O diário i noticia, hoje, 20-2-2012, que a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) vai apresentar queixa-crime contra o Ministério das Finanças por desobedecer ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que obriga os ministérios lhe fornecer os documentos de despesa em cartões de crédito, telemóveis e outras, dos governos socratinos. Diz o i, na notícia, assinada por Sónia Cerdeira, intitulada «Juízes vão apresentar queixa-crime contra Ministério das Finanças»:
«A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) tenciona apresentar uma queixa-crime no Ministério Público contra as Finanças. Motivo: o ministério de Vítor Gaspar não disponibilizou, no prazo previsto, os documentos relativos às suas despesas (no mandato do anterior governo) violando uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA). Contactado pelo i, o ministério das Finanças esclarece que “os documentos solicitados são inexistentes”.
Em finais de Janeiro um acórdão do STA deu razão, em definitivo, à Associação de Juízes que, em Outubro de 2010, avançou com um pedido de informações sobre as despesas dos ministérios do governo de José Sócrates. Em causa estava a utilização de cartões de crédito, despesas com telefones fixos e móveis, pagamento de despesas de representação e de subsídios de residência por parte de membros do anterior governo. Mas foi já no tempo do actual governo que os ministérios tiveram de fornecer estes dados e num prazo de dez dias úteis.
Das Finanças, a Associação dos Juízes não recebeu nem os documentos pedidos, nem justificação para falhar o prazo. “Vamos apresentar queixa-crime porque há um claro desrespeito do Ministério das Finanças pelo acórdão do STA uma vez que o prazo já foi excedido”, afirma ao i o presidente da ASJP, António Martins, salvaguardando que esta decisão ainda será validada pela direcção da Associação.
Segundo António Martins, apenas o Ministério da Justiça entregou “toda a informação completa e transparente”. “Os outros ministérios parece que estão a esconder não sei o quê”, afirma. Com excepção do ministério de Paula Teixeira da Cruz, os restantes ministérios deram pouca informação ou “procuraram artificiosamente não dar respostas”, acusa o presidente da Associação de Juízes.»
Quatro comentários sobre esta notícia.
O primeiro comentário é sobre o não fornecimento de informação pelo Governo. O jornal diz ainda que foi o próprio gabinete do ministro Vítor Gaspar que respondeu a dizer que esses documentos são «inexistentes» (sic). O caso é mais aborrecido do que eu supunha. Admiti que fosse algum alto funcionário resquício do socratismo que tivesse negado a informação pedida, mas o jornal diz que foi o próprio gabinete do ministro. E, portanto, dificilmente podemos acreditar que o ministro não tivesse sido consultado sobre esta declicadíssima matéria. Tal como não cremos que a excepção da corajosa ministra Dra. Paula Teixeira da Cruz não confirme a regra do Governo não fornecer a informação pedida. Teme o Governo o juízo final do socratismo, possível pela investigação dos cartões de crédito?!...
O esclarecimento do Dr. António Martins, presidente da ASJP, sobre a marcha dos pedidos, mesmo após a decisão do supremo que intima o Governo a cumprir, é terrível para nova (e desnecessário cisma) entre poder político e poder judicial, por ingenuidade de um Governo que deveria promover a congregação do Estado. Diz o Dr. António Martins que os outros ministérios, com excepção do da Justiça, «estão a esconder não sei o quê» e «deram pouca informação ou procuraram artificiosamente não dar respostas». Quer o Governo, e em especial o Ministério das Finanças que tutela a tal conta do Tesouro, banco particular dos gabinetes, uma espécie de saco rosa, ficar com a fama do Ministério dos Negócios Estrangeiros que demorou e dificultou ao máximo o fornecimento ao processo Casa Pia da ficha do embaixador Jorge Ritto?... Quer o Dr. Vítor Gaspar, e qualquer dos outros ministros, sofrer o enxovalhado - e a vergonha perante os portugueses (e a troika...) - de uma queixa crise por desobedecer ao tribunal e não colaborar com a justiça?!...
Mais cedo ou mais tarde, todos os ministérios têm de fornecer a informação requerida, bem como indicarem os procedimentos internos de realização e registo dessas despesas. Então, se assim é, por que não colaboram imediatamente?!...
O segundo comentário é sobre o que fazer com a informação fornecida. Conta o jornal:
«Sobre os documentos fornecidos, António Martins diz que ainda vão ser analisados e será “equacionado” o que fazer com a informação. Mas não descarta que essa informação possa ser entregue aos tribunais. “Poderemos dá-la a conhecer a outras entidades no âmbito do Estado, mas para já vamos analisá-la”, diz.»
Qualquer indício de irregularidade ou ilegalidade nessas despesas, ou no seu registo, deve ser enviado ao novo Ministério Público. Deste nada mais se espera, até porque o próprio procurador-geral Dr. Pinto Monteiro é contra o que designou, em 14-2-2012, à Sic, «julgamentos políticos» porque isso seria «o fim da democracia» - presume-se que não estão nessa categoria perigosa os processos de políticos contra cidadãos, por exemplo, jornalistas, como aquele contra o jornalistae que julgamentos políticos são apenas aqueles em que políticos são arguidos... E mandar para o Tribunal de Contas - cujo presidente político filo-socialista, Dr. Guilherme de Oliveira Martins, devia ter sido demitido imediatamente após a tomada de posse do novo Governo (já que não se demitiu ele próprio) - é o mesmo que arquivar. Esse «tribunal» ainda diria essa análise não era legítima porque poderia conhecer o pagamento de matinés de hotel com o cartão de crédito do Estado, o que «estaria coberto pela reserva da intimidade da vida privada»...
O terceiro comentário é sobre a natureza das despesas, a qual tem de ser despistada para eliminar qualquer dúvida de ilegalidade, ou de irregularidade, na utilização ministerial, e secretarial, dos cartões de crédito: despesas sem relação, mesmo que remota, com a função; despesas fictícias; e o levantamento de dinheiro a crédito, sem reposição.
Despesas sem relação com a função são aquelas para lá dos almoços, dos cafés e dos bares, do cabeleireiro, das roupas (do próprio...), do perfume, do whisky e dos charutos: são jóias, viagens e estadas acompanhadas (e familiares) para resorts, mercearias, móveis, etc.
Despesas fictícias são aquelas que simulam compras de bens e serviços em fornecedor cúmplice que cobra uma comissão e devolve o dinheiro em espécie ao prevaricador ou ainda aquelas que constituem contas abertas, ou saldos remanescentes, em determinadas lojas, serviços ou agências. Nem umas nem outras parecem poder caber no conceito de legalidade.
O levantamento de dinheiro a crédito pelo governante, com o expediente do cartão, não pode deixar de ser visto como o proibido «suplemento remuneratório», sem justificação, nem legitimidade.
E o quarto e último comentário é sobre o eventual não-registo dessas despesas do cartão de crédito do nosso Tesouro, tesouro do Estado, tesouro público - e não próprio, não deles. Não creio que. mesmo nesses casos, não seja possível, com paciência e diligência, reconstituir o rasto desse dinheiro. Mas, mesmo nesse caso extremo, será possível reconstituir do outro lado, solicitando ao Banco de Portugal, o registo desses movimentos com o cartão do Tesouro. E, se a conta era num banco comercial, basta ao Ministério Público, intimar o banco a fornecer a listagem das despesas. Em qualquer caso, o não registo dessas despesas, o apagamento dos ficheiros ou a obliteração física dos dcoumentos em papel, deverá motivar o competente processo-crime.
Uma sugestão final para os governantes: colaborem no requerimento dos juízes e forneçam todos os documentos, indicam os procedimentos seguidos, e refiram as ilegalidades ou irregularidades. É melhor do que cada um dos ministros não colaborantes com o requerimento dos juízes ser objeto de uma queixa-crime... pessoal.
* Imagem picada daqui.
Limitação de responsabilidade (disclaimer): As personalidades e entidades, referidas nas notícias dos media, que cito e comento, não são suspeitas ou arguidas do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade.










