sábado, 11 de junho de 2011

A proposta de revisão constitucional de António Barreto

O Prof. António Barreto, presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, ontem, 10-6-2011, em Castelo Branco, apelou ontem à revisão da Constituição. propõe nessa revisão, extirpar à Constituição o excesso programático, criar um novo sistema eleitoral, proceder ao «reexame» das relações entre os «grandes» órgãos de soberania, impor-lhe governabilidade e efectuar a reforma da justiça.

A Constituição deve ser uma lei perene e não alterada ao balanço das circunstâncias da actualidade. Mas o País carece de uma nova Constituição, um anseio que vem de longe.

António Barreto, que é um socialista soarista, mas não marxista, não vai tão longe como despir a Constituição do seu carácter programático e fala apenas no «excesso» (sic) pois a esquerda deseja sempre, por causa da memória do clangor dos amanhãs que cantavam, que a Constituição prescreva a sua ideologia. Mas um pouco menos de socialismo no texto da lei fundamental é útil...

A mudança do sistema eleitoral não se devia ficar pelo sistema misto - maioritário com um círculo nacional para garantir alguma proporcionalidade - mas chegar à democracia directa moderada, com eleições primárias nos partidos para os cargos electivos ao nível central e local, transparência do financiamento partidário, condições de transparência, escrutínio e responsabilização, registo de interesses dos candidatos e dirigentes do Estado e de altos cargos da administração e magistrados (nomeadamente a sua pertença a organizações secretas e discretas), cassação e suspensão de mandatos de acusados de crimes de relevo, facilitação de candidaturas de independentes e de iniciativas legislativas dos cidadãos e referendos mais fáceis.

O Presidente da República perdeu demasiada capacidade de intervenção, no acordo de Soares com a direita, no tempo de Eanes, e formalmente, à parte o seu poder de veto e de dissolução da Assembleia (o de demissão está condicionado e não devia), o seu poder não anda longe dos seus colegas não-executivos do Grupo de Arraiolos. A balança do semi-presidencialismo devia ser reequilibrada. Mas o socratismo pôs em evidência o perigo da centralização do poder num indivíduo. Já se imaginou o que tinha sido este País, com um presidente... Sócrates e um Parlamento obediente, como este foi, e os media controlados, como estes têm sido?... Por muito que me agrade, em teoria, o presidencialismo, a democracia representativa portuguesa, e a sociedade civil historicamente dependente, a possibilidade de um déspota estabelecer um regime autoritário em Portugal é mais frequente do que desejamos. Já Aristóteles (384-322 a.C.), na sua Política dizia que «as democracias gostam das planícies» (ARISTÓTELES, Tratado da Política, Publicações Europa-América, 1977, p. 69) - e Portugal é acidentado... Por outro lado, a experiência de parlamentarismo puro em Portugal está cheia de convulsões e desgoverno. Então, é melhor o equilíbrio do semi-presidencialismo, ainda que não na versão francesa de pendor presidencialista - ainda que sujeito ao gozo do meu professor Adriano Moreira, presidencialista, que em 1985, na aula de Ciência Política, ao explicar aos seus alunos a diferença entre presidencialismo e parlamentarismo, dizia que havia ainda um terceiro regime, o semi-presidencialismo (que vigorava em Portugal), que nem o seu inventor, o Prof. Maurice Duverger, sabia bem o que era...

A governabilidade decorrerá mais do sistema eleitoral do que qualquer imposição constitucional, nomeadamente a chamada moção de censura construtiva. E existem perigos objectivos nessa inovação parlamentarista: em Agosto de 1987, se vigorasse a moção de censura construtiva, poderíamos ter um Governo da maioria de esquerda na Assembleia (140 deputados de PS, PRD e PC-APU, contra 110 deputados de PSD e CDS) em vez do II Governo Cavaco Silva; e, quem sabe, se mesmo em 2011, não teríamos um Governo de frente de esquerda (128 deputados de PS, Bloco e PC, contra 102 de PSD e CDS) em vez de eleições?...

Finalmente, a reforma da justiça é uma faca de dois gumes: o gume regular da espada da separação de poderes e o gume sinuoso do kris do poder político no controlo do poder judicial. A tentação de fazer da revisão uma forma de condicionamento do poder judiciário no que concerne a processos delicados tem de ser evitada: o novo Governo não pode afrontar o poder judicial, que, com excepção da cúpula, goza hoje de uma maioria moral no País, e ganha em o respeitar como poder autónomo e auto-regulado. Mas é muito difícil que o poder político abdique, por sua vontade, do controlo que tem nos conselhos superiores do ministério público e de magistratura, que exerce com as adjacências promíscuas do judiciário; ou que, mais além, arrisque fazer da rainha de Inglaterra um príncipe da Dinamarca...


* Imagem picada daqui.


Actualização: este poste foi emendado às 15:47 de 11-6-2011.

1 comentário:

Anónimo disse...

O Dr António Barreto é uma pessoa de grande qualidade , corajoso e honesto. Merece por todas as qualidades enumeradas todo o nosso respeito.