sábado, 30 de novembro de 2013

O novo ataque de Mário Soares a D. Manuel Clemente

(Em atualização)


Em 1991, o presidente italiano Francesco Cossiga, que não queria viver toda a sua vida na sombra de Andreotti, decidiu rebentar com sistema parlamentar italiano e impor um regime presidencial por si liderado. Falhou e demitiu-se no ano seguinte, a dois meses do fim do mandato de sete anos, já no quadro do escândalo Tangentopoli, que acabaria com a I República italiana. Nessa altura, a revista italiana L'Espresso (março de 1991?), punha na capa o presidente Francesco Cossiga com ar agressivo e o título «Fuori controllo» (Fora de controlo) para explicar o seu «caso» e identificar os seus alvos. O jornalista Gianpaolo Pansa chamava-lhe: o maluco da colina (palácio do Quirinale), figura cómica, sacristão arrogante, louco, golpista, martelo reacionário e zombi. Mas o presidente italiano não estava senil. Francesco Cossiga tinha então 63 anos; Mário Soares tem agora 88 anos.

Mário Soares procura deixar uma última marca na política portuguesa antes de passar à maçonaria celeste. Daí o furor de livros sucessivos, intervenções diárias numa espécie de syndicated podcast na imprensa de confiança, a multiplicação de alvos, o martelar dos apelos à insurreição popular e à violência.

Aprisionado no reflexo da sua própria figura, distanciada a família das suas aparições patéticas, Mário Soares parece mais uma marioneta do seu secretário Vítor Ramalho que lhe indica o que dizer e o corrige. Enquanto António Arnault conjurou, em 28-11-2013, a Maçonaria para a luta anticapitalista - e até, infelizmente, o general Garcia Leandro concedeu, em 26-11-2013 na Rádio Renascença, que Soares tem razão no alerta de que a «a violência está à porta». Nos próximos dias, cúmplices de cordel que se arrebitam quando Soares lhes puxa a guita, figuras institucionais solenes abaixo de qualquer suspeita patriótica e melancias (pouco) católicas verdes de fé por fora mas rosadas por dentro, hão-de participar no mesmo peditório pela redenção da alma socialista ferida, tal como no futuro se desculpabilizarão se algum anarquista de esquerda levar a legitimação frentista de esquerda da violência à seriedade das bombas... O pagode pode não perceber o trabalho de orquestração, mas aqui é nossa obrigação notar que os naipes estão afinados.

Soares já não é ele, mas a representação holográfica difusa de um setor maçónico preocupado com a possibilidade de perda de poder na batalha que se aproxima e que tem em Vítor Ramalho (biografia incompleta) como uma espécie de mordomo do decrético ex-presidente. Desde a saída de Cavaco (primeiro-ministro...) que a Maçonaria tem o poder político do Estado português - Guterres era católico, mas discípulo de um «Deus relojoeiro» (com licença das belíssimas personificações do padre Nuno Tovar de Lemos) e quem punha e dispunha, com ampla licença, já era a fraternidade oriental. Portanto, o ataque de Soares não é fortuito, mas premeditado, com o propósito principal de cercar a Igreja Portuguesa no seu reduto, silenciá-la com a sentença de uma culpa que não tem, evitar que defenda os seus valores e, acessoriamente, preservar as posições e deferência que manteve na Rádio Renascença e na Universidade Católica. Assim, D. Manuel Clemente é o alvo simbólico de Soares que pretende atingir e condicionar toda a Igreja portuguesa.

Na penúltima fase do socratismo, o socialismo maçónico também se afligiu muito com a oportunidade de barrela política da corrupção de Estado. Nessa etapa decadente era vê-los, e aos seus acólitos da esquerda romântica e sindical, a enfileirar o beija-mão no Terreiro da Sé do Porto, conscientes, O, tentando cerzir o tecido social rasgado pelo radicalismo socratino absolutista, e economicamente corrupto, do aborto, do casamento homossexual, da perseguição clerical à religião nas escolas, hospitais e prisões, e suavizar críticas. Era uma época de loas e prémios. O próprio Soares elogiava em 11-12-2009, D. Manuel Clemente como «uma grande figura ética para todos os portugueses», «uma grande figura da Igreja», «uma pessoa relevante para o nosso país e um grande português", com «grande capacidade de diálogo», destacando a sua «intervenção cívica», a «postura humanística de defesa do diálogo e da tolerância, do combate à exclusão e da intervenção social da Igreja»

A corte dos socialistas chegou até à escolha de D. Manuel Clemente como novo Patriarca de Lisboa, em substituição de D. José Policarpo com quem os socialistas, e inclusivé Sócrates tinham maior cumplicidade. Deu-se então um corte de Soares, mal disfarçado de irritação de palmas a Cavaco e Coelho na missa de tomada de posse, no convento dos Jerónimos em 7 de julho de 2013 - que designou de «claque dos capangas» (sic!) -, pelas quais o novo pastor de Lisboa foi acusado, dois dias depois em crónica no DN, de ter deixado acontecer e não ter reagido, embora tal tenha acontecido enquanto se paramentava na sacristia...

Mário Soares volta à carga violenta em artigo de hoje, 30-11-2013, no Público, intitulada «O Papa Francisco e a Igreja portuguesa», critica brutalmente D. Manuel Clemente (um prelado impoluto, como se pode ler na biografia escrita por Ricardo Perna, José Carlos Nunes e Sílvia Júlio (publicada em julho de 2013 na editora Paulus). O novo Patriarca, e futuro cardeal, parece ser um alvo de oportunidade na trincheira de onde dispara ao azar contra aqueles que censuraram o seu objetivo apelo à violência política, no segundo Congresso das Esquerdas, em 21-11-2013, na Aula Magna da Universidade de Lisboa, evidenciado no seu discurso (escrito...) na utilização do advérbio de mau modo «necessariamente»:
«O Presidente e o Governo devem demitir-se (...) enquanto podem ir ainda para as suas casas pelo seu pé. Caso contrário, serão responsáveis pela onda de violência que aí virá e necessariamente os vai atingir.» (Sublinhado meu).
Recordo que, Mário Soares procurou em 27-11-2013 sustentar a sua posição de necessidade da violência que irá atingir «o Presidente e o Governo», na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, do Papa Francisco, de 24-11-2013. Embora, como eu tenha mostrado em nenhum ponto da nova exortação o Papa apele à violência ou a legitime, como fizeram vários, além de Soares, no dito encontro das Esquerdas.

No artigo do Público, de 30-11-2013, que mais parece o resultado estenográfico de frases desconexas, Mário Soares descarrega um chorrilho de falsidades e falácias na sua tradicional mistura discursiva que era, todavia, menos mal escrita. Respigo e comento:
  1. «Sua Santidade o Papa Francisco (de Assis, não Xavier)». Que mal teria para se este Francisco tivesse sido «de Xavier»: mesmo que não verbalizado também não será também do santo navarro-português?... Será o desprezo de Soares a Xavier por causa do desassombro da carta do santo evangelizador ao rei D. João III, citada por Vieira num seu sermão célebre?
  2. «É, com efeito, um Papa singular porque fala com toda a gente, seja de que religião for ou de nenhuma» - Não falavam os outros?!...
  3. «detesta o capitalismo selvagem que hoje governa a Europa» - não detestamos agora quase todos os cristãos que nunca nos sentimos confortáveis perante a ideologia liberal dominante até há pouco e sempre preferimos a moderação filosófica da doutrina social da Igreja?...
  4. «Sua Santidade detesta a austeridade»... Soares mistura austeridade com capitalismo e usa como instrumento político logo um Papa austero, frugal e humilde, conhecido por fazer a sua própria comida. Um Papa que recomenda a austeridade à própria Igreja e que a impõe, como no caso do bispo de Lindburg (em contraponto à obra faraónica da nova sede do Banco Central Europeu, em Frankfurt) e que aceita um Renault 4L, de 29 anos, para seu veículo...
  5. «A Igreja portuguesa, que foi colonialista, durante os tempos das guerras coloniais» - houve de uma e de outra. Mas colonizadora foi, dilatando a Fé por esse mundo de Deus que Soares cruzou de avião e carro de luxo e por onde se banqueteou. Se não fosse essa Igreja portuguesa (e homens de outra têmpera) que agora maldiz, não havia este Brasil, a África era islâmica a sul do lago Tchad e da Ilha de Moçambique, não tinha havido o Padroado Português do Oriente e a liberdade, a igualdade e a fraternidade, que toma como registo de uso seletivo, teriam no globo outra contingência. E a língua e a sua projeção cultural portuguesa, que são o nosso último reduto de orgulho patriótico, tem nesse mundo a multidão que a instrução, a assistência e a espiritualidade, dos missionários muito fez.
  6. «sempre próxima da ditadura» - mais uma vez, houve de uma e de outra. E bastante mais independente do que reconhece.
  7. «foi salva pelos socialistas», na maior parte deles não religiosos, porque depois do 25 de Abril impediram que os esquerdistas invadissem o Patriarcado como tentaram fazer» - como o general francês Maximilien Sébastien Foy, reduz o País a Lisboa. O Portugal de 1975 tinha muito mais Rio Maior, Alcobaça e Braga, do que reconhece - e nem sequer admitimos fugir para Cortegaça...
  8. «Graças à intervenção do PS, depois do 25 de Abril, a Igreja portuguesa tornou-se muito aberta, com o patriarca D. António Ribeiro, e progressista, ao contrário do que sucedeu com a Igreja espanhola, que foi sempre de direita, mesmo após a morte de Franco, e quando Suarez introduziu a democracia» - insisto, uma de umas e de outras. A abertura de que fala deve ser as dos canais da sua confiança, mas os católicos portugueses nunca sentiram uma Igreja «progressista» - com exceção do padre Fanhais... Pelo contrário, a Igreja portuguesa, e a lisboeta em particular, reconhecia-se mais nas «notas de abertura» do Padre Lereno na Rádio Renascença. A ação de Soares no cerco do Patriarcado foi motivada por uma vontade de controlo que não sequestrou o povo de Deus.
  9. «Mas parece que, com o novo patriarca português, tudo está a mudar, o que é péssimo e triste para o futuro». Ainda não, mas não há-de tardar. Rompendo a tentação da promiscuidade e recusando prolongar uma espécie de irenismo com proveito maçónico-socialista.
  10. «a Igreja portuguesa tem mantido um silêncio inaceitável, tal como o actual patriarca, em relação ao Papa. Parece que não gosta dele ou mesmo que o detesta. » - é uma mentira absoluta. D. Manuel Clemente foi nomeado Patriarca de Lisboa já pelo Papa Francisco, em 18-5-2013... O que temos ouvido e visto é uma imensa e generalizada alegria de bispos, párocos e leigos, pela graça deste Papa que, nesta outra era, há-de conseguir purificar o que o tempo e o mundo sujou e relançar a Igreja, com todos, para a humildade e a caridade, sem transigência à ditadura cultural do relativismo ateu.
  11. «Prefere a corrupção e a imoralidade, que reinava no Vaticano, à solidariedade do Papa que respeita os pobres? Que patriarca é este que há meses não fala e, em especial, de Sua Santidade». Um disparate sem pés nem cabeça, com exceção da maliciosa invocação da corrupção pelo protagonista principal de «Contos proibidos - Memórias de um PS desconhecido», de Rui Mateus, em 1996, já para não falar do abuso da outra questão.
  12. «Aliás, quando era bispo fazia-se passar por um homem desempoeirado e progressista – que afinal não é; tendo em conta o que não diz agora, parece que nunca foi. É algo que não se entende!». A poeira está do lado do seu progresso, dos «lendemains qui chantent» a cuja disfonia voltou. A informalidade e humildade de D. Manuel Clemente não deve ser baralhada com as cartas marcadas do marxismo politicamente correto: a Igreja não pode legitimar a violência e a doutrina do tiranicídio de São Tomás de Aquino é, em circunstâncias muito excecionais, comprovadas e se mais nenhum outro meio for possível, apenas para quem usa a violência...
  13. «O Papa Francisco alertou que a exclusão e a desigualdade social "provocarão a explosão da violência"». Soares tresleu e chega ao cúmulo de pôr em aspas o que não está no texto da Exortação do papa Francisco. A citação correta é bastante diferente do resumo conveniente que pôs na pena de um santo: «Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão».
  14. «É importante que o tenha feito, por mero acaso no dia seguinte a eu ter sido atacado por dizer o mesmo». Aqui concordo: não é provável que a exortação do Papa tivesse sido emendada, o original e as traduções e os livros, para acomodar a concordância com o discurso mal amanhado de um ex-líder socialista no encontro das Esquerdas em Lisboa, três dias antes...
  15. «Leia, o actual patriarca, D. Manuel Clemente, a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Santo Papa, ao Episcopado, ao Clero, às Pessoas Consagradas e aos Fiéis e Leigos, sobre o anúncio do Evangelho no mundo actual». Atrevo-me a crer que o senhor D. Manuel Clemente já o tivesse feito, apesar da agenda preenchida...
  16. «Talvez lhe seja útil e o leve a falar de Sua Santidade, que, incontestavelmente, representa no mundo de hoje um dos maiores papas de todos os tempos. Não deixe que a Igreja portuguesa volte a ser o que foi no tempo do colonialismo e da ditadura...» O Patriarca - que escreve com letra pequena, talvez com ciúme de ser ele próprio um patriarca socialista menor, não precisa da sua lição atabalhoada, muito menos do insulto de que a Igrejka portuguesa vai voltar ao «tempo do colonialismo e ditadura» (sic!). Aliás, para desmentir a validade do mal-intencionado ataque ao Patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portugal, nada melhor do que usar as palavras do próprio Mário Soares, na revista Visão, de 23 de maio de... 2013, que intitulou «O Papa e a Igreja Portuguesa»:
«Entretanto, deu-se um acontecimento que, não sendo eu religioso, mas tendo a consciência da importância da Igreja na sociedade portuguesa - o que me fez ajudá-la no pós-25 de Abril, quando foi atacada, como é reconhecido -, me deu muita alegria: a nomeação do novo Patriarca, D. Manuel Clemente.
Conheço-o desde quando ainda não era bispo do Porto e sempre tive por ele uma enorme admiração e respeito. É um homem de grande cultura, um historiador com obra publicada e, permito-me dizê-lo, um grande eclesiástico. Participámos em alguns debates públicos e sei, por isso, do que estou a falar. D. Manuel Clemente quebrou algum silêncio da Igreja portuguesa e juntou-se claramente ao que tem dito Sua Santidade. Contra a política de austeridade, o empobrecimento e o desemprego que gera na população. Excelente sinal!». (O realce é meu).

Pós-Texto (12:01 de 1 de dezembro de 2013): No blogue Avenida da Liberdade, num poste que intitulou «O dissensual», José Ribeiro e Castro também respondeu ontem ao artigo de Mário Soares, no Público. Ribeiro e Castro recorda a mensagem «Desafios éticos no trabalho humano», de 14-11-2013, da Conferência Episcopal Portuguesa precisamente sobre os temas laborais e sociais que o Papa tem salientado. E nota ainda o deputado que, na véspera de mais este ataque senil do ex-Presidente, D. Manuel Clemente louvava a autenticidade e a vivência do Papa Francisco na defesa dos direitos humanos, na conferência «Uma esperança sem fronteiras», na Universidade Católica, em Lisboa.
No blogue Alcáçovas, Ricardo Vinagre também criticou, em 30-11-2013, o artigo do ex-presidente no Público no poste «O problema mal resolvido de Mário Soares».
E no blogue Entre as Brumas da Memória, Joana Lopes, no poste «Importa-se de repetir, Dr. Mário Soares?», com base nas próprias palavras do fundador do PS, nota que a história foi ao contrário: Soares é que pediu ajuda a D. António Ribeiro... Afirmar que, em 1975, a Igreja portuguesa é que precisava da ajuda do PS é uma falsidade histórica rotunda.
Este poste foi atualizado, e emendado, às 12:01 e 12:58 de 1-12-2013.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O marxista Soares e o caridoso Papa Francisco

A meio de um trabalho mais demorado sobre a relação do padre, provincial e bispo Jorge Mario Bergoglio, com a ditadura argentina de 1976 a 1983, incluindo também o período de violência política anterior e o período posterior até à sua elevação a Sumo Pontífice da Igreja -, faço um intervalo por um assunto mais urgente: a tentativa de Mário Soares usar a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho) do Papa Francisco, de 24-11-2013, para justificar os apelos à violência no segundo «Congresso das Esquerdas - Em Defesa da Constituição, da Democracia e do Estado Social», em 21-11-2013, na Aula Magna da Universidade de Lisboa.

No video da sua intervenção do dito congresso ou encontro - com Alfredo Bruto da Costa, José Pacheco Pereira e o general Pinto Ramalho!... -, pode ouvir-se (transcrição minha) Mário Soares a ler um discurso:
  • «A violência està à porta» (bis...)
    «O Presidente e o Governo devem demitir-se (...) enquanto podem ir ainda para as suas casas pelo seu pé». Caso contrário serão responsáveis pela onda de violência que aí virá e necessariamente os vai atingir» (sublinhado leu).
«Necessariamente»?!...

Soares distinguiu a Espanha e a Itália de Portugal que felizmente não têm troika; mas a troika, e o seu programa de austeridade, foi trazida para Portugal pelo seu discípulo Sócrates que colocou o nosso País na situação indigna de protetorado, enquanto Zapatero resistiu à pressão germânica para um resgate financeiro, inclusivé na cimeira de Cannes do G-20, em novembro de 2011, como agora conta no livro «El dilema: 600 dias de vértigo»...

Gagá e cheché, entre gargalhadas irresistíveis da assistência, com a designação do outro partido de governo como CS-PP (sic) e o secretário Vítor Ramalho a orientá-lo no que deve ler, Soares é hoje o que representa, mais do que aquilo que foi. Em contrarrelógio, procura ainda deixar uma marca última numa história de vergonha pessoal, que alastrou a uma comunidade abusada, um Estado comissionista, uma nação em ruínas, vidas destroçadas por um patriotismo que agora reclama à DPP, na preservação de um sistema utópico que tenta manter neste País sem dinheiro, nem recursos suficientes.

Ora, nesta sua primeira encíclica exclusiva (a Lumen Fidei, foi herdada de Bento XVI e completada pelo atual Papa), Evangelii Gaudium, Francisco condena sempre a violência. O Papa nunca foi um marxista, nem adepto da teologia da libertação, nem mesmo nos anos 70 e 80 - e daí os problemas que teve na Argentina kirchnerista: nunca poderia defender, admitir, justificar, a violência, como, perante o levantamento da assistência, fez Helena Roseta no referido segundo Congresso das Esquerdas - «a violência é legítima para pôr cobro à violência»... Ou como o capitão Vasco Lourenço à entrada para essa conferência, na qual terá dito sobre o atual poder: «ou saiem a tempo ou vão ser corridos à paulada»...  O Papa considera que se deve dizer «não a uma economia da exclusão e da desigualdade social», que geram violência, e que a paz social deve provir da integração e não da pacificação militar e policial de condições injustas. A palavra violência (violento/violenta) aparece vinte vezes na mensagem do Papa, mas em nenhuma este a legitima ou diz que é necessária para atingir o governo. A doutrina social da Igreja, assente na caridade (amor), não advoga a violência e o tiranicídio tem outras condições que não se aplicam sequer aos caciques, mas aos tiranos sanguinários de povos.

Soares pode tresler, na sua demagogia lendária, porque os média sistémicos o protegem, em vez de o confrontar. Mas não ponha o Papa nesse saco... marxista.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Quintal, casino e cofre


A.B.C., Queres casar comigo?, Nazaré, novembro de 2013


Se como ensinava o Prof. Adriano Moreira - e eu acredito - o poder não é uma coisa, mas uma relação, a subserviência das corruptas e ineptas elites políticas portuguesas é determinante na relação entre o Estado português e o Estado angolano, tanto ou mais, do que o peso do dinheiro e dos recursos do regime de Luanda.

A projeção do regime angolano sobre o poder político nacional excede muito a proporção de emigrantes portugueses, as exportações, as prestações de serviços e o estabelecimento de empresas portuguesas e não se compara, por exemplo, com a influência francesa, tampouco com a influência brasileira dos três primeiros quartéis do século XX ou atual. Lisboa é hoje uma extensão de Luanda. Mais ainda do que Miami em relação aos países da América Latina, porque não se trata exclusivamente de relação turística, de diversão e comercial, nem sequer financeira, mas também política. Essa influência geopolítica, praticada aqui, in loco parentis, tradicionalmente por testas de ferro e homens de palha, significa uma espécie de inversão do Império, na qual Lisboa interessa como safe haven, como coito de famílias e de finanças - quintal, casino e cofre - de setores do poder de Luanda, todavia mais policromático do que o representa a hermenêutica mediática portuguesa, e agora ainda mais, quando se aproxima o fim de ciclo.

O inepto poder político português aproveita essa interpretação angolana da forma mais rasteira e submissa, porque aquilo que para eles são trocos, para os políticos de Lisboa são pensões chorudas, e a noção que têm de patriotismo ou de sentido de Estado está reduzida ao bolso. Têm uma noção clara da sua limitada capacidade intelectual e consciência da sua falta de preparação técnica em contraponto a uma experiência do trânsito do poder, porque sempre andaram nele à procura d'Eldorado, e assim, pretendem embolsar o máximo no mínimo de tempo que lhes calhou na sorte, grande. Por muito que nos doa admitir, José Eduardo dos Santos é muito mais patriota do que os governantes portugueses das últimas décadas.

O poder mediático e o poder judicial portugueses interessam ao regime de Luanda como instâncias de mediação da sua projeção política e financeira sobre Portugal. O poder judicial é pressionado diretamente (!?...) e indiretamente através das antenas do poder político. O poder mediático é comprado. O que se pretende desses poderes? Desde logo uma autocensura (ne touchez pas!); e ainda um droit de regard, exercido por agentes locais domesticados.

O negócio, hoje, 26-11-2013, anunciado de alteração no capital do grupo Controlinveste (dona do DN, JN, TSFO Jogo, Diário de Notícias da Madeira e Açoriano Oriental) de Joaquim Oliveira (que fica reduzido a 27,5%) - e o empresário angolano António Mosquito com outros 27,5%, os bancos credores BES e BCP com 15% cada, além de Luís Montez, genro do Presidente Cavaco Silva, com outros 15% -, insere-se nessa manobra de projeção do poder de Lunda sobre o regime português da III República. Como ler esse negócio? O regime de Luanda quer consolidar a submissão do regime de Lisboa; o BES precisa dos 500 milhões de euros de venda da Escom acordada em dezembro de 2010 com a Sonangol (o BCP não conta e é cada vez mais um atrelado do banco rival) e procura arbitrar o jogo da influência política para recuperar liquidez; o genro (com 15%?!...) é utilizado como garantia da intercessão do sogro; e o futuro chairman Proença de Carvalho funciona como charneira socratina do negócio, já prevendo a próxima transição para o socialismo.

Ó Portugal: onde estão a tua honra e o teu vigor?


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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Dinheiro e poder



Foi lançado um novo livro do Prof. Rui Verde, na editora de Rui Costa Pinto, que certamente há-de trazer revelações sobre a experiência do autor, com relevo maior para aquela transcorrida na Universidade Independente. A história das relações de poder luso-angolanas ainda está por fazer e convém que se aclare, com desassombro, na identificação de padrões de comportamento e na definição de perspetivas de interpretação. A consolidação de um relacionamento respeitoso e saudável entre Luanda e Lisboa carece da interpretação cultural das condutas políticas e económicas.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O apelo do frentismo soarista à insurreição violenta contra o Estado

O ataque, que o José transcreveu, do ex-procurador-geral da República Fernando Pinto Monteiro, na SIC Notícias em entrevista a António José Teixeira, em 17-11-2013, para que «divulguem as cassetes» com escutas remanescentes de conversas entre Armando Vara e José Sócratescinco gravações e 26 mensagens de telemóvel que escaparam à ordem de destruição, dada em 2010» pelo então presidente do Supremo Tribunal de Justiça António Noronha Nascimento) - «porque não há lá nada» - constitui um desafio à atual procuradora-geral Joana Marques Vidal. O ex-procurador terá ainda dito saber, não se sabe por que ciência, que «as cassetes existem hoje, já particulares têm as cassetes, há jornais que têm as cassetes». E atente-se que não é dito qual a data destas escutas de conversas alegamente inócuas entre os dois socialistas - se antes ou depois da data fatídica de 24 de junho de 2009.

Segundo o relato do José, Fernando Pinto Monteiro não se eximiu sequer de admitir que «pode haver um crime de desobediência» na divulgação que ele insta!... E, como o José nota, esse apelo do ex-procurador «incitando eventualmente à prática de um crime (...) também é um crime em si mesmo». Nada disso parece importar-lhe, quando até chega a considerar o caso Freeport «uma fraude» (sic)!...

Qual é o contexto do ataque socratino?

O ataque coincide com a preocupação do setor socratino face à informação de que não foi destruída (nem tesourada) toda, e qualquer, evidência dessas conversas embaraçantes que envolvem o ex-primeiro-ministro, a três meses das eleições legislativas de 2009, relativas àquilo que o procurador João Marques Vidal do DIAP de Aveiro - irmão da atual procuradora-geral -, no seu despacho de 23 de junho de 2009 (publicado no CM, de 6-2-2010) descobriu ser o «plano governamental para controlo dos meios de comunicação social»... Debaixo da arrogância colérica, o socratismo sabe da pendência dos alcatruzes das noras, das voltas da roda da fortuna e da inclinação das carradas de lenha - o tal «favor popular» (que é soberano...) - e que o povo um dia se pode cansar do abuso. Por isso a cautela deste caldo que, no fundo, é de galinha.

O ataque não pode ser desligado de uma corrente que não aceitou a escolha de uma procuradora-geral independente para uma posição epicêntrica de proteção sistémica. Nesse sentido, o ataque constitui um desafio. Que, sob pena da fustigada autoridade se esboroar, só pode ser respondido com a determinação da lei.

Apelo ao terrorismo político
Este ataque jurídico-político ataque insere-se, e não de forma inocente, num feixe de insurreições políticas do frentismo soarista, que teve, ontem, 21-11-2013, o pronunciamento no «Congresso das Esquerdas-"Defesa da Constituição e Democracia Social"» - com a presença de Pacheco Pereira (e mensagem de António Capucho!...) e a adesão dos generais Lemos Proença, Pires Veloso e Pinto Ramalho!... - e que culminou na semi-invasão simbólica do Parlamento por agentes das forças de segurança na manifestação sindical dessa coincidente noite. Do que se trata, e vem tratando - pelo mesmo Mário Soares, que chegou a reclamar em Conselho de Ministros (!) uma ação musculada (como nos tempos da outra senhora) das polícias contra os terroristas das FP-25 -, é de um apelo à insurreição violenta contra o Estado (Governo e Presidente da República), justificada pela nova passionaria Helena Roseta.

Todavia, importa aqui dizer, ainda em tempo, que o terrorismo armado é (e será...) a consequência natural da fundamentação verbal do terror político.


* Imagem picada daqui.


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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Aqui!

Cristiano Ronaldo marca três e justifica «É aqui!» no Suécia-Portugal,
19-11-2013, Friends Arena, Solna. Foto: Svenska Dagbladet

Noite fria... noite quente. Toda a guerra psicológica e mind games da imprensa sueca enregelados pelo vendaval lusitano na reviravolta suada de três tentos a dois, que nos apurou no play-off para o Mundial do Brasil, em 2014.

Envergonhada pelos feitos de Cristiano Ronaldo, a Fifa viu-se obrigadaprolongar por mais dez dias o prazo de votação para a Bola de Ouro e  a permitir que quem queira altere o voto e o presidente Blatter também o felicita pela exibição na Suécia... É no campo que o valor se prova: 66 golos até agora no ano natural de 2013 do extremo Cristiano contra 19 do extremo Ribéry.

Ibrahimovic afinal não é Deus: Cristiano Ronaldo sim, é «como Dios» - passe a blasfémia da Marca. O madridista Tomás Roncero, do As, chama ao Comandante Ronaldo: «Deus do futebol», «melhor jogador do mundo», «number one», «o que está reescrevendo a história», «capitão-general de todos os exércitos» da história do futebol... No Brasil, o Globo reconhece que, depois da exibição «divina» de Ronaldo, «'Deus' é português».

Na verdade, ao menino pobre da Madeira que veio para o Sporting, de Aurélio Pereira, aos 12 anos, onde se fez jogador, nada lhe foi dado, conquistou-o com o seu génio e muito esforço. Ontem, como outras vezes, naquela que terá sido a exibição mais importante da sua vida, carregou uma seleção mediana às costas e engrandeceu a gesta de um País atribulado por fracos dirigentes.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Revisitando a tomada do BCP pelo socratismo

A surpreeendente notícia, em 19-9-2013, no Económico, de que o grupo Babel, do conservador oriundo da extrema-direita e secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros de Cavaco Silva, Paulo Teixeira Pinto, ia editar o que veio a ser descrito pelo próprio ao Expresso, de 21-9-2013, como «tese [sic] de mestrado, com pequenas alterações que introduzi ao longo do verão, enquanto a traduzi do francês» - uma notícia que escalpelizei aqui em 23-9-2013 -, suscitou o meu interesse em revisitar a tomada do BCP pelo socratismo. Reanaliso, em seguida, esse caso sobre o qual escrevi bastante em 2007, pela sua função nuclear no processo de domínio absolutista do País pelo socratismo: o controlo da banca privada era essencial para a prostração política dos adversários e para o sucesso da estratégia putínica do então primeiro-ministro. É a partir do passado que reestruturamos o futuro.

O poste sai longo, mas não era possível fazê-lo mais curto - nem, me parece que beneficiasse, se o apresentasse às postas. Depois de uma descrição do grupo Babel, desenvolvo a análise em cinco capítulos: a Babel; a substituição de Jorge Jardim Gonçalves na presidência do BCP por Paulo Teixeira Pinto, em 2005; a destituição de Teixeira Pinto do BCP, em 2007; a instalação do socratismo no comando do BCP, em 2008; e o futuro próximo da banca privada portuguesa.


A Babel

Começo pela Babel
para perceber o contexto da edição do livro de José Sócrates, «A confiança no mundo - Sobre a tortura em democracia», Verbo, outubro de 2009 (ontem, 12-11-2013, recenseado, por novo ângulo, por João César das Neves, no DN, depois de Vasco Pulido Valente já o ter tratado, em 25-10-2013, no Público). Um livro que, segundo o Económico, de 23-10-2013, teve uma primeira impressão de 10 mil exemplares; um número que desce (?!...) para «uma tiragem inicial de seis mil livros», no DN, de 5-11-2013, mas com «três reimpressões que totalizam quatro mil exemplares»; mas que, no dia seguinte, 6-11-2013, no Diário Digital, sobe ao zénite de «18 mil exemplares»!... Um editor experimentado conta-me que, apesar do hype mediático inédito, no máximo, crê em quatro mil de vendas, num país onde as obras de políticos costumam vender cerca de quinhentos exemplares, e compara que nem o Saramago tinha primeiras impressões dessa grandeza... O empolamento habitual da edição portuguesa. A não ser que o próprio tenha comprado esses milhares para oferta, e os guarde na casa antiga da rua Braancamp, enquanto os vai despachando como presentes...

Depois de sair de presidente da Comissão Executiva do BCP, em 31-8-2007, segundo o Público, de 18-1-2008, aos 47 anos de idade, com «uma indemnização de 10 milhões de euros e com o compromisso de receber até final de vida uma pensão anual equivalente a 500 mil euros» justificada depois também pela doença,  o ativo Paulo Teixeira Pinto comprou a Guimarães Editores, em março de 2008. Atingido pela tragédia pessoal, a doença de Parkinson que revela quando saíu do banco, a morte do filho em novembro de 2008 e a separação da mulher Paula Teixeira da Cruz, Paulo não abranda. Num setor sujeito a grandes dificuldades económicas, cria o grupo editorial Babel, em novembro de 2009, o terceiro maior da atividade, após ter adquirido as editoras Ática, Verbo e Ulisseia.

Conforme refere a Visão, de 11-10-2012, essas aquisições contam com o apoio do Fundo Recuperação da ECS Capital, do seu amigo António de Sousa, ex-governador do Banco de Portugal e ex-presidente da CGD. Ainda de acordo com a mesma notícia da Visão, esse fundo de investimento da ECS Capital (ver Oje, de 17-10-2012), é uma «sociedade gestora de fundos de capital de risco e de restruturação» criada em 2006 por António de Sousa e Fernando Esmerado, é «participado pelas principais entidades bancárias nacionais e pelo Tesouro» (Direção-Geral do Tesouro e Finanças). Para ser mais preciso, de acordo com o Económico, de 17-11-2011, neste Fundo Recuperação da ECS Capital:
«Cerca de 72% do capital deste veículo financeiro pertence ao BES, BCP, BPI, Santanter, Banif e ECS, enquanto a Caixa Geral de Depósito detém 20% e o Estado português - através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças - controla os restantes 8%.»
Entretanto, em outubro de 2010, é anunciada a criação de uma divisão brasileira da Babel, e, em fevereiro de 2011, sai a ECS Capital e entra a Ongoing que fica com 66% do grupo, a qual já teria entrado no capital do grupo pelo menos em dezembro de 2010, segundo o Jornal de Negócios, de 15-2-2011. Porém, a parceria corre mal e pouco dura. Segundo a revista Visão, já citada, Paulo Teixeira Pinto retira-se para a sua «moradia-refúgio», por entre «rumores de dívidas galopantes do grupo», resultante da edição exagerada de títulos e da estrutura sobredimensionada. A disputa interna é resolvida salomonicamente, conforme a notícia da Visão, de 11-10-2012: Paulo Teixeira Pinto fica com o grupo em Portugal e a Ongoing recebe a divisão brasileira.

Após a «megalomania penalizada», como lhe chama Plácido Júnior nessa Visão, da fábrica à boutique, bem longe da expetativa do «império editorial» que sonhava em maio de 2008, Teixeira Pinto prometia recuperar o seu grupo editorial, desde logo apaziguando o aborrecimento da estrela principal do seu catálogo, a escritora Agustina Bessa Luís. Nesse sentido, o livro de Sócrates de outubro de 2013, e a aliança que reitera, constitui um balão de notoriedade e uma esperança. Contudo, a impressão que deixa é de que Paulo Teixeira Pinto, atendendo à imagem que cuidava, longe da atual tortura, e aos magros lucros de um livro de poucos milhares de exemplares, editou o livro de Sócrates, por que a isso foi obrigado.


A substituição de Jardim Gonçalves na presidência do BCP por Paulo Teixeira Pinto 
«Vamos construir uma cidade e uma torre cuja extremidade atinja os céus. Assim tornar-nos-emos famosos» (Genesis, 11: 4).
Paulo Teixeira Pinto tinha sido na sombra, e discretamente, no XII Governo Constitucional, de Cavaco Silva, quem tinha tratado do dossiê das privatizações, onde terá conhecido Proença de Carvalho. Após a derrota do PSD, de Fernando Nogueira, no rescaldo do tabu de Cavaco Silva sobre a eleição presidencial de janeiro de 1996, que acabou também por perder, Paulo Teixeira Pinto ingressa no BCP. Meticuloso e aplicado, ascende a secretário-geral da instituição, um cargo de enorme importância interna, e que lhe dava assento nas reuniões do conselho de administração.

A previsão dos analistas era de que o BCP iria do Jardim para o Pinhal, isto é, de Jorge Jardim Gonçalves para Filipe Pinhal, o número dois do banco como sucessor natural do fundador, quando, este decidisse afastar-se, apesar dos estatutos do Grupo Millenium BCP não preverem um limite de idade. Não obstante, Jorge Jardim Gonçalves decidiu deixar a gestão do grupo bancário - a sua Comissão Executiva -, ainda que tenha guardado a posição de presidente do Conselho Superior e de Presidente do Conselho Geral e de Supervisão, numa transição cautelosa, à chinesa. Indicou, ele próprio, para presidente da Comissão Executiva, para o triénio 2005-2007, o nome do secretário-geral do grupo, Paulo Teixeira Pinto, de 44 anos, «uma solução da casa», e que tal, como Jardim pertencia ao Opus Dei.

Após ser conhecida a sua nomeação, segundo o CM, de 26-1-2005,  Paulo Teixeira Pinto declara: «Sou um institucionalista». Mas adianta-se logo em avisar que “no curto, médio prazo quero consolidar o projecto de um banco verdadeiramente multidoméstico com presenças em Portugal, Polónia e Grécia».

Do institucionalismo ao personalismo foi um pequeno passo. Teixeira Pinto escondia, afinal, uma ambição tremenda e uma vontade irresistível de se libertar da tutela do fundador. Ao invés do conselho interno, apoiou essa ambição em juízos externos dos seus amigos: desde António MexiaAntónio de Sousa, ao maçon Nuno Vasconcelos e ao «agente operativo» Rafael Mora, ambos da Ongoing - eventualmente, e de modo discreto, até de José Sócrates que hoje se percebe ser seu amigo.

António Mexia, que tinha ocupado a esquecida função na sua casa-mãe, de administrador do Banco Espírito Santo de Investimento entre 1992 e 1998, foi indicado por «escolha do Governo» Sócrates para presidente da EDP em janeiro de 2006 (aliás, na mesma altura em que o BES adquiriu uma posição no capital da elétrica que era nacional) e integrou o Conselho Superior do BCP desde abril de 2006. Mexia retribuíu em fevereiro de 2012, quando Teixeira Pinto passou a pertencer ao Conselho Geral e de Supervisão da EDP, constituído por 23 elementos.

A Ongoing é uma operação pessoal de Ricardo Espírito Santo Salgado, um veículo de manobra política para operações especiais, que não sabemos como ficará depois que José Maria Espírito Santo Ricciardi suceder ao seu primo em 2014, no tradicional Grupo Espírito Santo que não gosta dessas aventuras e precisa muito, agora, de descrição nas suas ligações políticas, afetadas também pela intimidade com José Sócrates. A Ongoing conta, todavia, com o apoio do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho (como se percebe do sociograma, da contagem de espingardas, feito pelo Negócios, de 8-11-2013), apesar do afastamento de Miguel Relvas, e portanto, poderá sobreviver, nomeadamente na nova CorpCo (resultante da fusão PT/Oi). Relativamente à relação com Paulo Teixeira Pinto, a Visão, de 11-10-2001, aclara que «Vasconcellos e, principalmente, Mora assessoraram-no na frustrada OPA do BCP sobre o BPI, no meio de uma guerra fratricida no interior do banco».

Empenhado em refundar o BCP, com o propósito de fazer mais em três anos do que o fundador Jardim Gonçalves em vinte, Teixeira Pinto arrojou o grupo financeiro de um pequeno país europeu, num acelerado e desastroso processo expansionista no estrangeiro, ao mesmo tempo que lançava uma controversa OPA (Operação Pública de Aquisição) hostil sobre o BPI, em 13-3-2006, numa estratégia «Rottweiller», que falhou.


A destituição de Teixeira Pinto do BCP

Inevitável, no recontro da ousadia com a prudência, a rutura aconteceu.  A guerra no BCP estalou. E o mais fraco perdeu.

Em 9 de julho de 2007, um «grupo de accionistas apoiante de Teixeira Pinto propõe a destituição dos administradores que estão com Jardim: Filipe Pinhal, Christopher de Beck, António Rodrigues, Alípio Dias e Alexandre Bastos Gomes». Teixeira Pinto moveu-se e Jardim respondeu. Após um período de indecisão, em 31 de agosto de 2007, Paulo Teixeira Pinto cede o lugar de presidente do banco a Filipe Pinhal, braço direito de Jardim. Implacável, o mercado fazia também a sua avaliação: no dia em que foi conhecida a saída (31-8-2007), as ações do BCP terminaram o dia a subir 3,94%.

O retorno do grupo de Jardim Gonçalves ao controlo do banco foi temporário. Em breve, viria a cavalaria socratina apossar-se do pasto financeiro.

A minha convição, baseada nos factos, na natureza das pessoas, no comportamento dos grupos e nos nexos que, como exponho, os unem, é de que a gestão de Paulo Teixeira Pinto no BCP foi instrumentalizada pelo socratismo desde cedo. Numa hipótese verosímil: desde logo quando lançou o seu plano megalómano e antes de se abrir, por vontade sua, a brecha no BCP. Como abutres, no lugar de corvos, as aves de arribação sistémica que o rodearam, aproveitaram-se do seu desejo ingénuo de imortalização - qualquer que tenha sido a data em que soube da sua doença progressiva, previamente à negociação da saída, em 2007 (quando a revelou) -, para o cercarem de estímulos, atirando-o para um destino trágico, e colherem depois politicamente, junto do Governo, o espólio do seu drama. Depois, tratou-se de negociar a sua saída com um plano generoso e de confortar a sua amargura, para ainda aproveitarem, judicial e administrativamente, a raiva da sua destituição.

O socratismo, através das suas antenas, soube que a tomada do banco era possível e executou friamente um plano quase perfeito: foi surpreendido em 2008 pela crise do subprime, e depois pelo caso Face Oculta, e teve de abdicar do controlo do banco. Não acredito que o tenha feito para tornar o BCP dócil à compra de dívida pública portuguesa a que estava renitente: o socratismo nunca teve sentido de Estado. Fê-lo por causa do seu absolutismo putínico material.


A instalação do socratismo no comando do BCP

A vingança não demorou.

A erosão provocada pelo fluxo de informações internas teve um impacto forte na nova administração. Na barragem mediática destacou-se Joe Berardo, que funcionou como uma espécie de bobo da nova corte. Contou com a abertura das antenas dos média de confiança, especialmente das televisões. As munições atiradas a Jardim Gonçalves incluíam variadas linhas de ataque, desde os salários e prémios dos órgãos de gestão até a um empréstimo contraído junto do BCP, por empresas de seu filho Filipe Gonçalves, no valor de 12 milhões de euros que os administradores Filipe Pinhal e Alípio Dias tinham considerado incobrável, e que o pai alegou desconhecer, e que, depois do caso ser público, acabou por pagar. Jardim Gonçalves e o seu grupo foram derrotados na batalha mediática. Ainda que o seu caso não se compare e até possa terminar absolvido dos crimes das ilegalidades e irregularidades de que foi acusado, Jardim Gonçalves passou a ser comparado a Oliveira e Costa e João Rendeiro.

Em pouco tempo, a luta passou dos écrans para o plano judicial, para o plano administrativo e para o plano político. O judicial e o administrativo são usados pelo poder socratino para atingir o objetivo político de controlar o BCP.

No plano judicial, as denúncias provindas dos perdedores levaram à instauração de inquérito contra Jardim Gonçalves e outros quatro colegas de administração, e mais tarde, em junho de 2009, à acusação de «manipulação de mercado, falsificação da contabilidade e burla qualificada» por parte do Ministério Público. Em 27-7-2010, após a fase da instrução, o processo seguiu para julgamento,  por «falsificação de documentos e manipulação de mercado» (caíu a acusação de que a alegada manipulação de mercado tinha acontecido para aumentar os prémios dos administradores e o administrador António Castro Henriques não foi pronunciado). No julgamento que está a decorrer, debate-se a acusação do Ministério Público de que os cinco arguidos, «através de uma empresa do banco, usaram 17 offshores das ilhas Caimão para comprar e vender acções do BCP, procurando assim, e de forma dissimulada, condicionar as cotações dos títulos», mediante «testas de ferro», tendo essas operações alegadamente provocado «um prejuízo de 600 milhões de euros ao BCP, que foi escondido aos outros responsáveis do banco e às entidades reguladoras». A defesa, segundo a SIC, em 10-9-2013, de Jardim Gonçalves contesta a acusação, dizendo que não houve manipulação de mercado, nem prejuízo se a operação durasse até 2007, nem informação falsa ao mercado e à regulação. Paulo Teixeira Pinto foi arrolado como testemunha de acusação contra o grupo de administradores ligados a Jardim Gonçalves; e, em 18-1-2013, segundo a juíza do tribunal de primeira instância, que apreciou o recurso das contra-ordenações instauradas pela CMVM, «quando o arguido assumiu a presidência do banco tinha um elevado conhecimento do universo BCP e, no entanto, assumiu uma postura de desconhecimento».

O plano administrativo divide-se em dois níveis interpolados: a CMVM e o Banco de Portugal.

CMVM, liderada por Carlos Tavares, impôs, em 2008 (Processo de Contra-Ordenação n.º 42/2008) sanções pesadas, além de coimas significativas, a Jardim Gonçalves (cinco anos de inibição de desempenho de funções na atividade financeira) e a outros administradores do BCP, um veredicto que, em 18-1-2013, o tribunal de 1.ª instância terá confirmado, mas cujo recurso seguiu para a Relação.

O Banco de Portugal foi ainda mais longe e, em 13 de maio de 2010, por prestação de informação falsa ao mercado e à regulação, condenou seis administradores do BCP a inibição de desempenho de cargos na atividade financeira por um período entre nove e cinco anos, além de coimas elevadas. A Jardim Gonçalves foi imposta a sanção mais longa, nove anos, e como o recurso desta sanção para os tribunais não tem efeito suspensivo até trânsito em julgado nos tribunais superiores, ele corresponde, na prática, num homem de 75 anos, a uma espécie de sentença perpétua. O que não deve ter sido ignorado quando a sentença de nove anos foi decidida pela administração de Vítor Constâncio, na qual este confiava, em 18-1-2008, na «tecnoestrutura» do BCP independentemente da administração - viu-se... De acordo com o Público, de 8-10-2011, o tribunal de primeira instância anulou essas contra-ordenações porque se apoiavam em provas, apresentadas por Joe Berardo, que violavam o segredo bancário.  Este era um caso que o Banco de Portugal dizia, em janeiro de 2008, acompanhar desde 2001... Note-se ainda que a condenação do Banco de Portugal, de Vítor Constâncio, foi deliberada cerca de três semanas antes de, em 7 de junho de 2010, Carlos Costa o substituir como Governador.

No plano político assistiu-se ao assalto ao castelo do BCP pelas forças socratinas e maçónicas. O banco controlado por supranumerários conservadores do Opus Dei passou para os veneráveis socialistas da Maçonaria. De que modo?

A Caixa Geral de Depósitos, presidida por Carlos Santos Ferreira e de que era vice-presidente Armando Varaentre janeiro e junho de 2007, emprestou dinheiro a Joe Berardo e outros 21 grandes investidores para a aquisição de ações do BCP, . que, assim, adquiriram posições de relevo no capital social, tendo recebido como garantia desse crédito... as próprias ações do BCP (que, entretanto, se desvalorizaram fortemente...). Em 10 de janeiro de 2008, seis meses depois, consolidadas as posições financeiras e endossado o conforto político do Governo Sócrates, os socialistas Carlos Santos Ferreira e Armando Vara trocam os seus lugares na Caixa por idênticos lugares no BCP, com o apoio daqueles a quem a CGD tinha emprestado dinheiro pedido precisamente para aquele fim!... Cadilhe tentou impedir o take-over socratino, mas não conseguiu. Conforme escrevi, neste blogue, em 5-1-2008, com base em notícia do Público, de 4-1-2008 (linque inoperacional):
«"Entre Janeiro e Junho de 2007, o banco do Estado [CGD] financiou em mais de 500 milhões de euros a compra de acções do BCP" por accionistas do BCP ("22 accionistas", entre os quais, Joe Berardo, Moniz da Maia, Goes Ferreira e Teixeira Duarte) que apoiam a lista socratina de Santos Ferreira e Armando Vara candidata ao banco privado. Uma candidatura de clique socratina que o (in)suspeito Ricardo Eu-Sou-Controlado Costa [no Económico, em 4-1-2008] descreve como um resultado do "acordo tácito com o Ministério das Finanças e o gabinete do primeiro-ministro"...»

Pressionado externa e internamente, em 31 de dezembro de 2007, Jardim Gonçalves deixou os cargos que ainda detinha no BCP. O inquérito parlamentar de 2008, apenas tinha como objetivo consolidar mediatica e politicamente a manobra e justificar a intervenção direta do poder socratino.

O presidente Cavaco Silva a tudo assistiu e consentiu, sem intervir, como nos vários assuntos que o socratismo considerava nucleares.

Aquando da transmissão interna de poder do Estado de Sócrates para Passos Coelho, Carlos Santos Ferreira, de 64 anos, que não estancou a sangria do banco, acabou por ser reciclado, após justificação de problemas de saúde, na trituradora sistémica, que o tinha posto a gerir a fazenda. Também saíu com uma «indemnização milionária», do mesmo tipo que o seu grupo censurou ao núcleo de Jardim Gonçalves, tal como Armando Vara.  Passou de banqueiro a advogado. Em seu lugar, em janeiro de 2012, puseram Nuno Amado, para o mesmo resultado financeiro degradante.


O futuro próximo da banca privada portuguesa

O BCP empenhado ao Estado/troika em 3,5 mil milhões de euros sem condições de o pagar, com 1,2 mil milhões de euros de resultados negativos no ano de 2012, acabará engolido pelo grupo Espírito Santo, o seu destino fatídico político. Um passo adiante, seguido de outro atrás, pois o próprio BES, estrangulado na operação angolana da ESCOM, não estará em muito melhor condição e esse balão de oxigénio patrocinado, então, pelo Estado, não lhe garantirá a subsistência independente. Vale ainda que o BPI, de Fernando Ulrich (enquanto não for escolhido um líder mais acomodado ao sistema...), apertado pela posição dos acionistas, vai resistindo ao canto da sereia maçónica lisboeta, mesmo se as condições de mercado também lhe são adversas.

Todavia, todas estas vias, o sistema financeiro português, hoje controlado pela tutela angolana, foi atolado pela ambição política putínica, pela ambição amoral e pelo holismo maçónico, todas de caráter sistémico. O problema do povo é que a banca privada, se não deve merecer tratamento especial do Estado - como eu creio que não deve -, é, contudo, indispensável à viabilidade da economia e ao bem estar das famílias. O fecho do crédito, que se verifica, esgana as empresas e os particulares. E a recuperação do imobiliário ainda demorará mais tempo do que o disponível.

Devia o povo ter recebido outra coisa? Mas o que votámos (à parte as exceções...), votámos porque queríamos: subsídios, salários, pensões, estradas mais rápidas, escolas de luxo. Troca por troca. Corrupção por abuso. Socialismo. Nos seus diversos - e mesmíssimos... -, tons. Sócrates, Passos Coelho e outros, são o despertar dos nossos sonhos tornados pesadelos infames. É tempo ainda de recuperação moral? É sempre.


Atualização: este poste foi emendado às 14:17 de 13-11-2013; e atualizado às 16:52 de 13-10-2013.


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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O branqueamento do passado de Mário Soares




Mário Soares fez ontem, 7-11-2013, segundo a agência Lusa, usada pelo Público, no final de uma sessão de homenagem a Francisco Salgado Zenha, que decorreu na sua fundação, gravíssimas imputações de roubo («rouba»), de «ladrões», de «bando», de «caso de polícia», aos membros do Governo e ao atual Presidente da República Cavaco Silva e que, no seu tempo, «dos socialistas, felizmente, não há um único de quem se diga que tocou em dinheiros públicos». Abaixo, pro memoria, republico a reportagem da Lusa. Passos Coelho não lhe tem respondido porque também parece estar comprometido, com encontros e confidências semelhantes àqueles que Álvaro Santos Pereira teve com Soares (e que este denunciou numa crónica no DN, em 30-7-2013), e teme a sua represália, mas nem todos têm a mesma debilidade.

Mário Soares não está a sujar o que, aliás, já é sujo. Com estes ataques premeditados, preocupado com a memória que deixa, Soares está a limpar-se a si mesmo e a desratizar a sua história. Uma história roxa, nas mágoas que provocou e, na qual, a sua posição perante o abuso sexual de crianças da Casa Pia tem ainda maior gravidade.

Na verdade, verdadinha, dos toques, e retoques, falam os factos relatados por Rui Mateus em «Contos proibidos - Memórias de um PS desconhecido», Lisboa, Dom Quixote, 1996. Se o autor desapareceu do mapa público e se refugiou algures, segundo consta, numa universidade norte-americana, o livro aí está para conferir o discurso atual com as histórias antigas do próprio Mário Soares, na qual também abunda a Emaudio e outros negócios de Macau. Financiamento partidário e negócios de Estado.

Os sinais exteriores de riqueza pós-25 de Abril de 1974 têm de ser comparados com a penúria pré-revolucionária. Um escrutínio que falta fazer, no qual se demonstre a transição dos tempos em que se vivia de empréstimos pessoais de banqueiros até ao fausto súbito pós-revolucionário.

O silêncio politicamente correto sobre Mário Soares que foi decretado em Portugal, foi episodicamente quebrado por Rui Mateus, pelos velhos novelos d' «O Independente» do outro Paulo Portas. Um mutismo que nem é furado pela biografia escrita por Joaquim Vieira, a qual fica longe da filtragem seletiva do seu arquétipo Mittérrand (à moda de Churchill no discurso na House of Commons, em 23-1-1948: «For my part, I consider that it will be found much better by all Parties to leave the past to history, especially as I propose to write that history») a Eric Conan e Henry Rousso, Vichy - Un passé qui ne passe pas, em 1994, ou o registo de Pierre Péan em «Une jeunesse française – François Mitterrand, 1934-1947, Paris, Fayard, do mesmo ano.

Todavia, a mudez, a surdez e a cegueira, nacional, por cumplicidade da esquerda e promiscuidade da direita, não são mantidas lá fora, como se documenta no poste «O financiamento da CIA ao PS: documento inédito», de 18-5-2013, de Joaquim Marques de Sá, no blogue Revolução e Democracia. O poste refere a reportagem de 13 de maio de 2013, o canal de televisão holandês Nederland 2, intitulada «Dinheiro Secreto Americano para os Socialistas em Portugal» (Geheim Amerikaans geld naar socialisten Portugal) para a série de programas históricos «Outros Tempos» (já não funciona o linque http://www.nederland2.nl/programmas/642-andere-tijden/uitzending/44643). O programa, que não vi que tenha merecido interesse das televisões e imprensa nacionais, aclara a via do financiamento partidário do PS português após o 25 de abril de 1974. Financiamento partidário que é uma atividade sombria sempre sujeita, como na Itália, ao risco das tangenti de quem parte e reparte, em tempos em que não os partidos não tinham contabilidade à moda do PP espanhol.

Dos totomilhões da tômbola política, nos idos de 1974-75, se há-de conhecer um dia, já fora do opressivo sistema abrigado na proteção última do  Grande Oriente Lusitano, comparando o património antes e depois - e despistando justificações patéticas de rendimentos fabulosos provenientes de instituição, cujas contas anuais podem ser verificadas. Não há, neste caso, um «teflon effect», mas a vista grossa dos média míopes que se abstém do escrutínio e até da crítica.

Como se sintetiza no poste de Marques de Sá, a reportagem da estação de televisão holandesa de maio de 2013 desenha o tráfego do dinheiro para o PS português, com origem na CIA, via Friedrich Ebert Stiftung (ligada ao SPD alemão), via Harry van den Bergh do PvdA (Partido Trabalhista) holandês. Van den Bergh levantava as notas da conta na Nederlandsche Middenstandsbank em Amsterdão e as trazia para Lisboa, onde era «esperado no aeroporto por "amigos" e posto no Hotel Ritz», num total de «seis a sete vezes», e que nas duas últimas vezes beneficiou de imunidade diplomática concedida pelo ministro holandês dos negócios estrangeiros (Max van der Stoel) que também era do seu partido. Marques de Sá calcula que isto se tenha passado cerca de «março de 1975». Van den Bergh atuava a pedido do SPD, conforme relata Hans-Eberhard Dingels, secretário de estado do governo SPD da Alemanha Federal do governo liderado por Willy Brandt que queria «ajudar os nossos camaradas». Dingels evita dizer o montante porque «o silêncio é de ouro»... Dingels recusa-se a dizer o total de dinheiro enviado. Van den Bergh estima o total em mais de 800 mil euros. Mas Dingels conta que além dos alemães, também existiram outras fontes de financiamento para o PS português: «os ingleses… os suecos…, num total de 7 ou 8 pessoas ["correios"]».

Arthur Hartman, secretário assistente de Estado dos EUA para a Europa e Canadá, durante a administração de Gerald Ford, explica na reportagem da televisão holandesa, segundo Marques de Sá, que «o Grupo de Berlim (Alemanha, Inglaterra, França, EUA), analisando o que se passava em Portugal, concluiu que tinha de pôr Mário Soares no poder», e usaram «o "canal alemão" para fornecer "fundos e equipamento" a "Mário Soares e ao Partido Socialista"». Então, «os EUA limitaram-se a fornecer o dinheiro através dessa fundação» e Hartman «está bem convencido de que foi dinheiro da CIA que foi enviado através deles [Fundação Friedrich Ebert]». Hartman acautela que «na época provavelmente muito poucas» pessoas sabiam do financiamento da CIA ao PS, mas perguntado sobre se Soares sabia dessa origem, disse: «Estou seguro que sim». Mário Soares também é entrevistado nessa reportagem e terá respondido à pergunta sobre se sabia de que esse dinheiro recebido pelo PS provinha da CIA: «Como podia eu saber? Eu não sou polícia, monsieur. Não sei.».

Soares desculpou-se com o «não sou polícia». Não era polícia: não via, não ouvia, não lia. Tampouco é agora - [não sou] «da polícia», ter-se-á justificado para não apresentar provas do que indicava, em 7-11-2013, nas imputações aos governantes atuais de «roubo», «ladrões», de «bando» e o diabo a sete, que fez na homenagem a Francisco Salgado Zenha, com quem se terá inimizado por causa, possivelmente, da repulsa deste a estes fenómenos internos do financiamento partidário e da heterodoxia nos negócios de Estado.

Contudo, o problema do financiamento partidário não está na sua origem da CIA, o veículo norte-americano para impedir a transferência do Portugal metropolitano para a órbita comunista soviética (no qual funcionava também o financiamento do KGB ao PC e às suas antenas...), mas no circuito sinuoso do dinheiro sujeito ao risco de desvio para as tangenti.

O financiamento partidário e negócios de Estado do soarismo não podem ser branqueados com a soda cáustica de ataques ao poder atual. Uma mão suja não lava a outra conspurcada; e muito menos as duas lavam uma cara manchada.



«Soares diz que Cavaco pertence "ao bando" do Governo
LUSA - 7/11/2013 - 21:09
Antigo presidente diz que no tempo em que era primeiro-ministro no seu partido ninguém "tocava em dinheiros públicos".

O ex-presidente da República Mário Soares comparou nesta quinta-feira a actual classe política com os políticos do tempo em que era primeiro-ministro, considerando que naquela altura nenhum membro do seu partido "tocava em dinheiros públicos".
Ao comparar os contributos para um Portugal democrático e justo, antes e depois do 25 de Abril, por parte de um dos fundadores do PS, Salgado Zenha, o antigo líder socialista e também ex-primeiro-ministro assegurou que nenhum membro do seu partido "tocava em dinheiros públicos", após uma homenagem àquele amigo e advogado, na Fundação Mário Soares.
"Acho que não. Em primeiro lugar, ninguém tocava nos dinheiros públicos. Nunca tocou. Dos socialistas, felizmente, não há um único de quem se diga que tocou em dinheiros públicos", defendeu, quando questionado sobre a existência de paralelo com a actual classe dirigente.
Instado a concretizar as suspeitas, Soares afirmou não ser "da polícia". "Quem rouba é sempre um caso de polícia.
Muitas vezes, sabemos, há ladrões, mas não vão à polícia, nem são julgados, mas isso é a situação. A polícia está zangada, os militares estão zangados - desde os generais até cá a baixo -, a Igreja está zangada. Quem é que não está zangado com este Governo?", inquiriu.
 Perante a sugestão de que o Presidente da República seria uma das pessoas que não está em desacordo com o executivo da coligação PSD/CDS-PP, o fundador do PS sugeriu haver uma acção concertada.
 Mário Soares afirmou que o actual Chefe de Estado "pertence ao bando" do Governo, liderado pelo social-democrata Passos Coelho, voltando a sugerir tratar-se de um "caso de polícia".
 "Esse (Cavaco Silva) não está (em desacordo com o governo) porque pertence. Pertence ao bando, infelizmente", atirou. Também presente na sessão evocativa de Salgado Zenha, outro antigo líder socialista e ex-presidente da República, Jorge Sampaio, furtou-se a comentar matérias da actualidade política, mas deixou a sua opinião sobre a questão no ar.
"Isso é muito difícil de responder, mas imaginem qual é a resposta", afirmou Sampaio.»


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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Passos Coelho quer ser comissário europeu?

José Sócrates tornou pública a sua pré-candidatura a deputado europeu. Deu a notícia como costuma, por interposto amigo ou avençado. Desta vez, em 3-11-2013, por intermédio do seu amigo Ascenso Queres-Que-Assine-Por-Ti-A-Folha-De-Presenças Simões no seu obscuro blogue, com ampliação rápida filtrada para a imprensa (quem seria o jornalista que teria, de modo diferente dos paparazzi alertados pelos próprios artistas, a paciência de visitar diriamente o blogue do sítio do ex-secretário de Estado?...). De dono da terra à esmola segura (?) de um lugar exegível de deputado europeu... Onde isto vai!... O seu bando por um lugar de imunidade - já que não consegue ser presidente, nem comissário, nem curador... E o espectável tacho de docente convidado no ISCTE - tendo em conta a sua reflexão sobre o deontologismo, no seu livro de memórias, será que vai ministrar a cadeira de Ética e Deontologia, da licenciatura em Contabilidade, ou a unidade curricular de Ética e Desenvolvimento Profissional, do mestrado em Psicologia Social da Saúde (uma variante da pós-graduação em Engenharia Sanitária?) ou, quiçá, tendo como experiência o seu auto-exílio, algum módulo torturante no curso de Migrações Forçados, Refugiados e Direitos Humanos?

Ao lado, Pedro Passos Coelho terá posto a circular na imprensa, em 4-11-2013, a sua preferência por Miguel Poiares Maduro para ocupar o lugar de comissário europeu. A Comissão Europeia atual termina o mandato em 31-10-2014. O gato está escondido com o rabo do coelho de fora...

Portugal terá direito a um lugar de comissário (ou, improvavelmente, de Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comuns) - desde que Durão Barroso não consiga ser indicado, no congresso de Dublin, de 7-8 de março de 2013, do Partido Popular Europeu (PPE), como candidato do PPE a um terceiro mandato consecutivo como presidente da Comissão Europeia, pois nesse caso este ocuparia a quota nacional. Os comissários serão indicados pelos países após as eleições europeias do final de maio de 2014.

Será que Passos Coelho projeta a mesma estratégia de Durão Barroso, em 2004? Recordo que Durão Barroso apresentou a sua demissão do XV Governo Constitucional em 5 de julho de 2012, foi substituído como primeiro-ministro em 17 desse mês por Pedro Santana Lopes, mas só veio a tomar posse como presidente da Comissão Europeia em 23 de novembro de 2004, quatro meses depois.

Se Passos Coelho quiser ser comissário europeu (e garantir assim um quinquénio de imunidade e proetção política) terá desde logo, depois de negociar com Paulo Portas, de conseguir que o Presidente da República Cavaco Silva, como Jorge Sampaio em 2004, aceite a solução da substituição interna na maioria PSD-CDS, que aguente o ónus de um governo de transição até ao termo do mandato do Governo. Como se sabe, para proteger o Partido Socialista afetado pelo terramoto de abuso sexual de crianças da Casa Pia, que aconteceu em maio de 2003 e teve réplicas nos meses subsequentes, o Presidente Jorge Sampaio até aceitou que a substituição de Barroso por Santana fosse feita sem que o PSD realizasse um congresso eletivo... Provalmente, a passagem de Durão Barroso de São Bento para o Berlaymont, já tinha sido negociada há muito tempo com Sampaio, que em contrapartida tutelava, à francesa, o Governo deste.

Todavia, é possível que aconteça agora com Cavaco, não o que Sampaio admitiu em 2004, mas o que Eanes negou em 1983: a substituição de Francisco Pinto Balsemão por Vítor Crespo. Não é esperável que Cavaco nomeie um novo-primeiro ministro, sem que o PSD o escolha em congresso extraordinário.

Todavia, vamos supor que no Conselho Europeu em que se discute a lista de comissários, Passos Coelho indica o seu próprio nome para o lugar de comissário português.

A lista de comissários é aprovada, por maioria qualificada, pelo Conselho Europeu e depois pelos Parlamento Europeu, também por maioria qualificada. A escolha pelo Conselho Europeu, onde se sentam os primeiros-ministros da União Europeia, de um comissário nacional de setor diferente do Governo desse país seria inviável; a aprovação pelo Parlamento Europeu, por maioria qualificada, da lista de comissários pressupõe o acordo da força política da oposição, neste caso dos socialistas, e também parece improvável que o comissário nacional provenha de setor diferente do governo em funções na altura em que a lista for discutida. Tudo isto concorre para um resultado em que Passos Coelho, se quiser ser comissário europeu, tem de conseguir a adesão de Paulo Portas, assegurar que Cavaco Silva não dissolva o Parlamento, quando ele se demitir, e deixar uma solução de governo que lhe garanta, pelo menos, o tempo indispensável à sua tomada de posse como comissário (três meses?).

São muitas condições e muito difíceis. Se Passos cair, Portas precisa de recuperar o espaço eleitoral do PP, o que não é compatível com um governo temporário. Cavaco quer apenas terminar o mandato sem perder muito mais popularidade, um desejo que é incompatível com a nomeação de um primeiro-ministro sem novas eleições, além de estar amarrado à sua Comunicação ao País, de 10-7-2013, na qual acenou com eleições antecipadas, se fosse estabelecido entre PSD-CDS e PS um «compromisso de salvação nacional» - «A abertura do processo conducente à realização de eleições deve coincidir com o final do Programa de Assistência Financeira, em junho do próximo ano» -, e que criou no povo essa expetativa. E o próximo líder do PSD estará pouco interessado em suceder a Passos Coelho num Governo transitório, de poucos meses, sem eleições legislativas antecipadas, além de lhe custar defender a escolha impopular do comissário Passos nesse sufrágio. Tudo considerado, Passos pode tentar a manobra, como está a fazer, mas é inverosímil que tenha êxito.


* Imagem picada daqui.