terça-feira, 7 de setembro de 2010

Acabou!

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Disse, a Dra. Catalina Pestana, à saída do tribunal, em 3-9-2010, após a leitura do acórdão do Processo Casa Pia: «para nós, acabou hoje». Lembraremos para sempre os abusos sexuais das crianças, a nossa luta e o proteccionismo do sistema, mas o caso acabou. O veredicto é a sentença que a verdade esperava, que a dor das vítimas precisava e de que o povo envergonhado carecia. O resto a que, surpreendidos com a desfaçatez e falta de vergonha, assistimos, é culpa: cinismo, canto, gozo, desprezo, inumanidade pedófila, sobrepostos aos factos.

Siga a música celestial dos anjos da morte em vida, a mentira sobre os factos, os berros e os insultos contra a justiça, a difamação, a calúnia, a desobediência e o desrespeito da lei e pela justiça, o esmagamento das trinta e duas vítimas a apenas duas e a redução das dezenas de denunciadores, polícias, procuradores e juízes, deste processo e dos outros conexos, onde o resultado foi similar, a apenas uma juíza, que nós, todos, não entraremos no alçapão do julgamento do julgamento. A sentença condenatória da primeira instância foi produzida e, para nós, chega. Agora, é tempo das vítimas refazerem e consolidarem as vidas e o povo ultrapassar o trauma.

As esperadas saídas em ombros, as voltas ao estádio, as luzes da ribalta e os foguetes estrondosos, não aconteceram - e quando, inconsequentes, vierem serão instáveis, vazias, fugazes e chochos. Agora, é tempo de se resignarem perante o facto deste veredicto não poder ser eliminado de quem o viu, ouviu e vai ler, recorrerem no processo como têm direito, e perante eventuais promessas de aggiustamento do processo incumpridas, começarem, como os canários pálidos zangados com a gaiola, a cantar contra os incógnitos e os desentalados, com os eufemismos crípticos do género «hoje vai chover», as «castanhas» e a «família veneranda» (!), ou as referências explícitas numa sequela «Muito Mentiroso/GOVD - Parte II», lançada com a mesma impunidade e maior circulação. O PS falhou e as suas operações negras - um dia, os juízes, procuradores e polícias, além das vítimas, hão-de contar o que sofreram - não alcançaram o resultado prometido de absolvição; portanto, é tempo dos canários cantarem.

Daqui por ano e meio, quando começarem a sair os acórdãos da meia centena de recursos interpostos pelas defesas, há-de haver algum que reduza ou anule as penas dos arguidos ou mande repetir o julgamento, com base na virginal boa-fé sistémica da dúvida razoável  ou em argumentos sólidos do género :
  1. é inaceitável que se tenha podido dar azo a que alguém, mal intencionado, ponha em causa a reputação imaculada de personalidades acima de qualquer igualdade constitucional ou que conclua que a alegada protecção dos abusadores das crianças fosse o produto dos trabalhos da tríade dos laços políticos, fraternos e filantrópicos  (eufemismo de Cadi Fernandes, no DN, de 6 de Outubro de 2003, mais adocicado, em ponto de rebuçado, do que utilizar as palavras cruas Socialismo-Maçonaria-Casa Pia);
  2. a morte em vida de duas crianças não vale sete anos de prisão (que, aliás, se viessem a ser cumpridos, seriam condensados em alguns meses de cárcere dourado e mais alguns com perneira domiciliária);
  3. está provado cientificamente algures que as crianças vítimas de abuso sexual até gostam da retribuição de terem sido violentadas por famosos, além da glória masoquista dos esfíncteres rasgados, da pancada e da coca;
  4. não foi ouvida a testemunha número 129, apresentada pelo arguido A (testemunha número 991 do processo);
  5. é impossível alguém com bom-senso crer que, num período de dois anos, tenha havido tempo para pintar portas de apartamentos de outra cor ou realizar obras internas que mudassem a estrutura de uma casa, para confundir as vítimas nos reconhecimentos;
  6. a menção antiga, em processo judicial (!), de alegados abusos por dois dos arguidos é a prova provada de que há imputações falsas repetidas que só podem derivar de perseguição invejosa e de falta de imaginação;
  7. tem de afirmar-se, como no famigerado caso Wartergate, a perplexidade sobre o facto destes crimes, naquela dimensão, não serem praticados sobre as mesmas vítimas, em alegre confraternização, por políticos de vários partidos, pois é um pressuposto inquestionável que a taxa de sobre-representação pedófila nos directórios partidários é estatisticamente igual;
  8. nunca se soube de fotografias dos abusos com aqueles alegados abusadores, com excepção daquelas da caixa de sapatos, mais as outras do salvo conduto do cofre, sem chave, da Dra. Teresa Costa Macedo, nem videos comprometedores que envolvam outros abusadores mais poderosos, nem sequer aqueles levados pelo raid da rapaziada dos serviços, do ateliê ribeirinho, na reprise com crianças surdas-mudas (muito menos qualquer filme luandense com jovens...);
  9. não pode deixar de classificar-se como circunstancial e irrelevante o parágrafo 3 da página 1.879, com remissão para o documento X do Apenso Z, ínsito a folhas 71.745, do acórdão da 1.ª instância, porque um arguido que estava, na sua omnipresença selectiva (qualidade de arguidos poderosos), em quatro sítios ao mesmo tempo - conforme se comprova pelos registos dos quatro identificadores de Via Verde da sua empresa, dos cinco cartões multibanco e dos seis telemóveis, e pelas declarações de sete testemunhas -, não podia estar, nesse mesmo dia e hora, num quinto lugar a abusar de crianças;
  10. a verdadeira inocência geral já foi toda provada, em directo, no programa oficial socialista «Pròs e Pròs», da inolvidável D. Fátima Campos Ferreira (o ícone máximo do socialismo televisivo português), com o título «A sentença» (sic!...), do dia 6-9-2010, na RTP (televisão do Estado, que não pode ser denonimada  Radio-Televisão dos Pedófilos), dedicado ao julgamento do julgamento, mesmo antes de conhecido todo o texto do acórdão - veja-se o post do José da Porta da Loja sobre o programa -,  um programa que consistiu no tipo de neutralidade e respeito integral pela lei e pela deontologia de que a ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) gosta.
Uf... a justificação possível vai longa, mas podia ser mais curta: «não pode ser... e pronto!!».

E, nesse dia, que chegará tão certo e tão negro, quanto a eficácia do sistema putínico em pleno vigor nesta terra que teve, e tem, nome Portugal - «nome de macho, se queres», como dizia o sapateiro António Gonçalves Annes Bandarra -, nós não estaremos aí. Já não nos importa. Isso faz parte do sistema e não temos condições para o mudar no curto prazo. Como não estamos no julgamento do julgamento: estivemos nestes oito anos de saga da justiça em prol da verdade material, até à produção da sentença moral. Porque, para nós, que não estamos interessados nas peripécias processuais e na tecnicalidade jurídica, não buscamos a condenação última, nem temos a motivação da vingança, o caso terminou na data do acórdão da 1.ª instância, o inesquecível 3 de Setembro de 2010. E esta sentença ninguém tira às vítimas, nem aos arguidos, nem ao povo, nem ao Estado de direito, à autonomia judicial e à separação de poderes. Para nós, todos, acabou.


Actualização: este poste foi actualizado às 16:02, 18:44 e 22:52 de 7-9-2010 e actualizado e emendado às 8:45 de 8-9-2010.


* Imagem picada daqui.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As personalidades e entidades, objecto de notícias dos media, que comento, quando arguidas ou mesmo condenadas em primeira instância, gozam do direito constitucional à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória.

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