segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A Igreja pelos mares da história


Continuo a reportagem à distância sobre a Jornada Mundial da Juventude, em Madrid, e concluo pela necessidade de intervenção mediática dos católicos em Portugal.

Na sua linguagem intemporal e simples, o Papa Joseph Ratzinger, o filósofo profundo do Amor incitou os jovens, na Via Sacra, da praça Cibeles, na tarde de 19-8-2011, «a carregar sobre os (...) ombros o sofrimento do mundo» e a superar essa dor partilhada com «a Boa Nova que devolve a esperança ao mundo».

Na sua visita, de sábado, 20-8-2011, à Fundación Instituto San José, da Ordem Hospitaleira de São João de Deus, organizada para demonstrar ao sector laicista, o relevo da função assistencial da Igreja em Espanha, neste caso no tratamento de deficientes, o Papa acentuou «a dignidade de cada vida humana», «a dignidade inestimável da vida, de cada vida», «demasiadas vezes» posta em dúvida pelo egoísmo humano. Defendeu os jovens cristãos, «protagonistas» da «civilização do amor», confortando-os na sua fé fustigada pelo assédio secularista, dizendo-lhes que «a nossa sociedade (...) precisa de vós».

Na noite de 20-8-2011, já no recinto do aeroporto de Cuatro Vientos, na Vigília de Oração, no meio da «grande aventura», e da «força maior do que a chuva» perante a tempestade que é também um sinal dos tempos que a Europa e o mundo atravessam, o Papa concentrou os jovens cristãos na relação íntima com Cristo, para lá das «verdades abstractas», com que os dogmas são simplificados pelo ateísmo dominante, e especialmente dominante nos jovens sujeitos à ubíqua e constante mensagem secular. Bento XVI denunciou, uma vez mais, «a cultura relativista dominante» que «renuncia e menospreza a busca da verdade» e apelou para a generosidade dos jovens no amor a Deus. Apresentou-lhes ainda a alternativa do matrimónio face à convivência informal, que se assume como regra social, relações mais ou menos curtas, experiências de euforia rápida e mágoa duradoura, cada vez menos registadas por casamento sequer civil, com o efeito colateral de mães solteiras e pais ausentes, quando a vida perdura, pelo amor condicionado das mães, para lá da borracha, das pílulas abortivas e do negócio do aborto cirúrgico tardio, pago pelo Estado e incentivado com subsídio de maternidade (!?...).

Na missa da manhã de domingo, 21-8-2011, onde estiveram dois milhões de pessoas, a culminar uma jornada redentora onde também tive a família, o velho Papa pediu aos jovens para serem assíduos à eucaristia dominical e aos demais sacramentos e se inserirem na vida das paróquias, pois «não se pode seguir a Cristo solitariamente», numa espécie de religião à la carte, a que se recorre, selectivamente, em alturas de ansiedade. No caminho individualista, um comportamento que predomina na sociedade actual, em que o jovem vai por sua conta, e sem apoio, à procura da fé - procurar Deus sem a Igreja -, este corre o risco de «não encontrar nunca Jesus Cristo ou acabar seguindo uma falsa imagem Dele», uma espécie de ídolo fátuo de uma ânsia desorientada. O vigário de Cristo avisou-os para não se deixarem «seduzir pelas falsas promessas de um estilo de vida sem Deus», vazio nos momentos largos de amargura que pontuam uma geração (entitled generation) que reclama direitos materiais já perdidos e sofre na frustração dessa expectativa terrena ou se angustia na ressaca do êxtase virtual fugaz, perante a falta de plenitude que só se alcança verdadeiramente em Deus. Na despedida, enquanto o Papa dava a bênção final, ouvia-se um coro rociero a cantar «Cuando un amigo se va», que talvez fique, a exemplo do «Amigo» para João Paulo II no México em 1979, como a canção popular de memória de Bento XVI, praticante de música clássica.

À saída para Roma, na tarde de ontem, 21-8-2011, no aeroporto de Barajas, onde compareceram os reis, e as autoridades locais e regionais, uma representação protocolar do Governo e do Parlamento e a representação do poder judicial e do poder militar (alegadamente proibido pelo ministro da Defesa de honrar o Papa com exibição de aviões e paraquedistas), Zapatero não esteve. O máximo objectivo do Governo socialista, para além da provocação e reacção (que não ocorreu, pelo compartamento pacíficio dos católicos), era também limitar a liberdade de expressão do Papa sobre a situação social espanhola, refreando a exposição dos valores cristãos. Na sua alocução final, o Papa, que raramente revela os seus sentimentos íntimos, confessou-se «feliz», afirmou que «sentiu-se muito bem na Espanha» e deixou aos espanhóis, nesta hora de provação política, a mensagem da «confiança na Providência, que guia a Igreja pelos mares da história».

A Jornada Mundial da Juventude, de Madrid, de 18 a 21 de Agosto de 2011, foi um êxito muito maior do que se previa. Festa, paz, humildade, alegria e força. Um sucesso organizativo: dois milhões de peregrinos na missa final (a maior missa de sempre em Espanha), 600 milhões de telespectadores, 24.500 voluntários, sem mortes conhecidas, decorrendo tudo com muita calma e paciência nos recintos, segundo me contaram - apesar da quadrícula não funcionar a partir de certa altura porque a preocupação da polícia era evitar atropelos - e com logística eficaz, serviços de saúde, água e comida. Para além de desmontar a falsidade do argumento do custo da Jornada para o Estado, uma desculpa para os protestos anti-religiosos, pois o evento terá gerado 160 milhões de euros de receita para a Espanha, face a um custo de 50 milhões de euros auto-financiado pelos próprios peregrinos (70%), donativos particulares e empresas patrocinadoras (30%), que também cobravam pelos serviços.

A Jornada foi um exemplo de concórdia para a Espanha dividida pelo Governo socialista e de humildade perante a arrogância e o assédio, favorecido pelo Governo do PSOE, dos extremistas laicos, criticados até pelo insuspeito Arturo Pérez Reverte. E uma luz especial na alma dos jovens que ficaram marcados pela alegria da fé partilhada, num tempo de crescente abandono da Igreja pelos jovens e adolescentes, também em Portugal - um fenómeno muito preocupante que carece de muito maior empenho institucional e laical de conversão, num trabalho que não deve - não pode! - ser clandestino e medroso.

Em Portugal, a posição institucional confortável de desdém pela militância religiosa do episcopado espanhol e de colaboração obediente com o poder político maçónico anti-religioso - ao mesmo tempo crítico dos políticos católicos decentes... -, numa opção cómoda por um estilo de catolicismo clandestino, silencioso e fechado nas capelas, de discurso nuancée e doubletalk, até ligeiramente herético para amplificação dos sectores anti-religiosos, e que confina a acção à assistência social, declinando a responsabilidade da Nova Evangelização, tende a reduzir o rebanho de Cristo ao reduto dos idosos. Noutro plano, desaproveitam-se os instrumentos de intervenção próprios, com a socialistização da Universidade Católica, a neutralização da Rádio Renascença e a limitação da agência Ecclesia à informação estritamente religiosa, em contraponto ao proselitismo das universidades espanholas ligadas à Igreja e à clareza corajosa da Cadena Cope.

Contudo, os cristãos portugueses não podem alienar a responsabilidade da intervenção mediática para a hierarquia, queixando-se depois da inocuidade ou compromisso, ou prolongando eles próprios uma relação interesseira contra-natural com o poder anti-religioso. Os cristãos portugueses têm muito a aprender com os espanhóis na intervenção mediática. Convém estudarmos os exemplos de Libertad Digital e Intereconomia. Os cristãos portugueses devem criar eles mesmos os instrumentos de intervenção activa, independentes da pressão política a que a hierarquia seria sujeita se deles fosse proprietária. O projecto de televisão da Igreja, que soçobrou principalmente por contradições políticas internas à própria Igreja - tudo o que não é carne nem peixe, acaba por ser repelido pelo mercado - não pode ser desculpa para a inacção. E não admito que este Governo PSD-CDS ousasse opor-se à intervenção cristã em novos meios, precisamente da sua área sociológica. No nosso País, a direita moderada, cristã, conservadora e liberal, portuguesa não dispõe neste momento de qualquer meio de comunicação. É interessante discutirmos a possibilidade de criação de um projecto mediático-digital de baixo custo, de informação e opinião.

2 comentários:

Anónimo disse...

Então, os OCS portugueses (jornais, rádios e televisões), estão na mão de quem?

Dos bancos? dos capitalistas? do mercado? dos judeus e maçónicos?

Gostava que me esclarecessem, pois alguns jornais vou deixar de comprar.

floribundus disse...

o que sempre mais me aborrececeu no espirito português
'vá lá um de nós, que eu fico aqui'
'agarrem-me ou faço uma desgraça'
'não guades para hoje o que podes fazer amanhã'

passam o tempo a coçar os tomates aos chatos (Phytirius unguinalis pubis)