sábado, 23 de março de 2013

Verdade e humildade


ABC, São Pedro, sede vacante - fevereiro de 2013


Na volta de Roma, escrevi, em 26-2-2013, preocupado, um poste sobre a eleição do novo Papa, na qual pedi um «Santo Padre (...) independentemente do estilo, da pele, da idade e da origem». Creio que o Espírito Santo iluminou os cardeais do Conclave e que a Igreja Universal o obteve na pessoa de Jorge Mario Bergoglio, em 13 de março de 2013.

Apesar de não ser um dos favoritos dos totoconclaves, e das previsões dos vaticanistas residentes e ocasionais, o cardeal Bergoglio foi o segundo candidato mais votado na eleição de 2005: Bergoglio teria até chegado a 40 votos entre 115 e, de acordo com relatos fiáveis, só o seu pedido, «quase em lágrimas», aos seus apoiantes para que desistissem de votar nele, levou a uma eleição mais rápida do Cardeal Ratzinger, o já saudoso Papa Bento XVI. Porém, com 76 anos, jesuíta, descrito como «inimigo da estridência e da ostentação», visto como conservador pela imprensa - e note-se que, para a imprensa relativista dominante conservador é todo aquele padre ou cristão que não aprove  a união homossexual, o divórcio, o aborto e a eutanásia - já sem falar na agenda mais modesta do casamento dos sacerdotes e da ordenação de mulheres  -, o cardeal arcebispo argentino, descendente de piemonteses, não estava sequer no lote de papabili. Mas se o homem põe, Deus dispõe e quis que o colégio de cardeais fosse buscar o novo Papa ao «fim do mundo», como reconheceu aquele que era até ali o arcebispo de Buenos Aires, na sua apresentação ao povo, na janela da Basílica de São Pedro. Muito humilde, o primeiro Papa jesuíta, revela que  escolheu Francisco, em nome do de Assis, pela pobreza e pela paz, um nome também certamente abençoado pelo seu confrade Xavier, e previne a Igreja para a necessidade da orientação para a pobreza. Os supersticiosos vaticinarão problemas com a data, mas o 13 é para os católicos a data das aparições Nossa Senhora em Fátima aos pastorinhos; e o Padre Bergoglio, como gosta de ser tratado, nascido em 17-12-1936, foi ordenado presbítero também num dia 13.

Então, creio que temos um um Papa santo, simples e austero, informal, mas firme, escolhido para responder, na radicalidade cristã, ao desafio da agitação e da mudança do mundo de hoje, salientado pelo Papa Bento XVI na sua declaração de renúncia, de 11-2-2013.

Todavia, o relativismo ateísta não abranda a luta pela supremacia das mentes e os órgãos adversários, como o institucional NY Times - e com particular contundência os meios socialistas espanhóis, como El País, e Público -, começaram logo os ataques ao Papa Francisco, usando como pretexto a sua falta de poder (temporal...) para proteger os oposicionistas argentinos à ditadura militar. As imputações de silêncio e de cumplicidade têm como objetivo condicionar e tolher a ação e a palavra do Sumo Pontífice e da Igreja no anúncio do Evangelho. Nesse combate - uma espécie de tentativa de desforra comunista na sua nova aliança com o socialismo politicamente correto - a Igreja é sancionada por ser considerada a culpada da derrota marxista na América Latina, mais do que as ditaduras militares da América do Sul e Central. Ora, foi o comunismo, no seu delírio totalitário de ditadura de um proletariado de outra natureza, quem guerreou a Igreja e a sua doutrina de comunhão social; e quando, depois dos fracassos da Bolívia (onde o campesinato não se sublevou em massa com Che Guevara por causa desse desprezo pela religião), e aproveitando o notável exemplo de Camilo Torres, o marxismo tenta uma sincretização com a Igreja, através da teologia da libertação, era demasiado tarde porque as condições económicas e sociais tinham mudado e porque para os guerrilheiros urbanos da América Latina a religião era vista, para lá dos discursos táticos, como o «ópio dos povos». O marxismo queria o apoio temporal de uma organização espiritual que combatia! Crentes de que não perderam pela «espada», mas pelo crucifixo, os guerrilheiros revolucionários comunistas, reciclados no socialismo possível e no anticlericalismo ressentido, fizeram do ajuste de contas com a Igreja um móbil de aliança com o poder socialista, o qual também lhes agrada pelo seu autoritarismo.

No dia seguinte à eleição do Papa Francisco, 14-3-2013, a Democracy Now entrevistou Horacio Verbitsky, jornalista, ex-montonero, aliado dos Kirchner, que há muito persegue com insinuações - e não factos! - o arcebispo Bergoglio e a Igreja argentina (nomeadamente com os livros «El silencio» e «Doble Juego»). Verbitsky tomou como facto uma alegada admissão, segundo um relatório de um oficial militar, pelo Padre Bergoglio do carácter subversivo dos padres dissidentes Orlando Yorio e Jálics Ferenz (que se se recusaram a obedecer ao Superior da Companhia de Jesus, o padre Bergoglio) que transforma em denúncia, queixa-se de que a dissidência destes dois padres os levou à desproteção da Igreja, o que teria permitido a sua prisão e tortura (!...), procura ainda justificar a sua tese com a própria reconciliação do padre Jálics e inclusivamente insinua uma alegada participação do Padre Bergoglio no interrogatório militar do padre Yorio!... O padre Jálics esclareceu em 20-3-2013, que «Orlando Yorio e eu não fomos denunciados por Bergoglio», na altura, jovem Superior Provincial da Companhia de Jesus, Jorge Bergoglio; e o prémio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquível atestou, em 19-3-2013, que o padre Bergoglio «não tinha vínculos com a ditadura». Foi tentado inclusivamente no sistema judicial, já durante o kirchnerismo, o seu envolvimento com a ditadura argentina, mas foi totalmente ilibado das imputações maldosas. A verdade, segundo o que o cardeal arcebispo Bergoglio contou, em 2010, é que ele próprio intercedeu pelos dois padres, escondeu outros e até chegou a fornecer os seus documentos de identidade para a fuga de outros - veja-se a entrevista biográfica do livro «El Jesuíta», 2010 ou esta notícia do Clarín, de 23-3-2013.

Na Argentina contemporânea, o arcebispo Bergoglio, amigo dos pobres e desgraçados, e grande promotor do trabalho pastoral e social da Igreja nos bairros debilitados, era visto pelo poder kirchneriano como adversário da sua agenda socialisto-relativista autoritária. Como noutras latitudes - Venezuela - e longitudes - Espanha e Portugal - o socialismo afirma-se pelo carácter autoritário e vive do confronto para promover a sua agenda totalitária nos costumes, enquanto se lambuza na corrupção de Estado. Nestor chegou a comparar o arcebispo Bergoglio com o Diabo, apelidando-o de «chefe espiritual» da oposição política!.. E, após o seu falecimento, a sua esposa Cristina, que lhe herdou o poder, pouco atenuou esse ódio. Quando foi conhecida a eleição do cardeal Bergoglio, consta que sobreveio uma fúria à presidenta, enviou-lhe uma fria e lacónica mensagem de felicitação e nesse mesmo dia 13-3-2013, num discurso na Tecnopólis, cerca da capital argentina, a evidência da raiva contra Jorge Bergoglio, apesar de já eleito Papa, o primeiro Papa argentino, arcebispo dessa mesma capital, foi audível e muito dificilmente abafável («Y que le deseamos... y que le deseamos... y que le deseamos... y que le deseamos...»), como se pode ver no imperdível video desse evento, com apupos e assobios dos «militantes K» contra o... Papa eleito! Agora, o kirchnerismo nega esse enfrentamento e procura a reconciliação, com um pedido pressuroso de audiência da presidenta, imediatamente aceite - ela que negava ao arcebispo essas ocasiões -  e relatos de emoção... O habitual choque do poder temporal com a humildade espiritual.

Tal como João Paulo II, o Papa Francisco foi testado num ambiente muito duro, sob uma ditadura militar, com extremismos políticos, o que o qualifica para a ação, numa Igreja, Cúria e hierarquia, muito sofrida pelas notícias de abusos sexuais, pelas tentações temporais (o dinheiro), pelos escândalos de lutas internas e pela negligência na resposta aos problemas internos, que lhe diminuem a eficácia da mensagem pura. Confio na firmeza do Papa Francisco para reorganizar a casa, na comunhão desejada do Bispo de Roma com as diversas Igrejas nacionais.

Para além da miséria da hipocrisia política, que a verdade deve expor, fica-me das primeiras declarações do Papa, a esperança de relançamento da nova evangelização, com especial significado na América, em África e na Ásia, mas também nesta Europa fustigada pelo delírio relativista e pelo autoritarismo disfarçado do socialismo politicamente correcto. Politicamente correcta - mesmo! - é a paz, a bondade, a humildade e  a verdade.

9 comentários:

Manuel de Castro disse...

Post muito bom, como é habitual aqui! Fiquei mais esclarecido, obrigado! Que o Papa Francisco consiga operar uma verdadeira mudança, na Igreja Católica Apostólica Romana e não só!

Um grande senão do marxismo foi a incapacidade de explicar o espírito humano!

Floribundus disse...

'politicamente correto' é a nova designação da 'ditadura do proletariado'

o Papa mostra ser largamente temido pela esquerda, devido à 'ganideira' contra a sua Pessoa

Lura do Grilo disse...

As "ditaduras" militares, habitualmente usadas pela esquerda em benefício próprio, resultaram sempre de reacções a actos de terrorismo sistemático e indiscriminado da esquerda financiada por Moscovo contra civis inocentes . O objectivo: impor contra tudo e todos os seus absolutismos marxistas. Os montoneros na argentina foram especialmente brutais e os kirchner que por lá militaram sabem bem quantas mulheres e crianças derramaram o sangue nas ruas da argentina. Os Kirchner são ditadores corruptos, enriqueceram de forma escandalosa, perseguem metodicamente a imprensa, obrigaram o dono do Clarin a fazer exames de DNA após boatos que lançaram sobre o mesmo e, fundamentalmente, levaram a fome de novo à Argentina.

Acresce que qualquer "ditadura" militar nunca provocou um número de mortes que se aproxime sequer dos movimentos terroristas: montoneros, farcs, sendero (do psicopata Abigail Guzman), martis e outros. E se compararmos os números com os ditadura militar cubana - que soma 100000- aí deveriam pelo menos ter vergonha.

Lura do Grilo disse...

... acresce ainda que o magnata Roures, dono do Público, fechou a edição em papel do seu pasquim com um largo despedimento colectivo e largo desprezo para com os respectivos trabalhadores. Nos dias seguintes o Sr Roures, dono de uma fortuna de 500 milhões em paraísos fiscais, estava nos Oscares em Los Angeles e os trabalhadores em casa a fazer contas à vida. O despedimento do pasquim fez-se com um cartoon jacobino de louvor à guerra civil durante a qual a esquerda massacrou sistematicamente os cristãos em Espanha.

Anónimo disse...

Já agora, o NY Times é um órgão afecto ao Partido Democrata dos EUA, cujo principal accionista actualmente é o homem mais rico do mundo, o mexicano Carlos Slim.

É preciso caminhar e procurar limpar a Cúria. Não se espera outra coisa de Francisco.

Anónimo disse...

Penso não ser despropositado comparar Francisco para o combate contra as ditaduras marxistas na américa latina e a acção desnvolvida por João Paulo II em prol da destruição das ditaduras comunistas do leste europeu.

Anónimo disse...

"a esperança de relançamento da nova evangelização, com especial significado na América, em África e na Ásia, mas também nesta Europa"

O problema de Roma não é a América Latina. O grande problema de Roma é a magra presença dos católicos na generalidade da Europa.

O marxismo, os luteranos, os protestantes e os ortodoxos, para além dos ateus, são muitos mais do que os católicos.

Anónimo disse...

http://economico.sapo.pt/noticias/imprensa-espanhola-indignada-com-a-contratacao-de-socrates-para-a-rtp_165510.html

"A ninguém em Espanha passaria pela cabeça ver José Luís Zapatero a comentar a actualidade política na TVE", escreve o jornal espanhol La Vanguardia.

"Em Espanha a ninguém passava pela cabeça que no principal canal da TVE, logo após o telejornal da noite, aparecesse o ex-primeiro-ministro José Luíz Zapatero a comentar a actualidade política semanal. Mas em Portugal é possível e é o que vai acontecer a partir de Abril, quando o antigo líder passar a integrar o painel de comentadores da televisão pública RTP", escreve o La Vanguardia, na edição de hoje, num artigo com o título "El comentarista José Sócrates" e com o antetítulo "A televisão lusa contrata o ex-primeiro ministro como 'opinador', justamente na altura que se inicia o declínio do Governo de Passos".

Já o El Confidencial e o El Mundo dão conta das duas petições (uma contra e uma a favor) e da elevada adesão dos cidadãos à petição contra a contratação de Sócrates.

O El Mundo escreveu um artigo sobre o tema com o título "de primeiro-ministro a tertuliano"

Anónimo disse...

Portugal, de facto, não é um país qualquer, é, como dizia Eça, um sítio mal frequentado.

Um sítio de Sócrates e de Relvas.