Cenas dos novos/velhos capítulos sobre o caso de furto e recuperação do armamento dos paióis de Tancos:
- Segundo a SIC Notícias, de 27-1-2020, o juiz Carlos Alexandre do Tribunal Central de Investigação Criminal (TCIC) formulou, para resposta por escrito, cumprindo a restrição do Conselho de Estado, 100 questões ao primeiro-ministro António Costa sobre o conhecimento, autorização e supervisão, seu e do Governo à investigação paralela, e ilegal, da Polícia Judiciária Militar (PJM) ao furto, em 28-6-2017, do armamento (rockets, explosivos, granadas e munições) dos paióis de Tancos e à encenação do seu achamento, em 18-10-2017, na Chamusca. Note-se que António Costa foi arrolado como testemunha pelo ex-ministro da Defesa, e professor de Direito, José Azeredo Lopes, arguido no processo. O processo tem 23 arguidos, que com os seus advogados têm conhecimento das diligências processuais, para além do TCIC e do Ministério Público.
- O primeiro-ministro António Costa ordenou a divulgação no sítio da presidência do Conselho de Ministros, do fac-simile do seu testemunho por escrito, em 4-2-2020, às questões do juiz Carlos Alexandre, com a seguinte justificação:
«Tendo sido postas a circular versões parciais do depoimento do primeiro-ministro como testemunha arrolada pelo professor doutor José Alberto Azeredo Lopes no chamado 'Caso de Tancos', entendeu o primeiro-ministro dever proceder à divulgação pública integral das respostas a todas as questões que lhe foram colocadas e que constam do depoimento já entregue ao Tribunal Central de Instrução Criminal, às 16h22 horas, do dia 4 de fevereiro de 2020».
- O desconhecimento e alheamento manifestados pelo primeiro-ministro nas suas respostas sobre a investigação paralela da PJM e a recuperação do armamento são absurdos: ofendem a sua inteligência e ridicularizam a do povo.
- Consta que o advogado Manuel Magalhães e Silva, ex-secretário da Justiça do governo de Macau e consultor do Presidente da República Jorge Sampaio, atual membro do Conselho Superior do Ministério Público e, possivelmente futuro membro do Conselho Superior de Magistratura, é o proença-de-carvalho de António Costa. Terá assessorado o primeiro-ministro neste assunto?
- Face à existência do segredo de justiça no processo, o juiz Carlos Alexandre comunicou ao Ministério Público que se pronunciasse sobre a eventual violação do segredo de justiça da testemunha António Costa.
- A procuradora do processo de Tancos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) despachou que não tinha competência para se pronunciar sobre a eventual violação do segredo de justiça, atendendo ao caso de a testemunha António Costa beneficiar do foro privilegiado (o Supremo Tribunal de Justiça) de primeiro-ministro - recorde-se o caso de José Sócrates no processo Face Oculta.
- Terá a procuradora do processo sentido pressão dos superiores hierárquicos, o coordenador do DCIAP Albano Pinto e a procuradora-geral Lucília Gago, que antes, alegadamente, já se haviam oposto a que o primeiro-ministro António Costa fosse ouvido nesse inquérito?
- Face à resposta da procuradora, o juiz Carlos Alexandre despachou o assunto para o Supremo Tribunal (Observador, de 14-2-2020, citando a SIC Notícias).
- E parece que «os serviços» (sic) do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça controlados pela procuradora-geral adjunta Maria José Morgado terão prontamente decidido... «a consequência natural da análise dos factos que vai ser feita»... (Exclusivo de Luís Rosa, no Observador, de 14-2-2020). Note-se que a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado não se jubilou, como Luís Rosa noticiara em 13-12-2018, e terá pedido para continuar em atividade, sendo colocada, pelo Conselho Superior de Magistratura, no Supremo Tribunal de Justiça.
- E qual é essa prévia «consequência natural da análise dos factos que vai ser feita» pelo Ministério Público de Maria José Morgado no Supremo Tribunal? O arquivamento. Luís Rosa, do Observador, de 14-2-2020, relata detalhadamente o sopro anónimo do Ministério Público no Supremo Tribunal:
«Ora no caso das respostas de António Costa, o que está em causa é a divulgação de uma peça processual — o ofício das respostas posteriormente enviadas ao Tribunal Central de Instrução Criminal. E é aqui que pode entrar o crime de desobediência simples ou qualificada.
Contudo, a investigação deste crime pressupõe responder à seguinte pergunta: foi o primeiro-ministro advertido pelo juiz Carlos Alexandre de que a publicidade das suas respostas estava-lhe vedada e que a respetiva violação poderia configurar um crime de desobediência? É o que costuma acontecer a jornalistas quando consultam os autos de inquéritos criminais já depois do segredo de justiça ter cessado.
A resposta é simples: não. Ou seja, apesar de ser proibido divulgar peças processuais sem a expressa autorização judicial, o crime só se consuma se o visado em questão for informado disso mesmo. E basta consultar o despacho que o juiz Carlos Alexandre emitiu a 24 de janeiro de 2020, que o Observador consultou, para constatar que não foi feita nenhuma advertência nesses termos ao primeiro-ministro.
Por outro lado, e de acordo com diversas fontes judiciais, a jurisprudência é unânime ao assegurar que quem não foi advertido para os riscos criminais de publicitar peças processuais não pode ser acusado de tal crime por falta de dolo e consciência sobre a prática do mesmo.
A conclusão da não consumação dos crimes de violação de segredo de justiça e desobediência é óbvia: os autos deverão ser arquivados sem sequer António Costa ser chamado a prestar esclarecimentos enquanto arguido.» - António Costa tem mais sorte do que eu: em 27 de Outubro de 2004, fui objeto de busca domiciliária noturna, e a minha mãe outra, por procurador do Ministério Público e Polícia Judiciária, por suspeita de desobediência simples de um despacho judicial, que não se me aplicava e que só vim a conhecer no dia da sentença que me absolveu, por ter publicado a acusação do processo de abuso sexual de crianças da Casa Pia (suprimindo sempre o nome das vítimas cuja divulgação o dito despacho pretendia acautelar)... Como é diferente a justiça neste caso.
- A analogia entre o jurista experiente, ex-ministro da Justiça e atual primeiro-ministro, António Costa e um jornalista ignorante do direito é embaraçosa, para ele e o Ministério Público. As vestes que os sumo-sacerdotes socialistas comentaristas não rasgariam se um simples juiz advertisse o primeiro-ministro jurista das suas obrigações processuais!... Como é evidente, António Costa não foi advertido pelo juiz porque não precisava de ser.
- António Costa reincide no desprezo do processo penal: em 17-10-2003, a SIC noticiou o conteúdo de conversas telefónicas, em 21-5-2003, entre o então António Costa e Paulo Pedroso (cf. Público, de 17-10-2003) que viria a ser detido nesse dia por indícios de abuso sexual de menores (veio a ser acusado e que depois escapou à pronúncia por decisão da juíza de instrução Ana de Barros Queiroz Teixeira e Silva) nas quais Costa aparece a dizer: «pá, talvez o teu irmão seja altura de procurar o Guerra»!... João Guerra era o procurador titular do processo Casa Pia.
- Contudo, o ato de divulgação da peça do processo de Tancos foi realizado apenas por António Costa? Foi o primeiro-ministro quem scaneou o seu testemunho? Foi o primeiro-ministro que o carregou na página da Presidência do Conselho de Ministros? É que os funcionários do seu gabinete, ou outros, intervenientes eventuais não têm foro privilegiado e quem tenha participado não pode escudar-se na ordem recebida do primeiro-ministro para o cometimento de eventuais atos ilegais.
* Imagem picada daqui.
Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades mencionadas nos postes das notícias que comento, não são suspeitas ou arguidas do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade no processo de furto e recuperação do armamento dos paióis de Tancos. E quando na situação de arguidas gozam do direito à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.
1 comentário:
Este costa é mais uma vergonha para o país! Foi muito bem lembrado o caso da Casa Pia! É que eu lembro-me bem de toda essa história que afinal não deu em nada! E lembro-me também daquela pérola do actual presidente da AR, esse energúmeno ferro rodrigues, quando, alto e bom som, afirmava: #estou-me CAGANDO para o segredo de justiça"! Lembram-se?
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