«(...) Existem todos os motivos para acreditar que o movimento comunista internacional se curará rapidamente e por completo da doença infantil do comunismo "de esquerda"».
Lenine, Vladimir Ilitch Ulianov (1920). Esquerdismo: a doença infantil do comunismo.
Morreu Mário Soares. Que Deus seja misericordioso com ele. É nossa obrigação solicitar piedade mesmo para quem foi um dos piores portugueses de sempre.
Em coma profundo desde 26 de dezembro, foi-lhe prolongada artificialmente a vida, à maneira dos congelados líderes soviéticos de antigamente, e declarado oficialmente morto, ontem, 7-1-2016, passados os festejos da passagem do ano e regressada de férias a nomenclatura do regime. A exceção foi António Costa, apanhado em visita de Estado à Índia quando mandaram desligar a máquina...
Lastima-se o povo de quem quer ser bom, morre. Esta é a hora dos elogios, de exéquias de três dias, de santificação laica, do brilho. Mas há um outro Soares: o sombrio. Para aquém do sobrevivente político (92 anos), do advogado dos processos políticos, do conspirador, do preso político, do desterrado, do organizador da esquerda socialista, do tribuno, do chefe partidário, do governante e do presidente, que as luzes da imprensa portuguesa domesticada pelo poder da esquerda, por patrões amamentados pelo Governo e pelo enviesamento ideológico dos jornalistas louvam (com exceção do CM), é desse outro Soares, que vou esboçar um retrato incompleto.
Quem foi Mário Soares?
Soares foi o jovem comunista influenciado pelo seu professor Álvaro Cunhal, antes de se ter ligado ao grupo republicanos históricos. Foi o aluno mediano de Ciências Histórico-Filosóficas e de Direito. O advogado, mais mediático que jurista. O pseudo-denunciador internacional do abuso sexual de meninas nos chamados ballets rose, quanto o whistleblower foi o advogado Joaquim Pires de Lima. O pelintra humanitário com a juventude, mesmo antes da revolução. O manifestante na visita de Marcelo Caetano a Londres, em julho de 1973, - perguntei em 1987, no ISCSP, ao embaixador Gonçalo Caldeira Coelho se era verdade o episódio de pisar a bandeira mas ele, que apresentou credenciaisem novembro desse ano, não confirmou... O maçon de rito francês, de cujos contactos beneficiou antes e depois do 25 de abril. O abonado de Bullosa, em Paris, para compor o salário de professor universitário ocasional. O manobrador de 1974-1975 com aliança ao PC e logo ao MDLP. O aliado do patriarca D. António Ribeiro (e de D. José Saramago) no cerco do Patriarcado e na Rádio Renascença, mas responsável pela tutela maçónica do País, que dura até hoje. O dirigente que tutelava o financiamento partidário do PS pela CIA, através do canal dos sindicatos alemães (ver reportagem «Dinheiro secreto americano para os socialistas em Portugal»,do canal holandês Nederland 2, de 13-5-2013), e das malas de dinheiro de que se encarregava Rui Mateus (o autor do desaparecido «Contos proibidos: memória de um PS desconhecido», de 1996). O grande obreiro, junta da «descolonização exemplar», ou «milagre», responsável último, por ação política e omissão humana, pelo genocídio que ocorreu em Timor, em Angola, em Moçambique, na Guiné, feito contra populações metropolitanas e gente que tinha servido Portugal, e não mereciam a sua traição. O colega de Almeida Santos, quais Bucha e Estica, na dupla que saldou o Portugal universal. O adversário de Francisco Sá Carneiro que difamou sobre dinheiros e mulher. O aliado ateu da Igreja progressista pré e pós-revolucão. O compincha de Frank Carlucci. O homem dos americanos em Lisboa, numa escolha mais influenciada pela conduta mútua do que por realismo político. O amparo de um jovem universitário em ascensão. O chefe que não podia desconhecer a entrega das G3, por ordem de Eanes, ao operacional Edmundo Pedro (o dos eletrodomésticos). O secretário-geral do PS que dirigia o partido como um «Tigre», furioso e brutal com os subordinados. O louvado grande defensor das liberdades, mas perseguidor de jornalistas através de esbirros, como Joaquim Vieira. O democrata que, para espanto de um presente nessa reunião, que me contou, defendeu em Conselho de Ministros, a tortura contra os membros das FP-25 de Abril, e mais tarde se mexeu para libertar Otelo. O máximo crítico do caso de abuso sexual de crianças da Casa Pia. O parceiro de Jaime Gama. O amigo do mestre Lagoa Henriques. O recrutador de ex-MES e protetor do ferrismo. O marxista, amigo de sempre de banqueiros e de grandes empresários, como Bullosa, Melos, Espírito Santo, Jardim Gonçalves, Ilídio Pinho, Manuel Violas, Dias da Cunha, O padrinho que destinava afilhados para gerir possessões, os sobrinhos da extraordinária mulher, Bernardino Gomes na Fundação Luso-Americana, ou mesmo sem título, como a do comandante Gomes Mota no ISCTE. O abrigo de intelectuais, como João Carlos Espada, Carlos Gaspar, Viriato Soromenho Marques, Boaventura Sousa Santos, Vasco Pulido Valente. O polvo cujos tentáculos chegaram ao sindicalismo comunista, angariando comunistas como Judas ou Carvalho da Silva (o ex-Lula da política portuguesa). O líder que desprezara Constâncio, Guterres e Sampaio, e se tornou pai adotivo de José Sócrates e louvaminhas do socratismo, prática de corrupção de Estado, modelo de um califa político-económico que sonhou ser. O inimigo de Cavaco Silva, de origem humilde e que desdenhou até este se erguer a rival, antes de este ceder ao medo e optar pelo descanso. O abrigo, com Almeida Santos, de juízes e procuradores, de Cunha Rodrigues, a Rodrigues Maximiano, a Cândida Almeida, a Maria José Morgado, a Pinto Monteiro, prevenindo a ameaça da independência do poder judicial face ao poder político corrupto que tinha derrubado a primeira república italiana. O desculpador da corrupção político do seu regime no continente e em Macau, entendo a corrupção como fenómeno política normal e as comissões como contrapartida adequada às decisões políticas que avantajam pessoas e grupos. O político que vivia na penúria antes do 25 de abril e no fausto depois, com a justificação dos extraordinários lucros do Colégio Moderno (!?...). O sócio de Robert Maxwell no projeto de um grupo mediático internacional e o abafador do caso do fax de Macau. O cabecilha que deixava cair os servidores entalados, como os sacrificados da Emaudio e Melancia, em Macau. O camarada de Mitterrand, de Andrés Pérez, de Craxi, de Arafat. O soba europeu aliado de Savimbi e beneficiário do seu apoio, rijo como o diamante e claro como o marfim. O presidente que recolheu para o cofre-forte da fundação do pai, nas Cortes, em Leiria, os magníficos presentes que recebeu pela função que ocupava, ao contrário de Eanes que os deixou para o Museu da Presidência. O amigo-inimigo de Zenha, de Alegre, de Passos. O tirano que gostava de humilhar servidores e embaraçar vassalagens, como quando envergonhou Álvaro Santos Pereira, em crónica no DN, em 30-7-2013. O titereiro que, quando era preciso, relembrava favores antigos e manipulava como marionetas a pessoas como Rui Machete, Pacheco Pereira, António Barreto, Guilherme de Oliveira Martins, Paulo Portas, até Adriano Moreira... O maior peso pesado da tara perdida no jogo abusador da política, em que se cooptam obcecados para (des)equilibrar a ideologia e se corrompem princípios morais para a satisfação sádica de poder sobre os mais frágeis.
Da doença infantil do esquerdismo, que Lenine glosou, se curou rapidamente o comunismo pragmático. Contudo, ainda que Mário Soares tenha falecido, não creio que, no médio-prazo, o Partido Socialista se livre da promiscuidade da sua doença infantil.