport PLC.
            Assim, nesta parte a acusação sofre um revés importante.

            Vamos agora regressar a essa reunião para analisar um último aspecto que não pode deixar de ser analisado.
            Referimos supra que este Tribunal deu credibilidade, em traços largos, ao que João Cabral e os arguidos relataram sobre a dita reunião.
            E dizemos "em traços largos" porque, como deixámos antever no início desta fundamentação, temos a noção nítida que estamos a mover-nos por entre cenários total ou parcialmente preparados e montados para camuflar a verdade, numa ou em várias camadas sucessivas de ocultação ou diversão.
            E há ainda mais um pormenor sobre a reunião dos arguidos com Albertino Antunes e Associados que deve ser abordado aqui. De acordo com o depoimento dos três advogados que estiveram nessa reunião, foi Albertino Antunes quem mais falou com os arguidos, o que é lógico, pois era ele o dono daquele escritório, era o advogado mais velho, era ele que era amigo do Dr. Manuel Pedro, e foi ele que chamou os outros dois colegas, que foram seus estagiários, para estarem presentes na reunião. Alexandre Oliveira e José Gandarez declararam que eram ainda muito novos na profissão, e que Albertino Antunes tinha sido o seu patrono. José Gandarez, aliás, já não estava a trabalhar naquele escritório, tinha saído em Agosto ou Setembro daquele ano.
            Mas João Cabral, no seu depoimento, declarou que foi José Gandarez quem tomou a palavra naquela reunião, para dizer que o projecto ia ser chumbado em 48 horas, e tinha de ser remodelado, mas que a Freeport tinha de pagar dois milhões de escudos. Repetiu mais de uma vez que o principal interlocutor dos arguidos tinha sido José Gandarez, e que Albertino Antunes até parecia incomodado e pouco à vontade por estar ali.
            As declarações dos arguidos nessa parte corroboraram o que disse João Cabral.
            Temos assim 3 pessoas que nos dizem que a proposta veio de José Gandarez, e 3 pessoas que dizem que ele quase não abriu a boca durante a reunião e que não fez proposta nenhuma.
            É certo que poderíamos ficar-nos pela conclusão já relatada, da total destruição da versão apresentada pelo Ministério Público, sendo irrelevante se a pessoa que transmitiu a proposta aos arguidos foi Albertino Antunes, José Gandarez ou Alexandre Oliveira.
            Mas tal solução seria inaceitável: por um lado, porque num objecto processual como este que nos foi apresentado, onde nada é evidente, nada é claro, tudo é dúbio, e qualquer pormenor, por mais ínfimo que possa parecer, pode vir a revelar-se de extrema importância para a decisão, como a reunião no escritório de Albertino Antunes revela à exaustão, não pode este Tribunal descurar nada. E por outro lado, porque a acusação não termina com a reunião no escritório de Albertino Antunes. A partir daí temos ainda de nos confrontar com 38 artigos nos quais se alegam variados factos, que, de acordo com o Acusador Público, serão outras manifestações do mesmo plano de extorsão dos arguidos. E por isso, para não descurar a hipótese de haver ligação entre todos esses factos, nada pode ser descurado.
            Por isso, vamos perguntar se merecem credibilidade o depoimento de João Cabral e as declarações dos arguidos, na parte em que atribuem a José Gandarez a autoria da transmissão da proposta.
            Este é mais um momento da fundamentação em que entram em jogo as regras da experiência, o bom senso, e a livre apreciação do Julgador.
            Em primeiro lugar, temos de referir que o Tribunal ouviu João Cabral e José Gandarez. E da ponderação dos depoimentos de Gandarez, Oliveira e Antunes, por um lado, e de João Cabral e dos arguidos, por outro, da observação dos variados indícios de comunicação não verbal, resulta que José Gandarez mereceu credibilidade na parte em que disse que à data era muito novo, e que já nem trabalhava naquele escritório, e estava ali apenas por consideração para com Albertino Antunes que fora o seu patrono e que o tinha convocado.
            Mas as principais razões que nos levam a ter as maiores dúvidas sobre o que João Cabral declarou acerca de quem proveio a proposta são as seguintes:
            a) o documento constante do Apenso CR, volume 46, fls. 344v, que já analisámos supra, e o depoimento de Rik Dattani, que o confirma. Nesse documento, Rik Dattani escreveu: “Conversação com Charles Smith. Charles explicou que ele, Manuel Pedro e João Cabral foram convidados para irem a Lisboa às 23h de ontem à noite, para falarem com um Advogado chamado Albertino. O Albertino deixou claro que o projecto seria aprovado se a Freeport depositasse 2 milhões de libras …”.
            Cremos ser óbvio que a informação enviada por Charles Smith à Freeport no dia a seguir à reunião tem muito mais credibilidade que uma descrição feita 10 anos depois no âmbito de um processo judicial, pela garantia que oferece de espontaneidade e de não ser o resultado de uma construção cuidadosamente preparada. E o que Charles Smith transmitiu para a Freeport, no dia 5.12.2001 foi que "O Albertino deixou claro que o projecto seria aprovado se a Freeport depositasse 2 milhões de libras". Não se fala em José Gandarez, ou qualquer outro nome. E não se vislumbra porque razão Charles Smith teria mentido sobre quem apresentou a proposta.
            b) Por outro lado, sabemos que enquanto o arguido Charles Smith telefonava para a Freeport para dar esta notícia a Rik Dattani, o arguido Manuel Pedro trocava e-mails e faxes com os advogados, para acertar os termos do documento a enviar para Londres, e, pela prova aqui produzida, essa correspondência tinha como interlocutores do lado dos advogados apenas Albertino Antunes e Alexandre Oliveira. A prova foi unânime nesse sentido. Quer os 3 advogados, quer João Cabral, quer os próprios documentos apreendidos apontam todos para que José Gandarez não teve qualquer intervenção nessa redacção de "memos". Veja-se, para que não fiquem dúvidas, o documento de fls. 10278 dos autos: um fax com o logotipo da sociedade de Advogados Albertino Antunes e associados, enviado à Smith e Pedro, à atenção do Dr. Manuel Pedro, onde se pode ler: "Caro amigo, uma vez que nos é vedado invocar a qualidade de advogados da Smith e Pedro, Lda, e que, no nosso entender, não fazem qualquer sentido os termos propostos para o envio da missiva, vimos informar que não iremos proceder ao seu envio. Qualquer esclarecimento é favor contactar Dr. Albertino Antunes[17]. Sem outro assunto, os melhores cumprimentos. Atentamente, Alexandre Oliveira". Será credível que a proposta tenha partido de José Gandarez quando o seguimento da mesma foi feito por Albertino Antunes e Alexandre Oliveira ?
            c) E, a ser verdade que a proposta partiu de José Gandarez, como entender o depoimento de Albertino Antunes e Alexandre Oliveira de que ele quase não abriu a boca durante a reunião, e que foi Albertino Antunes quem assumiu o protagonismo, do lado dos advogados ?
            d) Finalmente, foi o próprio depoimento de João Cabral que, pela forma como foi prestado, perdeu credibilidade.
            Atentemos em excertos do seu depoimento:

            J.C (depoimento): Quem expôs a situação foi o Dr. Gandarez. Não esclareceu o que é que ele tinha a ver com o caso. Mas cada um de nós pensou aquilo que pensou, e penso que aqui para o Tribunal isso é muito importante. Que aquilo era muito estranho era, havia ligações, era evidente que o Dr. Gandarez tinha relações com pessoas ligadas ao Governo, o que também era estranho, isto fui eu que pensei...
            Pergunta: mas a ideia com que ficou foi que ele, Gandarez tinha um conhecimento privilegiado por ser genro de alguém que tinha funções no governo ?
            J.C (depoimento): é evidente, pensei, pensei. Uma proposta destas dá direito a diversas interpretações: não vai querer com certeza que eu lhe dê a minha, porque acho que não tem qualquer interesse para o Tribunal. Saímos da reunião todos malucos da cabeça: isto está tudo doido !!! Ficámos em estado de choque. Sabíamos que a aprovação estava quase a sair, daí a alguns dias, e que iria ser aprovado com condicionantes. Mais uma razão para ficarmos espantados com esta proposta. Denotava que eles tinham informação detalhada do outro lado.
            Pergunta: o que é isso do outro lado, os serviços ?
            J.C (depoimento): o Governo ! Quem aprovava isto, para ser mais claro e directo: quem faz esta proposta dois dias antes, é porque parte do pressuposto que o nosso projecto vai chumbar. Para mim é evidente. Nós já tinhamos havia uns tempos atrás prestado informação à Freeport que aquilo seria aprovado com condicionantes. Mas era uma informação técnica, e aquilo era uma decisão política. A decisão que foi tomada dia 9 foi uma decisão política, temos de encarar as coisas assim. Para não falar de outra maneira: aquilo foi uma decisão política. Com que finalidade ? Não sei, é perguntar à pessoa que tomou a decisão. Ele é que deve responder porque é que não aprovou aquilo com condicionantes. Se toda a informação técnica apontava para aí, ele é que deve responder porque é que não aprovou aquilo com condicionantes: ele é que deve responder a esta pergunta.
            J.C: (Acareação com Alexandre Oliveira) : estávamos a jantar em Alcochete, o Dr. Manuel Pedro recebe um telefonema no fim do jantar, penso que do Dr. Albertino Antunes, ou do Dr. José Gandarez, a chamar para uma reunião, e fomos. Só me recordo que a proposta de o projecto ser aprovado contra o pagamento de dois milhões de escudos (na altura) foi feita pelo Dr. Gandarez.
            O Dr. Gandarez fez a proposta, o Dr. Alexandre Oliveira pouco interviu durante essa reunião, e o Dr. Albertino Antunes estava bastante incomodado com isto tudo. Foi o que eu senti.
            Pergunta: sr. Engenheiro, quem foi o principal interlocutor da parte dos advogados, nessa reunião ?
            J.C (Acareação com José Francisco Gandarez): eu talvez, por me lembrar só da verba, por me ter impressionado com a questão da verba, recordo da verba ter vindo da boca do Dr. Gandarez, pronto. Fiquei sempre com essa ideia. Quem começou a reunião quem não começou a reunião, sinceramente não me recordo. É possível que tenha sido o Dr. Albertino Antunes, já lá vão 12 anos. O que me chamou imediatamente a atenção foi a verba.
            Pergunta: mas recorda-se de que a verba de dois milhões de escudos veio da boca do Dr. Gandarez, é isso ?
            J.C: fiquei com essa imagem.
            Nova pergunta a João Cabral depois do desmentido de José Gandarez: o que tem a dizer ?
            J.C: a certa altura foi solicitada uma verba de dois milhões de escudos. E tenho ideia que foi o Dr. Gandarez que o fez. Mantenho isso.
            Outra pergunta sobre o mesmo assunto.
            J.C: O que me chocou naquela reunião, efectivamente foi a verba. Essa verba, a ideia que eu tenho, é que foi o Dr. Gandarez que a pôs em cima da mesa. Para mim, a ideia dos 2 milhões ficou agarrada ao Dr. Gandarez.

            O Tribunal considerou que o depoimento de João Cabral nesta parte não mereceu credibilidade, pois foi notório que a sua imputação da proposta a José Gandarez começou de forma linear e directa mas foi perdendo convicção ao longo do tempo, ao ponto de quando chegou à acareação com este já tinha apenas a ideia de que a verba veio do Dr. Gandarez.
            Também as declarações dos arguidos não mereceram, pelas mesmas razões, credibilidade.
            Mas também, embora o mais provável seja a proposta ter partido de Albertino Antunes, não foi possível obter a certeza sobre isso.
            E assim, por ter ficado alguma dúvida sobre de qual dos advogados partiu a proposta, optámos por fazer constar dos factos provados uma formulação neutra que denota isso mesmo, sendo que, como já dissemos, para decidir este processo tal informação não seja central.

            Cumpre agora analisar os restantes factos alegados na acusação e a prova sobre eles produzida, para no final tentar perceber se têm alguma ligação com esta reunião e qual o seu relevo para o objecto do processo.

            A matéria dos artigos 62º a 65º da acusação é pacífica pois os arguidos admitem tais factos como verdadeiros, e os mesmos têm ainda prova documental e testemunhal sólida a sustentá-los. Sobre o seu relevo para a decisão final, ele não era imediatamente perceptível, mas veio a revelar-se posteriormente, como veremos adiante.

            Sobre o artigo 66º da acusação os arguidos aceitam a veracidade do que aí se alega, mas chamam apenas a atenção para que há um erro de tradução, pois "fees" significa honorários e não "taxas", no que lhes assiste óbvia razão, tendo tal correcção sido introduzida no texto.

            No artigo 67º da acusação mais uma vez os arguidos aceitam a veracidade do que se alega, e mais uma vez limitam-se a chamar a atenção para um erro de tradução, cometido no segundo parágrafo, em que a tradução correcta é "CL estão muito próximos do Ministério do Ambiente", e não, como erradamente consta da acusação, do "Ministro do Ambiente".
            Porém, desta vez não lhes assiste razão. O original do documento em causa consta do Apenso CR, volume II, fls. 340. E nele está escrito, com todas as letras: "CL have a very close proximity to the Minister of the Environment". E não "Ministry", como os arguidos, seguramente por lapso, terão lido.

            Sobre os artigos 68º a 70º da acusação não há controvérsia, aceitando os arguidos a veracidade do alegado, e havendo aliás prova documental (a indicada na acusação) óbvia, para além do que é facto público e notório.

            No artigo 71º alega-se que na sequência de diversas diligências e contactos levados a cabo pelos arguidos, no período de tempo compreendido entre os dias 8 e 24 de Janeiro de 2002 realizaram-se diversas reuniões no Ministério do Ambiente, seguramente no dia 11, designadamente com as presenças do Ministro do Ambiente, Secretário de Estado do Ambiente, Presidente do ICN, Directora da DRAOT e José Dias Inocêncio, para além dos próprios arguidos e no dia 24, com o Ministro do Ambiente e com o arguido Manuel Pedro, Sean Collidge e Gary Russell.
            Sobre estas reuniões os arguidos nada dizem na contestação.
            Porém, existe prova cabal sobre a existência das mesmas e sobre o pano de fundo no qual as mesmas se inseriram. Para além dos documentos indicados na acusação como suporte destes factos, com destaque para os documentos constantes do Apenso E, volume XIII, fls. 3915 e Apenso E, volume I, fls. 155 e Apenso E, volume XIII, fls. 3928/3929, temos ainda prova testemunhal, nomeadamente os depoimentos de Maria Antonieta Castaño, Maria Fernanda Vara Castor Teixeira, Augusto Ferreira do Amaral, Rui Nobre Gonçalves, Jonathan Rawnsley, João Cabral, Gary Russell, e Peter Woolley. Da interpretação conjunta destes depoimentos resulta evidente que logo a seguir à decisão desfavorável de Dezembro de 2001 houve algumas reuniões entre representantes da Freeport e pessoas ligadas ao Ministério do Ambiente, tal como alegado na acusação. Podemos considerar que se trataram de reuniões "de alto nível", pois envolveram os principais decisores políticos (Ministro e Secretário de Estado), e os principais Administradores da Freeport, para além de outros técnicos e outras pessoas ligadas ao projecto. Também as declarações que os arguidos prestaram a final foram no mesmo sentido. Este facto afigura-se inócuo, e portanto, serve como enquadramento.

            Sobre a matéria alegada nos artigos 72º e 73º não houve qualquer controvérsia. Os arguidos aceitam a sua veracidade, e a prova documental apresentada na acusação não deixa margem para dúvidas.

            Seguidamente surge-nos o artigo 74º, onde se alega que

“Como consequência dos pedidos de dinheiro que os arguidos faziam, nas condições descritas, no dia 21 de Janeiro de 2002, a “Freeport Leisure Portugal, SA” efectuou um pagamento a ”Smith e Pedro Consultores Associados” no valor de £50.000 (cinquenta mil libras), sem estar documentado por qualquer factura ou contrato”.

Na sua contestação, os arguidos admitem que esse pagamento existiu, mas dizem que o mesmo está devidamente documentado e facturado.
A questão aqui é simples.
Que a Freeport procedeu a esse pagamento, não há a menor dúvida, até os arguidos o admitem.
E da simples leitura do documento constante do Apenso CR, volume XII, a fls. 3109/3110, que é o contrato assinado em 3.6.2002 entre a Freeport e a Smith e Pedro, Lda, resulta que à data em que foi feito, esse pagamento, tal como se afirma na acusação, não estava coberto por qualquer factura ou contrato. De tal forma assim era, que esse contrato, celebrado em 3.6.2002, contempla uma cláusula que se destina a, retroactivamente, dar cobertura jurídica a esse pagamento. Referimo-nos à parte onde se define “pagamento de boa fé” como o pagamento do montante de 50.000 libras, o qual já foi efectuado a 21 de Janeiro de 2002”.
Porém, neste momento não vemos qual o relevo desse pagamento para a tese de extorsão na forma tentada. Estando os arguidos acusados dessa forma, teremos de presumir que qualquer pagamento que de facto tenha sido feito pela Freeport PLC aos arguidos ou à empresa Smith e Pedro, Lda, sai fora do âmbito do plano criminoso delineado pelos arguidos e muito provavelmente corresponde à remuneração dos serviços que estes prestaram à empresa Inglesa, pois sobre esses serviços não há a menor dúvida, estando o complexo comercial Freeport em Alcochete a funcionar há já vários anos.

            Sobre a matéria dos artigos 75º a 77º mais uma vez se trata de factos pacíficos e documentalmente demonstrados.

            No artigo 78º da acusação faz-se referência a um e-mail que o arguido Charles Smith enviou a Gary Russell em 10.3.2002, e no qual aquele menciona a expressão “split fee”, que na acusação surge traduzido como “taxa de divisão”, mas mal. Assiste razão aos arguidos, na contestação, quando dizem que a expressão “split fee” quer antes dizer “fraccionamento ou divisão de honorários”. No mais, este artigo não nos adianta mais nada em termos de concretização do plano criminoso dos arguidos.

            Sobre os artigos 79º a 83º igualmente não houve controvérsia e a prova documental é exaustiva.
            Resta apenas aprofundar um pouco mais, porque pode ser importante para o destino da acusação, o que se apurou sobre o e-mail que Charles Smith enviou a William McKinney em 20 de Março de 2002, e aonde se pode ler: "Desculpa, mas pensei que soubesses que eu só estava à espera do documento formal - isto não tem sido fácil e não preciso de comentários sarcásticos - este assunto está a causar-me muitas preocupações e nunca foi minha intenção ser mal educado ou não te informar. Tenho estado sob ordens muito rígidas do Ministro no sentido de não dizer nada antes da recepção do documento e do relatório; não vi o relatório, logo não posso comentar".
            William McKinney explicou no seu depoimento o significado deste e-mail. Disse a testemunha que conhece os arguidos há muito tempo; que os contratou na altura porque precisava de consultores locais; entretanto apercebeu-se que Charles Smith estava a querer desvincular-se dele e passar para a equipa da Freeport, o que não lhe agradou; a certa altura soube, não por intermédio de Charles Smith, mas através de um terceiro, que tinha finalmente sido proferida a decisão de impacto ambiental favorável condicionada, em Março de 2002; essa decisão era fundamental para ele, devido ao contrato que tinha feito com a Freeport, e ficou extremamente aborrecido com o arguido Smith por não ter sido ele a comunicar-lhe tal facto; enviou-lhe então um e-mail a demonstrar o seu desagrado, e o e-mail agora em causa é a resposta de Charles Smith, de alguma forma a explicar porque é que não foi ele a informar a empresa McKinney da aprovação ambiental. Mais acrescentou a testemunha que aceitou a desculpa de Charles Smith como válida porque, apesar de já terem passado 12 anos, ele ainda se lembra que Charles Smith lhe dizia constantemente que estava a negociar com o Ministro José Sócrates. Aliás, foi devido ao facto de Charles Smith se gabar de ser o "contact point" com José Sócrates, e de ele acreditar nessa afirmação do arguido, que ele enviou ao arguido uma carta redigida pelos seus advogados, a fim de o arguido a entregar a José Sócrates, carta essa que tinha a ver com o seu conflito negocial com a Freeport. Concluiu dizendo que, no final, Charles Smith acabou por fazer um excelente trabalho.
            É importante notar que o depoimento de William McKinney mereceu credibilidade a este Tribunal, bem como a explicação que ele apresentou para aquele e-mail de Charles Smith. Entende-se o aborrecimento que ele possa ter sentido por ter sabido por terceiros, não pelo seu próprio consultor, de um facto que para si era fundamental. Entende-se igualmente o texto da resposta de Charles Smith, como lógico e fazendo todo o sentido, se partirmos do pressuposto que a sua alegada situação de proximidade ao Ministro era verdadeira.
            É certo que Charles Smith, quando prestou declarações, disse que não estava de forma alguma sob ordens do Ministro, e que escreveu aquilo no e-mail que enviou a William McKinney para ser sarcástico. Porém, da leitura do que ele escreveu não vemos onde possa estar o sarcasmo. Recordemos que William McKinney declarou na audiência que Charles Smith lhe dizia constantemente que estava a negociar com o Ministro do Ambiente, e se gabava de ser o contact point com o Ministro. Por isso, ao explicar a McKinney que não tinha podido ser ele a comunicar-lhe a boa notícia porque estava sob ordens estritas do Ministro para não dizer nada enquanto não recebesse formalmente o relatório, não existe na mensagem o menor sarcasmo, e seguramente que William McKinney não o descortinou também. Tanto não o descortinou que nos disse no seu depoimento que acreditou na explicação apresentada por Charles Smith.
            Apenas se poderia aceitar como plausível a explicação de Charles Smith de que estava a ser ainda mais sarcástico do que Billy McKinney caso nunca tivesse dito a este que estava a negociar com o Ministro, e nunca se tivesse gabado desse contacto. Aí sim, uma resposta a dizer que não tinha informado McKinney por estar sob ordens do Ministro seria claramente sarcástica e seria certamente interpretada como tal pelo destinatário. Mas não foi esse o caso, nem a interpretação do destinatário, nem a deste Tribunal. Este facto pode ser relevante para a tese da acusação, por revelar que Charles Smith pode ter induzido William McKinney em erro, atribuindo-se a si próprio uma importância que de facto não tinha.

            No artigo 84º da acusação alega-se que “no dia 18 de Maio de 2002, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail para o arguido MANUEL PEDRO, onde, entre outros assuntos, referiu o seguinte sempre com o intuito de receber quantias em dinheiro indevidas da parte da Freeport: "(...) Meu objectivo é de responder positivamente a Gary na segunda feira sem falta, tal forma que nos podemos aceitar o form of agreement para assinar, e pedir freeport enviar £80.000 ainda semana que vem para que nos podemos pagar pinnochio algo no dia 31 de Maio conforme que eu combinei com bernardo para não arriscar atrasar nada, seja protocols ou architectural projects".

            Que Charles Smith enviou um e-mail para Manuel Pedro com o conteúdo que aqui foi reproduzido, é um adquirido, pois os próprios arguidos o admitem, e está documentado a fls. 781 do volume III, do Apenso PC-HD 1.
            Sabemos também, por força de um documento que os arguidos juntaram aos autos no momento em que prestaram declarações, que Manuel Pedro respondeu a Charles Smith pela mesma via do correio electrónico, e, no que a este parágrafo diz respeito, Manuel Pedro escreveu o seguinte: "Estou com dificuldade em entender o que queres dizer, mas tentando responder julgo que vamos assinar os Protocolos a 7 de Junho, e que os pagamentos a que te comprometeste podem ser feitos nas datas acordadas".
            O que fica em aberto é saber o que queria Charles Smith significar com essa mensagem, e como interpretar esta resposta de Manuel Pedro.
            É fácil perceber que quem elaborou a acusação considera esse e-mail como mais um facto demonstrativo do intuito dos arguidos de receber quantias em dinheiro indevidas da parte da Freeport.
            Concordamos que na aparência o e-mail pode ter esse significado.
            Mas porque se trata de matéria que só veio a ser esclarecida mais para o final da audiência, voltaremos à mesma em momento mais avançado desta fundamentação.

            A matéria do artigo 85º da acusação é incontroversa.

            Seguem-se os artigos 86º a 91º, que reproduzem variados e-mails enviados por Charles Smith a Gary Russell, e onde  o arguido menciona vários pagamentos e faz referência sobretudo a certos valores designados como "success fee".
            Todos estes factos estão indubitavelmente provados, através dos documentos constantes de fls. 2288 e 2374, do volume VIII, do Apenso PC-HD 1, fls. 2298 e 2380, do volume VIII, do Apenso PC-HD 1, fls. 2298 e 2380, do volume VIII, do Apenso PC-HD 1, fls. 2297 e 2380, do volume VIII, do Apenso PC-HD 1, Apenso PC-HD 1, volume VIII, a fls. 2291 e 2292 e 2377, e Apenso PC-HD 1, volume VIII, a fls. 2291 e 2377.
            Acresce que os arguidos na sua contestação não contestam a sua veracidade. Apresentam porém as suas explicações para estes textos. Assim, no que se refere aos e-mails reproduzidos nos artigos 86º a 90º, descrevem-nos como decorrendo da necessidade da Smith e Pedro de receber adiantamentos para fazer face aos custos da contratação dos profissionais que os ajudavam nos protocolos em matéria ambiental. Acrescentam que esses pagamentos eram devidos, estavam previstos no contrato, mas a Freeport só o pagou quando foram assinados os protocolos.
            Mais uma vez sendo tais factos incontroversos, o seu relevo só poderá estar na situação que lhes subjaz. Olhando para os mesmos, parece evidente que neles existem várias referências que não são claras, e que poderão ter subjacente o alegado plano de extorsão. Frases como

             "aconselho-o a enviar a taxa, esta semana, em duas partes - uma para o EIA e a outra para os protocolos; preciso de pelo menos 2/3 semanas para fazer a alocação da taxa; tenho as pessoas sob controlo à força desta transferência; tal resultará na medida em que me permite pressionar no sítio certo para conseguir aquilo que precisamos logo que possível; estou preocupado que o protocolo não seja assinado até eu poder dizer ao gordo que foi feita uma transferência; é um grande problema. Veja o e-mail que lhe enviei a 13 de Junho. Se eu puder pelo menos mostrar que há uma transferência a caminho, acredito que irá ajudar. Qual a posição relativamente à aprovação do EIA, pois para este também é necessário um pagamento de 50K ? De novo, não estou a dizer para pagar, faça apenas uma transferência de modo a que nada fique estagnado neste sentido, e nós precisamos de tempo para fazer as alocações, etc; é necessário mais um pagamento de uma taxa de sucesso para esta fase. Provavelmente na próxima semana. Pode também fazer o seu melhor para enviar as nossas taxas e custos para os protocolos esta semana, pois também temos pessoas a quem temos de pagar"

            levantam suspeitas óbvias sobre de que pagamentos é que se está a falar.
            Os arguidos, como vimos, descrevem estas comunicações como tendo a ver com variados pagamentos contratuais.
            Porém, temos de partir do princípio que se o Ministério Público colocou tais factos na acusação é porque considerou que eles teriam um determinado relevo. Mas mais uma vez, ele não é imediatamente perceptível. Por isso, vamos deixar a análise destes textos para momento posterior.

            No artigo 92º alega-se que no dia 26 de Junho de 2002, ocorreu uma reunião, nos escritórios da "Freeport PLC", em Londres onde estiveram presentes Graham Holdaway, funcionário da Freeport, Rik Dattani, o arguido Charles Smith, João Cabral, Simon Walter, da Bennoy, Ltd, João Banazol, Jorge Silva e Peter Athey. Da acta de tal reunião consta, entre outras matérias, que “2.2 CS informou que as autoridades exigiram 17.000 Euros para assinar os projectos. O Freeport ficou de preparar".
            Na contestação, o arguido Charles Smith não nega a veracidade da alegação (aliás comprovada pelo documento constante do Apenso PC-HD 1, volume VIII, a fls. 2293 a 2296 e 2378/2379), mas diz que ao fim de todos estes anos não se recorda a que se referiam os 17.000 euros mencionados na acta. Podemos estar aqui perante um afloramento do plano de extorsão dos arguidos. Voltaremos a este assunto mais adiante.

            No artigo 93º da acusação alega-se que no dia 9 de Setembro de 2002, foi celebrado um terceiro contrato de consultadoria entre a "Freeport Leisure Portugal, SA" e a "Smith e Pedro Consultores Associados, Lda" e, no dia 13 de Setembro de 2003, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail ao arguido MANUEL PEDRO, onde, entre outros assuntos, se referiu: "Reuniões - O Jonathan quer que marquemos uma reunião com o Ministro da Economia. Podemos ir a esse almoço na câmara de comércio no dia 17 - verifiquei o e-mail que nos enviaram recentemente com o convite (...)"; "Pinnochio requer atenção, através da success fee e eu vou contactar o Gary Russel nesse sentido (...); "Pode contactar a Inocência de novo para ver onde é que os ventos sopram ? E como parte da nossa estratégia ficar perto do homem! Sempre que possível".
            Mais uma vez, a existência, os intervenientes e o texto do e-mail estão cabalmente comprovados (Apenso PC-HD 1, volume VIII, a fls. 2314/2315 e 2394), e os arguidos não os negam.
            E mais uma vez temos a referência a um personagem, "Pinóquio", cujo nome surge associado a pagamentos de success fee. E mais uma vez se olharmos para a frase e substituirmos "Pinóquio" por "José da Silva Ginja", a frase não aparenta qualquer espécie de sentido.

            No artigo 94º alega-se que a firma dos arguidos, “Smith e Pedro Consultores Associados, Lda”, recebeu da "Freeport PLC" quantias nos valores globais de € 410.309,20 (quatrocentos e dez mil trezentos e nove euros e vinte cêntimos), relativo ao exercício do ano de 2002 e de € 284.604,64 (duzentos e oitenta e quatro mil seiscentos e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), relativo ao exercício do ano de 2003, sem que tivessem sido emitidas as respectivas facturas e pagos os impostos devidos (IRC e IVA).
            Aqui, mais uma vez os arguidos admitem ter recebido aqueles valores, mas negam que não tenham sido emitidas facturas ou pagos os impostos. Em termos de prova documental temos fls. 1134 e seguintes e 2001 a 2004 do volume IV do Apenso PC-HD 1.
            E mais uma vez estamos perante referências a transferências monetárias da Freeport para a Smith e Pedro, cujo significado não é imediatamente perceptível pois para haver coerência interna na acusação este facto tem de ser lido conjuntamente com outro igualmente alegado na acusação onde se diz que não obstante os arguidos terem levado a cabo, nos termos supra descritos, a prática de todos os actos necessários e adequados a alcançar o seu desiderato, não se apurou que a administração da Freeport PLC tivesse cedido às suas pretensões e entregue as quantias por eles solicitadas.

            E no artigo 95º da acusação alega-se que "com a supra descrita actividade, os arguidos pretenderam que os administradores da Freeport, perante a iminência de a empresa sofrer elevados prejuízos com a eventual não aprovação do projecto, tendo em conta o elevado investimento que já havia sido feito pela empresa, lhes entregassem as quantias, de valor consideravelmente elevado, supra referidas".
            Temos aqui alegado o elemento intelectual da infracção, ou seja, o dolo.

II
            Neste percurso de fundamentação o mais possível exaustiva da decisão, chegou a altura de dar o passo seguinte.
            Até aqui, o Tribunal preocupou-se em fundamentar aspectos concretos da decisão sobre matéria de facto, tendo-se concentrado essencialmente na importantíssima reunião entre os arguidos, o Engenheiro João Cabral, e os Advogados Albertino Antunes, Alexandre Oliveira e José Gandarez. E procurámos explicar porque razão a versão apresentada pela acusação para essa reunião não convenceu minimamente o Tribunal.
            Depois demonstrámos que os variados factos que são alegados a seguir na acusação e que relatam comunicações ou dos arguidos entre si ou entre os arguidos e os Administradores ingleses da Freeport são factos cuja existência ninguém põe em causa, pois estão documentalmente provados e os arguidos admitem a veracidade dos mesmos. E que é na sua interpretação que se manifesta a divergência entre acusação e defesa. Enquanto a acusação vê naqueles factos a concretização do plano criminoso dos arguidos, de extorquir dinheiro à Freeport, a defesa pretende ver em tais factos meros pedidos de dinheiro que era necessário para fazer avançar o projecto e pagar às variadas pessoas contratadas.
            Esta foi a situação, previsível, em que o Tribunal se viu colocado.
            Para sair dela só havia uma solução. Que era olhar para cada um daqueles pedidos de dinheiro, para cada uma das referidas comunicações dos arguidos com os Administradores da Freeport, e para cada uma das comunicações dos arguidos entre si, e analisá-las não isoladamente, mas sim em conjunto. Para fazer essa análise integrada, tivemos forçosamente de recorrer a toda a prova produzida, seja testemunhal, seja documental, seja pericial.
            A conclusão a que este Tribunal chegou, e que vamos procurar demonstrar de seguida, permitiu-nos tirar uma conclusão definitiva sobre a improcedência da acusação.

            Para o efeito vamos vamos regressar à reunião ocorrida no dia 4.12.2001, no escritório de advogados Albertino Antunes e associados, entre os arguidos e os três referidos advogados. E depois de ter determinado que aquilo que se alegava na acusação sobre essa reunião não correspondia à verdade, e depois de ter explicado qual o cenário que a prova produzida nos obrigou a retirar do que aí se passou, e que, recordemos, foi o de tal reunião ter servido para ser transmitida aos arguidos uma proposta ilícita de pagamento de dinheiro, contra a aprovação do estudo de impacto ambiental pelo Ministério do Ambiente, agora interessa-nos olhar para essa proposta com o objectivo de determinar se a mesma não passou de um logro por parte daqueles advogados ou de terceiros que os usaram para transmitir a proposta aos arguidos, mas sem ter qualquer hipótese de influenciar a Decisão de Impacto Ambiental, ou se, pelo contrário, a proposta partiu, de forma directa ou indirecta, de quem tinha o poder de a conformar livremente.
            Antevendo desde já objecções a esta linha de apreciação da prova, por não caber a este Tribunal investigar eventuais actos de corrupção ou de extorsão não provenientes dos arguidos mas das autoridades, podemos já descartar as mesmas.
            Em primeiro lugar, porque estamos a falar da existência de uma ligação entre dois factos alegados na acusação: a reunião no escritório de Albertino Antunes e a decisão de impacto ambiental desfavorável. Em segundo lugar, não foi o Tribunal que, oficiosamente, foi à procura de provas para seguir essa linha de análise; a prova necessária e suficiente para apurar de uma eventual ligação entre esses dois factos foi toda ela fornecida a este Tribunal pelo Ministério Público, na acusação. Em terceiro lugar, "o processo penal, como expressamente consta da Lei de Autorização Legislativa (art. 2º, alínea 4) é um processo de estrutura básicamente acusatória integrada pelo princípio da investigação judicial. E o princípio da investigação significa que, em última instância, recai sobre o juíz o encargo de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento[18]".
            Ou, nas palavras de Figueiredo Dias, o princípio da investigação não se opõe a uma estrutura básicamente acusatória do processo, pois que não impede ou limita a actividade probatória do Ministério Público, do assistente ou do arguido e o seu total aproveitamento pelo Tribunal. Só significa que -ao contrário do que sucede com o princípio da discussão- a actividade investigante do Tribunal não é limitada pelo material de facto aduzido pelos outros sujeitos processuais, antes se estende autónomamente a todas as circunstâncias que devam reputar-se relevantes[19].
            A norma jurídica onde está plasmada esta solução legal é o já citado -e por este Tribunal utilizado- art. 340º do CPP, que foi uma ajuda essencial na fixação do verdadeiro sentido a dar a vários factos ambíguos constantes da acusação.
            E vamos mais uma vez recorrer aos ensinamentos de Germano Marques da Silva, quando escreve: "o Estado, a comunidade, não tem um interesse oposto ao do arguido, antes lhe interessa exclusivamente a realização da Justiça: a condenação do culpado e a absolvição do inocente. Esse interesse pode e deve ser prosseguido por todos os orgãos de administração da justiça , nomeadamente pelo Ministério Público e pelo Tribunal. Por isso que, desde logo, o Ministério Público não intervenha no processo como "parte" e tenha o dever de estrita objectividade, buscando no processo a decisão justa, e por isso também que não se limite o tribunal na procura da verdade, antes se lhe imponha o encargo de procurar a verdade histórica, para melhor realização da justiça, suprindo assim, tanto quanto possível, as deficiências da actuação processual dos demais sujeitos e intervenientes processuais, podendo para tanto ordenar a produção de todos os meios de prova que considere necessários para a descoberta da verdade e boas decisão da causa e com a mesma finalidade intervir na produção da prova apresentada pelos demais sujeitos processuais. Diz-se agora, por contraposição ao sistema em que o Tribunal deve ser passivo na aquisição e produção da prova, que se busca a verdade material. Entendemos porém que o juíz não deve substituir-se à acusação e/ou defesa. Desde logo, está-lhe vedado configurar hipóteses de facto diversas do objecto delimitado pela acusação e pela defesa se essa nova hipótese representar uma alteração substancial, e no que se refere aos meios de prova a sua intervenção, nomeadamente no interrogatório das testemunhas, deve limitar-se ao esclarecimento pleno da prova aduzida pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do poder/dever de ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (art. 340º)".
            E termina aquele Professor com uma frase que parece feita de propósito para a situação com que nos deparámos neste processo: "O juíz não deve contentar-se com a dúvida resultante da prova produzida pela acusação e pela defesa, devendo procurar ultrapassá-la na medida do possível e para tanto intervirá na discussão da prova apresentada pelas partes e ordenará a produção da prova que entender necessária para a formação do seu juízo".
            Ora, se há processo em que se justifica a aplicação desse princípio da investigação, é este processo em concreto, em que temos perante nós um conjunto de factos uns aparentemente inócuos, outros que levantam suspeitas, outros ambíguos, e em que é necessário apurar o que esses factos representam em termos da existência ou não de um plano de extorsão dos arguidos.
            E, correndo o risco de nos repetirmos, se os factos são incontroversos mas ambíguos, a solução só pode partir da situação que está por detràs deles.
            Logo, o que vamos demonstrar de seguida é a existência de uma relação entre os dois eventos marcantes já citados, e de seguida apurar se existe alguma relação entre esses eventos e toda uma panóplia de eventos descritos a seguir na acusação, nomeadamente apurar se existe alguma ligação entre a reunião no escritório dos advogados, a decisão ambiental desfavorável de Dezembro de 2001, a decisão favorável de Março de 2002, e as variadas comunicações entre os arguidos e a empresa Freeport PLC, e entre os arguidos entre si, com vista a perceber o intuito que os levou a assim agir. No fundo, ao fazer esta análise, o Tribunal não podia estar mais dentro do objecto deste processo, pois está a apreciar da existência do elemento intelectual da infracção.
            Um exemplo concreto permitirá entender muito melhor aquilo que estamos a tentar demonstrar. Olhemos para o art. 84º da acusação, onde se alega que

            "No dia 18 de Maio de 2002, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail para o arguido MANUEL PEDRO, onde, entre outros assuntos, referiu o seguinte, sempre com o intuito de receber quantias em dinheiro indevidas da parte da Freeport:
"(...) Meu objectivo é de responder positivamente a Gary na segunda feira sem falta, tal forma que nos podemos aceitar o form of agreement para assinar, e pedir freeport enviar £80.000 ainda semana que vem para que nos podemos pagar pinnochio algo no dia 31 de Maio conforme que eu combinei com bernardo para não arriscar atrasar nada, seja protocols ou architectural projects".

Que o arguido Charles Smith enviou este e-mail ao arguido Manuel Pedro é algo que não admite discussão.
Mas para que o Tribunal pudesse concluir que aquele e-mail fazia parte do plano dos arguidos de extorquir dinheiro de forma ilegítima à Freeport, era no mínimo necessário que da prova produzida se pudesse afirmar que os arguidos pretendiam as 80.000 libras para eles, e que Pinóquio e Bernardo não passavam de nomes inventados pelos arguidos.
E por isso é que para ajuizar da procedência da acusação se tornou estritamente necessário determinar que por detràs das comunicações enviadas pelos arguidos para Londres ou trocadas entre eles, não existiram verdadeiros pedidos ou exigências de dinheiros feitos pelas autoridades com o poder de conceder as licenças de que a Freeport necessitava.
Curiosamente, e este é mais um dos aspectos peculiares a que nos referimos no início deste acórdão, a prova necessária para fazer esse juízo por natureza complexo foi desde logo indicada na acusação, e dela emergiu não a confirmação da tese da tentativa de extorsão, mas antes a destruição de tal tese.
Estamos no fundo perante uma acusação que contém no seu código genético a informação que leva à sua própria improcedência.

            Retomando a análise da reunião ocorrida no escritório de Albertino Antunes no dia 4.12.2001, há desde logo uma ligação entre a mesma e a decisão de impacto ambiental que salta à vista, que é impossível de não ver, e que só por si nos dá práticamente a resposta definitiva que procuramos. Referimo-nos a esta "cristalina" sequência  de factos provados:
            1. A referência a que o projecto Freeport iria ser “chumbado” em 48 horas, mas que havia a possibilidade de o mesmo vir a ser aprovado se a Freeport estivesse disposta a pagar dois milhões de libras.
            2. A referência feita no "memo" elaborado na sequência dessa reunião a que era necessária uma resposta até às 18 horas do dia 6 de Dezembro de 2001.
            3. O facto de a Freeport não ter pago esse valor ou outro qualquer no prazo fixado;
            4. O facto de no dia 6 de Dezembro de 2001, exactamente 48 horas depois da reunião acima referida, o Secretário de Estado do Ambiente ter proferido uma Decisão de Impacto Ambiental desfavorável.
            5. O facto de no memo elaborado na sequência da reunião no escritório dos advogados, no ponto 3, se fazer referências técnicas e concretas ao que tem de ser alterado no projecto para o mesmo ser aprovado, em moldes que se aproximam muito do que constava já do parecer do Instituto de Conservação da Natureza. E esse conhecimento não podia vir apenas dos advogados, que, segundo declararam nada percebiam de direito do ambiente, nem podia provir dos arguidos, pois estes não podiam ter acesso ao parecer do ICN, e apenas tinham acesso à Decisão de Impacto Ambiental, a qual, porém, à data em que o memo foi elaborado, ainda não tinha sido proferida (veja-se a este respeito o depoimento de Carlos Alberto Marcelino de Albuquerque).
            Pode-se tentar dizer que mesmo que a Freeport tivesse pago os dois milhões de libras, a decisão de impacto ambiental seria na mesma desfavorável. Mas tal afirmação teria um baixo nível de credibilidade. Desde logo porque a própria proposta feita aos arguidos, ao denotar um conhecimento cirúrgico não só sobre o dia certo em que a decisão final iria ser proferida, como também sobre o que era necessário alterar no projecto, tornou patente que provinha de alguém com uma ligação muito próxima ao poder de decisão.
            Os dois eventos vistos em separado, sem serem colocados ao lado um do outro e olhados em conjunto, seriam inócuos.
            A reunião no escritório dos advogados, na qual os arguidos foram confrontados com a informação de que o projecto Freeport iria ser chumbado dali a 48 horas, a não ser que 2 milhões de libras fossem depositados numa determinada conta bancária não passaria de um acto grave mas isolado, que poderia ter por detràs ou uma brincadeira de muito mau gosto, ou uma tentativa desesperada de ganhar dinheiro, ou qualquer outra realidade que não compete agora imaginar.
            A decisão ambiental desfavorável, proferida em 6.12.2001, por inesperada que pudesse ser para o Promotor do Projecto, não passaria de uma decisão Administrativa, mais ou menos discutível, com mais ou menos bom senso, e a ser acatada ou impugnada nos termos gerais.
            É a ligação óbvia destes dois eventos, num curto espaço de tempo de 48 horas, que transporta esta matéria para outro patamar.
            E a partir daqui, desta conclusão incontornável à luz das regras da experiência comum, da experiência judiciária, e dentro dos parâmetros da livre apreciação da prova, já analisados supra, encontramos inúmeros outros meios de prova que foram produzidos e analisados nesta audiência, que corroboram de forma metódica e implacável esta conclusão.
            Vamos seguir os factos tal como eles vinham alegados na acusação e foram sendo dados como provados, fazendo a sua análise integrada e à luz das diversas provas produzidas.
            Na análise da prova testemunhal e documental que vamos fazer agora é essencial, ainda dentro da dinâmica da livre apreciação da prova, ter presente que documentos elaborados na altura em que os factos ocorreram, e que na altura em que foram elaborados não se destinavam a ser usados como prova em Tribunal, têm um valor probatório incomensurávelmente superior ao dos depoimentos testemunhais que possam e tenham sido produzidos no presente sobre os factos a que tais documentos se referiam.
            E é óbvio que assim seja, pois enquanto se compreende que uma testemunha pode, pelas mais variadas razões, de defesa própria ou de defesa de terceiros que com ela estão ligados, prestar um depoimento no qual se afaste da verdade por si conhecida, já os documentos que foram elaborados na altura em que os factos ocorreram e que faziam parte do pulsar da vida e dos fluxos negociais e comunicacionais das pessoas envolvidas, só num cenário muito rebuscado é que poderiam ter sido feitos e forjados com o propósito de, vários anos volvidos, poderem ser necessários para enganar os Juízes que estivessem a julgar o caso. Nomeadamente, podemos afirmar que não é deste mundo considerar que faxes e e-mails enviados pelos arguidos para a Freeport PLC em 2001, 2002 e 2003, e trocados pelos arguidos entre si, tivessem sido fabricados com o intuito de serem usados para enganar a investigação que ainda não existia e que só foi iniciada em finais de 2004.
            Por ser assim, e por ser para nós óbvio que só pode ser assim, essa prova documental disponível adquire ainda um outro relevo: o de padrão de aferição da veracidade dos depoimentos testemunhais sobre tal matéria produzidos. No "puzzle" probatório que este Tribunal Colectivo foi forçado a construir, ao julgar factos ocorridos há 10 anos atrás (outra característica incómoda deste processo mas que nada pudemos fazer para evitar) a prova documental proveniente do passado permitiu-nos colocar aquelas peças que temos a certeza que estão correctas, e que vão servir de ajuda para saber onde colocar todas as outras.
            Vamos procurar fazer agora a demonstração final.
            Para testar a segurança da conclusão a que chegámos, de que houve de facto um pedido de pagamento de dois milhões de libras, que os arguidos não inventaram, e que proveio de alguém ligado ao poder de decisão dentro do Ministério do Ambiente, é fundamental olhar para outros factos concomitantes e posteriores a essa reunião e à decisão de desfavorabilidade. Como já dissemos, todos esses factos estavam alegados na acusação, pelo que a tarefa do Tribunal foi bastante facilitada.
            No dia 26 de Novembro de 2001 foi enviado ao Gabinete do Secretário de Estado do Ambiente o parecer final da Comissão de Avaliação de Impacte Ambiental, no qual foi proposta a decisão de desfavorabilidade.
            Mas vimos que ficou provado que do parecer do Instituto de Conservação da Natureza constavam já as modificações que teria que sofrer o projecto, por forma a que o mesmo pudesse vir a ser objecto de uma aprovação e que, resumidamente, tinham a ver com a supressão de valências, tais como o hotel, o bowling, a discoteca, a iluminação e a redução dos lugares de estacionamento.
            Agora observe-se com atenção o que está escrito no nº 3 do documento elaborado na sequência da reunião no escritório de Albertino Antunes:

            "3. Face a esta emergência, conseguimos formar uma equipa técnica capaz de resolver aquelas questões e obter a aprovação condicionada, devendo o projecto apresentado ser reformulado, alterando o uso previsto para as áreas da discoteca, bowling, ...... . O parqueamento previsto deverá ser reduzido para cerca de metade[20] mais tarde será possível vir a alargar o estacionamento, demonstrando a sua necessidade para o empreendimento e a não afectação do sistema ambiental envolvente). Com estas alterações o projecto será aprovado em cerca de 90 dias."

            Estamos em crer que ninguém poderá legitimamente procurar explicar o facto de os advogados saberem ao pormenor o que tinha de ser alterado no projecto, dizendo que acertaram por mera coincidência.
            No depoimento que prestou nesta audiência de julgamento, Rui Nobre Gonçalves, o Secretário de Estado que proferiu a decisão desfavorável de 6.12.2001, quando perguntado se na sua experiência governativa decidiu sempre no mesmo sentido dos pareceres que os seus assessores lhe apresentaram, respondeu categóricamente que não, e que houve casos em que decidiu ao contrário dos pareceres recebidos e que isso não tem nada de anómalo, sendo apenas uma questão de fundamentar devidamente a decisão. A resposta da testemunha é óbvia e evidente, e vai de encontro ao senso comum. Uma decisão de um membro do Governo é um acto político, por excelência, e não um mero acto técnico. Os pareceres técnicos são um dos elementos que o decisor deve tomar em consideração, mas não são o único, havendo vários outros, entre os quais avulta o interesse público, a nível local ou nacional.
            No caso concreto, era legalmente possível que apesar de o parecer da Comissão de Avaliação ser no sentido da desfavorabilidade, o Secretário de Estado tivesse despachado no sentido de uma decisão favorável, mas com condições.
            A apontar nesse sentido, ficou provado que ainda no mês de Novembro de 2001, depois de duas reuniões com o ICN, e antes de os arguidos terem sido chamados à famosa reunião de 4 de Dezembro, a Smith e Pedro elaborou relatórios a informar a Freeport de que tinham obtido a informação de que a posição do ICN seria a de um parecer favorável condicionado.
            Podemos ir ainda mais longe e afirmar que tudo aponta para que o relatório elaborado pelos arguidos era verdadeiro. Com efeito, foi produzida prova nesta audiência que não deixou a menor margem para dúvidas sobre o interesse do projecto para o Concelho de Alcochete e não só. Por um lado, temos o depoimento de Miguel Boieiro, que foi Presidente da Câmara de Alcochete de 1983 a 2001, eleito pela CDU. Ele explicou que quem lhe apresentou a ideia do projecto pela primeira vez foi o arguido Manuel Pedro, e que ele acolheu bem a ideia, pois trazia  muitas vantagens ao município: nomeadamente limpar o terreno da antiga fábrica da Firestone, que estava contaminado com químicos, e que tinha telhas de amianto, que é um produto cancerígeno, etc. Pelo que a Câmara Municipal deu luz verde ao projecto. Declarou ainda que a determinada altura soube pelos jornais que o projecto tinha sido chumbado liminarmente, pouco tempo antes das eleições autárquicas, o que para ele foi uma surpresa.
            A confirmar o depoimento desta testemunha sobre a relevância do projecto Freeport para o Concelho de Alcochete, temos ainda o documento constante do Apenso CR, volume II, fls. 281 a 283. Trata-se de uma carta escrita por Miguel Boieiro e dirigida ao Secretário de Estado do Ambiente, Rui Gonçalves, na qual se elencam as vantagens do projecto Freeport, e o interesse público do mesmo, e se pede uma decisão favorável sobre o Estudo de Impacto Ambiental. Escreve-se nessa carta, a dado ponto, o seguinte: "o complexo lúdico-comercial contribuirá sem dúvida alguma para um importante desenvolvimento da estrutura económica do Concelho de Alcochete. A imagem do Concelho, Região, e País será promovida a um nível internacional. O desenvolvimento do outlet será uma referência de qualidade europeia". Acrescenta-se que "o investimento chegará a cerca de 30 biliões de escudos e a criação directa e indirecta de empregos será próxima dos dois mil".
            E termina a carta demonstrando preocupação com um hipotético cenário de uma decisão de impacto ambiental desfavorável, e acrescentando um veemente apelo a que o projecto não seja por forma alguma reprovado ou atrasado.
            A testemunha Augusto Ferreira do Amaral, que era Advogado de William McKinney, declarou que Miguel Boieiro era uma pessoa muito entusiasmada com este projecto, porque permitia desviar a pressão que havia para que aqueles terrenos fossem usados para construção de prédios urbanos, para uma solução em que se atraiam inúmeros visitantes ao concelho, mas que não ficavam lá. Aquele projecto para Alcochete representava muito, até para evitar que Alcochete fosse mais um dormitório da capital.

            Claro que poder-se-ia pensar que esta posição do anterior Presidente da Câmara de Alcochete era uma posição isolada, e não era partilhada por outras forças políticas da Autarquia. Nomeadamente poderia haver um movimento de oposição ao projecto Freeport, assente numa diferente interpretação do que é o interesse público.
            Porém, podemos afirmar que não foi esse o caso.
            Ficou exuberantemente provado, por documentos e testemunhas e pelas próprias declarações do arguido Manuel Pedro, que José Dias Inocêncio, que como candidato do Partido Socialista, foi eleito Presidente da Câmara Municipal de Alcochete, substituindo Miguel Boieiro, e tomou posse como Presidente da Câmara de Alcochete no dia 7 de Janeiro de 2002, se empenhou pessoalmente na viabilização da construção do Freeport. Para se ter uma ideia de como José Inocêncio compartilhava do interesse de Miguel Boieiro sobre o projecto Freeport, igualmente se provou que ele aconselhou os arguidos a contactaram o Arquitecto Eduardo Capinha Lopes. Também a testemunha Rui Nobre Gonçalves, o Secretário de Estado do Ambiente, declarou que se recorda de ter tido uma reunião a pedido do presidente da Câmara Municipal de Alcochete, José Inocêncio, na qual esteve ainda o Ministro do Ambiente e funcionários do Ministério. Essa reunião tinha como objectivo, ao que se lembra, fazer sentir ao Ministério do Ambiente a importância local do projecto Freeport, e também perceber bem quais as razões que levaram ao chumbo ambiental.
            Também a testemunha João Cabral declarou que se recorda que pouco tempo depois da decisão ambiental desfavorável de Dezembro de 2001, talvez em Janeiro, houve uma reunião no Ministério do Ambiente, promovida por José Inocêncio, onde também esteve Gary Russell, cujo objectivo era saber a melhor maneira de fazer avançar o projecto Freeport. Aliás, João Cabral declarou ainda que ao que se recorda foi José Inocêncio quem sugeriu o Gabinete de Arquitectura Capinha Lopes para continuar o projecto Freeport. Temos ainda no mesmo sentido o relatório que a “Smith e Pedro” enviou no dia 7 de Janeiro de 2002 a Gary Russel.
            Podemos concluir de todas estas provas que o entusiasmo de Miguel Boieiro com o projecto Freeport era compartilhado, senão mesmo superado pelo seu sucessor José Inocêncio, que apesar de provir de uma força política concorrente, igualmente entendia que tal projecto era extremamente importante para o Concelho, e daí se ter empenhado tanto no mesmo. Aliás, o interesse despertado com este projecto é inteiramente compreensível, e seria mesmo estranho se as autoridades locais não quisessem o mesmo.
            Mas poder-se-ia dar o caso de o projecto Freeport ser muito importante do ponto de vista local, ou seja, para o Concelho de Alcochete, mas por qualquer razão ser considerado inconveniente do ponto de vista já não local, mas sim nacional. Ou, pelo menos, haver opiniões divergentes sobre o mesmo dentro do Governo.
            Mais uma vez, porém, dispomos de vários factos e provas que nos mostram que assim não foi.
            Ficou provado que logo no dia 18 de Janeiro de 2002 teve início na DRAOT novo procedimento de AIA, com base num projecto apresentado pela “Freeport Leisure Portugal, SA”. No dia 25 de Janeiro de 2002, a DRAOT oficiou à "Smith e Pedro Consultores Associados, Lda.", solicitando o envio, até ao dia 28/01/2002, de elementos complementares para efeitos de conformidade do EIA. A 30 de Janeiro de 2002, A DRAOT informou a "Smith e Pedro Consultores Associados, Lda" que "A comissão de Avaliação deliberou declarar a Conformidade do Estudo de Impacte Ambiental", com a concordância do ICN. No dia 5 de Fevereiro de 2002, iniciou-se o período de consulta pública do processo de AIA, tendo o mesmo decorrido até 05/03/2002 (21 dias). E no dia 14 de Março de 2002 foi emitido parecer favorável condicionado pela Comissão de Avaliação de AIA e, na mesma data, por despacho do Secretário de Estado do Ambiente, foi emitida "decisão (DIA) favorável condicionada” ao pedido de AIA, formulado em 18/01/2002.
            Ou seja, de 6 de Dezembro de 2001 para 14 de Março de 2002 o projecto Freeport passou de uma Decisão de Impacto Ambiental desfavorável para uma favorável condicionada.
            Sabemos que o projecto que veio a merecer a decisão favorável condicionada em 14.3.2002 não era exactamente o mesmo que foi alvo de decisão desfavorável em 6.12.2001. Mas, sem perder de vista que este Tribunal não tem qualquer conhecimentos de arquitectura mas que procurou ouvir especialistas na matéria, vejamos melhor que prova foi produzida sobre essa mudança, para tentar perceber se foi essa mudança que justificou passar da avaliação desfavorável para a favorável condicionada, ou se houve outros factores.
            Francisco Ferreira, Professor Universitário e especialista em matéria de ambiente, que prestou um depoimento totalmente credível e isento, declarou que analisou o processo do ponto de vista ambiental, para a Quercus. Concluiu que este processo foi objecto de 3 avaliações de impacto ambiental, que o último processo de AIA foi extremamente célere, embora não tenha sido o único. E essa celeridade sempre foi considerada estranha, por não ter havido alterações essenciais entre o segundo EIA e o terceiro. Se o segundo foi chumbado, e o terceiro não tem alterações essenciais em relação ao segundo, então não se compreende a pressa na aprovação. Esta testemunha foi categórica em dizer que entre a segunda e a terceira decisão de impacto ambiental não houve nenhuma alteração essencial, que justificasse passar da reprovação para a aprovação.
            Maria Antonieta Abreu Castaño, que foi Presidente da terceira e última Comissão de Avaliação do impacto ambiental do Freeport, declarou que nesse último processo de avaliação houve uma orientação para que a Comissão de Avaliação integrasse chefes de divisão de todos os serviços, e não simples técnicos, como tinha acontecido nas anteriores, para a avaliação no mais curto espaço de tempo. E disse que essa orientação foi-lhe transmitida pela Directora Regional. Aliás, ficou escrito no processo o despacho nesse sentido. Perguntada sobre a razão dessa urgência, respondeu que era um projecto que já vinha do ano 2000,  de grande envergadura e no qual a CMA estava muito interessada porque iria contribuir para o desenvolvimento do Conselho. Claro que fica por explicar, se o projecto era considerado assim tão importante, ao ponto de após decisão desfavorável em 6.12.2001 se iniciar novo procedimento administrativo com indicação de urgência que levou a uma decisão favorável em tempo recorde, porque é que não foi logo proferida em 6.12.2001 a decisão favorável condicionada à eliminação das valências que acabaram por ser retiradas ?
            Maria Fernanda Vara Castor Teixeira, que foi Directora Regional do Ambiente entre 1999 e 2002, declarou que houve uma reunião no Ministério do Ambiente, logo a seguir ao parecer desfavorável da Comissão de Avaliação e ao chumbo de Dezembro de 2001, para saber como ultrapassar o problema. Para analisar as razões do parecer desfavorável e como as ultrapassar. Quem a convocou foi o Gabinete do Secretário de Estado Rui Gonçalves. Estava presente o Ministro do Ambiente José Sócrates, o Presidente do ICN, o Presidente da Câmara Municipal de Alcochete, o Secretário de Estado Rui Gonçalves, ela própria, Eduardo Capinha Lopes e ainda o arguido Manuel Pedro. E afirmou que um dos objectivos da reunião era saber, do ponto de vista técnico, o que fazer para o projecto ser aprovado. E por outro lado alertar para o valor do investimento em causa e do seu significado. Declarou que estava em causa um investimento avultadíssimo em termos de economia nacional, pensa que o maior já feito até hoje em Portugal.
            Carlos Alberto Marcelino de Albuquerque, que trabalhou no ICN, e que interveio no processo de Avaliação de Impacto Ambiental, começou por declarar algo de óbvio, mas que é importante lembrar: que os chumbos e as aprovações são actos políticos. Explicou que no terceiro procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental houve indicações para concluir o processo num certo e determinado prazo. E essa indicação veio da Presidência da Comissão de Avaliação, Arquitecta Antonieta Castaño. Mais concretamente, declarou que na primeira reunião da Comissão de Avaliação foi-lhes dito: "este é o prazo. Cumpram-no". E ele limitou-se a cumprir o prazo. Não se recorda se o prazo lhe foi dado em dias, ou se lhe foi dito têm até uma semana antes do término de funções do governo: mas diz que ia dar ao mesmo. Perguntado sobre a razão de ser dessa urgência disse que não encontrava outra razão que não fosse o prazo que o governo ainda iria estar em funções até às próximas eleições. Disse mais. As palavras exactas ditas pela testemunha foram estas: há um ministro do ambiente, há um secretário de estado do ambiente, e todos os Portugueses sabem que estão em funções até determinada data. Se eles fixam um prazo próximo dessa data, é porque querem ser eles a tomar essa decisão. Não se recorda se lhe foi transmitida a causa da urgência, mas diz que é óbvio que tinha a ver com a cessação de funções do governo.
            E se formos ler o Parecer sobre questões ambientais técnicas elaborado por Manuel Duarte Pinheiro, que constitui o Apenso T junto a estes autos, veremos alguns dados interessantes. Veremos, por exemplo, que "entre 2000 e 2002 houve cinco processos que tiveram primeiro decisões de desconformidade, depois decisão desfavorável e a seguir decisão favorável condicionada, nomeadamente dois deles públicos (A11/IC14 Esposende - Barcelos - Braga, Sublanço En 205 - Barcelos e Porto de Recreio de Faro), e os outros 3 privados, entre os quais se encontra o Freeport. Em termos individuais, o processo de AIA do Freeport (nº 844) demorou 55 dias de calendário, pelo que foi o tempo mais reduzido do registo dos processos de AIA. Tinha havido para o mesmo empreendimento dois outros processos (desconformidade e desfavorável). Se analisarmos o tempo dos processos de AIA que abrange esta intervenção em Alcochete, o prazo total de avaliação, nos serviços no primeiro processo foi de 137 dias, no segundo foi de 198 dias e na aprovação de 55 dias, o que totaliza 390 dias. Em síntese, o processo 844 foi célere, mais do que o usual, mas tinha antecedentes de análise que podem explicar esta possibilidade".
            Mais adiante, aprofunda-se esta análise, e escreve-se: "a avaliação de 2002 -que se sucedeu a uma desconformidade e a um parecer desfavorável, foi a mais rápida entre as 946 decisões favoráveis condicionadas (que estão registadas na Agência Portuguesa de Ambiente), tendo demorado 55 dias de calendário (valor mais reduzido encontrado), quando em média, por exemplo na amostra de 2000 a 2002, demoram em média 239 dias (cerca de 8 meses), embora haja uma elevadíssima variabilidade, sendo assim dificil estabelecer um padrão".
            Outro aspecto importante que se retira do citado Parecer é este: "os pareceres, nomeadamente o parecer do ICN, a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) e a alteração da ZPE apresentam a mesma data da DIA favorável condicionada, ou seja, 14.3.2002".
            A 17.3.2002 realizaram-se eleições legislativas em Portugal.
            Assim, deste conjunto de factos e de provas resulta quanto a nós evidente e incontroverso que, quer a Câmara Municipal de Alcochete sob a presidência de Miguel Boieiro, quer a Câmara Municipal de Alcochete sob a presidência de José Inocêncio, quer o Ministério do Ambiente sob o consulado de José Sócrates, eram unânimes no interesse empenhado em receber este investimento do grupo Freeport Leisure PLC, e que em consequência se empenharam ao máximo para que o projecto do complexo comercial Freeport fosse aprovado em 2002.

            Estamos a falar de um empreendimento lúdico-comercial a ser instalado em Alcochete, que era activamente desejado pelas autoridades autárquicas locais, provindas de dois partidos políticos diferentes, e que era igualmente desejado pelo Governo.
            Estamos a falar de um empreendimento que era apontado como o maior investimento estrangeiro na economia nacional, ou pelo menos um dos maiores até à data.
            Temos um Governo demissionário em que o Ministério do Ambiente tudo fez para que o licenciamento ambiental fosse concedido ainda antes de cessar funções, e conseguiu.
            Tinhamos já em Dezembro de 2001 a possibilidade legal de dar luz verde do ponto de vista ambiental ao projecto, através de uma Decisão de Impacto Ambiental favorável condicionada.
            Temos um parecer da Comissão da Avaliação que foi enviado ao Gabinete do Secretário de Estado do Ambiente em 26 de Novembro de 2001, no qual foi proposta a decisão de desfavorabilidade, mas temos ao mesmo tempo, no parecer do ICN que a acompanhava, a lista das modificações que teria que sofrer o projecto por forma a que pudesse vir a ser objecto de uma aprovação e que, resumidamente, tinham a ver com a supressão de valências, tais como o hotel, o bowling, a discoteca, a iluminação e a redução dos lugares de estacionamento.
            Temos uma proposta feita aos arguidos 48 horas antes de o Secretário de Estado proferir a decisão, para que estes a reencaminhassem para a Freeport, de que mediante o pagamento de dois milhões de libras, a decisão de impacto ambiental seria favorável, mas que só dispunham de 48 horas para fazer o pagamento.
            Temos os principais Administradores da Freeport a dizer que não deram qualquer relevância a essa proposta, e que óbviamente não pagaram nada.
            Temos documentos elaborados pelos arguidos à data, que se destinaram a comunicar à Freeport que tudo estava encaminhado para em Dezembro ser proferida a desejada e esperada DIA favorável condicionada.
            Temos um depoimento totalmente isento e credível de Nicholas Lamb, arquitecto da empresa inglesa Benoy, que nos explicou que tem uma longa experiência deste tipo de projectos, e sabe que são sempre processos morosos, ao longo dos quais há inúmeras reuniões e consultas entre os responsáveis pelo projecto e as autoridades locais, e todos os ajustes e alterações que são necessários introduzir já foram comunicados à equipa técnica e introduzidos no projecto, e que foi exactamente assim que as coisas se passaram com este caso. E além disso, a confirmar esta prática, tinham informação vinda dos arguidos de que o projecto iria ser aprovado com condições; por isso é que a decisão desfavorável de Dezembro foi para ele e a sua equipa um choque.
            Temos um documento "profético", elaborado no escritório de advogados de Albertino Antunes, em 5 de Dezembro de 2001, onde se faz referência a que para a aprovação do projecto seria necessário "alterar o uso previsto para as áreas da discoteca, bowling, ...... , e que o parqueamento previsto deverá ser reduzido para cerca de metade", sendo que essas alterações correspondiam no essencial ao que constava do parecer do ICN[21];
            Temos, exactamente 48 horas depois dessa proposta ser apresentada, uma decisão de impacte ambiental desfavorável, proferida com base no parecer da CA e porque, segundo o ICN, “o projecto, localizado na Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo, apresenta elevadas cargas de visitantes e de ocupação que não se coadunam com os objectivos da política do ambiente e conservação da natureza que levaram à criação desta ZPE, nem com o disposto na Directiva Aves e Habitats.
            Temos, pouco tempo depois, um novo processo de avaliação de impacte ambiental iniciado em 18 de Janeiro de 2002 e concluído em 14 de Março do mesmo ano, que foi o "tempo mais reduzido do registo dos processos de AIA", pelo menos até Junho de 2009.
            Verificamos, ao ler essa decisão favorável, que a mesma está condicionada ao cumprimento de medidas de minimização como a eliminação das valências hotel, discoteca, health-club e bowling, e a redução dos lugares de estacionamento na área B, de 3007 para 1600[22].


            E verificamos igualmente que a decisão favorável condicionada foi proferida em 14.3.2002, mais uma vez dando à referência constante do "memo" redigido no escritório dos advogados de que mudando as equipas o projecto seria aprovado em cerca de 90 dias, uma natureza claramente profética. O escritório de Advocacia de Albertino Antunes era o verdadeiro "escritório de Cassandra".

            Perante todo este cenário, que é pacífico, este Tribunal considera que há fortes indícios de a proposta de pagamento de dois milhões de libras ter vindo de alguém com acesso ao poder de decisão dentro do Ministério do Ambiente.

            Esta possibilidade, que aflora com grande consistência e solidez da prova produzida e analisada nesta audiência, vai ter importantes repercussões na análise dos restantes factos alegados na acusação.

            Sabemos que logo a seguir a ser proferida a decisão desfavorável, o arguido Charles Smith contactou Júlio Eduardo Coelho Monteiro, tio do então Ministro do Ambiente José Sócrates, e que conseguiu através daquele obter a promessa de uma reunião com este.
            Temos prova abundante que nos mostra que o revés que constituiu a DIA desfavorável não paralisou o andamento do projecto. Com efeito, ficou profusamente demonstrado, por documentos e testemunhas, que logo a partir de 11 de Dezembro de 2001, apenas 5 dias após ser proferida a decisão do Secretário de Estado, os arguidos estavam de novo em plena actividade, enquanto consultores da Freeport, para fazer avançar o projecto.
            E a primeira mudança ocorrida nesta altura, referida com algum destaque na acusação foi a substituição da equipa de arquitectos "Promontório", pela "Capinha Lopes e Associados". E parece (dizemos parece porque tal não resulta de forma clara do texto da acusação) que se pretende imputar à acção dos arguidos essa mudança na equipa de arquitectos. Referimo-nos por exemplo ao artigo 65º da acusação, no qual se alega que "no dia 11 de Dezembro, aconselhados por José Inocêncio, os arguidos Charles Smith e Manuel Pedro contactaram Eduardo Capinha Lopes solicitando uma reunião". Sabendo nós que José Inocêncio só foi eleito como Presidente da Câmara de Alcochete no dia 16 de Dezembro de 2001 (artigo 68º da acusação), não deixa de ser estranho e fora dos parâmetros de normalidade que José Inocêncio já estivesse a aconselhar a mudança da equipa de arquitectos para o projecto Freeport 5 dias antes das eleições autárquicas que lhe deram o poder.
            Mas continuemos.
            Foi dito pela testemunha João Horácio Banazol, Arquitecto que fazia parte do Gabinete de Arquitectura Capinha Lopes, que o Arquitecto Eduardo Capinha Lopes havia efectuado trabalhos para a campanha eleitoral do partido socialista, nas eleições autárquicas de 2001, para os concelhos de Alcochete, Moita, Barreiro, Grândola e Santiago do Cacém.
            O documento constante do Apenso E, volume I, fls. 155 é um memo confidencial, enviado por Charles Smith para Manuel Pedro, e contém notas sobre uma reunião entre a Smith e Pedro e a Capinha Lopes, em 12 de Dezembro. Nesse documento faz-se referência a uma outra reunião que teve lugar na véspera, em Lisboa, entre a Freeport, a Capinha Lopes e a Smith e Pedro. Nesse documento escreve Charles Smith que "ficou claro que a Capinha Lopes tem excelentes relações de trabalho com o Ministério do Ambiente, e que uma rápida aprovação do projecto seria obtida desde que a Capinha Lopes fosse contratada pela Freeport.
            Este documento mostra-nos, sem margem para dúvidas, como em 11 de Dezembro de 2001 já os arguidos estavam em pleno processo de contactos com Capinha Lopes com vista a que fosse essa empresa a levar o projecto até ao fim. Mas este documento é dirigido por um arguido ao outro, e não pelos arguidos à Freeport, pelo que não vemos como ele possa ser uma concretização de um qualquer plano dos arguidos para extorquir dinheiro à Freeport. Pelo contrário, desse documento, que não temos qualquer razão para pensar que não seja genuíno, resulta até o oposto, já que dele ressalta a ênfase que os arguidos colocaram no facto de, alegadamente, Capinha Lopes ter excelentes relações de trabalho com o Ministério do Ambiente, o que seria uma garantia da rápida aprovação do projecto caso a Freeport o contratasse.
            Onde já se poderia ver um afloramento desse plano seria no documento constante do Apenso CR, volume XIII, fls. 3288/3289: trata-se de um e-mail datado de 13.12.2001, de Charles Smith para Jonathan Rawnsley, a comunicar que a Capinha Lopes lhes foi recomentada pelas autoridades envolvidas, e que eles estão muito próximos do Ministro do Ambiente, assegurando uma aprovação adequada no interesse de todas as partes envolvidas.
            Aqui sim, já temos uma comunicação do arguido Charles Smith dirigida a um dos Administradores da Freeport, claramente a recomendar a contratação da Capinha Lopes. Para o efeito diz Charles Smith que esses Arquitectos foram recomendados pelas autoridades envolvidas e estão muito próximos do Ministro do Ambiente. A questão agora passa por saber se Charles Smith disse a verdade nesse e-mail, ou mentiu.
            Temos também o documento constante do Apenso CR, volume XIII, fls. 3290/3291, cujo teor preenche o artigo 69º da acusação.
            Ficou igualmente provado que no dia 7 de Janeiro de 2002, a “Smith e Pedro” enviou a Gary Russel um relatório confidencial onde consta, entre outros assuntos, que: “Em resultado da situação actual, fomos contactados pelo novo Presidente da Câmara de Alcochete (CMA) que recomendou que qualquer trabalho necessário de alteração ao projecto deverá ser efectuado por um arquitecto aceitável/credível perante os departamentos técnicos do governo. Para este fim contactámos Capinha Lopes (CL) e marcámos reuniões em Lisboa e em Londres com a Freeport/ a S e P/ a CL, informando sempre o Presidente da Câmara Municipal acerca dos nossos planos. (...) Dado que o novo Presidente da Câmara é do mesmo partido político do actual governo, e ele apoia o projecto em 100%. Dado que CL são arquitectos aceitáveis e que nos foram apresentados pela CMA. Dado que a alteração de qualquer decisão pelo Secretário de Estado de Estado irá provavelmente necessitar de input do ICN/ da DRAOT/ da CMA. Dada a necessidade de considerar alguma reformulação do projecto para tomar em consideração os comentários do ICN. A Freeport deverá considerar seriamente a contratação da CL Associados para a reformulação do projecto de modo que este fique aceitável para as autoridades.”
            E, finalmente, como ficou provado (art. 70º da acusação), com base no documento constante do Apenso CR, volume 69, fls. 177/178, Jonathan Rawnsley enviou uma carta a Eduardo Capinha Lopes, em 7.1.2002, a confirmar a sua nomeação como Arquitecto Principal da Freeport em Portugal.
            Ressalta aqui, desde logo, a rapidez que se verificou na escolha e na contratação do gabinete de arquitectura Capinha Lopes. Com efeito, no mesmo dia 7 de Janeiro de 2002 sucedem duas coisas: 1) a Smith e Pedro comunica a Gary Russell as razões pelas quais a Freeport deveria contratar Capinha Lopes; 2) Jonathan Rawnsley envia uma carta a Eduardo Capinha Lopes a confirmar a sua nomeação como Arquitecto Principal da Freeport em Portugal.
            Mas continuamos sem perceber a necessidade de substituir a equipa de arquitectos. Poderemos dizer, tal como a acusação inculca, que essa substituição partiu da acção dos arguidos, e que não era de todo necessária para a aprovação do projecto ?
            Vejamos o que foi dito pelas testemunhas sobre esta matéria.
            João Horácio Banazol, Arquitecto insuspeito, que fazia parte do Gabinete de Arquitectura Capinha Lopes, declarou que foram contactados por Charles Smith e Manuel Pedro para reformular o projecto, e a sua intervenção foi cumprir as directivas que constavam no parecer do ICN. Mais diz que lhes foi comunicado por Jonathan Rawnsley, numa deslocação que este fez a Lisboa, que a Freeport não estava satisfeita com o trabalho desenvolvido pelo arquitecto inicialmente contratado. Quando lhe foi perguntado se o gabinete Capinha Lopes tinha alguma relação preferencial com o ICN ou com o Ministério do Ambiente ou com o Ministro do Ambiente, disse que com essas entidades não havia relação alguma; acrescentou até que a Capinha Lopes nunca tinha feito qualquer trabalho na área do ambiente. Tinham apenas o que qualificou como uma leve relação com a Câmara Municipal de Alcochete: fizeram uns trabalhos para as eleições autárquicas do candidato José Inocêncio, que concorria pelo PS. Fizeram mais algumas colaborações noutros municípios, mas sempre para o PS. Quando perguntado se foram contratados pelas suas características técnicas ou por relações mais políticas, riu-se e disse que não sabia responder a isso. Quando confrontado com o documento constante do Apenso E, volume 13, fls. 3928 e 3929 (trata-se da matéria vertida no artigo 66º da acusação: notas de uma reunião onde se diz que o Gabinete CL tem excelentes relações com o Ministério do Ambiente e que será mais fácil obter-se uma rápida aprovação do projecto desde que a CL seja nomeada pelo Freeport), a testemunha diz que esta afirmação não tem nenhum fundamento. De imediato foi-lhe perguntado se então alguém invocou essa proximidade com o Ministério do Ambiente como forma de contratar a CL. Aqui a testemunha, de uma forma que até aumentou a sua credibilidade, denotou alguma dificuldade em responder, hesitou, sorriu e perguntou: "o sr. Procurador conhece o meu ex-sócio ? Se conhecesse talvez essa pergunta fosse escusada: ele é um bom e convincente negociador".
            Acrescentou que daquilo que se lembra, eles foram contactados directamente pela Freeport, e não sabe se foi a Câmara Municipal de Alcochete que indicou o nome deles aos arguidos.
            Foi-lhe perguntado a seguir se, tendo em conta aquilo que se recomendou no parecer do ICN e no despacho que chumbou o projecto, seria assim tão dificil encontrar um arquitecto que fizesse as alterações necessárias para se obter uma decisão favorável. E a resposta, categórica, foi: "para responder de modo franco a essa pergunta acho que ia deixar mal vistos os meus colegas. Eles pegaram no parecer do ICN e traduziram-no, não num projecto novo mas numa alteração considerável ao projecto que estava desenvolvido. Sem querer desvalorizar, creio que qualquer arquitecto com dois dedos de testa estaria apto para fazer esse trabalho".
            Mais acrescentou que houve reuniões para a contratação da Capinha Lopes, e ele esteve presente em algumas, não em todas. Disse ainda que não houve intermediários no contrato entre a Capinha Lopes e a Freeport: a contratação não passou, pois pela Smith e Pedro, e eles acordaram os honorários directamente com a Freeport.
            Nas reuniões em que esteve, da parte da Capinha Lopes estavam presentes ele e o Eduardo, da Smith e Pedro estavam os dois arguidos e João Cabral, e da parte da Freeport estava Jonathan Rawnsley, o próprio dono, Sean Collidge, o chefe financeiro da Freeport, Gary Russell, e também Rik Dattani. Estas pessoas vieram a Portugal, e eles também foram a Inglaterra.
            Jonathan Louis Rawnsley, declarou que era gestor de projectos, coordenava o desenvolvimento de vários projectos em vários sítios da Europa, um deles o de Alcochete. Ao tomar conhecimento do chumbo de Dezembro de 2001 ficaram espantados. Disse que a Smith e Pedro procurou saber o que correu mal, e houve uma recomendação do Presidente da Câmara para mudar de arquitecto, para contratar um arquitecto "more simpathetic", o que poderemos traduzir como "mais compreensivo com o interesse da Freeport", e que seria a Capinha Lopes. À pergunta directa sobre porquê mudar a equipa de Arquitectos, respondeu que foi uma recomendação do presidente da Câmara de Alcochete, dirigida aos arguidos, que depois lhe transmitiram a ele, para usar um arquitecto já envolvido em projectos locais, e para tornar o projecto mais "português". E isto apesar de saber que a Benoy tinha sub-contratado uma empresa portuguesa, a Promontório.
            De seguida a testemunha foi confrontada com o documento constante do Apenso E, volume 1, fls. 155 (que é um memo confidencial contendo notas de uma reunião em 12/12/2001, no qual se diz que a Capinha Lopes tinha excelentes relações com o Ministério do Ambiente e que se CL for contratada a aprovação do projecto será rápida e garantida): e foi-lhe perguntado se afinal a Capinha Lopes tinha sido contratada pelas razões que a testemunha acabara de explicar, ou pelas que vêm neste documento. A resposta não foi convincente, notou-se alguma hesitação, e de útil retirou-se apenas que declarou que nunca há garantias de aprovação. Foi ainda confrontado com o documento constante do apenso E, volume 1, fls. 156: trata-se de um e-mail enviado por Charles Smith em 13/12/2001, para Gary Russell, onde recomenda Capinha Lopes como sendo o arquitecto indicado pelas autoridades, e muito próximo do Ministério do Ambiente: a testemunha respondeu que já não se lembra, mas acrescenta que confiava na Smith e Pedro para aconselhar o melhor arquitecto para ser contratado. Disse ainda que esteve numa reunião com membros do Ministério do Ambiente, incluindo o próprio Ministro José Socrates, que teve lugar logo quase a seguir ao chumbo de 2001. E a razão de ser dessa reunião era perceber as razões para a recusa, perceber porquê tinha sido chumbado, para poder finalmente avançar com o projecto. Ao que se lembra essa reunião foi agendada ou por Charles Smith ou por Manuel Pedro.

            Paulo Miguel Garcia Perloiro, Arquitecto, e sócio-gerente do Gabinete de Arquitectura Promontório explicou que foram contratados pela Benoy para fazer o projecto do outlet Freeport, ou, melhor dizendo, para colaborar com a Benoy na elaboração do Projecto.
            Explicou que o contrato que celebrou com a Benoy pressupunha que a Promontório levasse o projecto até à fase da construção, incluindo o acompanhamento da obra. Era suposto esse contrato durar pelo menos dois anos. Acabou por ser um processo muito conturbado, e do qual ele saiu a meio, e do qual não tem boas recordações. Sobre a razão pela qual a sua empresa saiu do projecto, disse que começaram a ter dificuldades em receber as facturas em Junho de 2001, o que para si era um mau presságio. Mas que continuaram a trabalhar até final de 2001 e a emitir facturas de acordo com o contrato, e a Benoy dizia que não podia pagar enquanto não recebesse da Freeport. No final de 2001 a situação tornou-se insustentável para ele do ponto de vista financeiro. E foi nessa altura (fim de 2001 e início de 2002) que a Benoy prescindiu dos seus serviços. Mais acrescentou que não lhe deram qualquer explicação sobre o motivo pelo qual foram afastados. Só recebeu o dinheiro que lhe era devido em Março ou Abril de 2002, e de uma só vez.
            Mais declarou que nunca ninguém os confrontou com a Decisão de Impacto Ambiental desfavorável, para eles se poderem defender, nem lhe foi pedido que se defendessem dessa decisão, nem lhe pediram que alterassem o projecto. Mas não obstante declarou que teve conhecimento dessa decisão, e que por isso pode dizer que o que estava no projecto e o que foi construído é rigorosamente a mesma coisa, menos as tais valências, do hotel, casino, e night club; aliás, essas valências não faziam qualquer sentido naquele projecto. Sabe que foi contratado outro gabinete de Arquitectura "nas suas costas", mas nunca lhe foi explicada a razão.
            Sobre a razão pela qual a Promontório foi inicialmente contratada, explicou que a Benoy foi ter com o maior promotor de centros comerciais em Portugal, que é a SONAE, e aconselhou-se com eles, e a SONAE recomendou a sua empresa. Isto porque a Promontório já tinha feito vários projectos de Centros Comerciais para esse cliente. Quando perguntado sobre a Capinha Lopes, disse que à data a Capinha Lopes não tinha qualquer experiência em matéria de centros comerciais, e logo não eram concorrentes dele.
            João Cabral, que como já vimos é Engenheiro civil e trabalhava na Smith e Pedro, declarou que lhe contaram que foi Sean Collidge que exigiu o afastamento da Promontório porque esta empresa estava ligada à SONAE e o Sean Collidge, que era uma pessoa de birras, tinha um ódio de estimação em relação à SONAE.
            Gary Russell, que foi Director Comercial da Freeport, declarou que se recorda que mudaram a equipa de arquitectos durante o desenrolar do projecto, mas não se lembra quando. Sobre a razão da mudança, foi-lhes dito que os Arquitectos Capinha Lopes estavam bem relacionados e poderiam mais fácilmente obter a aprovação do projecto. Recorda-se ainda de ter estado, juntamente com Sean Collidge, e talvez Jonathan Rawnsley, numa reunião com o Ministro do Ambiente da altura, José Sócrates, no gabinete deste, onde explicaram a importância do projecto para Alcochete.
            Nicholas Lamb: é Arquitecto e Managing Director da Benoy. À data era Director de Projectos, e responsável pelos escritórios de Londres da Benoy.
            A Benoy entrou neste projecto em finais de 1999. E cessaram a sua intervenção em Março de 2002. Os seus contactos com a Freeport eram feitos quase exclusivamente através de Jonathan Rawnsley, que pertencia ao Conselho de Administração, e que tinha um assistente chamado Rik Dattani. Explicou que conheceu os arguidos em Março de 2000, quando foi ao local ver o terreno. Sabia que os arguidos iriam ser a ligação com as autoridades locais, para obter as aprovações necessárias.
            Explicou ao Tribunal que neste tipo de projectos a Benoy trabalhava sempre com um Arquitecto local. Neste caso de Alcochete houve uma mudança da equipa de Arquitectos locais. Inicialmente era a Promontório, e passou a ser a Capinha Lopes. O que é habitual acontecer é a Benoy ir-se afastando gradualmente do projecto, o qual vai passando cada vez mais para as mãos da empresa de arquitectos locais. Neste caso concreto do outlet de Alcochete a Benoy cessou abruptamente a sua intervenção, com a mudança para a Capinha Lopes. Mais explicou que enquanto a Promontório tinha sido contratada pela Benoy, já a Capinha Lopes foi contratada directamente pela Freeport.
            Sobre a causa da substituição da equipa de arquitectos apenas sabe o que Jonathan Rawnsley lhe disse. Nesta fase da fundamentação, vamos remeter para o que dissemos atrás sobre o valor dos depoimentos indirectos, porque o depoimento de Nicholas Lamb foi considerado por este Tribunal totalmente credível. Nicholas Lamb reproduziu perante o Tribunal aquilo que à data lhe tinha sido transmitido por Jonathan Rawnsley, e que foi o seguinte: "tinha ido a uma reunião com o Ministro do Ambiente, logo no início de Janeiro de 2002, para saber o porquê do chumbo, e a explicação foi a de que tinham os arquitectos errados, e que a Capinha Lopes era a empresa certa. Mais foi dito que com a Promontório seria muito improvável que algum dia viessem a conseguir a aprovação, porque a Promontório apoiava o partido errado. Jonathan Rawnsley terá ficado surpreendido com aquela informação, porque a Benoy era uma empresa internacional, com uma boa reputação. E o Ministro ter-lhe-ia dito: não estou a falar da Benoy, estou a falar dos arquitectos locais. E, de acordo com o que Jonathan Rawnsley lhe disse, nessa altura o Ministro do Ambiente ter-lhe-á passado um papel com um nome e um telefone, dizendo que aqueles arquitectos é que seriam capazes de obter a aprovação. E era muito importante que o pedido fosse apresentado até Março, que era a data das eleições.
            Nicholas Lamb acrescentou que a substituição da equipa de Arquitectos foi uma pura questão política, pois a Promontório era uma empresa extremamente capaz. Mas ainda explicou mais: disse que no início de 2000 entrevistaram 3 Arquitectos Portugueses para escolher o melhor para o lugar, e escolheram a Promontório, porque já tinham boas referências, sabiam que já tinham trabalhado para a SONAE e tinham experiência naquela área. A Capinha Lopes não tinha nem de perto nem de longe a mesma experiência.
            Explicou ainda que do projecto chumbado para o que foi aprovado o que mudou foi a remoção do Hotel, do Night Club e das instalações desportivas, e uma redução da área de cerca de 100.000 m2 para 75.000 m2, que era cerca de 25% do total da área.
            Disse ainda que teria preferido manter a Promontório, mas a Freeport foi inflexível disseram-lhe mesmo "Nós temos de meter a Capinha Lopes !"
            Que mesmo assim a testemunha ainda tentou explicar à Administração da Freeport que a mudança dos Arquitectos era uma péssima ideia, porque mudar de Arquitecto a meio de um projecto iria criar problemas jurídicos complexos: por um lado, era preciso resolver a maneira de cessar o contrato com os primeiros. E depois, era necessário o acordo da autora do Projecto inicial para que outro Arquitecto pegasse no trabalho deles. Mas a Freeport não deu qualquer importância a estes argumentos. E, disse a testemunha, que foi de facto um processo muito complicado, o de desligar a Promontório do projecto.
            Fazendo um ponto da situação, mais uma vez verificamos que nada neste processo é linear.
            Jonathan Rawnsley, quando colocado perante a pergunta sobre as razões da substituição da equipa de arquitectos, deu duas respostas diferentes em dois momentos diferentes e a interlocutores diferentes:
            a) nesta audiência de julgamento -no ano de 2012, portanto- declarou o que já analisámos, que foi uma recomendação do presidente da Câmara de Alcochete, dirigida aos arguidos, que depois lhe transmitiram a ele, para usar um arquitecto já envolvido em projectos locais, e para tornar o projecto mais "português".
            b) numa conversa com Nicholas Lamb, em inícios de 2002, e logo, a quente, no momento em que tudo isto se passou, disse aquilo que acabámos de transcrever.
            Mais uma vez estamos perante uma situação clássica de recurso à regra segundo a qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
            A explicação dada nesta audiência de julgamento, de substituir um arquitecto português por outro arquitecto igualmente português, para assim tornar o projecto mais português, para usar uma expressão muito em voga, vale o que vale. Ou seja, não vale nada.
            A explicação dada a Nicholas Lamb, que era o responsável pela contratação da Promontório, e que por isso tinha um interesse directo e imediato no assunto, no momento em que a mudança foi feita, parece-nos mais lógica, mais razoável, mais conforme com as regras da experiência, e enquadra-se melhor com toda a prova que já analisámos até aqui. E vai igualmente no sentido favorável aos arguidos, pois mostra que eles nada tiveram a ver com a mudança da equipa de arquitectos.
            Mas isto não chega. É necessário dizer ainda mais. Os depoimentos das testemunhas Jonathan Rawnsley, Gary Russell e Peter Woolley foram coincidentes num aspecto central da matéria de facto, que já analisámos exaustivamente atrás. Referimo-nos à comunicação feita por Charles Smith em 5.12.2001, de que um grupo de advogados lhe tinha dito que o projecto ia ser chumbado dali a 48 horas, mas seria aprovado se a Freeport pagasse dois milhões de libras.
            E a coincidência total nos depoimentos destas 3 testemunhas foi o terem dito que não deram qualquer relevo a esse assunto. Este Tribunal ainda pode entender que no momento em que a comunicação foi feita, ela tenha apanhado os Administradores da Freeport de surpresa, e a primeira reacção deles tenha sido a de considerar tudo aquilo uma brincadeira de mau gosto. Sabemos todavia, da leitura do documento manuscrito por Rik Dattani e identificado supra, que pelo menos foi dado o relevo suficiente ao assunto para alguém ter contactado a Sociedade de Advogados Vieira de Almeida, de quem a Freeport era cliente, para falar sobre aquele assunto.
            Mas o que já não é aceitável é a declaração dos mesmos, quando confrontados com a decisão ambiental desfavorável, proferida logo no dia seguinte ao telefonema de Charles Smith, de dizer que não se lembraram de estabelecer uma relação de causa e efeito entre um evento e o outro, e que continuaram a desvalorizar o assunto e a tratá-lo como irrelevante. E esse depoimento ainda se torna mais suspeito quanto é certo que este Tribunal sabe que toda a informação que a Freeport tinha recebido até ao momento, provinda dos próprios arguidos, sobre a decisão de 2001 apontava para uma decisão favorável condicionada.
            Mais uma vez fazendo apelo às regras da experiência e a critérios de normalidade e razoabilidade, nos termos constantes da jurisprudência que citámos atrás, temos como adquirido que Gary Russell, Jonathan Rawnsley e Peter Woolley sabiam o que estava em causa para a Freeport, pelo menos financeiramente com este projecto de Alcochete, sabiam quanto dinheiro a empresa já tinha aplicado neste projecto, com a descontaminação do solo e com a contratação das várias equipas necessárias ao projecto, sabiam que tudo estava bem encaminhado para obter em Dezembro de 2001 uma DIA favorável, ainda que condicionada, e subitamente são confrontados num dia com um pedido de depósito de 2 milhões de libras sob pena de a DIA ser desfavorável, e dois dias depois com a própria DIA desfavorável. Querer fazer crer a este -ou a qualquer outro- Tribunal que não fizeram a associação entre estes dois eventos e que os trataram separadamente, é a demonstração que existe uma concertação entre essas 3 testemunhas para omitir essa óbvia relação.
            Sendo do mais elementar senso comum que naquele conjunto de circunstâncias de ligação entre a proposta, a decisão desfavorável e o timing de uma e outra, qualquer pessoa medianamente inteligente teria feito de imediato a ligação causal entre os dois eventos, é óbvio que Jonathan Rawnsley, Gary Russell e Peter Woolley fizeram essa associação. Temos aliás prova documental disso mesmo, que analisaremos seguidamente.
            Mas podemos pois concluir desde já, escudados no princípio da livre apreciação da prova  (art. 127º CPP), e com base no raciocínio que deixámos exposto, que Jonathan Rawnsley, Gary Russell e Peter Wolley faltaram à verdade quando disseram que não deram qualquer relevância ao assunto do pedido de pagamento de 2 milhões de libras. Deram a esse assunto relevância máxima, como é evidente, e seria estranhíssimo que o não tivessem feito.
            E é por esta mesma ordem de razões que concluímos que Jonathan Rawnsley não disse a verdade a este Tribunal sobre a razão pela qual foi substituída a equipa de arquitectos.
            Já a explicação que ele apresentou a Nicholas Lamb, e que este transmitiu ao Tribunal, fez sentido em si mesma, provém de uma testemunha que prestou um depoimento totalmente credível, que não pertence nem pertenceu aos quadros da Freeport, e é congruente com todas as outras provas produzidas e analisadas nos autos.
            Foi necessário fazer este longo percurso de análise da prova para poder extrair a conclusão que agora nos interessa: a de que apesar da aparência que resulta das comunicações feitas entre os arguidos e a Freeport descritas nos factos provados, a substituição da equipa de arquitectos, que se demonstrou ser totalmente desnecessária para a aprovação do projecto e até criadora de problemas desnecessários, não partiu da acção dos arguidos Charles Smith e Manuel Pedro.
            Assim, há fortes indícios não do que a acusação alega, mas sim do seu contrário: que a alteração da equipa de arquitectos e a escolha do nome Capinha Lopes não partiu dos arguidos, antes foi imposta à Freeport como condição para obter a DIA favorável.
            Outro golpe vibrado na tese vertida na acusação.
            E mais uma vez chegamos a uma conclusão oposta à tese vertida na acusação, usando para o efeito exclusivamente a prova indicada na própria acusação, a qual só quando tomada pelo seu valor facial ou literal é que parece sustentar a conclusão retirada pelo Ministério Público. Mas basta passar além da mera aparência e começar a conjugar os vários documentos analisados com os depoimentos testemunhais, e logo o cenário começa a mudar drasticamente, em benefício dos arguidos.

            Neste momento, em que já percorremos o essencial do caminho que o texto da acusação nos forçou a percorrer, resta-nos apreciar mais a fundo os artigos 83º a 93º daquele texto.
            Nesses artigos estão descritas várias comunicações isoladas entre os arguidos e os Administradores da Freeport, sobretudo Gary Russell, já referidas supra, cujo teor, como não podia deixar de ser, é estranho e ambíguo, e terá sido olhado pelo Acusador público como manifestações do alegado plano de extorsão arquitectado pelos arguidos.

            Vejamos então tais comunicações ao detalhe.

            No artigo 83 da acusação lê-se que "no dia 6 de Abril de 2002 tomou posse o XV Governo Constitucional e, no dia 9 do mesmo mês, o arguido CHARLES SMITH enviou uma carta a Sean Collidge, onde, entre outros assuntos e aludindo a uma reunião ocorrida em Lisboa, em Janeiro de 2002, referiu: "(...) Embora seja contra a minha natureza, e acredito contra a sua também, sinto que devemos continuar a dialogar com o Ministério do Ambiente no que se refere às aprovações e aos respectivos prazos".
            Para procurar entender melhor este texto, que à primeira vista não é de entendimento linear, vamos olhar para a totalidade do documento de onde foi retirado. Consta do Apenso E, volume VII, fls. 1849, e é uma carta escrita pelo arguido Charles Smith e enviada a Sean Collidge, em 9 de Abril de 2002. Logo a abrir essa missiva, Charles Smith escreve: "Caro Sr. Collidge, foi um prazer tê-lo conhecido em Lisboa, em Janeiro deste ano, embora eu tivesse preferido tê-lo conhecido em circunstâncias bem diferentes". Pouco depois surge o parágrafo colocado na acusação, onde Charles Smith escreve: "embora seja contra a minha natureza, e acredito contra a sua também, sinto que devemos continuar a dialogar com o Ministério do Ambiente no que se refere às aprovações e aos respectivos prazos".
            Mais abaixo Charles Smith escreve que continuará a defender os interesses da Freeport, e a trabalhar para conseguir uma conclusão bem sucedida desta dificil fase do projecto. E acrescenta: "por mim, nunca quis apresentar um pedido de planeamento durante umas eleições legislativas em Portugal".
            Felizmente, para nos ajudar a interpretar este facto, podemos contar com a carta de resposta de Sean Collidge a Charles Smith, que consta do Apenso CR, volume II, a fls. 357.
            Nesse documento, não indicado como prova na acusação mas que o Tribunal, ao abrigo do poder conferido pelo art. 340º CPP, mandou juntar aos autos, datado de 17.4.2002, pode ler-se entre outros excertos, o seguinte:

            "Caro Charles: muito obrigado pela sua carta de 9 de Abril. Eu também estou muito contente por verificar que as licenças ambientais foram concedidas, e creio que sabe que eu pedi ao Gary Russell para chegar a um entendimento convosco em relação a todos os outros consentimentos de que precisamos nas próximas semanas. O assunto da confiança em vós nunca foi para mim um problema, e eu acredito que continuarão a agir em busca do que é melhor para a Freeport e a usar de toda a vossa diligência para conseguir obter com sucesso as licenças que faltam nas próximas semanas.
            Percebo os seus comentários sobre ter de lidar com um pedido de planeamento durante um período de eleições legislativas em Portugal. Contudo, creio que concordará comigo em que não havia nada que pudessemos ter feito para fugir da situação em que nos vimos metidos".

            Estes excertos retirados das cartas de Charles Smith e de Sean Collidge já nos dão pistas importantes para entender o verdadeiro significado daquela afirmação enigmática.
            É legítimo concluir desta missiva que Charles Smith e Sean Collidge ambos sabem que a Freeport se viu envolvida em algo de muito desagradável, que aconteceu em Lisboa em Janeiro de 2002, que envolveu a Declaração de Impacto Ambiental, e que de forma directa ou indirecta está relacionado com a circunstância de nessa altura ter havido a queda do Governo e a preparação de eleições antecipadas. Mais sabem que não tiveram culpa nenhuma dessa situação, que não conseguiram fugir da mesma, e que nada podiam ter feito para a evitar.
            Olhando para a carta de Charles Smith, não se consegue retirar dela nada mais com a devida segurança.
            O que para este Tribunal sobressai daqui é a extrema dificuldade em entender o relevo que o Acusador Público deu à frase que retirou da carta e colocou no texto da acusação. A única explicação que encontramos, em abstracto, é que tal frase seria mais uma de um conjunto de informações passadas pelos arguidos à Freeport, sobre relações com o Ministério do Ambiente, e destinar-se-ia a continuar ou encobrir informações anteriores prestadas ao abrigo do plano de extorsão.
            Mas tal temos consciência de que tal interpretação é puramente especulativa e não tem uma única prova que a sustente.
            As duas cartas mencionadas não indiciam nem directa nem indirectamente a alegada intenção criminosa de Charles Smith em obter dinheiro da Freeport de forma ilícita. A necessidade de continuar a dialogar com o Ministério do Ambiente -agora já sob a tutela de um nova equipa Ministerial- no que se refere às aprovações e aos respectivos prazos é algo de totalmente normal e expectável, considerando a dimensão do projecto em causa. Só o segmento que se refere a esse diálogo ser contra a natureza de Smith e dever ser também contra a de Sean Collidge é que já nos surge como estranha, e a carecer de mais atenção. Porque terá Charles Smith escrito essas palavras dirigindo-se a Sean Collidge ? É que, tanto quanto apurámos até ao momento, se é certo que em 6 de Dezembro de 2001 os arguidos e a Freeport tinham razões para se sentirem defraudados porque estavam legitimamente à espera de uma decisão ambiental favorável condicionada e foram surpreendidos com uma decisão desfavorável, não é menos certo que logo a seguir (e quando dizemos logo queremos dizer cerca de um mês depois) já estava em curso novo processo de análise de impacte ambiental, que como vimos foi o mais célere de todos os que ocorreram em Portugal, e que terminou favorávelmente para a Freeport. Assim o revés de Dezembro de 2001 acabou por ser de muito curta duração. Não faz sentido que seja por causa desse breve atraso que Charles Smith diga que negociar com o Ministério do Ambiente é contra a natureza dele e provávelmente contra a natureza do próprio patrão da Freeport. Tem de haver outra explicação para esta afirmação.
            Mas a que a acusação quer inculcar, como já vimos, também não nos convence minimamente. O que é que a frase descrita supra tem a ver com um alegado plano dos arguidos para enganar a Freeport ? Não vemos em quê.
            Pelo contrário, na carta de resposta, Sean Collidge deixa explícita a sua total confiança nos arguidos, e o tom das duas cartas é cordato, amistoso embora formal, e denota uma boa relação entre os seus autores. O que não se vê em qualquer delas, e isto é incontornável, é o menor sinal de tensão, ou desconfiança. Ao invés, retira-se das cartas um clima de total confiança, confiança que, sabemos nós, não é apenas em palavras, mas que está exposta ao longo de todo este processo em documentos e actos concretos.
            Fazendo ainda mais uma tentativa de ver na carta de Charles Smith algo de útil para a tese de extorsão, será que o arguido está a referir-se ao que sucedeu em Dezembro de 2001, nomeadamente a expectativa de DIA favorável condicionada, a reunião no escritório dos advogados e a exigência de pagamento de 2 milhões de libras, e a inesperada DIA desfavorável ? Estamos em crer que mesmo isso não chega para explicar o teor das cartas, pois o que é certo é que o projecto acabou por ser aprovado, e com grande celeridade, no terceiro processo de AIA, e ao assunto da exigência do pagamento de dois milhões de libras, a fazer fé nos depoimentos de Gary Russell, Jonathan Rawnsley e Peter Woolley, a posição oficial da Freeport foi a de que não lhe deu qualquer relevância.
            Estas duas cartas trocadas entre Charles Smith e Sean Collidge vêm afinal corroborar a conclusão a que este Tribunal chegou sobre a credibilidade dos depoimentos daqueles três ex-administradores da Freeport sobre a existência de pedidos de pagamentos feitos em Dezembro de 2001.
            Dito isto, não há como não ver que permanece a dúvida sobre o significado da expressão que o Ministério Público colocou na acusação. E este Tribunal tem por obrigação tentar superar essa dúvida.
            Voltaremos mais adiante a este aspecto.

            O artigo 84º da acusação contém o já referido e conhecido e-mail no qual CHARLES SMITH refere, dirigindo-se a Manuel Pedro, que vai pedir à Freeport que envie £ 80.000 para poderem pagar a Pinóquio, conforme ele combinou com Bernardo, para não arriscar atrasar nada.
            A primeira coisa que é importante ter presente acerca deste e-mail é que o mesmo foi retirado pela Polícia Judiciária do disco rígido de um computador apreendido nas instalações da empresa Smith e Pedro.
            Trata-se de uma comunicação dirigida por Charles Smith a Manuel Pedro, em 18 de Maio de 2002. E olhando para as circunstâncias objectivas em que a comunicação se insere, vemos que nessa altura, cerca de 2 meses após a DIA favorável condicionada, em que o projecto está finalmente a avançar a grande velocidade, os arguidos estão seguramente empenhados em que não haja mais atrasos na construção do empreendimento. E dizemos "seguramente empenhados" pois de acordo com os contratos que celebraram com a Freeport os seus honorários eram pagos em função dos objectivos alcançados.
            Neste enquadramento, o e-mail enviado por Charles Smith a Manuel Pedro faz todo o sentido, nomeadamente a preocupação em "não arriscar atrasar nada, seja protocolos seja projectos de arquitectura".
            O que quanto a nós não faz muito sentido, a priori, é o segmento onde o Ministério Público alega que aquele e-mail revela o intuito dos arguidos de receber quantias em dinheiro indevidas da parte da Freeport.
            Primeiro, não é isso que resulta do teor literal do texto. Do teor literal do texto o que resulta é que o pedido de 80.000 libras se destina a não correr o risco de atrasar nada, seja protocolos seja projectos de arquitectura.
            Poder-se-ia dar o caso de os arguidos terem tido o cuidado de ocultar a sua verdadeira intenção, através de uma formulação críptica ou enigmática. Mas, recorrendo mais uma vez à regra da livre apreciação da prova enunciada supra, temos de dizer que a ideia de que os arguidos em Maio de 2002, num momento em que estavam certamente cheios de trabalho para garantir que a construção do outlet avançava sem mais atrasos, tivessem a preocupação de comunicar entre si em código, usando formulações estranhas e inventando nomes, alertando-se mutuamente por escrito sobre a execução do próximo passo do plano de extorsão que tinham acordado entre ambos, nos surge como improvável.
            Olhemos ainda com mais atenção para o texto: o cerne da mensagem enviada por Charles Smith a Manuel Pedro é pedir à Freeport para enviar £80.000 na próxima semana para que eles poderem pagar a "Pinóquio" algo no dia 31 de Maio conforme o próprio Smith combinou com "Bernardo", para não arriscar atrasar nada, seja protocolos seja projectos de arquitectura.
            É a primeira vez que no texto da acusação nos surge a referência a estes personagens, Pinóquio e Bernardo. E de acordo com o e-mail escrito por Charles Smith, ele teria combinado com o tal Bernardo pagar dinheiro a um tal de Pinóquio, e desse pagamento dependia o não haver atrasos nem nos protocolos nem nos projectos de arquitectura, ou pelo menos depreende-se do texto de Charles Smith que o não pagamento a Pinóquio poderia implicar o risco de haver atrasos ou nos protocolos ou nos projectos de arquitectura.
            Se seguirmos o método que já seguimos préviamente de contextualizar esta mensagem, e formos olhar para o e-mail integral de onde ela foi retirada, que consta do Apenso PC-HD1, volume III, fls. 781, veremos que o segmento que o Ministério Público colocou no texto da acusação surge sensivelmente a meio da mensagem; e veremos ainda que toda a mensagem tem a clara aparência de um documento de trabalho interno, onde Charles Smith aborda várias questões técnicas pendentes, faz referência a contactos com Gary Russel, a datas para aprovar as várias etapas de aprovação do projecto, etc.
            Enquanto que o nome Bernardo não volta a surgir na acusação, já o nome Pinóquio surge de novo mencionado no artigo 93º, noutro e-mail que Charles Smith enviou em 13 de Setembro de 2003 a Manuel Pedro, onde, entre outros assuntos, escreveu: "Pinocchio requer atenção, através da success fee e eu vou contactar o Gary Russell nesse sentido".
            Seguindo a mesma estratégia, olhando para o documento constante do Apenso PC-HD 1, volume VIII, a fls. 2314/2315, mais uma vez nos deparamos com um evidente documento de trabalho onde Charles Smith se refere a vários aspectos técnicos do andamento do projecto, e o segmento destacado pelo Ministério Público surge também sensivelmente a meio do documento.
            Numa análise crítica da prova, em obediência a critérios lógicos e de racionalidade e razoabilidade, temos de dizer que julgamos ser mais provável que este texto se refira a pagamentos a terceiros, do que a um plano de extorsão para enriquecer os próprios arguidos.
            Há alguns aspectos que se retiram destes dois documentos que confirmam esta conclusão. Primeiro o contexto, como já explicámos. Segundo, a repetição do modus operandi: para pagamentos a Pinóquio, é necessária a intervenção de Gary Russell. Terceiro: a referência a "sucess fee", expressão que consta dos contratos celebrados entre a Freeport e a Smith e Pedro surge associada ao nome "Pinóquio", quando Charles Smith comunica a Manuel Pedro que "Pinocchio requer atenção, através da success fee, e eu vou contactar o Gary Russell nesse sentido".
            Outra coisa que podemos retirar do texto deste e-mail é que agora ainda nos surge como mais improvável que a referência que estamos a analisar fosse o afloramento da intenção dos arguidos de obter pagamentos indevidos da Freeport. Temos de ter presente que Charles Smith está a escrever um e-mail para Manuel Pedro, no ano de 2002, e seguramente não está a pensar que vários anos mais tarde vão estar 3 Juízes a analisar meticulosamente o seu texto. E quando comunica a Manuel Pedro que "Pinóquio requer atenção através do success fee e eu vou contactar o Gary Russell nesse sentido", há uma grande probabilidade de estar a dizer a verdade: ou seja, de ter sido contactado por alguém, a quem os arguidos se referem como Pinóquio, a exigir o pagamento desse "success fee", e Charles Smith comunica ao co-arguido que vai transmitir isso a Gary Russell. Se, como pretende a acusação, se tratasse de uma invenção dos arguidos para extorquir dinheiro à Freeport, então a formulação seria certamente outra: poderia ser algo como: "vou pedir ao Gary Russell que envie dinheiro para mais um pagamento a Pinóquio". Tratando-se de um personagem inexistente, não se vê porque razão Charles Smith informaria Manuel Pedro de que Pinóquio estava a exigir atenção, através da success fee. E é quase do domínio da ficção científica o pensar que Charles Smith teria optado por aquela formulação para confundir os Juízes que muitos anos depois iriam julgá-lo.
            Mas o que também não merece a menor credibilidade é a afirmação constante da contestação dos arguidos, e repetida pelos próprios nas suas declarações, segundo a qual "Pinóquio" era o nome pelo qual Charles Smith tratava o Técnico Oficial de Contas da empresa, o sr. José Ginja. Então, aquelas verbas seriam, na explicação dos arguidos, para que José Ginja pudesse efectuar os pagamentos de IRS, IRC e IVA devidos ao Estado.
            Ouvido na qualidade de testemunha, José da Silva Ginja declarou que nunca ouviu Charles Smith tratar quem quer que fosse por Pinóquio, e que a ele nem Charles Smith nem outras pessoas alguma vez o trataram por Pinóquio, nem a brincar. É certo que se pode argumentar que José da Silva Ginja era alcunhado de Pinóquio sem o saber, por a alcunha em causa ser usada nas suas costas.
            Mas mesmo assim a explicação dos arguidos não nos convence, de todo.
            É que do próprio contexto dos e-mails se retira que tal é completamente inverosímel.
            Como é que se pode entender a frase "pedir freeport enviar £80.000 ainda semana que vem para que nos podemos pagar pinocchio algo no dia 31 de Maio conforme que eu combinei com bernardo para não arriscar atrasar nada, seja protocols ou architectural projects", se "pinocchio" for José da Silva Ginja ?
            É que enquanto neste e-mail em concreto se fala em 80.000 libras para pagar a Pinóquio, sem identificar mais nada sobre o pagamento, no e-mail referido no artigo 93º da acusação o nome Pinóquio aparece a exigir o pagamento do "success fee". Logo, se a primeira referência fosse para dar dinheiro a José da Silva Ginja para este pagar impostos, já a segunda tem a ver com a famosa success fee, e não com impostos. E quem era esse "Bernardo" com quem Charles Smith combinou pagar  80.000 libras ao seu técnico oficial de contas ? E como é que o não pagamento ao TOC da empresa Smith e Pedro se poderia traduzir no atraso dos protocolos e projectos de arquitectura do outlet Freeport ? Depois, outra coisa que não faz sentido é a referência ao perigo de haver atrasos não num protocolo em concreto, ou num específico projecto de arquitectura, mas sim atrasos em geral nos protocolos ou projectos de arquitectura. É que se Charles Smith se estivesse a referir a pagamentos devidos a um determinado engenheiro ou arquitecto contratado, então o perigo seria para um protocolo ou projecto de arquitectura em concreto. É a referência geral a protocolos e projectos de arquitectura que não faz qualquer sentido.
            Trata-se assim de uma afirmação que não merece qualquer credibilidade.
            Chegamos pois a uma conclusão a todos os títulos insatisfatória. Por um lado, o e-mail em causa não parece acomodar com facilidade a tese de extorsão tentada que o Ministério Público quer imputar aos arguidos, mas por outro a explicação avançada pelos arguidos também não faz, aos olhos deste Tribunal, qualquer sentido.

            No artigo 86º surge-nos outra referência do mesmo género: no dia 13 de Junho de 2002, o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail a Gary Russel, sob o assunto "Portugal - sucess fee", cujo teor é o seguinte: 
Quanto à nossa conversa da noite passada, irá afectar uma transferência para a S e P hoje.
Se me permite aconselho-o a enviar a "fee", esta semana, em duas partes - uma para o EIA e a outra para os protocolos. Preciso de pelo menos 2/3 semanas para fazer a alocação da "fee".
Tenho as pessoas sob controlo à força desta transferência.
Acrescento que não serão feitas alocações sem primeiro esclarecer a aprovação consigo.
Será possível enviar-me a confirmação da transferência (O Gary ou o seu pessoal da área financeira), logo que a transferência seja efectuada?
A transferência poderá demorar uma semana antes que as alocações possam ser realizadas.
Tal resultará na medida em que me permite pressionar no sítio certo para conseguir aquilo que precisamos logo que possível (...)".

Mais uma vez temos a óbvia necessidade de fazer intervir Gary Russell em assuntos que envolvam a "success fee". E isto apesar de, com base na prova testemunhal produzida, o director financeiro da empresa não ser Gary Russell, mas antes Peter Woolley.
E aqui Smith vai mais longe, e concretiza que parte desse "success fee" é para o Estudo de Impacto Ambiental e outra para os protocolos. Precisa de pelo menos 2/3 semanas para fazer a alocação do dinheiro, e tem as pessoas sob controlo à força dessa transferência.
Para além de não fazer sentido o "success fee" ser mencionado em conjugação com o Estudo de Impacto Ambiental, pois de acordo com o contrato celebrado trata-se de uma forma de remuneração dos arguidos, e a DIA favorável já tinha sido proferida havia 3 meses, acresce ainda a frase enigmática "tenho as pessoas sob controlo à força dessa transferência. Não se percebe o que quer Charles Smith dizer com essa afirmação. Se estava a falar de pagamentos contratuais, então a frase não faz sentido: havendo contrato, os contraentes sabem sempre que podem recorrer a Tribunal para exigir a prestação que lhes é devida, e sabem por isso que os seus direitos estão garantidos. Logo, somos levados a pensar que Charles Smith se está a referir a pagamentos extra-contratuais. E aqui sim, já temos algum apoio para a tese construída na acusação: o pedir dinheiro à Freeport, alegadamente para fazer pagamentos necessários à concessão de licenças e autorizações, sendo que não foi identificada nenhuma pessoa nem nenhum desses pagamentos concretos, o que permite alimentar a convicção de que tudo não passaria de uma invenção dos arguidos.

            No dia 14 de Junho de 2002 (artigo 87º), o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail a Gary Russel, sob o assunto "Portugal fees", com o seguinte teor:
"Caro Gary, Confirme por favor, se foi enviado algum dinheiro respeitante a success fee".

No dia 15 de Junho de 2002 (artigo 88º), o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail a Gary Russel, sob o assunto "Portugal fees", com o seguinte teor:
"Caro Gary
Estou preocupado que o protocolo não seja assinado até eu poder dizer ao gordo que foi feita uma transferência. Não estou a falar de pagamento. Informe-me, por favor, logo que possível (...)".
Aqui surge a única referência a outra personagem, o "gordo[23]", que também não sabemos quem seja. Mas pelo contexto, deduz-se com elevado grau de segurança que é alguém que, em caso de não ser feita a transferência, ou seja, em caso de não pagamento, está em condições de atrasar o andamento do projecto, através dos protocolos. Outra coisa que também se deduz deste texto é que Gary Russell sabe quem é a pessoa identificada como "o gordo". Charles Smith não utilizaria essa palavra no e-mail se Gary Russell não fizesse ideia de quem ele estava a falar. Este Tribunal pode assim ter a certeza de que apesar de Gary Russel saber quem era a pessoa a que Charles Smith se referia como "o gordo", no seu depoimento nesta audiência negou-o. Mas esta constatação não joga a favor da tese da acusação. Se essa tese fosse válida, então Gary Russell seria uma das pessoas -talvez a mais perigosa- que os arguidos teriam de enganar. E a mentira de Gary Russell sobre o conhecimento da identidade do "gordo" indicia justamente o contrário, indicia um conluio entre ele e Charles Smith, no sentido de ocultar essa transferência para o "gordo", ou relacionada de alguma forma com o "gordo".

No dia 17 de Junho de 2002 (artigo 89º), o arguido CHARLES SMITH enviou um e-mail a Gary Russel, sob o assunto "Portugal fees", com o seguinte teor:
"Caro gary,
É um grande problema. Veja o e-mail que lhe enviei a 13 de Junho.
Se eu puder pelo menos mostrar que há uma transferência a caminho, acredito que irá ajudar.
Qual a posição relativamente à aprovação do EIA, pois para este também é necessário um pagamento de 50K?
De novo, não estou a dizer para pagar, faça apenas uma transferência de modo a que nada fique estagnado neste sentido, e nós precisamos de tempo para fazer as alocações, etc. (...)".
Mais uma referência a um pagamento de 50 K (a letra K é usada na língua inglesa como anotação para referir o número "mil", como explicou no seu depoimento Jonathan Rawnsley e também explicou Charles Smith nas suas declarações). Assim, estamos perante uma referência a um pagamento de 50 mil, devido pela aprovação do EIA, o que mais uma vez não se compreende de todo. E de novo nos surge a sugestão de que não sendo feito o pagamento, isso poderá implicar atrasos e paragem do projecto. Outro segmento a favor da tese vertida na acusação.

No dia 19 de Junho de 2002 (artigo 90º), o arguido CHARLES SMITH recebeu de Gary Russell um e-mail, sob o assunto "success fee", com o seguinte teor:
Parabéns, compreendo que os protocolos foram assinados por todas as partes necessárias e enviei o pagamento relativo à success fee relativamente aos mesmos, de acordo com o contrato (...)".
Este e-mail é o único cujo teor parece límpido, objectivo e claro. Protocolos foram assinados, e Gary Russell enviou a success fee relativa aos mesmos, de acordo com o contrato.

No dia 20 de Junho de 2002 (artigo 91º), o arguido CHARLES SMITH, em reposta ao e-mail mencionado no ponto anterior, enviou um e-mail a Gary Russel, sob o assunto "success fee", com o seguinte teor:
"Obrigado. Pode, por favor, providenciar no sentido de termos uma cópia do documento de transferência a fim de relembrar a transferência para Portugal.
Para aprovação do EIA ainda falta o certificado do IPAMB, mas deve estar para breve. É necessário mais um pagamento de uma success fee para esta fase. Provavelmente na próxima semana.
Pode também fazer o seu melhor para enviar os nossos fees e custos para os protocolos esta semana, pois também temos pessoas a quem temos de pagar. O Jonathan está ao corrente desta situação e o total, em Euros, corresponde a 72.500 mais IVA, do qual recebemos 10.000 mais IVA, há cinco dias atrás (...)."

Finalmente, no dia 26 de Junho de 2002 (artigo 92º), ocorreu uma reunião, nos escritórios da "Freeport PLC", em Londres onde estiveram presentes Graham Holdaway, funcionário da Freeport, Rik Dattani, o arguido Charles Smith, João Cabral, Simon Walter, da Bennoy, Ltd, João Banazol, Jorge Silva e Peter Athey. Da acta de tal reunião consta, entre outras matérias, que “2.2 CS informou que as autoridades exigiram 17.000 Euros para assinar os projectos. O Freeport ficou de preparar".

            Temos nestes vários artigos da acusação acabados de reproduzir a referência a vários pedidos de envio de dinheiro feitos por Charles Smith, com o conhecimento de Manuel Pedro e dirigidos à Freeport, uns a título de success fee, outros para pagar a Pinóquio, outros para o Estudo de Impacto Ambiental, outros pela aprovação desse Estudo, outros para pagar ao "gordo", outros para as autoridades, para assinar projectos.
O e-mail do dia 20 de Junho de 2002 (artigo 91º) é extremamente importante, porque nos mostra com grande clareza que as referências a success fee feitas nas comunicações não se referiam a pagamentos contratuais devidos à Smith e Pedro, mas antes pagamentos a terceiros. Isso torna-se claro quando no referido texto Charles Smith diz a Gary Russell que naquela fase é necessário mais um pagamento de uma success fee, provavelmente na próxima semana. E logo a seguir acrescenta: Pode também fazer o seu melhor para enviar os nossos "fees" e custos para os protocolos esta semana, pois também temos pessoas a quem temos de pagar. A referência aos dois tipos de "fees" em frases seguidas mostra que são dois tipos de pagamentos diferentes, ao contrário do que os arguidos alegam na sua contestação. Se só os segundos "fees" são os honorários dos arguidos- então os primeiros "fees" não são para os arguidos, e só podem ser para terceiros.
Aqui temos mais uma vez suporte documental para a tese de extorsão.

            Finalmente, alega-se no artigo 94º da acusação que a empresa dos arguidos, “Smith e Pedro Consultores Associados, Lda”, recebeu da "Freeport PLC" quantias nos valores globais de € 410.309,20 (quatrocentos e dez mil trezentos e nove euros e vinte cêntimos), relativo ao exercício do ano de 2002 e de € 284.604,64 (duzentos e oitenta e quatro mil seiscentos e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), relativo ao exercício do ano de 2003, sem que tivessem sido emitidas as respectivas facturas e pagos os impostos devidos (IRC e IVA).
            A primeira coisa que ocorre ao Julgador ao olhar para este facto é tentar perceber a relevância do mesmo.
            Numa primeira leitura, poder-se-ia pensar que aqueles valores seriam o resultado que os arguidos teriam conseguido obter com a sua estratégia de extorsão sobre a empresa Freeport.
            Mas de imediato nos lembramos que eles foram acusados de extorsão na forma tentada, e que no artigo 97º da acusação se alegou que "não obstante os arguidos terem levado a cabo, nos termos supra descritos, a prática de todos os actos necessários e adequados a alcançar o seu desiderato, não se apurou que a administração da Freeport PLC tivesse cedido às suas pretensões e entregue as quantias por eles solicitadas". Logo, a tese da acusação não pode ser, sob pena de contradição insanável, a de pretender que aquelas quantias foram entregues pela Freeport aos arguidos como resultado dos pedidos de envio de dinheiro que eles fizeram.
            Mantém-se pois a pergunta: qual a relevância, na economia da acusação, de se saber que a “Smith e Pedro Consultores Associados, Lda”, recebeu da "Freeport PLC" quantias nos valores globais de € 410.309,20, relativo ao exercício do ano de 2002 e de € 284.604,64, relativo ao exercício do ano de 2003, sem que tivessem sido emitidas as respectivas facturas e pagos os impostos devidos (IRC e IVA) ?
            A acusação remete a prova desta afirmação para o documento constante do Apenso PC-HD 1, volume IV, fls. 1134 e seguintes, e para o depoimento de Helena Riahi.
            O documento referido foi retirado de um e-mail, por sua vez retirado de um computador existente nas instalações da Smith e Pedro, e que foi enviado aos arguidos por Paula Rodrigues, da empresa "Consecutivo". O documento em causa tem o título "facturas pró-forma de 2002/2003". Da sua leitura vê-se que se trata da emissão de um parecer técnico para responder a uma questão colocada pela Smith e Pedro. E a questão colocada parte justamente do facto alegado no artigo 94º. Assim, perante o facto de a empresa dos arguidos, “Smith e Pedro Consultores Associados, Lda”, ter recebido da "Freeport PLC" as quantias de € 410.309,20, relativo ao exercício do ano de 2002 e de € 284.604,64, relativo ao exercício do ano de 2003, não devidamente documentadas e sem que tivessem sido emitidas as respectivas facturas e pagos os impostos devidos, havia que procurar uma solução. O documento em causa apresenta aos arguidos duas soluções para este problema, qualquer delas com prós e contras.
            Vamos apenas registar, por agora, que este facto não tem nada a ver com a tese de extorsão na forma tentada vertida na acusação.

            E aqui chegados, é o momento de fazer um resumo do que já concluímos até este momento.
            Já concluímos que a reunião no escritório de Albertino Antunes não foi pedida pelos arguidos para informar que o projecto ia ser chumbado, e para que os advogados elaborassem uma proposta de solução a enviar à Freeport.
            Ao invés, o que a prova produzida nos demonstrou foi que tal reunião serviu apenas para que os advogados em causa transmitissem à Freeport, por via dos arguidos, uma exigência de pagamento de dois milhões de libras, sob pena de, não sendo feito, o projecto ser chumbado no Ministério do Ambiente.
            Concluímos igualmente que ao contrário do que a acusação quer fazer crer, os arguidos nada tiveram a ver com a substituição da equipa de arquitectos nem com a escolha do Gabinete de Arquitectura de Capinha Lopes.
            Chegamos ainda à conclusão de que existem fortes indícios de que houve uma ligação directa entre a exigência de pagamento de dois milhões de libras e a DIA desfavorável proferida em 6.12.2001, que o mesmo é dizer que essa exigência proveio, directa ou indirectamente, de quem tinha o poder de a conformar.
            E chegámos então a uma fase em que a tese da acusação nos surge como aparentemente afastada, em grande parte por o próprio Ministério Público ter feito a prova do seu oposto, mas em que subsistem vários factos, referentes a comunicações dos arguidos para com a Freeport e dos arguidos entre si, que ainda não estão claros e nos suscitam muitas dúvidas.

III
            E é chegado o momento de fazer referência ao depoimento de Alan Perkins.
            Alan Perkins não foi indicado como testemunha na acusação, e foi o Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 340º, que determinou a sua inquirição, na esperança que o mesmo pudesse finalmente lançar luz sobre esses pequenos focos de dúvida que ainda permaneciam nesta audiência de julgamento.
            Apesar de Alan Perkins não fazer parte dos quadros da Freeport nos anos de 2001 a 2004, e só ter entrado para a empresa em 2005, ele acabou por ser uma ajuda fundamental para afastar as dúvidas que ainda restavam.
            E por ser assim, vamos começar por reproduzir na íntegra o seu depoimento.
            Começou por explicar que trabalhou para a Freeport PLC desde Julho de 2005 a Dezembro de 2006.
            Explicou que a Freeport construiu 3 outlets de retail na Europa: um na Suécia, outro na República Checa, e outro em Alcochete. As funções dele eram as de superintender na finalização das construções destes três empreendimentos. É certo que já estavam quase construídos, mas havia alguns problemas pendentes, sobretudo de obtenção de licenças para a abertura e de construção.
            Houve investigações sobre a Freeport por causa do projecto de Alcochete, mas ele não sabe os detalhes dessa investigação.
            Perguntado pelo estudo feito pela Decherts, disse que não está a par do que a Smith e Pedro fez em concreto, para além do facto de ter sido "foolish", insensato, tonto. Pensa que os arguidos estavam empenhados em ajudar a Freeport, mas que não têm culpa alguma no esquema desonesto que terá ocorrido.
            Conheceu pessoalmente os arguidos em Alcochete, quando eles estavam ao serviço da Freeport, sendo eles a ligação com as autoridades portuguesas.
            À pergunta se quando começou a olhar para os dossiers se apercebeu de algo de estranho no comportamento dos arguidos, em matéria de gestão de dinheiros da Freeport, Alan Perkins respondeu que Charles Smith lhe comunicou que a Freeport pagou dinheiro a "senior political figures", ou seja, políticos de destaque, em Lisboa. Mas ele pensa que os arguidos foram apenas utilizados pela Freeport, e que não tiveram a iniciativa de nada. Charles Smith entendeu que ele devia estar a par do que se tinha passado e por isso relatou-lhe tudo.
            Essas informações do pagamento de dinheiros foram-lhe dadas por várias vezes: a primeira vez que soube desses pagamentos foi numa reunião que teve lugar nos escritórios da Companhia, no Mónaco, em Janeiro de 2006. Depois, teve reuniões com Charles Smith em Fevereiro e Março de 2006 e soube mais desenvolvimentos.
            Na reunião no Mónaco estiveram presentes Sean Collidge, Gary Russell, Peter Woolley, ele próprio, e Charles Smith (que foi de avião de Lisboa para o Mónaco de propósito).
            Foi perguntado à testemunha se nessa reunião foi abordado o assunto de os arguidos poderem estar, através do fornecimento de informações falsas, a tentar extorquir dinheiro à Freeport para benefício pessoal: respondeu que na altura houve uma discussão, e Charles Smith apresentou uns documentos, comprovativos de que a Freeport tinha feito no passado uns pagamentos à Smith e Pedro, e Charles Smith estava preocupado que o Fisco em Portugal lhes exigisse pagamento de impostos por causa desse dinheiro. Para a testemunha, naquela reunião foi muito claro que o dinheiro que tinha passado da Freeport para a Smith e Pedro foi dado voluntáriamente pela Freeport, e que não houve qualquer acto da Smith e Pedro para obter aquele dinheiro.
            De seguida foi perguntado à testemunha se nessa reunião Sean Collidge, Gary Russell ou Peter Wolley deram voz a suspeitas de que os arguidos estariam a inventar uma história para obter dinheiros da Freeport: e a resposta foi um categórico NÃO. Da sua experiência na Freeport, o facto de o dinheiro ter ido da Freeport para Lisboa tendo passado pela conta bancária de Charles Smith e da Smith e Pedro, foi algo de esperado. Mas os Directores da Freeport nunca lhe disseram que esse dinheiro foi usado para pagamentos a alguém em Lisboa. Todavia, ele não tem a menor dúvida que foi isso que se passou, e que eles sabiam de tudo. Charles Smith e Manuel Pedro não foram mais do que os "bag-carriers" ou transportadores do dinheiro nessa operação.
            Perguntado qual o montante desse pagamento, respondeu que tem ideia de que nessa reunião a soma de que se falou era de cerca de 150.000 libras, o que na altura seria algo como 220.000 euros.
            Depois, em outras reuniões posteriores, soube mais desenvolvimentos sobre esta questão: a reunião no Mónaco foi a primeira vez que ele ouviu falar destes pagamentos a políticos em Lisboa. Posteriormente, veio a Alcochete em Fevereiro, onde jantou com Charles Smith e João Cabral. E durante esse jantar Charles Smith informou-o de que para obter as licenças originais necessárias para construir o Centro, em 2001 e 2002, a Freeport tinha feito vários pagamentos a vários funcionários em Lisboa, que estavam em posição de conceder essas licenças.
            Pergunta: estamos a falar de pagamentos contratuais, ou ilícitos ?
            Resposta: ilícitos, claro, segundo o que lhe disse Charles Smith.
            E acrescenta que o próprio Charles Smith lhe contou estes factos porque ele próprio estava a ser ameaçado e intimidado pela Freeport, por causa de honorários que ele ainda tinha a receber. E pensa que Charles Smith olhava para ele, Alan Perkins, como alguém que o poderia ajudar. E a única maneira de conseguir essa ajuda era contar-lhe o background de toda a situação.
            Foi perguntado à testemunha se fez alguma diligência para apurar se o que lhe contou Charles Smith era verdade ?
            Resposta: sim, fiz. Nos próximos dois meses tive várias conversas com Gary Russell, o Director Comercial da Freeport, e com Peter Woolley, e eles os dois confirmaram que houve de facto alguns "shady dealings" (negócios obscuros) no desenrolar deste esquema. Mas não lhe contaram que tipo de negócios foram esses.
            É importante recordar que Sean Collidge foi removido do poder em Março de 2006, pelo que já não teve acesso à versão dele. Aliás, Gary Russell e Peter Woolley ajudaram a remover Sean Collidge do poder dentro da empresa. Por isso a empresa estava numa grande confusão, nessa altura.
            Não se recorda de ter conversado com o arguido Manuel Pedro nessa altura.
            Pode tê-lo conhecido socialmente, mas nunca conversou com ele sobre este assunto dos dinheiros.
            De seguida foi perguntado à testemunha a quem tinha sido pago dinheiro.
            Perkins respondeu que Charles Smith lhe disse que em 2001 para obter a licença que permitiu a construção do Centro, foram feitos pagamentos pela Freeport a políticos de topo, que estavam em posição de conceder a licença de que a Freeport necessitava. E tanto quanto sabe a licença foi concedida, e pagamentos foram feitos.   Charles Smith foi usado pela Freeport apenas como correio.
            A pessoa que recebeu o pagamento foi o Ministro do Ambiente à data que a licença foi concedida. E que logo a seguir, porque houve eleições, esse Ministro não foi reeleito, e por isso esteve como Ministro muito pouco tempo após a concessão da licença. Pensa até que a licença foi concedida na sua última semana como Ministro.
             Perguntou-se a Alan Perkins se essa informação lhe adveio somente de Charles Smith ou se obteve outras fontes de informação ?
            Quanto aos montantes de dinheiro, pensa que foi apenas o arguido Charles Smith que lhe contou tudo.
            Perguntado se sabia se a Freeport terá sido por qualquer forma coagida a fazer esses pagamentos sob ameaça de rejeição do licenciamento, respondeu que não sabe se houve ou não ameaça. Pensa que a Freeport era de opinião que a licença não seria concedida se os pagamentos não fossem feitos. E por isso a Freeport decidiu fazer os pagamentos. Naquela altura a Freeport tinha muita coisa em jogo, comercialmente.
            Não sabe dizer o valor exacto que a Freeport já tinha gasto até à altura do pagamento ilícito. Mas pela sua experiência profissional pensa que já teriam sido pagos muitos milhões de euros em honorários, e outras despesas ligadas com o design e promoção do projecto.
            Perguntado se sabia quem eram Pinóquio, Bernardo e Gordo, respondeu que pelo que Charles Smith lhe disse, a pessoa que recebia o dinheiro usava intermediários, que recolhiam o dinheiro directamente e lho entregavam. E esses nomes mencionados foram os que ele ouviu nas conversas com Charles Smith e João Cabral, como tendo sido quem recebeu o dinheiro.
            Perguntado se tem conhecimento de algum facto que suporte a acusação feita contra os arguidos, respondeu: absolutamente nenhum! O que se passou foi justamente o oposto. Charles Smith actuou apenas como "bag carrier" para a Freeport, mas a transacção foi feita pela Freeport sem qualquer tipo de coacção por parte do Charles Smith. Tem a certeza que na altura Charles Smith foi intimidado pelos Directores da Freeport para agir como agiu.
            A próxima pergunta foi se na reunião que teve lugar no Mónaco teve logo consciência que os pagamentos mencionados eram ilícitos.
            A testemunha respondeu que até a reunião começar ele desconhecia os pagamentos de todo. Mas com o desenrolar da reunião, Charles Smith colocou a questão de precisar de mais dinheiro da Freeport, por causa do IVA e IRS que ele tinha de pagar. E apresentou nessa reunião os documentos que confirmavam o imposto que ele tinha ficado obrigado a pagar, em consequência dos tais pagamentos feitos ao Ministro do Ambiente.
            Foi-lhe ainda perguntado se esses valores estavam mencionados nos contratos celebrados entre a Freeport e os arguidos, e respondeu que não pensa que estivessem previstos no contrato. Pensa que foram pagamentos extraordinários feitos à Smith e Pedro, por serviços que eles não tinham prestado, e na reunião não houve qualquer disputa sobre o dinheiro que tinha sido passado da Freeport para a Smith e Pedro no passado.
            Quando Charles Smith falou do IVA que lhe era devido a Freeport ameaçou não pagar o remanescente que estaria em falta bem como não pagar o bónus que lhe era devido.
            De seguida foi perguntado a Alan Perkins se nessa reunião se falou qual a licença que esteve na base desses pagamentos. Respondeu que pensa que era a licença ambiental emitida pelo Governo central, e não por qualquer entidade camarária.
            Nessa reunião Charles Smith entregou aos três directores da Freeport os documentos que trazia consigo, e no final da reunião Gary Russell recolheu todos os documentos, e ele nunca mais os voltou a ver.
            Disse que esses documentos se destinavam a mostrar que os pagamentos feitos pela Freeport à Smith e Pedro não incluiam o IVA que era devido em Portugal, e que por isso as autoridades fiscais estavam a exigir do Charles Smith o imposto que era devido.
            E Charles Smith estava a pedir à Freeport que pagasse esses impostos.
            Pensa que o valor que estavam a exigir de Charles Smith, e que englobava o IVA, o IRS e o IRC, era cerca de 100.000 euros. E isto porque a Freeport transferiu dinheiro para a conta pessoal de Charles Smith, e esse dinheiro foi usado para pagar ao Ministro do Ambiente. E que quando a Freeport foi investigada, as contas bancárias de Charles Smith foram examinadas e em consequência desse exame ele ficou de pagar os impostos devidos pelo dinheiro que lhe passou pela conta bancária a caminho do seu destino ilícito.
            Foi igualmente perguntado a Alan Perkins que pormenores é que Charles Smith lhe transmitiu sobre a forma como os pagamentos eram feitos: Charles Smith disse-lhe que a Freeport transferiu o dinheiro para a conta pessoal dele, e que ele depois fez pequenos levantamentos em notas, ao balcão, para não levantar suspeitas, que duraram cerca de 1 ano, sempre com denominações diversas, e entregou o dinheiro ao Ministro do Ambiente. Esses pagamentos foram feitos no ano posterior à concessão da licença.
            Os pagamentos foram todos feitos em "cash".
            Perguntado quem eram as pessoas usadas para receber os pagamentos, respondeu que tanto quanto sabe, houve uma reunião em Lisboa, onde estiveram Sean Collidge e Gary Russell, e um "senior official" que receberia o dinheiro, e foi nessa reunião que se acordou a forma de fazer o pagamento. Charles Smith apenas cumpriu o que lhe foi ordenado, sob orientações da Freeport.
            A pergunta seguinte foi se essa reunião foi tida directamente com o Ministro do Ambiente.
            Resposta: não sei se o Ministro esteve lá, ou se mandou um representante. Mas foi essa a informação que lhe deram e não tem qualquer dúvida de que a reunião teve lugar.
            O dinheiro era destinado ao Ministro do Ambiente, o qual usou intermediários para receberem o dinheiro directamente de Charles Smith.
            Não sabe quem eram esses intermediários. Mas eram referidos como "primos", na reunião que teve com Charles Smith e João Cabral em Alcochete.
            Durante o tempo em que ele esteve na Freeport, Charles Smith continuou a ser consultor da Freeport. Depois de ele ter saído, não soube mais nada.
            Foi-lhe ainda perguntado se soube da reunião com os Advogados onde foi pedido dinheiro ?
            Respondeu que Charles Smith lhe contou que pouco tempo antes de a licença ambiental ter sido recusada ele tinha sido abordado por 3 Advogados em Lisboa que lhe sugeriram que se a Freeport fizesse um pagamento substancial (para cima de um milhão de euros), a licença ambiental seria concedida. O pagamento não foi feito, e a licença ambiental foi recusada.
            Depois a licença foi de novo requerida, e concedida. E é nesta segunda situação, em que a licença foi concedida, que surgem os pagamentos de que estamos a falar.
            Perguntou-se a Alan Perkins se houve outras reuniões com Charles Smith, onde ele tenha contado isto tudo, e se esteve sempre presente João Cabral ? E outras pessoas ?
            Resposta: houve outra reunião, nos escritórios da Freeport em Alcochete onde ele esteve com Charles Smith e João Cabral, e houve ainda outra reunião no Aeroporto de Nice, vários meses depois, pensa que em Setembro de 2006, com Charles Smith, ele próprio, e Gary Russell.
            Pergunta: em todas estas ocasiões falou-se explicitamente dos pagamentos efectuados ao Ministro do Ambiente ?
            Resposta: sim, falou-se sempre.
            A reunião no Aeroporto de Nice (num restaurante do aeroporto) foi convocada por Charles Smith, através dele, pois queria reunir-se com o Gary Russell, e pediu-lhe a ele, Alan Perkins, que arranjasse a reunião. Charles Smith estava disposto a ir de propósito a Nice, porque não queria ter a conversa por telefone. E também não queria ter a reunião sozinho com Gary Russell, queria que Alan Perkins também estivesse presente.
            Só soube do objectivo do Charles Smith depois de a reunião começar. Charles Smith queria reunir com Gary Russell para lhe comunicar que a polícia portuguesa estava a investigar os pagamentos feitos ao Ministro do Ambiente. E Charles Smith denotava  estar muito preocupado.
            Volta a repetir que pensa que o Charles Smith foi intimidado, "bullied" e ameaçado pelos Directores da Freeport. E que Charles Smith o via a ele, Alan Perkins, como alguém em quem podia confiar. E queria-o presente na reunião, pois tinha receio de se reunir sozinho com Gary Russell. Nessa reunião Charles Smith falou expressamente de pagamentos feitos ao Ministro do Ambiente.
            Pergunta: e qual foi a reacção de Gary Russell ?
            Resposta: Gary Russell é intelectualmente superior a Charles Smith, é um homem inteligente, e portou-se de uma maneira intimidatória para com Charles Smith: disse-lhe "espero que você não tenha feito nenhum disparate, Charles". Ele Perkins interpretou essa frase como querendo dizer que esperava que ele não tivesse implicado os Directores da Freeport no que se tinha passado.
            E Gary Russel informou ainda Charles Smith que a Freeport tinha visto as suas contas serem alvo de uma auditoria independente, e estava satisfeito por a Freeport não ser implicada em nada disso.
            Foi ainda perguntado a Alan Perkins se se falou nessa reunião sobre os impostos em dívida pela Smith e Pedro ?
            Resposta: não. Charles Smith apenas queria informar Gary Russell que a polícia tinha tomado um interesse activo nos pagamentos feitos pela Freeport ao Ministro do Ambiente, e que a investigação estava activa.
            Essa reunião durou cerca de 1 hora. Charles Smith estava muito nervoso, agitado, e inquieto, pois estava a ser investigado. E foi de Lisboa a Nice com o único objectivo de informar Gary Russell de que a polícia estava a investigar os pagamentos ao Ministro, e que os Directores da Freeport poderiam ser interrogados.
            Pensa que o nome Pinóquio era usado para designar o Ministro do Ambiente. E havia outras pessas que iam buscar o dinheiro em nome dele, que eram os primos, e que são as pessoas referidas por Bernardo e Gordo.
            Foi-lhe perguntado de onde é que extraiu esta ideia.
            Respondeu que já passaram muitos anos e não pode precisar. Mas lembra-se bem, e não tem qualquer dúvida, das conversas com Charles Smith e João Cabral, que a pessoa que eles identificavam como Pinóquio era o Ministro do Ambiente.
            Depois da reunião de Nice voltou a ver o Charles Smith, dentro de duas a três semanas depois, nas suas deslocações regulares a Lisboa.
            Perguntado se depois de Dezembro de 2006 voltou a ter contactos com o Charles Smith, respondeu que em Abril de 2007, ou algures em 2007, Charles Smith telefonou-lhe a dizer que estava em Londres e se podiam encontrar-se. Mas esse encontro acabou por não se realizar. E não teve mais contactos com ele.
            Última pergunta: a sua saída do Freeport foi consensual ou litigiosa ?
            Respondeu que quando comunicou à Freeport as suas preocupações ligadas com a situação em Lisboa, dois dias depois foi despedido. A Freeport não lhe pagou o dinheiro que ele entendia que devia receber, e contratou um Advogado para receber o que lhe era devido. Chegaram a acordo, e ele recebeu o dinheiro, mas em troca teve de assinar um acordo de confidencialidade.

            Convém começar por explicar as razões que levaram o Tribunal a atribuir credibilidade a esta testemunha. Em primeiro lugar foi a forma como o depoimento foi prestado: foi um depoimento calmo, pausado, sem teatros de indignação ou de qualquer outra espécie, fluente, com algumas (poucas) hesitações decorrentes do tempo já passado e que só lhe deram ainda mais credibilidade. Depois, foi o facto de esta testemunha, tanto quanto se sabe, estar numa posição de total independência para falar à vontade: não é português, não vive em Portugal, já não tem qualquer ligação com a empresa Freeport, e sobretudo, não pertencia aos quadros da Freeport em finais de 2001 e durante o ano de 2002, pois só entrou em 2005; a ligação com os arguidos, sobretudo com Charles Smith, é meramente profissional, e foi de curta duração. E finalmente, e talvez tenha sido esta a principal razão da sua credibilidade, o que ele relatou ao Tribunal como tendo presenciado e ouvido são factos que são totalmente congruentes com toda a restante prova já produzida nesta audiência, e que são a peça do puzzle que faltava para ter a imagem completa.
            Por outro lado, uma parte importante do que Alan Perkins nos relatou nesta audiência, são factos de que ele se apercebeu no decurso de reuniões que teve com Charles Smith e com João Cabral. Por isso, é importante saber o que disseram estas duas pessoas, nomeadamente se corroboraram ou não o que disse Alan Perkins.
            Charles Smith, valendo-se do seu estatuto jurídico-processual de arguido, não quis prestar declarações sobre Alan Perkins, dizendo apenas que "era mais um Pinóquio na sua vida".
            João Cabral, que foi ouvido na qualidade de testemunha, não tinha essa faculdade de se recusar a falar, e foi inquirido sobre o que disse Alan Perkins.
            Vamos reproduzir aqui o essencial do seu depoimento, procurando manter intacto o teor das respostas da testemunha, que têm um cunho pessoal inconfundível, para poder tirar conclusões.
            A primeira pergunta foi esta: Alan Perkins disse que teve uma reunião com Charles Smith e consigo, ao jantar, onde se falou de pagamentos: tem ideia deste jantar ?
            Resposta: "Eu tenho ideia de muitos jantares e de muitas reuniões, porque tinha muitas reuniões com muita gente".
            Pergunta: Estamos a falar apenas de Alan Perkins.
            Resposta: "É possível que tenha tido reuniões com o Alan Perkins, com o Rawnsley, com o Dattani, ..."
            Pergunta: E recorda-se de, nesses jantares com Alan Perkins se ter falado de pagamentos ilícitos a pessoas ou personalidades, ou governantes portugueses ?
            Resposta: "Olhe, o que eu me recordo é que nessas reuniões, sempre na fase final, discutia-se sempre o aspecto financeiro, nomeadamente um problema que levou muitos anos a ser resolvido, que teve a ver com as facturas pró-forma e o facto de a Freeport inicialmente não ter uma contabilidade como deve ser em Portugal, e pensar que estava em África, desculpem-me o termo, nós eramos todos uma cambada de pretos, e que isto era tudo sem IVA, e eles os 3 e o Ginja ficaram muito preocupados com isso. E então, quando começavam a discutir estas coisas eu normalmente saía, porque não era assunto que me dissesse respeito. Porque os meus problemas limitavam-se à resolução de problemas técnicos".
            Pergunta: Alan Perkins fala de um jantar que ocorreu em Fevereiro de 2006 ("grande memória", diz a testemunha num aparte), e uma reunião em Março de 2006 nos escritórios da Freeport em Alcochete, e foi nessas reuniões que se falou em pagamentos ilícitos. Confirma estes factos ?
            Resposta: "Já lhe disse que quando se chegava à parte financeira eu desligava, até saía, e não me recordo de nada desses assuntos".
             Pergunta: Mas olhe que Alan Perkins disse que o Engenheiro João Cabral não só não contrariava o que Charles Smith ia dizendo, como parecia estar a par de tudo, como até de vez em quando introduzia pormenores sobre pessoas e sítios na narrativa que Charles Smith ia fazendo.
            Resposta: "Isso dizia ele. Para mim, esses assuntos não eram da minha responsabilidade, e não me diziam respeito".
            Pergunta: Mas, indepentemente de ser ou não da sua responsabilidade, se está presente, houve as conversas, não será ?
            Resposta: "Não. Olhe, às vezes estava a tomar notas e não ouvia nada".
            Pergunta: num jantar, onde estão 3 pessoas, a conversar sobre pagamentos ilícitos, o senhor não ouve ?
            Resposta: "Olhe, às vezes ouvia-se tanta boca, tanta coisa, que se desliga. E eu já lhe disse que era voz corrente em Alcochete falar dessas coisas, e eu disso não sabia nada. Era voz corrente em Alcochete...."
            Pergunta: "ouviu ou não ouviu essas conversas  entre Alan Perkins e Charles Smith ?
            Resposta: "Já lhe disse, essas conversas eram de tal maneira esgotantes, arrastavam-se há tanto tempo, por causa da ilegalidade ou ilegalidade dos pagamentos, e das facturas pró-forma, pagamento e não pagamento do IVA, e eu desligava, porque não me dizia respeito. Já estava cansado desses assuntos".
            Pergunta: então o senhor não ouviu nessas conversas referências a pagamentos em prestações, através de um primo, ao Engenheiro Sócrates ? Não ouviu falar disso ?
            Resposta: "Ouvia bocas exteriores, a pagamentos..."
            Pergunta: Da parte de Charles Smith para Alan Perkins, não ouviu nada disto ?
            Resposta: "Não. Tenho ideia de haver cartas, lá, de partidos políticos, a solicitar financiamentos, mas nada disso foi para a frente. A ideia que eu tenho é que a Freeport nunca alinhou nessas coisas".
            Nesta altura do interrogatório a testemunha foi expressamente advertida nos termos e para os efeitos do disposto no art. 360º,3 CP, ou seja, foi advertido das consequências penais a que se expõe em caso de prestar depoimento falso, e a inquirição continuou.
            Pergunta: Nas reuniões entre Charles Smith e Alan Perkins não se lembra de Charles Smith ter informado Alan Perkins de que fez pagamentos a políticos portugueses, nomeadamente a um político português ?
            Resposta: "Volto a repetir: a questão financeira de pagamentos e não pagamentos era uma questão recorrente, no fim das reuniões: e eu normalmente saía da sala porque isso não me dizia respeito, eu limitava-me a resolver problemas técnicos. É evidente que ouvir falar, eu ouvia falar. Mas como eram coisas que não me diziam respeito, eu vinha-me embora a maior parte das vezes".
            Pergunta: vou repetir a pergunta: alguma vez ouviu Charles Smith nessas reuniões dizer que efectuou pagamentos a políticos portugueses ?
            Resposta: "Não me lembro. É possível mas não me lembro. Como lhe digo, não dava importância nenhuma a essas coisas".
            Pergunta: Recorda-se até, como foi dito por Alan Perkins, de intervir nas conversas aditando pormenores ?
            Resposta: "Olhe eu muitas vezes, nessas reuniões, ficava a tomar notas e fazia um ou outro comentário, mas quando eram conversas dessas eu punha-me à margem, normalmente. Desligava. Ficava a tomar notas das actas da reunião. Desligava, não era comigo".
            Pergunta: Também desligava se o assunto em cima da mesa fosse pagamentos a um ministro ?
            Resposta: "Não tinha nada a ver com isso, não era comigo. Tive centenas de reuniões em dois anos, uma reunião por semana, 52 semanas por ano, dá mais de 600 reuniões, mais de 300 jantares. Não sei dizer, não me recordo. Esse tipo de conversas era recorrente. Se tinha pago a B ou a C, eu nunca entrei nesse esquema, e nunca quis entrar nesse esquema, porque a minha função era única e exclusivamente técnica".
            Pergunta: Recorda-se nessas reuniões onde estiveram Charles Smith e Alan Perkins, ter ouvido da boca de Charles Smith, dirigindo-se a Alan Perkins, ter feito pagamentos, de várias maneiras, às prestações, falar em pagamentos dirigidos e entregues ao Ministro do Ambiente, José   Sócrates ? Ouviu ou não ouviu ?
            Resposta: "Não lhe dou a certeza absoluta, porque não me lembro. É possível que tenha acontecido, não me recordo. Eu tive centenas de reuniões".
            Pergunta: Quando Alan Perkins disse a este Tribunal que esteve em reuniões onde o senhor também esteve, com Charles Smith, e onde se falou de pedidos de dinheiro para aprovação do Freeport por parte do Ministro do Ambiente, ele mentiu a este Tribunal ?
            Resposta: "Eu não sei se mentiu. É possível que isso tenha sido falado. Eu como lhe digo, quando chegava à parte dos pagamentos, não era um assunto que me dissesse respeito. Pura e simplesmente".
            Pergunta: Alan Perkins disse que o senhor estava presente, ouvia, participava. Ele mentiu ?
            Resposta: "Não sei se mentiu ou não mentiu. Não me recordo. Tive centenas de reuniões, e quando chegava a essa altura ficava a tomar notas".
            Pergunta: Os pagamentos eram ao Ministro do Ambiente ?
            Resposta: "Não sei se era ao Ministro do Ambiente. Era a alguém importante. Havia referências a pagamentos. A quem não sei, nem nunca quis saber".
            Pergunta: O senhor considera credível que tenha estado presente em reuniões com um administrador da Freeport e com Charles Smith, onde se tenha falado de pagamentos ilícitos ao Ministro do Ambiente, e o senhor não se lembre ?
            Resposta: "Eu sempre tive a minha postura em relação a isso. Neste processo de construção do Freeport, desde 2001 até ao momento em que tudo se começou a resolver, eu tive oportunidade de observar situações estranhíssimas, não só essas de que temos estado a falar mas outras também. E a minha postura em relação a essas situações estranhíssimas foi sempre pôr-me à margem dessas coisas. Porque as instruções que eu tinha dos ingleses, de todos eles, sempre foi: João, "always by the law". Sempre pela lei. E a minha preocupação, em termos técnicos, sempre foi fazer as coisas pela lei e desligar completamente dessas coisas que tinham a ver com a parte financeira e que pudesse ter a ver com coisas mais ou menos estranhas".
            Parece-nos ser óbvio que João Cabral procurou por todos os meios fugir a responder ao que lhe era perguntado sobre a reunião com Alan Perkins e Charles Smith. E à medida que o interrogatório foi avançando e as perguntas o pressionavam no sentido de o obrigar a dar uma resposta ao que se perguntava, as suas respostas foram mudando ligeiramente, tendo passado da afirmação de que "desligava quando se falava da parte financeira", para finalmente admitir que se falou em "pagamentos a alguém importante, mas não sabe a quem".
            Estamos em crer que a melhor maneira de interpretar este depoimento de João Cabral é adoptar uma perspectiva Kantiana, que nos permite perceber que João Cabral sabe que o que Alan Perkins contou a este Tribunal é verdade, mas por razões que não apurámos mas não são difíceis de imaginar, não o quer admitir. Mas também se sente compelido a prestar alguma homenagem ao imperativo categórico "mentir é errado". Então, a solução que a testemunha encontrou para conciliar esses dois vectores inconciliáveis foi, tanto quanto lhe foi possível, evitar confirmar o que disse Alan Perkins, mas sem prestar depoimento objectivamente falso. Como consequência, teve de recorrer a verdades enganosas, como por exemplo que no final das reuniões ele ocupava-se a tomar as suas notas, e a variadas técnicas de omissão da verdade. No cômputo final, podemos dizer que João Cabral acabou por demonstrar vontade de prestar homenagem à verdade, através  da preocupação de não dizer uma mentira frontal ao Tribunal, e assim, do ponto de vista da moral Kantiana, ainda tentou respeitar, de forma indirecta, o imperativo categórico de que mentir é errado. E para este Tribunal, da atitude da testemunha resulta a confirmação do depoimento de Alan Perkins.
            Mas considerando o relevo, a gravidade e as implicações do que Alan Perkins veio relatar a esta audiência, era ainda importante procurar um meio de prova objectivo, que viesse reforçar ainda mais o seu depoimento nesta audiência. E isto porque temos pelo menos de testar em abstracto a hipótese de Charles Smith ter mentido a Alan Perkins, justamente para encobrir pedidos de dinheiro ilícitos que ele próprio tivesse feito.

            E fomos encontrar essa prova objectiva no relatório pericial final elaborado pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária. No que se refere a saídas e débitos registadas no período de 2001 a 2005 nas contas bancárias tituladas e co-tituladas por Charles Smith, verifica-se uma verba de € 229.917,79, descrita como levantamentos por Charles Smith, em numerário. A este propósito, o gráfico de fls. 52 é extremamente elucidativo, pois mostra como esses levantamentos em numerário se dividiram ao longo dos anos de 2001 a 2005. E o que se vê é que foi no ano de 2002 que se registou a esmagadora maioria desses levantamentos em numerário, de € 145.625,00. Em 2001 e 2005 os valores são residuais, em 2003 o valor é de € 42.300,00 e em 2004 o valor é de € 34.300,00. E outro dado importante é o que resulta de fls. 54, onde os peritos realçam que de todos os levantamentos realizados ao balcão sobressai a quantidade dos constituídos por valores certos, entre os quais os de € 3.000,00, € 4.000,00 e € 5.000,00.
            A fls. 55, em sede de análise comparativa bancária versus fiscal, a perícia financeira permitiu concluir que se se considerarem os valores relativos a depósitos e transferências não identificados, conclui-se que entre 1999 e 2004 os rendimentos declarados em sede de IRS por Charles Smith e Linda Smith foram inferiores em € 1.657.117,29 aos créditos que afluiram às suas contas bancárias. E se não forem considerados os depósitos e transferências não identificados, conclui-se que entre 1999 e 2004 os rendimentos declarados em sede de IRS por Charles Smith e Linda Smith foram inferiores em € 1.548.940,82 aos créditos que afluiram às suas contas bancárias.
            Estes segmentos do relatório pericial que acabámos de analisar, salvo melhor opinião, corroboram materialmente o depoimento de Alan Perkins, na parte que se refere aos pagamentos.
            Recordemos dois pormenores simples mas carregados de significado.
            1) Alan Perkins disse-nos que devido aos pagamentos ilícitos feitos pela Freeport terem passado pela conta bancária pessoal de Charles Smith, e tendo depois saído a caminho do seu destino final, o arguido ficou a braços com o Fisco, que lhe exigiu o IVA e IRS referente àqueles valores que entraram na sua conta, que nós sabemos que foram entregues a terceiros, mas que o Fisco não sabia. A prova pericial citada mostra-nos como de facto os valores que afluiram às contas bancárias do arguido excederam em muito os rendimentos que o mesmo declarou em sede de IRS. E não nos interessa nesta sede averiguar se haverá ou não outra explicação para essa disparidade para além daquela que Alan Perkins nos apresentou. Estando o Tribunal, no fundo, a analisar esta prova com vista a apurar da credibilidade do depoimento de Alan Perkins, o qual vai no sentido da inocência dos arguidos, basta-nos a constatação de que estes elementos de prova, materiais, objectivos e incontornáveis, corroboram totalmente o que aquela testemunha nos disse.
            2) Alan Perkins explicou-nos ainda -no fundo reproduzindo o que Charles Smith lhe disse- como os pagamentos ao Ministro do Ambiente teriam sido feitos: a Freeport transferiu o dinheiro para a conta pessoal dele, Smith, e ele depois fez pequenos levantamentos em cash, para não levantar suspeitas, que duraram cerca de 1 ano, sempre com denominações diversas, e fê-lo chegar, em diversos pagamentos feitos ao longo do ano posterior à concessão da licença, ao Ministro. Ora, a análise às contas bancárias do arguido Charles Smith demonstrou que este fez, no ano de 2002, diversos levantamentos em numerário, num valor de € 145.625,00. Em 2003 o valor foi de € 42.300,00. No período de tempo que mediou entre 2001 a 2005, a fazer fé no que Alan Perkins disse a este Tribunal, e no que Charles Smith disse a Alan Perkins, seria nos anos de 2002 e 2003 que se esperaria encontrar mais levantamentos em numerário. E foi exactamente essa a informação que a perícia financeira recolheu. Da mesma forma, a informação dada por Alan Perkins apontava para pequenos levantamentos em "cash", para não levantar suspeitas. E mais uma vez a perícia confirma estas palavras: de todos os levantamentos realizados ao balcão sobressai a quantidade dos constituídos por valores certos, entre os quais os de € 3.000,00, € 4.000,00 e € 5.000,00. A regra da livre apreciação da prova, atrás explicada e desenvolvida pela doutrina e jurisprudência, diz-nos agora, conjugando e cruzando estas várias provas, que o depoimento de Alan Perkins é corroborado por prova material e objectiva.
            Ficamos pois com a certeza humanamente possível de que o que Alan Perkins relatou a este Tribunal foi a verdade.
            E a imagem completa que se retira do seu depoimento, podemos agora finalmente dizê-lo, desmonta a tese de tentativa de extorsão vertida pelo Ministério Público na acusação, fornecendo a explicação que faltava sobre as variadas comunicações equívocas e dúbias entre os arguidos e entre estes e a Freeport constantes dos artigos 82º e seguintes da acusação:
            1. O teor do artigo 40º da acusação pode agora ser entendido: já sabemos que a Freeport usou pelo menos a conta bancária de Charles Smith para fazer pagamentos "não contratuais" em Portugal, e que não há qualquer prova que o destino desse dinheiro tenha sido o bolso dos arguidos, antes pelo contrário, a prova que existe aponta para que esse dinheiro foi parar aos bolsos de pessoas que estavam em posição de conceder ou negar licenças e autorizações administrativas.

            2. Podemos agora dizer que a matéria constante do artigo 53º da acusação pode agora ser vista como a mais pura das verdades. Quando Charles Smith e Manuel Pedro elaboraram esses relatórios, estavam a transmitir à Freeport informação sobre a realidade, tal como era por eles conhecida, e não a executar um plano criminoso da sua autoria.

3. E as revelações feitas por Alan Perkins vêm esclarecer muito do que foi dito e analisado sobre a já famosa reunião no escritório de Albertino Antunes em 4.12.2001.
Não iremos repetir a análise que já fizemos da prova produzida sobre essa reunião. Apenas queremos chamar a atenção para que o depoimento de Alan Perkins, não só sobre o que Charles Smith lhe relatou voluntáriamente sobre pagamentos feitos pela Freeport ao então Ministro do Ambiente, mas também sobre a situação em que Charles Smith se viu colocado perante a Freeport e perante o Fisco, por ter sido usado como "bag carrier", para usar a expressão de Perkins, a aflição de Charles Smith por causa da abertura do inquérito que levou a esta acusação, que o levou a apanhar de propósito um avião de Lisboa para o Aeroporto de Nice, para comunicar a Gary Russell que estava a decorrer essa investigação, tudo isto vem, a posteriori, ajudar a perceber o que realmente se passou em Dezembro de 2001 e Janeiro de 2002.
O depoimento de Alan Perkins vem fornecer um forte apoio à interpretação que fizemos supra, ou seja, que existe uma relação directa entre a reunião no escritório de Albertino Antunes a 4.12.2001, pelas 23h00, a proposta feita nessa altura, que fazia depender uma decisão de impacte ambiental favorável do pagamento de 2 milhões de libras, o não pagamento por parte da Freeport, e a decisão ambiental desfavorável de 6.12.2001, ao arrepio de tudo o que era expectável e contra o interesse do País e do Concelho de Alcochete.
Também é à luz do depoimento de Alan Perkins que é possível ver uma relação entre vários outros factos: o facto de logo a seguir Charles Smith ter procurado o apoio do Engenheiro Júlio Eduardo Carvalho Monteiro, que lhe conseguiu obter a promessa de uma reunião com o então Ministro do Ambiente, seu sobrinho, e responsável político último pela decisão de impacto ambiental, o facto de logo no dia 18 de Janeiro de 2002 ter tido início na DRAOT novo procedimento de AIA, o facto de ter havido nessa altura a mudança do Gabinete de Arquitectura Promontório, com reputação e experiência reconhecida no ramo, pelo Gabinete Capinha Lopes, sem qualquer tipo de experiência naquele tipo de projectos e contra a vontade dos Arquitectos Ingleses da Benoy, responsáveis pelo projecto Freeport, a coincidência de no mesmo dia 14 de Março de 2002 terem ocorrido três eventos relacionados com este projecto: foi emitido parecer favorável condicionado pela Comissão de Avaliação de AIA, foi emitida decisão (DIA) “favorável condicionada” por despacho do Secretário de Estado do Ambiente, e foi aprovado, em reunião de conselho de Ministros, o Decreto-Lei nº 140/2002, de 20 de Maio, o qual, alterou os limites da ZPE do Estuário do Tejo, excluindo, além do mais, a área A dos terrenos da antiga fábrica da Firestone da ZPE.
            Também agora o documento elaborado por Rik Dattani, observado à luz do depoimento de Alan Perkins, nos surge como muito mais evidente.
            E o próprio organigrama que surge mais abaixo, com as referências ao nome "José Sócrates - Ministro da Economia", que surge no vértice de uma pirâmide que tem na base os nomes "Rui Gonçalves - Secretário de Estado do Ambiente", e “Silva Pereira – Secretário de Estado", faz pleno sentido, pois eram os nomes dos principais decisores políticos do Ministério do Ambiente, onde o projecto estava a aguardar aprovação. A esta luz, tudo leva a crer que a referência a "Ministro da Economia" se tratou de um mero lapso de Rik Dattani, e o que ele quereria escrever era "Ministro do Ambiente".
            E é aqui que o depoimento de Alan Perkins se vem juntar ao depoimento de Augusto Ferreira do Amaral, trazendo-nos mais um elemento de confirmação, indicando-nos qual desses nomes é que terá recebido dinheiro da Freeport, pagamento para o qual Charles Smith terá sido apenas usado como "bag carrier".
            4. A dar credibilidade a esta ligação temos igualmente o depoimento de Júlio Eduardo Coelho Monteiro, que nos forneceu o quadro factual no qual Charles Smith teria tido acesso directo ao Ministro do Ambiente. Não temos prova directa que essa reunião com os dois tenha tido lugar. Mas os indícios de que assim aconteceu são variados e credíveis.
            5. Igualmente é esta a altura para relembrar o depoimento de Mónica Isabel Pinto da Silva Mendes, ex-funcionária da Smith e Pedro. Ela declarou que trabalhou para a empresa do Manuel Pedro desde finais de 2004 e até Abril ou Maio de 2005. A certa altura ouviu uma conversa entre o Dr. Manuel Pedro e o Engenheiro João Cabral, que também trabalhava para a Smith e Pedro, na qual o seu patrão disse que pagou (ele e outros, presume-se que a empresa dele ou a Freeport) um montante de dinheiro ao Eng. Sócrates, a quem chamava "o filósofo", para a aprovação do outlet. E diz que ela não deu relevância àquelas afirmações.
            Importa registar aqui que uma das pessoas que Mónica Mendes apontou como tendo participado nessa conversa, o Engenheiro João Cabral, quando prestou depoimento negou ter ouvido o que aquela disse ter ouvido da boca do arguido Manuel Pedro.
            Por haver óbvia contradição de depoimentos, realizou-se uma acareação, que se veio a revelar útil, porque foi óbvio para este Tribunal quem estava a falar verdade. A acareação é talvez daquelas diligências onde mais releva, não o que se diz, mas o como se diz. É o campo por excelência da comunicação não verbal, onde a atitude, o olhar, o tom de voz, o olhar nos olhos do interlocutor ou o desviar o olhar, a calma ou o estado de nervos, tudo isso são indícios reveladores. Claro que é quase impossível reproduzir essa apreciação aqui, por escrito. Não obstante, vamos procurar reproduzir o essencial da acareação, para que fique evidente quem mereceu credibilidade.
            Em primeiro lugar, e ainda antes de entrar na acareação, a testemunha foi confrontada com três declarações suas anteriores: as primeiras foram em Setúbal, as segundas no Montijo, perante a Procuradora Inês Bonina, e as terceiras em Lisboa, em diligência presidida pelos Procuradores Vitor Magalhães e Paes Faria.
            No terceiro depoimento a testemunha disse que no depoimento anterior não confirmou o depoimento feito em primeiro lugar (nestes autos) por sentir medo de sofrer represálias. Não vale a pena perder mais tempo com essa sucessão de depoimentos, porque a testemunha explicou as contradições verificadas de forma que este Tribunal considera credível.
            Começada a acareação própriamente dita, e depois de o Tribunal ter explicado que a divergência entre as duas testemunhas se prendia com o ter ouvido ou o não ter ouvido o arguido Manuel Pedro dizer que pagaram um montante de dinheiro ao Engenheiro Sócrates, a quem chamava "o filósofo", para a aprovação do outlet, João Cabral respondeu, da forma peculiar que o caracteriza: "isso para mim são conversas de café. Não dou nenhuma importância a isso".
            De imediato o Tribunal perguntou a Mónica Mendes onde é que ela ouviu tais conversas. E ela disse que as ouviu nas instalações da Smith e Pedro, na parte do sótão.
            Novamente a palavra para João Cabral, com o esclarecimento de que afinal não se trata de conversas de café, pois foram tidas nas próprias instalações da Smith e Pedro: de novo, uma resposta típica da testemunha: "olhe, eu dei tanta importância a essa conversa que nem me lembro dela. Não vejo que haja importância nenhuma nesse tipo de conversa".
            O Tribunal insistiu, perguntando se numa conversa onde o Dr. Manuel Pedro lhe diz que pagou dinheiro ao Ministro do Ambiente para obter o licenciamento, neste contexto, ele não vê relevância alguma ? Repete que não deu importância nenhuma ao assunto.
            Mónica Mendes acrescenta que também não deu importância. Mas reafirma que ouviu essas palavras, vindas da boca de Manuel Pedro, em conversação com João Cabral.
            Neste momento, Mónica Mendes foi confrontada com declarações que prestou no inquérito, com o seguinte teor: "ouviu várias conversas entre o Dr. Manuel Pedro e o Eng. Cabral, que falavam à vontade, sobre pagamentos efectuados às autoridades portuguesas, eventualmente ilícitos, tendo em vista a aprovação do Freeport. Deseja esclarecer que ouviu muitas vezes o Dr. Manuel Pedro afirmar que a pessoa a quem tinha pago tratava-se do sócrates, a quem o Manuel Pedro apelidava de filósofo. E que a quantia em causa situava-se nos 400 mil contos, e outra quantia de 100 mil contos teria sido paga a uma terceira pessoa, mas que o Manuel Pedro não identificava, dizendo mesmo desconhecer a quem tinha sido feito tal pagamento".
            Pergunta directa a Mónica Mendes: "a senhora ouviu isto ?"
            Resposta: "sim, ouvi".
            Nesta altura foi perguntado a João Cabral se ele participou nessas conversas, e se nessas conversas o Dr. Manuel Pedro disse que pagou a José Sócrates 500 mil, seja euros, contos ou libras.
            Resposta: "não".
            Pergunta imediatamente a seguir: "então essa conversa não existiu ou o senhor não se lembra dela" ?
            Resposta: "era voz corrente em todo o lado, na rua, no café, etc, ouvir dizer que se tinha pago ao sócrates. E nunca dei importância a essas conversas".
            Insistência: mas sendo alguém com quem trabalhava e lidava diáriamente que dizia isso, não tinha curiosidade em saber mais ? Ainda por cima, ao contar-nos a conversa com os advogados disse que ficou escandalizado e absolutamente estupefacto com esse pedido, e agora assiste a isto com esse desinteresse ?
            Resposta: "repito que não dei importância nenhuma".
            Deste excerto da acareação cremos ser já evidente que a verdade está toda no depoimento de Mónica Mendes. Apesar de ter sido notório em toda a sua postura que estava debaixo de uma grande tensão nervosa, o seu depoimento foi linear, escorreito, objectivo, e deu respostas directas ao Tribunal, explicando inclusive as diferenças entre os seus depoimentos prestados em fases anteriores destes autos e num outro processo de inquérito, explicação que faz todo o sentido e que este Tribunal aceitou como credível. Aliás, a testemunha disse ainda mais: na primeira vez que prestou o seu depoimento nesta audiência começou por dizer que estava a trabalhar, fazendo pesquisa de mercado para a Junta de Freguesia de Marvila. Quando voltou para prestar o segundo depoimento e para efectuar a acareação já se apresentou como desempregada, dizendo que logo após ter prestado o seu primeiro depoimento nesta audiência de julgamento foi despedida pelo Presidente da Junta de Freguesia. E não lhe foi dada nenhuma explicação para essa cessação de contrato.
            Já o depoimento de João Cabral foi mais uma vez o espelho do que atrás designámos como a obediência inconsciente ao imperativo categórico Kantiano. Estava em causa saber se o arguido Manuel Pedro tinha ou não dito, em conversa com o próprio João Cabral que tinha sido paga uma quantia monetária elevada ao Ministro do Ambiente de então, José Sócrates para poder construir o Freeport. É óbvio para qualquer pessoa, que perante uma alegação desta gravidade só há duas respostas sinceras a dar: ou confirmar que é verdade que assim foi, ou negar, dizendo que Manuel Pedro nunca disse tal coisa à sua frente. João Cabral começou por negar, com um "não" seco. Mas quando a inquirição avançou, a testemunha, visivelmente incomodada com a insistência e o detalhe a que as perguntas o conduziam, mudou o seu depoimento. Abandonou a negação directa e frontal e passou a responder com verdades enganosas e manobras de diversão, do género "isso para mim são conversas de café. Não dou nenhuma importância a isso", ou então "era voz corrente em todo o lado, na rua, no café, etc, ouvir dizer que se tinha pago ao Sócrates, e nunca dei importância a essas conversas", ou ainda "olhe, eu dei tanta importância a essa conversa que nem me lembro dela. Não vejo que haja importância nenhuma nesse tipo de conversa".
            E, se Manuel Pedro nunca tivesse dito nada de semelhante, a testemunha apenas se tinha de limitar a responder com uma negativa directa, dizendo que nunca Manuel Pedro disse tal coisa à sua frente, pois se tivesse dito, como é óbvio, ele lembrar-se-ia, pela gravidade do assunto. Mas João Cabral não assumiu essa postura. Ficou assim patente para este Tribunal, depois de efectuada a acareação, que Mónica Mendes falou verdade, e que João Cabral, não querendo interiormente confirmar essa verdade, mas mais uma vez sentindo-se vinculado ou compelido a prestar alguma homenagem ao imperativo categórico moral "mentir é errado", acabou por, aos olhos dos julgadores, confirmar indirectamente o depoimento de Mónica Mendes.
            Temos assim três pessoas, Augusto Ferreira do Amaral, Alan Perkins, e Mónica Mendes, tanto quanto sabemos sem qualquer ligação entre si, a ter ouvido da boca dos arguidos em três situações completamente diferentes que foram feitos pagamentos ao então Ministro do Ambiente.
            Houve ainda uma outra testemunha, Fernanda Guerreiro, que declarou ter ouvido algo de semelhante da boca do arguido Manuel Pedro, quando estava com ele e estando igualmente presente a sua amiga Mónica Mendes. Mas mais do que ela declarou, foi interessante a forma como declarou, tentando evitar o mais possível referir o nome do antigo Ministro do Ambiente, e dizendo em vez disso que ouviu que uma quantia teria sido paga "a um determinado senhor", a quantia que está aí nos autos. E foram necessárias várias insistências até a testemunha mencionar com notória dificuldade o nome "José Sócrates". Acrescentou ainda a testemunha que na altura levou aquilo na brincadeira, como gabarolice do Dr. Manuel Pedro. Este Tribunal não deu grande credibilidade a este depoimento, pois nas circunstâncias em que a frase teria sido proferida, faz todo o sentido que a testemunha a tenha interpretado como gabarolice.
            Já temos mais dificuldade em atribuir o mesmo epíteto de "gabarolice" a declarações semelhantes feitas nas instalações da Smith e Pedro em conversas privadas com João Cabral, e, sobretudo, temos uma enorme dificuldade em atribuir essa mesma classificação ao desabafo feito perante Augusto Ferreira do Amaral, ou aos relatos feitos por Charles Smith e João Cabral a Alan Perkins.

            6. Sobre as diversas reuniões que se realizaram entre os dias 8 e 24 de Janeiro de 2002 no Ministério do Ambiente, designadamente com as presenças do Ministro do Ambiente, Secretário de Estado do Ambiente, Presidente do ICN, Directora da DRAOT e José Dias Inocêncio, para além dos próprios arguidos e no dia 24, com o Ministro do Ambiente e com o arguido Manuel Pedro, Sean Collidge e Gary Russell, também se compreende, à luz do depoimento de Alan Perkins, que as mesmas se tenham realizado: num cenário em que houve pagamento de dinheiro, era necessária a urgência máxima para garantir que era emitida a DIA favorável antes da cessação de funções do Governo, demissionário desde 16.12.2001, conforme afirmado no art. 68º da acusação.
            Aliás, a prova documental mostra-nos que, tendo a decisão desfavorável sido proferida a 6.12.2001, volvidos apenas 6 dias e já Jonathan Rawnsley e Gary Russell estavam em Lisboa a participar em reuniões.
            7. Outro pormenor que dá credibilidade ao depoimento de Alan Perkins é a já referida carta de Charles Smith a Sean Collidge, referida no artigo 83º da acusação. Recordemos que excertos da mesma como: "caro Sr. Collidge, foi um prazer tê-lo conhecido em Lisboa, em Janeiro deste ano, embora eu tivesse preferido tê-lo conhecido em circunstâncias bem diferentes"; "embora seja contra a minha natureza, e acredito contra a sua também, sinto que devemos continuar a dialogar com o Ministério do Ambiente no que se refere às aprovações e aos respectivos prazos", e ainda "por mim, nunca quis apresentar um pedido de planeamento durante umas eleições legislativas em Portugal", adquirem agora, subitamente, um sentido totalmente perceptível. À luz do que Charles Smith contou a Alan Perkins, e que este contou a este Tribunal, num cenário em que a Freeport se viu obrigada a fazer pagamentos de quantias elevadas a autoridades em Portugal para só assim conseguir avançar com o projecto, todos os comentários constantes quer da carta de Smith quer da resposta de Collidge aparecem como totalmente compreensíveis e lógicos. Vejamos: retira-se da carta que Charles Smith e Sean Collidge ter-se-ão conhecido em Lisboa em Janeiro de 2002. E Charles Smith teria preferido ter conhecido o patrão da Freeport em circunstâncias bem diferentes. Se pensarmos que toda a prova analisada nos diz que Dezembro de 2001 e Janeiro de 2002 foi o momento em que houve uma terrível sucessão de eventos, começando pela exigência de pagamento feita à Freeport em que os arguidos foram usados como mensageiros, a não aceitação por parte da empresa Inglesa e a imediata e inesperada decisão desfavorável, seguida de contactos, uns provados outros altamente prováveis entre os Administradores da Freeport e as autoridades com poder para desbloquear a situação, a mudança totalmente descabida da equipa de arquitectos, as referências feitas pelos dois arguidos, seja logo em cima do acontecimento, em Dezembro de 2001, seja 4 ou 5 anos mais tarde, que teriam pago dinheiro a um decisor político que estava justamente em situação privilegiada para acelerar o processo e conceder a licença, então perceberemos com nitidez porque é que para Charles Smith e Sean Collidge Janeiro de 2002 não foi um momento agradável.
            A frase sobre o diálogo com o Ministério do Ambiente, agora sob o controle de outra equipa ministerial, ser contra a natureza de Charles Smith entende-se se pensarmos no cenário acabado de descrever: quem fez, ou foi obrigado a fazer pagamentos ilícitos para obter as licenças necessárias, não gosta certamente de ter de continuar a dialogar, agora com outras pessoas, para conseguir obter aquilo que já teria "comprado".
            E também a resposta de Sean Collidge se torna transparente:

            "creio que concordará comigo em que não havia nada que pudessemos ter feito para fugir da situação em que nos vimos metidos"

            Mais uma vez, se olharmos para este texto num cenário em que houve pagamentos ilícitos, o comentário torna-se cristalino: a Freeport viu-se metida numa situação em que teve que fazer pagamentos ilícitos para obter a aprovação do outlet, porque se os não fizesse os prejuízos seriam certamente muito superiores, e nada pode fazer para sair daquela situação.

            8. O pagamento de 50 mil libras mencionado no artigo 74º, feito pela Freeport à Smith e Pedro em 21 de Janeiro de 2002, que à data em que foi feito não estava coberto por qualquer factura ou contrato, e ao qual só foi dada cobertura jurídica em 3.6.2002, através de uma cláusula retroactiva, pode também ser lido como resultado da preocupação de dar cobertura jurídica a esse pagamento 5 meses depois de o mesmo ser feito, e isto porque tal dinheiro teria sido encaminhado para um dos referidos pagamentos ilícitos.

            9. Outra das comunicações que ficaram provadas, mas cujo significado era dúbio, agora torna-se clara. Referimo-nos ao e-mail que Charles Smith enviou a William McKinney em 20 de Março de 2002, aonde refere, para se desculpar perante McKinney, que tem estado "sob ordens muito rígidas do Ministro no sentido de não dizer nada antes da recepção do documento e do relatório". A esta luz Charles Smith limitou-se a dizer a verdade a William McKinney.

            10. Outro facto que agora já conseguimos interpretar com princípio, meio e fim, é o e-mail transcrito no artigo 84º da acusação, datado de 18 de Maio de 2002, no qual CHARLES SMITH diz ao co-arguido MANUEL PEDRO o seguinte: "Meu objectivo é de responder positivamente a Gary na segunda feira sem falta, tal forma que nos podemos aceitar o form of agreement para assinar, e pedir freeport enviar £80.000 ainda semana que vem para que nos podemos pagar pinnochio algo no dia 31 de Maio conforme que eu combinei com bernardo para não arriscar atrasar nada, seja protocols ou architectural projects".
            O Ministério Público usou e invocou este e-mail para evidenciar que se tratou de mais uma concretização do plano ardiloso dos arguidos de extorquir dinheiros indevidos à Freeport. Sendo certo que o nome "Pinóquio", quer na sua versão portuguesa, quer na inglesa de "Pinocchio" não surge mencionado em nenhum contrato assinado entre a Freeport e a Smith e Pedro, e sendo igualmente certo que Gary Russell e Jonathan Rawnsley declararam nunca ter ouvido tal nome nem ter a menor ideia de quem pode ser, ficavam legitimadas as suspeitas de estarmos perante um cenário virtual montado pelos arguidos para enriquecer indevidamente à custa da empresa inglesa. Mais essas suspeitas se adensavam quando os arguidos apresentam para este facto concreto uma explicação notoriamente construída e sem o mínimo de credibilidade, quer olhada em si mesma, quer após ser enquadrada num contexto mais vasto de factos e e-mails. Para chegar à verdade, que como se vê claramente deste exemplo concreto, está bem camuflada debaixo de uma aparência construída deliberadamente, temos de perceber algumas realidades evidentes e inter-relacionadas: primeiro, quer Charles Smith quer Manuel Pedro sabem quem é a pessoa referida como Pinóquio, pois é do mais elementar senso comum que ninguém envia uma mensagem contendo informação codificada se o destinatário não tiver consigo a chave para a descodificar. Segundo, é igualmente óbvio que Charles Smith e Manuel Pedro não quiseram relatar ao Tribunal essa verdade, e, na sua contestação e nas suas declarações, apresentaram-nos a história de que se queriam referir ao seu técnico oficial de contas, José da Silva Ginja.
            Do depoimento de Alan Perkins ficamos a saber que Charles Smith e João Cabral apresentaram a este Administrador uma outra versão dos factos: a de que Pinóquio era o nome pelo qual os arguidos se referiam ao então Ministro do Ambiente, José Sócrates, a quem dizem que a Freeport pagou dinheiro, e que Bernardo seria um dos intermediários que este usava nos contactos com os arguidos e a Freeport.
            Não cabe a este Tribunal apurar se assim é ou não. O que cabe é aferir da credibilidade desse cenário, pois se ele emergir como provável, o cenário constante da acusação fica excluído.
            É entendimento deste Tribunal que, estando liminarmente excluída a versão segundo a qual Pinóquio seria José da Silva Ginja, restam apenas duas alternativas: ou o Ministério Público tem razão e "Pinóquio" não existe, não passando de um nome que os arguidos inventaram para justificar os pedidos de dinheiro à Freeport, ou de facto trata-se de uma alcunha pela qual os arguidos se referiam a alguém que efectivamente recebeu pagamentos ilícitos.
            Pela estrita lógica do senso comum, é de considerar mais credível aquilo que Charles Smith e João Cabral disseram a Alan Perkins: tratou-se de uma conversa privada, entre um Administrador da Freeport e um Consultor e um Engenheiro contratados pela Freeport, tida numa altura em que os arguidos não estavam no âmbito de um julgamento criminal contra si, e em que por isso é de presumir que eles teriam falado com total à vontade. Por outro lado, é importante não esquecer que se a tese da acusação fosse verdadeira, então estaríamos perante um cenário em que os arguidos teriam todo o interesse em continuar a mentir aos Administradores da Freeport para que eles nunca se apercebessem do verdadeiro destino do dinheiro. E assim, o que eles contaram a Alan Perkins teria de ser visto como mais uma mentira para esconder o seu plano de extorsão. Só que, como já vimos, esse cenário de veracidade da tese vertida na acusação está afastado. Aliás, o próprio Alan Perkins não se limitou a ouvir as palavras de Charles Smith e de João Cabral e a acreditar nelas. Ele comprovou a veracidade do que lhe foi relatado por Charles Smith, directamente da interacção com os Administradores da Freeport.
            Estamos aqui perante factos da mais alta relevância para o apuramento da verdade, e não se pretenda desvalorizar o depoimento de Alan Perkins com o argumento de que se tratou de depoimento indirecto. Nada seria mais longe da verdade. O agendamento da reunião em Nice, o local da mesma, quem esteve presente e o que foi dito, são factos dos quais a testemunha teve percepção directa. Perkins relatou-nos que também nessa reunião Charles Smith falou expressamente de pagamentos feitos ao Ministro do Ambiente, e que a reacção de Gary Russell, apontado por Alan Perkins como pessoa intelectualmente superior, foi dizer apenas "Charles, espero que você não tenha feito nenhuma tolice". Alan Perkins repete que com aquela reunião Charles Smith apenas queria informar Gary Russell que a Polícia em Portugal tinha tomado um interesse activo nos pagamentos feitos pela Freeport ao Ministro do Ambiente, e que a investigação estava activa. A reunião terá durado cerca de 1 hora, e Charles Smith estava muito nervoso, agitado e inquieto.
            Esta reunião no Aeroporto de Nice não surge mencionada na acusação. Mas aqui basta ao Tribunal invocar mais uma vez o princípio da livre apreciação da prova para ter como seguro que a sua existência -a qual foi confirmada também por Gary Russell, embora com omissão dos pormenores relacionados com pagamentos ao Ministro do Ambiente- vem contribuir para destruir a tese vertida na acusação, de que todos os pagamentos ilícitos foram invenções dos arguidos para pretender ficar com o dinheiro.
            A única maneira de fugir a esta conclusão, salvo melhor opinião, era encarar esta reunião como mais uma manobra de diversão de Charles Smith, que 4 anos após os factos ainda estaria preocupado em continuar a enganar Gary Russell e a Freeport, alertando-o para que as autoridades estavam a investigar esses pagamentos. Sendo um adquirido que a investigação a este caso Freeport não foi uma invenção dos arguidos, mas sim foi amplamente noticiada em Portugal na altura, e desembocou nesta audiência de julgamento, não se percebe a preocupação de Charles Smith em dar a notícia a Gary Russell, quando este poderia saber de tudo pela comunicação social ou pela internet. Podemos fazer ainda outro exercício intelectual: partindo do princípio de que o relatado pela acusação é verdade, e que os arguidos tentaram efectivamente ameaçar os Administradores da Freeport para receber dinheiro indevido ao longo do projecto de construção do Centro Comercial, então a verdade é que toda a prova produzida ao longo desta audiência de julgamento nos mostra que eles foram bem sucedidos em ocultar essa sua manobra dos responsáveis ingleses. Todos os depoimentos feitos por pessoas ligadas à Freeport ou aos seus representantes em Portugal foram unânimes em dizer que a relação da Smith e Pedro e a Freeport continuou a ser excelente por vários anos, que eles fizeram um excelente trabalho, e que Manuel Pedro foi mesmo convidado para Administrador da Freeport Leisure Portugal, SA.
            Repetimos, a ser verdade que os arguidos praticaram os factos que o Ministério Público lhes imputa, então foram bem sucedidos pois a ofendida nem desconfiou da sua desonestidade, e nunca apresentou queixa contra eles.
            Cabe então perguntar qual a lógica de Charles Smith, em 2006, notoriamente nervoso, marcar um encontro com Gary Russell no Aeroporto de Nice, para o qual se deslocou propositadamente de Lisboa, pedindo a Alan Perkins para estar presente, apenas para ressuscitar um assunto incómodo e perigoso para si, que já estava enterrado no passado havia 4 anos, e que lhe convinha que assim continuasse ?
            Porque iria Charles Smith deliberadamente a Nice só para comunicar a Gary Russell que a polícia estava a investigar alegações de pagamentos feitos ao Ministro do Ambiente ?
            A resposta só pode ser: não faz sentido. É um cenário absurdo, e que é repelido naturalmente pelo senso comum. Com essa conduta, o que Charles Smith poderia conseguir seria acordar na cabeça de Gary Russell dúvidas e suspeitas já há muito ultrapassadas. Por isso pode este Tribunal concluir, com a máxima certeza possível, que esse cenário é falso. Nunca aconteceu.

            11. Outro pormenor que fica explicado com base no depoimento de Alan Perkins prende-se com a extrema celeridade que caracterizou o terceiro processo de análise de impacte ambiental. Antonieta Castaño, como vimos, declarou que houve uma orientação para que a Comissão de Avaliação integrasse chefes de divisão de todos os serviços, e não simples técnicos, como tinha acontecido nas anteriores, para a avaliação ser feita no mais curto espaço de tempo. A razão dessa urgência decorria de se tratar de um projecto que já vinha do ano 2000, de grande envergadura e no qual a Câmara Municipal de Alcochete estava muito interessada porque iria contribuir para o desenvolvimento do Concelho. E em momento anterior já dissemos que ficava por explicar, se o projecto era considerado assim tão importante, porque é que não foi logo proferida em 6.12.2002 a decisão favorável condicionada à eliminação das valências que acabaram por ser retiradas ? A resposta não pode ser que essa aparente falta de sintonia se deveu a que nos dois momentos em que foram proferidas as duas decisões de impacte ambiental, eram diferentes as pessoas que ocupavam os cargos com o poder de decisão. Pelo contrário, o Governo era o mesmo, o Ministro do Ambiente era o mesmo, e o Secretário de Estado do Ambiente era o mesmo. A mudança drástica de posição tem de ter, pois, outra explicação.
            Recordemos agora o depoimento de Maria Fernanda Vara, que nos disse que houve uma reunião no Ministério do Ambiente, logo a seguir ao parecer desfavorável da Comissão de Avaliação e ao chumbo de Dezembro de 2001, para saber como ultrapassar o problema. Para analisar as razões do parecer desfavorável e como as ultrapassar. Quem a convocou foi o Gabinete do Secretário de Estado Rui Gonçalves. Estava presente o Ministro do Ambiente José Sócrates, o Presidente do ICN, o Presidente da Câmara Municipal de Alcochete, o Secretário de Estado Rui Gonçalves, ela própria, Eduardo Capinha Lopes e ainda o arguido Manuel Pedro. E afirmou que um dos objectivos da reunião era saber, do ponto de vista técnico, o que fazer para o projecto ser aprovado. E por outro lado alertar para o valor do investimento em causa e do seu significado. Declarou que estava em causa um investimento avultadíssimo em termos de economia nacional, pensa que o maior já feito até hoje em Portugal.
            Do ponto de vista do observador atento, a mudança, no espaço de cerca de 1 mês, da resposta do Ministério do Ambiente ao projecto Freeport sempre seria estranha, porque, como já dissemos e agora repetimos, havia a possibilidade logo em Dezembro de 2001 de aprovar o projecto, embora com as condições que acabaram por ser impostas em Março de 2002. O projecto que em 6 de Dezembro de 2001 foi objecto de uma decisão ambiental desfavorável, é na sua essência o mesmo que cerca de 1 mês depois levou a que fosse realizada uma reunião no Ministério do Ambiente para analisar as razões do parecer desfavorável e como as ultrapassar, com a presença do Ministro e do Secretário de Estado.
            Dizendo de forma ainda mais impressiva, os decisores políticos que em Dezembro de 2001 entenderam que o projecto nem condicionalmente podia ser aprovado, porque estando "localizado na Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo, apresenta elevadas cargas de visitantes e de ocupação que não se coadunam com os objectivos da política do ambiente e conservação da natureza que levaram à criação desta ZPE, nem com o disposto na Directiva Aves e Habitats”, são exactamente os mesmos que, em Março de 2002 o vieram a aprovar condicionalmente, alegando que o projecto "nos moldes propostos não apresenta impactes negativos significativos sobre os descritores analisados, nomeadamente em termos locais e globais da ZPE".
            E o que Alan Perkins nos veio transmitir é que houve pagamentos ilícitos feitos pela Freeport às autoridades com poder para aprovar ou retardar o projecto, nomeadamente ao próprio Ministro do Ambiente de então, que só por si explicam não apenas a mudança abrupta do chumbo para a aprovação condicionada, como também a celeridade que foi imposta a esse terceiro processo de análise de impacte ambiental.
            Também é a esta luz que agora se percebe melhor o teor das várias comunicações dos arguidos entre si e dos arguidos para a Freeport em Londres, a informar e a insistir em que o Gabinete de Arquitectura Capinha Lopes tinha excelentes relações de trabalho e de proximidade com o Ministério do Ambiente e com o Ministro do Ambiente, e que por isso se fossem contratados davam garantias de rápida aprovação do projecto.
            Igualmente é a esta luz que devemos olhar para um indício objectivo incontornável, que se retira de dois documentos elaborados pelos arguidos, um antes da decisão de Dezembro de 2001 e o outro antes da decisão de Março de 2002.
            O primeiro é um documento elaborado pela Smith e Pedro em 13.9.2001, no âmbito do processo de avaliação de impacte ambiental que culminou na decisão desfavorável de Dezembro de 2001, no qual se faz um ponto da situação e uma previsão, nos seguintes termos: "Consulta pública concluída a 18 de Setembro. O relatório será então apresentado ao Ministério do Ambiente; passadas três semanas o relatório é enviado ao Ministro; na melhor das hipóteses, segundo CS, haverá uma decisão antes do Natal” (Apenso E, volume XIII, fls. 3948/3949).
            O segundo é um documento escrito por Charles Smith em 10 de Março de 2002, enviado a Gary Russel, no qual o arguido escreve: "Não tenho dúvida de que a aprovação do EIA é a parte principal e de que as aprovações do projecto de arquitectura e projectos de execução são secundárias. A condição (1) verificar-se-á a 14 de Março e é a mais importante de todas, o resto irá ao seu lugar automaticamente e o respectivo sucesso depende, de facto, mais de nós, do gestor do projecto, da equipa do projecto, do que alguém no Ministério ou na Câmara" (fls. 2270/2271 e 2364, do volume VIII do Apenso PC–HD 1).
            Da leitura conjugada destes dois documentos salta à vista a profunda diferença substantiva entre um e outro. Enquanto que é notório que no primeiro caso os arguidos apenas têm uma noção em forma de estimativa sobre a data em que será proferida a decisão, e não sabem o conteúdo da mesma, no segundo caso é patente que Charles Smith está totalmente informado sobre o processo de decisão, pois sabe a data exacta em que será proferida a decisão, e sabe, já como um adquirido, que ela será favorável.
            Esta diferença abissal no conhecimento comparativo que os arguidos têm do processo de decisão no segundo e no terceiro processo de AIA é explicada de forma cabal e lógica no cenário de existência de pagamentos ilícitos descrito por Alan Perkins. Ou seja, dizendo agora o que é óbvio, no processo de AIA iniciado em 22.5.2001 e concluído em 6.12.2001, no qual nada aponta para que tenham existido pagamentos ilícitos, os arguidos sabiam apenas que era provável uma decisão antes do Natal, e não sabiam o teor da mesma. No processo de AIA iniciado em 18.1.2002 e concluído em 14.3.2002, no qual tudo indica que houve mesmo pagamentos, os arguidos sabiam que a decisão iria ser proferia a 14 de Março e sabiam que ia ser favorável.

            12. Outro documento que já analisámos supra, e que agora adquire uma outra relevância à luz do que nos disse Alan Perkins é o documento proveniente da empresa "K Konsult", elaborado por Keith Payne. Recordemos que os pontos 3 e 4 do documento se referem ao então Ministro do Ambiente, José Sócrates, dizendo que o mesmo é considerado um dos pilares do Governo do PS e a essência da integridade, e que um dos efeitos da derrota do PS nas eleições locais e da demissão de António Guterres, é que Sócrates já não é ministro do ambiente e haverá um período de espera de 4 a 5 meses até um novo Governo ser eleito e um novo Ministro ser empossado. E a frase "Sócrates já não é ministro do ambiente" aparece sublinhada à mão, aparentemente por Rik Dattani, que é quem, de acordo com o depoimento de Jonathan Rawnsley, manuscreveu as anotações que podem ser vistas no documento. A relevância dada a esta informação bate certo com o cenário dos pagamentos transmitido por Alan Perkins.

            13. Recordemos agora os vários artigos da acusação onde surge a referência a vários pedidos de envio de dinheiro feitos por Charles Smith, com o conhecimento de Manuel Pedro e dirigidos à Freeport, uns a título de success fee, outros para pagar a Pinóquio, outros para o Estudo de Impacto Ambiental, outros pela aprovação desse Estudo, outros para pagar ao "gordo", outros para as autoridades, para assinar projectos.
            O depoimento de Alan Perkins veio pulverizar o entendimento que o MP queria extrair desses vários documentos, e que era o de ver neles várias concretizações do plano de extorquir dinheiro à empresa Inglesa. Nada disso, explicou Alan Perkins. E relatou ao Tribunal que foram efectivamente feitos pagamentos, que a Freeport sabia de tudo, e que os arguidos apenas foram os mensageiros, ou os carregadores da mala do dinheiro em toda essa operação.

            15. Resta analisar melhor os artigos onde se fala dos contratos celebrados entre a Freeport e a empresa dos arguidos, a Smith e Pedro, Consultores Associados, Lda, e de fluxos monetários. Estão neste grupo os artigos 38º, 74º, 85º e 94º.
            Nos artigos 38º e 85º, primeira parte, mencionam-se os contratos celebrados entre a empresa dos arguidos e a Freeport. Nos artigos 74º, 85º, segunda parte e 94º temos a referência aos montantes de dinheiro que foram transferidos pela Freeport PLC para a Smith e Pedro Lda.
            Compreende-se que tenham sido introduzidos na acusação os contratos celebrados entre a Smith e Pedro e a Freeport, pois eles dão-nos o enquadramento da intervenção dos arguidos em todo o processo de licenciamento, permitem apurar quais os incentivos que eles tinham para levar a cabo a sua função como consultores, e essencialmente dão-nos o quadro geral pelo qual a sua intervenção e as suas condutas ao longo do processo de aprovação do complexo comercial devem ser aferidas.
            Já é menos perceptível a razão de se ter incluído no texto da acusação a referência a transferências de dinheiro da pretensa extorquida para os pretensos extorsores. Já o dissemos, ao incluir no artigo 97º da acusação a alegação de que "não obstante terem levado a cabo a prática de todos os actos necessários e adequados a alcançar o seu desiderato, não se apurou que a administração da Freeport PLC tivesse cedido às pretensões dos arguidos e entregue as quantias por eles solicitadas", a acusação retirou sentido útil aos outros artigos onde relata transferências de dinheiro da Freeport para os arguidos, feitas a pedido destes. A não ser que se trate de um lapso de escrita -e não cremos que se possa fundadamente sustentar essa tese-, então temos de aceitar que o objecto do processo tal como a acusação o define não comporta transferências de dinheiro da Freeport para os arguidos. Dizendo de outra forma, a existência ou não de transferências de dinheiro da Freeport PLC para os arguidos ou para a sociedade Smith e Pedro, Lda, é inócua como prova para sustentar a tese da extorsão na forma tentada.
            O que legitima a pergunta: então esses factos relevam para quê ?
            Paradoxalmente, e este é mais um dos aspectos peculiares deste processo, a relevância desses factos terem sido incluídos na acusação só se tornou visível depois do depoimento de Alan Perkins, e à luz deste. E isto porque o depoimento de Alan Perkins veio apresentar uma explicação lógica para tais transferências de dinheiro sem factura.
            É certo que esta questão do dinheiro transferido pela Freeport para a Smith e Pedro, sem factura, nos anos de 2002 e 2003, está na periferia do objecto do processo, e como vimos, serve essencialmente para corroborar o depoimento de Alan Perkins, resultando por isso em benefício dos arguidos.
            Isso não impediu, porém, que os arguidos tenham dedicado grande parte do seu esforço defensivo a esta matéria, para tentar apresentar uma explicação alternativa para as referidas entradas de dinheiro.
            Como já vimos, é pacífico que entre a “Smith e Pedro, Consultores Associados, Lda” e a Freeport PLC foram formalizados três contratos: um primeiro contrato em 20 de Outubro de 2000, um segundo contrato em 3 de Junho de 2002 e um terceiro contrato em 9 de Setembro de 2002.
             O primeiro contrato, assinado em 20.10.2000 não merece muito estudo. Registamos apenas, naquilo que constitui um simples erro de tradução que contaminou grande parte dos documentos e alguns artigos da acusação, que a palavra "fee" que nos surge traduzida por taxa, deve antes ser traduzida por remuneração ou honorários[24]. E que nesse contrato a remuneração da Smith e Pedro surge dividida em duas partes: primeiro uma remuneração mensal, de 2.000.000$00 / £6.250, a ser paga durante um período de 12 meses, a começar em 1.8.2000; segundo, uma remuneração ligada com a performance. Esta última parcela da remuneração global está fraccionada de acordo com a obtenção pela Freeport das variadas licenças administrativas necessárias para a construção e abertura do Outlet, e, por exemplo prevê um pagamento de 8.000.000$00 / £25.000 contra a aprovação do estudo de impacto ambiental. Mais se prevê que esta -chamemos-lhe- "remuneração por desempenho" seja paga pela Freeport 30 dias após a recepção da correspondente licença ou aprovação e contra facturas emitidas pela Smith e Pedro.
            O segundo contrato, datado de 3.6.2002, contém alguns aspectos que importa reter.
            Primeiro, define "pagamento de boa fé" como o pagamento da soma de £50.000 já efectuado em 21.1.2002. Mais acrescentam uma explicação para esta cláusula, nos seguintes termos: "Freeport reconhece que a Smith e Pedro já dispendeu muitos recursos no Projecto desde a decisão desfavorável emitida pelo Secretário de Estado, e em consequência desse reconhecimento fez o pagamento de boa fé".
            Segundo, contempla igualmente o conceito de remuneração por desempenho, no valor global de £450.000, a ser pago fraccionadamente consoante os objectivos vão sendo atingidos. A primeira tranche, como se afirma no art. 85º da acusação, já havia sido efectuada em 24.1.2002, como pagamento alegadamente de "boa fé", sem emissão de qualquer factura.
            E, por exemplo, um dos objectivos que aparece descrito é a aprovação do Estudo de Impacte Ambiental, contra o pagamento de £50.000.
            Esta é a prova que se retira dos documentos sobre está matéria. Sobre esta matéria ainda se pronuciaram as testemunhas Helena Riahi, Directora Financeira da Freeport desde 2004, José da Silva Ginja, o Técnico Oficial de Contas da Smith e Pedro, Peter Woolley, que foi Director Financeiro da Freeport PLC entre 1996 e 2007.
            Porém, não iremos aprofundar esta análise porque já não é necessário para a decisão final neste processo. Apenas nos interessa reter que, objectivamente, os factos alegados e provados nos artigos 74º, 85º, segunda parte, e 94º da acusação, são compatíveis com o depoimento de Alan Perkins.

IV
            O último meio de prova que nos falta analisar são as declarações dos arguidos.
            E vamos fazê-lo depois de já ter chegado à conclusão de que a tese que o Ministério Público fez constar da acusação não só resultou não provada, como até foi repelida pela prova produzida.
            Curiosamente, vamos igualmente verificar que as declarações dos arguidos não mereceram mais credibilidade do que a tese da extorsão na forma tentada. É mais uma particularidade deste processo, a juntar a tantas outras.
            Numa síntese abrangente, podemos dizer que ao negar peremptóriamente a tese de extorsão na forma tentada que o Ministério Público lhes imputava, mas ao mesmo tempo negar com igual veemência a conclusão a que este Tribunal chegou, de que houve efectivamente pagamentos nos quais os arguidos foram apenas usados como meio de transporte, os arguidos procuraram defender processualmente uma terceira via, a qual, porém, estava votada ao mais absoluto fracasso. E isto porque os factos constantes da acusação, sobretudo as comunicações ocorridas entre os arguidos e a Freeport e entre os arguidos entre si são totalmente compatíveis com o cenário a que este Tribunal chegou, da existência efectiva de pagamentos a decisores, são, embora em menor grau e apenas antes da produção da prova, igualmente compatíveis com a tese que o Ministério Público fez constar da acusação, mas já não acomodam, a não ser com um elevado grau de distorção, qualquer outro cenário intermédio e inócuo.
            Vejamos alguns dos aspectos mais marcantes das declarações dos arguidos.
            O arguido Manuel Pedro Abrantes Nunes, sobre a matéria constante do artigo 29º da acusação, tentou dizer que "lobby" eram serviços: faziam parte do trabalho dos arguidos. À pergunta sobre a que contratos é que se estava a referir, disse que eram os contratos com a RJ McKinney: era a preparação de todo o plano inicial, nomeadamente o pedido de informação prévia; no fundo, lobby queria referir-se a contratos de prestação de serviços; talvez a palavra não seja bem empregue aqui, mas foi a McKinney que a usou desde o início. A credibilidade desta afirmação é quase nula, se nos lembrarmos do depoimento de William McKinney, e de como ele declarou que o valor que acordou pagar aos arguidos era de 9 milhões de escudos, e que ao ser confrontado com o documento que fala do pagamento a um lobby de 22 milhões de escudos, declarou que era uma proposta para fazer contribuições aos partidos políticos vinda da Smith e Pedro. Isto porque havia eleições locais naquela altura e o arguido Manuel Pedro entendeu que seria prudente agradar-lhes.
            Sobre a matéria do artigo 40º da acusação, negou, e disse que a informação não pode ter vindo da Smith e Pedro.
            Sobre a referência feita no artigo 51º a terem sido abordados pelos 4 partidos políticos a pedir contribuições para as suas campanhas, declarou que não sabe explicar aquele documento, e disse que a Smith e Pedro nunca foi abordada por nenhum partido político para fazer contribuições. Que ele saiba, pelo menos. O mesmo  disse sobre o artigo 52º. Mas o confronto com as declarações de McKinney é mais uma vez totalmente esclarecedor.
            Sobre a substituição da equipa de arquitectos, declarou que a ideia de substituir a "Promontório" pela "Capinha Lopes" veio do próprio presidente Sean Collidge, que quis mudar completamente a estratégia da empresa face ao projecto e face à aprovação. A pergunta seguinte foi a de procurar saber porquê a substituição de uma equipa de arquitectos com experiência e prestígio por uma que não tinha qualquer experiência em matéria de centros comerciais. E a resposta foi a de que "em boa verdade, tratava-se de um conceito, conceito esse preparado e organizado, pensado, criado, pela Benoy. Tanto podia ser o A, o B ou o C a executá-lo, em fase de projecto de execução. O que estava em causa era o conceito e a forma de encarar o conceito. Capinha Lopes foi recomendada como capaz de interpretar esse conceito, independentemente de eu compreender que a Promontório tinha muito mais experiência na matéria".
            Depois, perante maior insistência nesta questão da substituição, e depois de relembrar que até um arquitecto que na altura trabalhava para a Capinha Lopes e que foi ouvido como testemunha (João Banazol) disse que o que foi pedido à Capinha Lopes "poderia ser feito por qualquer arquitecto com dois dedos de testa", o arguido disse que se o que se lhe pedia era uma explicação para a decisão de Sean Collidge, então ele poderia tentar. Pensou, e acrescentou que a Capinha Lopes tinha uma capacidade de relações públicas junto das entidades, o próprio Capinha Lopes era doutorado, portanto uma pessoa com formação académica, e estava naquela região".
            Registamos aqui o esforço do arguido para encontrar uma explicação minimamente válida e credível para a mudança de arquitectos. Porém, como veremos já a seguir, Charles Smith apresentou-nos uma versão diferente.
            Depois acrescentou que o primeiro encontro de Jonathan Rawnsley com Capinha Lopes foi a 11 ou 12 de Dezembro de 2001. Depois teve outra reunião a 14 ou 15 de Dezembro.
            Acrescentou que o nome de Capinha Lopes foi sugerido por José Inocêncio, Presidente da Câmara Municipal de Alcochete.
            Negou que Charles Smith tivesse alguma relação especial com o Ministro do Ambiente. Sobre o e-mail enviado a Billy McKinney, que aponta em sentido contrário, declarou que se tratava de um comentário típicamente inglês, sarcástico, e falso.
            Sobre quem são Pinóquio, Gordo e Bernardo, declarou que Pinóquio era o contabilista da empresa. E Gordo era a alcunha pela qual Charles Smith se referia a si próprio. Bernardo não faz a menor ideia quem seja.
            Tentou apresentar uma explicação para o e-mail referido no artigo 88º, e respondeu: se o "gordo" for eu, é porque estava desorientado pelo facto de não pagarem. Não vejo outra explicação. A Freeport só pagou os nossos honorários depois de tudo assinado. À pergunta sobre como é que os honorários da Smith e Pedro poderiam atrasar protocolos e projectos, respondeu que "havia sempre dificuldades de tesouraria, e que as coisas não são fáceis". Ou seja, não respondeu de todo. A não ser que admitíssemos como possível que a Smith e Pedro estivesse à espera de receber os seus honorários para, com eles, fazer os pagamentos devidos pela Freeport às várias pessoas contratadas.
            Sobre o e-mail referido no artigo 93º da acusação, que lhe foi enviado por Charles Smith, e tendo-lhe sido pedido que esclarecesse o significado daquele, respondeu: "Tenho dificuldades em esclarecer".
            Sobre as declarações de Mónica Mendes, quando esta afirmou que ouviu por várias vezes o seu patrão (ele próprio) dizer em conversas com João Cabral que "pagaram" dinheiro ao Engenheiro Sócrates, limitou-se a dizer que nunca proferiu essas afirmações. E acrescentou: por acaso "até nem gosto particularmente do filósofo".
            Sobre o depoimento do Dr. Augusto Ferreira do Amaral, na parte em que declarou nesta audiência que o seu amigo Manuel Pedro foi ao seu escritório visivelmente escandalizado, dizer-lhe que lhes pediram uma quantia muito elevada pela aprovação do Freeport, e que o dinheiro era para José Sócrates, o arguido negou ter feito essa afirmação. Mas foi evidente para este Tribunal que essa negação, além de ter sido feita com pouca convicção, não foi minimamente credível. Isto porque o depoimento de Ferreira do Amaral foi estruturado e coerente do princípio ao fim: primeiro deu-nos o enquadramento, dizendo ser amigo de longa data de Manuel Pedro; depois disse-nos que era advogado de William McKinney, e que o seu cliente tinha um interesse directo no desbloquear da situação do projecto, devido ao contrato que tinha celebrado com a Freeport. Acrescentou que Manuel Pedro ia regularmente ao seu escritório, dar-lhe notícias do andamento do mesmo. E só depois nos relatou que em finais de Dezembro de 2001 ou Janeiro de 2002 o Dr. Manuel Pedro foi ao seu escritório, escandalizado, relatar-lhe aquilo que já sabemos. Este depoimento, importa notar, foi credível do princípio ao fim,e não foi contraditado por ninguém a não ser pelo próprio Manuel Pedro. Mas a negação de Manuel Pedro foi tudo menos convincente. Começou por fazer uma afirmação deslocada, dizendo que nunca trabalhou para o Dr. Ferreira do Amaral; era apenas visita, durante alguns anos, e era pessoa com quem teve uma relação muito cordial. Porém, quando perguntado pelo Tribunal se confirmava a afirmação de Ferreira do Amaral de que eram amigos de longa data, confirmou-a com prontidão e veemência. E confirmou igualmente as visitas regulares ao escritório daquele. Ou seja, tudo no depoimento de Ferreira do Amaral foi aceite como verdadeiro pelo arguido, com a única excepção da parte em que teria desabafado com ele sobre o pagamento de dinheiro ao Ministro do Ambiente. Se agora formos verificar que a data que Ferreira do Amaral nos transmitiu recai em pleno período de Dezembro de 2001 - Janeiro de 2002, período recheado de peripécias e eventos estranhos, como já vimos, e se fizermos os já referidos saltos lógicos e cronológicos, do depoimento de Ferreira do Amaral para o depoimento de Alan Perkins, deste para o depoimento de Mónica Mendes, para o depoimento de Nicholas Lamb, e de novo de regresso ao depoimento de Ferreira do Amaral, a conclusão de que este falou verdade impõe-se como inabalável.
            Sobre a reunião no escritório de advogados de Albertino Antunes, foi-lhe perguntado o seguinte: se foi Gandarez quem fez a proposta, porquê então é que Albertino Antunes, quando foi ouvido disse que José Gandarez quase não abriu a boca e foi ele próprio quem discutiu com Manuel Pedro ?
            Resposta do arguido: há razões que a razão desconhece. De qualquer maneira, foi de facto o Dr. Gandarez, e eu lamento ter de o dizer, porque era jovem na altura, e compreendo perfeitamente que o Dr. Albertino tivesse aquela posição de protecção, e até chegou a dizer mais tarde, noutra situação, que aquilo era uma maluquice, eram coisas de miudos.
            Perguntado se com essa afirmação queria dizer que Albertino Antunes veio a esta audiência mentir para proteger José Gandarez, respondeu: não sei.

            Vejamos agora as declarações de Charles Angus Smith.
            Repetiu a explicação de Manuel Pedro sobre a matéria do artigo 29º da acusação, a qual já vimos que cai pela base.
            Sobre a matéria do artigo 40º da acusação declarou que não se lembrava de nada.
            Sobre as abordagens que lhes teriam sido feitas pelos 4 partidos políticos (artigos 51º e 52º da acusação), reconheceu que escreveu aqueles documentos, mas disse que inventou tudo, inclusive os valores manuscritos. A verdade é que nunca foram abordados por partidos políticos. Achou que era boa ideia, politicamente, para a Freeport, contribuir, porque Alcochete é uma cidade pequena. E disse que tal documento não chegou a ser enviado.
            A credibilidade desta afirmação do arguido é nula. Primeiro porque William McKinney nos disse o contrário, inclusivamente, que recebeu aquela proposta dos arguidos, mas já não se lembrava se tinha enviado aqueles fundos, sendo certo que ficaria muito admirado se soubesse que os tinha enviado. E depois porque falta coerência interna às declarações do arguido. A ser verdade que tudo tinha sido inventado por si, mas na prossecução do interesse da RJ McKinney, então fica por explicar porque não se limitou a sugerir a William McKinney que enviassse dinheiro para esse fim, sem ser necessário mentir sobre a existência de abordagens dos partidos políticos. Confrontado com esta pergunta o arguido não teve resposta. Concordou que não era necessário ter mentido. Fica este Tribunal na dúvida sobre a existência desses pedidos de dinheiro por parte dos partidos políticos. Se por um lado é verdade que a negação de Charles Smith não convence minimamente, por outro é certo que não temos nenhum outro meio de prova a corroborar a existência dos mesmos.
            A versão apresentada por Charles Smith sobre a reunião com Albertino Antunes é sensivelmente a mesma que nos foi trazida por João Cabral e Manuel Pedro. Mais uma vez foi-nos apresentada a versão inverosímel de que a proposta proveio de José Gandarez.
            Confirmou-nos igualmente o telefonema para Rik Dattani.
            Sobre a mudança da equipa de arquitectos apresentou-nos uma explicação bastante diferente da avançada por Manuel Pedro. Explicou que naquela altura a Freeport ficou a saber que a Promontório trabalhava 95% do tempo para a SONAE. E Sean Collidge ligou-lhe a dizer que não queria um arquitecto da concorrência a trabalhar para ele. Isto porque Sean Collidge até aí não sabia que a Benoy tinha contratado a Promontório. Esta ideia de que um presidente de uma grande empresa como a Freeport iria substituir uma equipa de arquitectos com mais reputação e experiência por uma que não tinha à data nem reputação nem experiência, apenas por um mero capricho, e sabendo dos problemas jurídicos que daí adviriam não faz o menor sentido. Para além de, como já vimos, ter sido feita nesta audiência prova contundente e credível em como essa substituição foi ordenada pela administração da Freeport, não por caprichos, mas porque a mesmo lhe foi imposta como condição para o sucesso do empreendimento.
            Sobre o e-mail de 13.12.2001, onde é feita a referência de que os arquitectos Capinha Lopes estão muito próximos do Ministro do Ambiente, mais uma vez observamos a preocupação em não mencionar o Ministro do Ambiente, dizendo que queria escrever Ministério, e saiu Ministro por lapso.
            Confrontado com a matéria do artigo 82º, o e-mail que enviou a William McKinney e perguntado o que queria dizer com "sob ordens rígidas do ministro", o arguido explicou que naquela altura, as suas relações com o Billy eram más e havia muito sarcasmo entre os dois. E ele não tinha obrigação nenhuma de o informar do que ele queria saber. Essa afirmação seria apenas ele a ser sarcástico, porque nunca esteve sob ordens do Ministro. Porém, se nos lembrarmos do depoimento de William McKinney, que nos relatou que Charles Smith dizia muitas vezes ser próximo do Ministro do Ambiente, e ter uma relação directa com este, sendo nas palavras de McKinney o "contact point" com o Ministro, esta negação de Charles Smith não convence minimamente, como aliás já explicámos supra. E se de seguida nos lembrarmos do depoimento de Alan Perkins, Ferreira do Amaral, e Mónica Mendes,  tudo se torna ainda mais óbvio.
            Sobre a carta que enviou a Sean Collidge, declarou que Sean Collidge estava zangado com ele, pois tinha-os contratado para ajudar a resolver o problema, e queria manter o hotel para aumentar as vendas, para os compradores poderem ficar dois dias a fazer compras, o que não tinha sido conseguido. As circunstâncias desagradáveis eram o chumbo do projecto e a reformulação do mesmo. E sobre a parte em que escreveu ser contra a sua natureza continuar a negociar com o ministério, explicou que isso se deveu a que o Ministério do Ambiente começou a pedir benfeitorias para aquelas várias zonas, que não tinham sido faladas antes, o que dava muito mais trabalho na parte ambiental do que se tinha imaginado.
            Mais uma vez, temos de dizer que estas declarações não mereceram credibilidade, à luz de toda a restante prova já produzida préviamente e analisada nos autos.
            Sobretudo, não faz qualquer sentido a afirmação de que Sean Collidge estaria zangado com ele, pois se lermos a carta de resposta de Sean Collidge ficamos justamente com a ideia oposta.
            Essa carta de Sean Collidge desmente totalmente as declarações de Charles Smith. Continuamos assim convencidos, sem qualquer dúvida que a interpretação correcta dessa carta é a que deixámos feita supra. E acrescentamos agora, olhando para a parte final da carta, quando o presidente da Freeport escreve que "não havia nada que pudessemos ter feito para fugir da situação em que nos vimos metidos", a explicação mais óbvia é a de que, de facto, a Freeport não conseguiu sair da referida situação. E então, pagou, como nos disse Alan Perkins. Mas não aos arguidos.
            Sobre os nomes de Pinóquio, Gordo e Bernardo, não nos trouxe novidades. Diz que há muitos Pinóquios na sua vida, e o que aparece referido nos e-mails é José da Silva Ginja. O Gordo é o co-arguido Manuel Pedro. Bernardo não sabe quem é.
            Quando confrontado com o documento junto nesse mesmo dia pela sua Ilustre Defensora, contendo a resposta de Manuel Pedro a um dos seus e-mails, no qual Manuel Pedro fala dos "pagamentos a que te comprometeste", não soube explicar que pagamentos eram esses. Disse apenas, sem qualquer convicção: "devem ser os pagamentos a Ginja... não me recordo.
            Sobre o e-mail referido no artigo 89º da acusação, foi perguntado ao arguido o que queria dizer com a frase, dirigida a Gary Russell: "não estou a dizer para pagar: faça apenas a transferência e nós precisamos de tempo para fazer as alocações". Não foi capaz de apresentar uma explicação convincente. Disse que se queria referir aos consultores da Smith e Pedro. Porém, a esses tinha mesmo de pagar. Foi-lhe perguntado quem eram os outros, a quem poderia ter de pagar ou não.
            Sobre a verba de 17.000, referida no artigo 92º da acusação, disse não saber a que se referia.
            Quando perguntado sobre o depoimento de Alan Perkins limitou-se a dizer que não queria falar sobre essa matéria. Disse apenas: "é outro Pinóquio também, na minha vida".
            Confirmou a reunião no Aeroporto de Nice, com Gary Russell, mas negou que o objectivo da mesma fosse apenas informar este da investigação da Polícia Judiciária ao Freeport. Disse que era também para falar sobre os honorários que lhe eram devidos. Acabou por confirmar a presença de Alan Perkins nessa reunião, mas disse que ele não assistiu à conversa. Mas este Tribunal sabe que Alan Perkins assistiu à conversa, de tal modo que a relatou a este Tribunal.
            Mais disse que Alan Perkins apareceu naquela reunião por acaso. Mais uma afirmação que retira completamente credibilidade às declarações do arguido, pois esse cenário é altamente improvável. Muito mais credível foi a declaração de Perkins segundo a qual foi o próprio arguido que lhe pediu que o acompanhasse.

V
            E terminamos assim a análise de toda a prova produzida.
            Perante o cenário factual que a prova produzida nos apresentou, e que nos permitiu colocar os variados factos incontroversos constantes do despacho de acusação no seu devido contexto, para então, e só então, poder apreender o seu verdadeiro significado, este Tribunal Colectivo está em condições de concluir pela total improcedência da tese de extorsão feita constar da acusação.
            Todos os factos que de acordo com a acusação pareciam indiciar que os arguidos inúmeras vezes teriam tentado fazer crer aos administradores da Freeport PLC que eram necessários pagamentos para assim conseguir obter deles variadas quantias monetárias sem qualquer justificação, e em seu proveito exclusivo, eram afinal compatíveis com uma outra leitura: aquela que via neles meras erupções para o exterior de um esquema que, pelo que resultou da prova, poderemos classificar como de extorsão ou de corrupção passiva, que teria tido como agentes pessoa ou pessoas com poder de decisão no Ministério do Ambiente e na Administração Pública.
            E o que sucedeu, por mais estranho que possa parecer e pareça mesmo, foi que a prova que o Ministério Público indicou, aparentemente para sustentar a tese de tentativa de extorsão cometida por Charles Smith e Manuel Pedro, acabou afinal por nos demonstrar, com um altíssimo grau de probabilidade, a veracidade dessa outra leitura.
            Não se trata de recorrer ao in dubio pro reo, como fundamento da absolvição.
            A prova que o Ministério Público apresentou perante este Tribunal, apesar de completada com algumas outras provas cuja produção foi oficiosamente determinada pelo Tribunal, acabou por fazer a demonstração cabal da inocência dos arguidos.
            Podemos até dizer que a priori, só com as próprias provas indicadas no despacho de acusação, já a tese da tentativa de extorsão imputada aos arguidos era de excluir, a não ser numa visão estritamente superficial e literal dos factos e das provas, visão essa que não só ia ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova, como até depois os próprios documentos e testemunhas indicados como prova para esta audiência se encarregaram de afastar.
            Dizendo melhor, o Ministério Público conseguiu apresentar em audiência de julgamento um conjunto de provas de que existiu de facto um plano para extorquir dinheiro da empresa inglesa Freeport Leisure PLC, aquando dos pedidos das necessárias autorizações administrativas para construir o complexo comercial de Alcochete.
            Não conseguiu foi demonstrar que esse plano partiu da mente dos arguidos.
            Pelo contrário, os próprios factos que foram alegados como sendo manifestações desse plano de extorsão, vistos à luz de toda a prova produzida, acabaram por apontar para a existência de pagamentos feitos a altos decisores no Governo e na Administração Pública.
            Para terminar, resta dizer que agora se percebe porque é que dois arguidos são acusados de um crime de extorsão na forma tentada sem que a putativa ofendida, a empresa Freeport Leisure PLC alguma vez tenha apresentado queixa contra eles, ou por qualquer forma tenha manifestado junto do Ministério Público suspeitas na sua direcção, ou sequer se tenha constituído assistente no processo.

            b) O DIREITO
            I- Enquadramento jurídico / moldura abstracta da pena

            O crime de extorsão está previsto no art. 223º do CP.
            O seu teor, na parte que interessa, é o seguinte:

Extorsão
1 - Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo é punido com pena de prisão até 5 anos.
2 - ...
3 - Se se verificarem os requisitos referidos:
a) Nas alíneas a), f) ou g) do nº 2 do artigo 204º, ou na alínea a) do nº 2 do artigo 210º, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos;

            A extorsão tem muitos elementos comuns a vários outros tipos de crime, nomeadamente aos de coacção (art. 154º), roubo (art. 210º) e burla (art. 217º).
            O bem jurídico protegido com a incriminação é a liberdade de disposição patrimonial.
            Os conceitos "violência ou ameaça com mal importante" são exactamente os mesmos que preenchem o tipo legal de coacção.
            Um dos requisitos é a "ameaça com mal importante"[25]. Trata-se de um conceito aberto, de difícil concretização. Mas há dois critérios a reter: primeiro, a execução da conduta, objecto da ameaça, não tem de constituir um ilícito, seja penal ou de qualquer outra espécie, civil, laboral, etc...; por exemplo o patrão dizer ao seu empregado que não lhe renova o contrato se ele não passar a frequentar um templo budista, etc...; também a ameaça de instauração de processo judicial, sobretudo no caso de queixa crime, constitui sempre uma ameaça com mal importante, quer o processo seja fundado ou infundado, ou, mais correctamente, de boa ou de má fé; segundo, devemos ter sempre presente a adequação da ameaça a constranger o ameaçado a comportar-se de acordo com a exigência do ameaçante. Ou seja, mal importante é aquele que, nas circunstâncias concretas do caso, é susceptível ou adequado a fazer vergar a vontade do ameaçado. Ou seja, mal importante é mal adequado a constranger o ameaçado.
            O crime de extorsão é um crime de resultado, e por isso é possível e punível a tentativa. O resultado consiste na prática, sob coacção, do acto de disposição patrimonial injustamente prejudicial.
            O bem jurídico protegido com a incriminação é a liberdade de disposição patrimonial.
            Mas, postas estas notas para ter uma noção do crime imputado aos arguidos, apenas resta dizer que a sua absolvição é incontornável. As suas condutas não preencheram nem o tipo objectivo, nem o tipo subjectivo, deste tipo de crime. Os arguidos não constrangeram ninguém da Freeport a efectuar pagamentos indevidos, quer a si próprios quer a terceiros. Nem nunca tiveram a intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo. Aliás, muitos dos factos constantes da acusação pareciam caber melhor em outro enquadramento jurídico, como o de burla. Com efeito, o elemento típico essencial, de "ameaça com mal importante" não surge referido na acusação a não ser de forma muito esbatida. Lendo por exemplo os arts. 21º e 22º, ressalta nitidamente a ideia de que a actividade que é imputada aos arguidos é uma actividade enganosa, de logro, e não a actividade típica que consiste em ameaçar. E os factos alegados eram muito mais próximos daqueles que esperaríamos encontrar num típico caso de burla, ou qualquer outra forma de criminalidade designada na literatura anglo-saxónica como "white-collar crime", do que da factualidade típica dos  crimes de extorsão.
            Todavia, estas considerações são meramente académicas, uma vez que se fez a prova cabal da inocência dos arguidos.

III - DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal Colectivo delibera julgar a Acusação do Ministério Público improcedente porque não provada e em consequência ABSOLVE os arguidos do crime de que vêm acusados.

Para depósito na Secretaria deste Tribunal (arts. 372º,5 e 373º,2 CPP).

ü
            
Ao longo desta audiência de julgamento foi constantemente mencionado o nome do antigo Ministro do Ambiente e Primeiro-Ministro de Portugal, José Sócrates Pinto de Sousa, tendo inclusivamente sido apontado como tendo recebido pagamentos em dinheiro para viabilizar a construção do outlet Freeport em Alcochete, o que nos faz recordar a carta anónima que deu origem a este processo. Nesse sentido foram os depoimentos de Fernanda Guerreiro, Mónica Mendes, Augusto Ferreira do Amaral, e Alan Perkins, cujo teor foi analisado em sede própria.
            Por outro lado, a análise da prova produzida levou este Tribunal a absolver os arguidos Charles Angus Smith e Manuel Carlos Abrantes Pedro Nunes, porque o Ministério Público não conseguiu demonstrar que eles tivessem cometido o crime que lhes imputou, e porque da prova produzida resultaram fortes indícios de que existiram pagamentos feitos pela Freeport Leisure PLC a pessoa ou pessoas com poder de decisão dentro do Governo e da Administração Pública, nomeadamente com poder de conceder ou negar a Declaração de Impacto Ambiental favorável, num cenário que poderá eventualmente configurar, à luz do disposto actualmente nos arts. 223º, nºs. 1 e 3-a), 372º,1 e 374º-A,2 CP, a prática de um crime de extorsão agravada, ou então um crime de corrupção passiva para acto ilícito agravada. E é no contexto desses pagamentos feitos pela Freeport Leisure PLC para conseguir obter a declaração de impacto ambiental favorável e outras licenças posteriores, que surgem as referências ao nome José Sócrates.
            Apesar de muitas dessas referências provirem de depoimento indirecto, elas emergem de dois Consultores da Freeport (os arguidos), que estavam numa posição privilegiada para saber desses mesmos pagamentos. O contexto em que tais afirmações foram proferidas, bem como a restante prova produzida nesta audiência de julgamento, e que foi analisada em sede própria, não permitem desvalorizar esses depoimentos. Pelo contrário, eles inserem-se num conjunto muito mais vasto de provas documentais, periciais e testemunhais, à luz das quais devem ser aferidos.
            Por ser assim, porque é insustentável manter por mais tempo uma situação em que recaem suspeitas e indícios da prática de um crime grave sobre pessoa que exerceu o cargo de Primeiro-Ministro de Portugal, e que nunca foi constituído arguido no inquérito e nem sequer foi ouvido como testemunha, a fim de permitir que essas suspeitas e indícios sejam finalmente averiguados e simultâneamente a fim de permitir ao visado defender a sua honra na sede própria, ao abrigo do disposto no art. 242º,1,b do CPP, extraia certidão deste acórdão, juntando-lhe cópias do suporte digital dos depoimentos de todas as testemunhas arroladas na acusação e ouvidas ao abrigo do artigo 340º CPP, bem como da prova documental e pericial indicada na acusação e analisada nesta audiência de julgamento, e remeta ao Ministério Público, para os fins tidos por pertinentes.



[1] Todos, porém, cessaram a sua participação nestes autos antes do início da audiência de julgamento.
[2] Estudo de Impacto Ambiental
[3] Instituto de Conservação da Natureza
[4] Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo
[5] Reserva Ecológica Nacional
[6] Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território
[7] Avaliação de Impacto Ambiental
[8] Instituto de Promoção Ambiental
[9] Decisão de Impacto Ambiental
[10] Comissão de Avaliação
[11] A expressão success fee surge várias vezes ao longo deste processo. Surge-nos traduzida como "taxa de sucesso", mas, salvo o devido respeito, incorrectamente. Fee significa honorários ou remuneração, não taxa. Assim deverá ser entendida como remuneração de sucesso ou prémio de sucesso.
[12] Ou seja, descrevem o plano que os arguidos teriam astuciosamente gizado de comum acordo para extorquir dinheiro à empresa Inglesa, e situam os vários factos concretos alegados na acusação dentro deste plano arquitectado pelos arguidos, acrescentando que os mesmos bem sabiam que tal conduta constituia crime, e que mesmo assim tentaram levar o seu plano a bom porto.
[13] Curso de Processo Penal, 5ª edição, vol. II, fls. 185
[14] Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição, anotação ao art. 127º.
[15] Conceito que pode ser visto como intrinsecamente contraditório, mas que juridicamente tem base de apoio.
[16] "Pode ter vindo dos próprios ministros".
[17] Destaque nosso.
[18] Germano Marques da Silva, ob. cit, fls. 157.
[19] Direito Processual Penal, pág. 192.
[20] Destaque nosso.
[21] "Assim, apenas se poderia assumir como passível de deferimento parte do actualmente proposto, como seja a eliminação das valências hotel, discoteca e outros polos de recreação responsáveis quer por perturbação directa, quer por alargamento do horário das actividades no complexo, e ainda reformulação do estacionamento em função das restrições anteriores (permitir-se-ia apenas a construção da metade Sul do parque de estacionamento, mantendo-se os lugares previstos na área A, embora não possam ser localizados junto à área C)".
[22] No "memo" falava-se da redução dos lugares de estacionamento para cerca de metade.
[23] Fatman, no original
[24] Oxford Dictionary of English: fee - a payment made to a professional person or to a professional or public body in exchange for advice or services;
[25] Nas linhas seguintes seguiremos de perto o Comentário Conimbricense, Tomo I, fls. 356.»


Atualização: este poste foi atualizado às 20:32 de 17-8-2012 e 12:10 e 12:47 de 18-8-2012; e emendado e atualizado às 10:40 de 19-8-2012.