Na volta de Roma, escrevi, em 26-2-2013, preocupado, um poste sobre a eleição do novo Papa, na qual pedi um «Santo Padre (...) independentemente do estilo, da pele, da idade e da origem». Creio que o Espírito Santo iluminou os cardeais do Conclave e que a Igreja Universal o obteve na pessoa de Jorge Mario Bergoglio, em 13 de março de 2013.
Apesar de não ser um dos favoritos dos totoconclaves, e das previsões dos vaticanistas residentes e ocasionais, o cardeal Bergoglio foi o segundo candidato mais votado na eleição de 2005: Bergoglio teria até chegado a 40 votos entre 115 e, de acordo com relatos fiáveis, só o seu pedido, «quase em lágrimas», aos seus apoiantes para que desistissem de votar nele, levou a uma eleição mais rápida do Cardeal Ratzinger, o já saudoso Papa Bento XVI. Porém, com 76 anos, jesuíta, descrito como «inimigo da estridência e da ostentação», visto como conservador pela imprensa - e note-se que, para a imprensa relativista dominante conservador é todo aquele padre ou cristão que não aprove a união homossexual, o divórcio, o aborto e a eutanásia - já sem falar na agenda mais modesta do casamento dos sacerdotes e da ordenação de mulheres -, o cardeal arcebispo argentino, descendente de piemonteses, não estava sequer no lote de papabili. Mas se o homem põe, Deus dispõe e quis que o colégio de cardeais fosse buscar o novo Papa ao «fim do mundo», como reconheceu aquele que era até ali o arcebispo de Buenos Aires, na sua apresentação ao povo, na janela da Basílica de São Pedro. Muito humilde, o primeiro Papa jesuíta, revela que escolheu Francisco, em nome do de Assis, pela pobreza e pela paz, um nome também certamente abençoado pelo seu confrade Xavier, e previne a Igreja para a necessidade da orientação para a pobreza. Os supersticiosos vaticinarão problemas com a data, mas o 13 é para os católicos a data das aparições Nossa Senhora em Fátima aos pastorinhos; e o Padre Bergoglio, como gosta de ser tratado, nascido em 17-12-1936, foi ordenado presbítero também num dia 13.
Então, creio que temos um um Papa santo, simples e austero, informal, mas firme, escolhido para responder, na radicalidade cristã, ao desafio da agitação e da mudança do mundo de hoje, salientado pelo Papa Bento XVI na sua declaração de renúncia, de 11-2-2013.
Todavia, o relativismo ateísta não abranda a luta pela supremacia das mentes e os órgãos adversários, como o institucional NY Times - e com particular contundência os meios socialistas espanhóis, como El País, e Público -, começaram logo os ataques ao Papa Francisco, usando como pretexto a sua falta de poder (temporal...) para proteger os oposicionistas argentinos à ditadura militar. As imputações de silêncio e de cumplicidade têm como objetivo condicionar e tolher a ação e a palavra do Sumo Pontífice e da Igreja no anúncio do Evangelho. Nesse combate - uma espécie de tentativa de desforra comunista na sua nova aliança com o socialismo politicamente correto - a Igreja é sancionada por ser considerada a culpada da derrota marxista na América Latina, mais do que as ditaduras militares da América do Sul e Central. Ora, foi o comunismo, no seu delírio totalitário de ditadura de um proletariado de outra natureza, quem guerreou a Igreja e a sua doutrina de comunhão social; e quando, depois dos fracassos da Bolívia (onde o campesinato não se sublevou em massa com Che Guevara por causa desse desprezo pela religião), e aproveitando o notável exemplo de Camilo Torres, o marxismo tenta uma sincretização com a Igreja, através da teologia da libertação, era demasiado tarde porque as condições económicas e sociais tinham mudado e porque para os guerrilheiros urbanos da América Latina a religião era vista, para lá dos discursos táticos, como o «ópio dos povos». O marxismo queria o apoio temporal de uma organização espiritual que combatia! Crentes de que não perderam pela «espada», mas pelo crucifixo, os guerrilheiros revolucionários comunistas, reciclados no socialismo possível e no anticlericalismo ressentido, fizeram do ajuste de contas com a Igreja um móbil de aliança com o poder socialista, o qual também lhes agrada pelo seu autoritarismo.
No dia seguinte à eleição do Papa Francisco, 14-3-2013, a Democracy Now entrevistou Horacio Verbitsky, jornalista, ex-montonero, aliado dos Kirchner, que há muito persegue com insinuações - e não factos! - o arcebispo Bergoglio e a Igreja argentina (nomeadamente com os livros «El silencio» e «Doble Juego»). Verbitsky tomou como facto uma alegada admissão, segundo um relatório de um oficial militar, pelo Padre Bergoglio do carácter subversivo dos padres dissidentes Orlando Yorio e Jálics Ferenz (que se se recusaram a obedecer ao Superior da Companhia de Jesus, o padre Bergoglio) que transforma em denúncia, queixa-se de que a dissidência destes dois padres os levou à desproteção da Igreja, o que teria permitido a sua prisão e tortura (!...), procura ainda justificar a sua tese com a própria reconciliação do padre Jálics e inclusivamente insinua uma alegada participação do Padre Bergoglio no interrogatório militar do padre Yorio!... O padre Jálics esclareceu em 20-3-2013, que «Orlando Yorio e eu não fomos denunciados por Bergoglio», na altura, jovem Superior Provincial da Companhia de Jesus, Jorge Bergoglio; e o prémio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquível atestou, em 19-3-2013, que o padre Bergoglio «não tinha vínculos com a ditadura». Foi tentado inclusivamente no sistema judicial, já durante o kirchnerismo, o seu envolvimento com a ditadura argentina, mas foi totalmente ilibado das imputações maldosas. A verdade, segundo o que o cardeal arcebispo Bergoglio contou, em 2010, é que ele próprio intercedeu pelos dois padres, escondeu outros e até chegou a fornecer os seus documentos de identidade para a fuga de outros - veja-se a entrevista biográfica do livro «El Jesuíta», 2010 ou esta notícia do Clarín, de 23-3-2013.
Na Argentina contemporânea, o arcebispo Bergoglio, amigo dos pobres e desgraçados, e grande promotor do trabalho pastoral e social da Igreja nos bairros debilitados, era visto pelo poder kirchneriano como adversário da sua agenda socialisto-relativista autoritária. Como noutras latitudes - Venezuela - e longitudes - Espanha e Portugal - o socialismo afirma-se pelo carácter autoritário e vive do confronto para promover a sua agenda totalitária nos costumes, enquanto se lambuza na corrupção de Estado. Nestor chegou a comparar o arcebispo Bergoglio com o Diabo, apelidando-o de «chefe espiritual» da oposição política!.. E, após o seu falecimento, a sua esposa Cristina, que lhe herdou o poder, pouco atenuou esse ódio. Quando foi conhecida a eleição do cardeal Bergoglio, consta que sobreveio uma fúria à presidenta, enviou-lhe uma fria e lacónica mensagem de felicitação e nesse mesmo dia 13-3-2013, num discurso na Tecnopólis, cerca da capital argentina, a evidência da raiva contra Jorge Bergoglio, apesar de já eleito Papa, o primeiro Papa argentino, arcebispo dessa mesma capital, foi audível e muito dificilmente abafável («Y que le deseamos... y que le deseamos... y que le deseamos... y que le deseamos...»), como se pode ver no imperdível video desse evento, com apupos e assobios dos «militantes K» contra o... Papa eleito! Agora, o kirchnerismo nega esse enfrentamento e procura a reconciliação, com um pedido pressuroso de audiência da presidenta, imediatamente aceite - ela que negava ao arcebispo essas ocasiões - e relatos de emoção... O habitual choque do poder temporal com a humildade espiritual.
Tal como João Paulo II, o Papa Francisco foi testado num ambiente muito duro, sob uma ditadura militar, com extremismos políticos, o que o qualifica para a ação, numa Igreja, Cúria e hierarquia, muito sofrida pelas notícias de abusos sexuais, pelas tentações temporais (o dinheiro), pelos escândalos de lutas internas e pela negligência na resposta aos problemas internos, que lhe diminuem a eficácia da mensagem pura. Confio na firmeza do Papa Francisco para reorganizar a casa, na comunhão desejada do Bispo de Roma com as diversas Igrejas nacionais.
Para além da miséria da hipocrisia política, que a verdade deve expor, fica-me das primeiras declarações do Papa, a esperança de relançamento da nova evangelização, com especial significado na América, em África e na Ásia, mas também nesta Europa fustigada pelo delírio relativista e pelo autoritarismo disfarçado do socialismo politicamente correcto. Politicamente correcta - mesmo! - é a paz, a bondade, a humildade e a verdade.
9 comentários:
Post muito bom, como é habitual aqui! Fiquei mais esclarecido, obrigado! Que o Papa Francisco consiga operar uma verdadeira mudança, na Igreja Católica Apostólica Romana e não só!
Um grande senão do marxismo foi a incapacidade de explicar o espírito humano!
'politicamente correto' é a nova designação da 'ditadura do proletariado'
o Papa mostra ser largamente temido pela esquerda, devido à 'ganideira' contra a sua Pessoa
As "ditaduras" militares, habitualmente usadas pela esquerda em benefício próprio, resultaram sempre de reacções a actos de terrorismo sistemático e indiscriminado da esquerda financiada por Moscovo contra civis inocentes . O objectivo: impor contra tudo e todos os seus absolutismos marxistas. Os montoneros na argentina foram especialmente brutais e os kirchner que por lá militaram sabem bem quantas mulheres e crianças derramaram o sangue nas ruas da argentina. Os Kirchner são ditadores corruptos, enriqueceram de forma escandalosa, perseguem metodicamente a imprensa, obrigaram o dono do Clarin a fazer exames de DNA após boatos que lançaram sobre o mesmo e, fundamentalmente, levaram a fome de novo à Argentina.
Acresce que qualquer "ditadura" militar nunca provocou um número de mortes que se aproxime sequer dos movimentos terroristas: montoneros, farcs, sendero (do psicopata Abigail Guzman), martis e outros. E se compararmos os números com os ditadura militar cubana - que soma 100000- aí deveriam pelo menos ter vergonha.
... acresce ainda que o magnata Roures, dono do Público, fechou a edição em papel do seu pasquim com um largo despedimento colectivo e largo desprezo para com os respectivos trabalhadores. Nos dias seguintes o Sr Roures, dono de uma fortuna de 500 milhões em paraísos fiscais, estava nos Oscares em Los Angeles e os trabalhadores em casa a fazer contas à vida. O despedimento do pasquim fez-se com um cartoon jacobino de louvor à guerra civil durante a qual a esquerda massacrou sistematicamente os cristãos em Espanha.
Já agora, o NY Times é um órgão afecto ao Partido Democrata dos EUA, cujo principal accionista actualmente é o homem mais rico do mundo, o mexicano Carlos Slim.
É preciso caminhar e procurar limpar a Cúria. Não se espera outra coisa de Francisco.
Penso não ser despropositado comparar Francisco para o combate contra as ditaduras marxistas na américa latina e a acção desnvolvida por João Paulo II em prol da destruição das ditaduras comunistas do leste europeu.
"a esperança de relançamento da nova evangelização, com especial significado na América, em África e na Ásia, mas também nesta Europa"
O problema de Roma não é a América Latina. O grande problema de Roma é a magra presença dos católicos na generalidade da Europa.
O marxismo, os luteranos, os protestantes e os ortodoxos, para além dos ateus, são muitos mais do que os católicos.
http://economico.sapo.pt/noticias/imprensa-espanhola-indignada-com-a-contratacao-de-socrates-para-a-rtp_165510.html
"A ninguém em Espanha passaria pela cabeça ver José Luís Zapatero a comentar a actualidade política na TVE", escreve o jornal espanhol La Vanguardia.
"Em Espanha a ninguém passava pela cabeça que no principal canal da TVE, logo após o telejornal da noite, aparecesse o ex-primeiro-ministro José Luíz Zapatero a comentar a actualidade política semanal. Mas em Portugal é possível e é o que vai acontecer a partir de Abril, quando o antigo líder passar a integrar o painel de comentadores da televisão pública RTP", escreve o La Vanguardia, na edição de hoje, num artigo com o título "El comentarista José Sócrates" e com o antetítulo "A televisão lusa contrata o ex-primeiro ministro como 'opinador', justamente na altura que se inicia o declínio do Governo de Passos".
Já o El Confidencial e o El Mundo dão conta das duas petições (uma contra e uma a favor) e da elevada adesão dos cidadãos à petição contra a contratação de Sócrates.
O El Mundo escreveu um artigo sobre o tema com o título "de primeiro-ministro a tertuliano"
Portugal, de facto, não é um país qualquer, é, como dizia Eça, um sítio mal frequentado.
Um sítio de Sócrates e de Relvas.
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