quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O passado triste

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«Reconheço as Instituições que o Povo reconhecer. Mas se a opinião do Povo não for unânime, isto é, se o Norte não concordar com o Sul, estarei até ao fim ao lado dos fiéis à tradição. E se acaso se desse uma intervenção estrangeira para sustentar a Monarquia, então passar-me-ia para o lado da República.»
Henrique de Paiva Couceiro, em 6 de Outubro de 1910, em Cascais,
em resposta a um enviado do governo provisório republicano,
segundo relato do próprio ao jornal Correio da Manhã, citado por
COSTA PIMENTA, O Relato Secreto da Implantação da República
Feito por Maçons e Carbonários, Lisboa, Guerra e Paz, 2010, p. 236.






O artigo «Manuel Alegre. Passado militar persegue candidato» de Ana Sá Lopes e de Adriano Nobre, no i, de 28-7-2010, justifica um comentário.

Manuel Alegre não foi um desertor. Não obstante, o artigo omite o periodo em que esteve conscrito nas fileiras e os factos por que foi decretada a sua passagem compulsiva à disponibilidade - factos que para lá da sua descrição vaga da «tentativa pioneira de revolta militar»), não foram aclarados na sua informação sobre o serviço miltar que publicou no seu sítio, mas que noutro lado são descritos com mais detalhe e encómios. Porém, esta omissão deliberada (por quem descobriu 9600 entradas no Google) e a anterior ameaça de bofetada judicial relativamente a textos assinados (e não «anónimos»...) não elimina o conhecimento, nem rasura a memória. Nem vale a habitual invocação de que é tabu político a questão do serviço militar durante a guerra colonial. O que parece incompatível é conseguir as duas coisas: o louvor das esquerdas pela sua oposição à guerra e a admiração das direitas pelo seu serviço militar impecável... 

Manuel Alegre torna-se locutor e director da rádio Voz da Liberdade, em Argel, protagonizando, durante anos, emissões em que, segundo vários relatos jamais desmentidos, se repudiavam as forças militares portuguesas que lutavam em África e se apoiavam os movimentos de guerrilha que combatiam aquelas que eram, na altura, as Nossas Tropas. Essas emissões, como a sua pertença ao chamado «Bando de Argel», não eram inocentes, nem inócuas. Mais uma vez, não se pode agradar aos dois sectores: ao internacionalismo socialista anti-colonial e ao nacionalismo militar e colonial. À distância é mais fácil justificar as atitudes que se tomaram durante a guerra; mas em 1962, ainda estava fresco o sangue dos massacres do Norte de Angola. E antes do Nambuangongo de Manuel Alegre tinha havido outro. A guerra é uma calamidade de face dupla.

Nós, os portugueses, fomos todos: não se deve apagar a história, mas revelá-la e estudá-la para aprendermos as suas lições. Os regimes passam e a Pátria fica, sobre as fezes do reduto e as cinzas do império. É quase unânime no País a convicção, que também defendo, de que cada povo tem direito à independência e ao auto-governo, nomeadamente as antigas colónias portuguesas. Hoje, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor são independentes, Goa foi anexada pela União Indiana, e cicatrizaram muitas das feridas que a colonização e a guerra abriram, como frutificaram as sementes da inculturação.  Não há, então, motivo para se branquear a memória desse «tempo longo longo».

Suponho que ainda deve haver por aí registos audio, e transcrições, das emissões da Rádio Voz da Liberdade, de Argel, com a inconfundível voz de Manuel Alegre. Seria um serviço à historiografia nacional, e uma oportunidade de eliminação de especulações, pôr em linha essas emissões e transcrições.


Actualizações: Este poste foi emendado às 7: 25 de 5-8-2010.

* Imagem picada daqui.

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