(este post foi originariamente colocado às 11:51 de 2-7-2008 e é agora actualizado)
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Alertado por um amigo sobre factos e relações*, neste post, vou tentar demonstrar a ligação Partido Socialista-Carvalho da Silva, a emergência da facção ex-férrica no PS montada na aliança com Carvalho da Silva e o consentimento da preponderância dessa facção por José Sócrates. Por fim, descrevo cenários e concluo por um caminho.
Divido.
A (in)dependência de Carvalho da Silva
Começo por Carvalho da Silva. Manuel Carvalho da Silva nasceu em Viatodos, concelho de Barcelos, em 2 de Novembro de 1948, filho de João Alves da Silva e Margarida Gomes de Carvalho. De acordo com a sua biografia, é secretário-geral/Coordenador da CGTP-Intersindical (CGTP-IN) desde 1986.
Licenciou-se em Sociologia em Julho de 2000 no ISCTE e doutorou-se na mesma área científica, na especialidade Sociologia das Classes, da Estratificação e dos Movimentos Sociais, em 13 de Julho de 2007, com a apresentação da tese "A Centralidade do Trabalho e Acção Colectiva - Sindicalismo em tempo de globalização", orientada pelo Prof. Doutor António Firmino da Costa (ISCTE-CIES) e Prof. Doutor Manuel Carlos Silva (Universidade do Minho), com 501 páginas. A tese foi elaborada entre 2001 e 2007. Datada de Abril de 2007 foi rapidamente discutida três meses depois.
A tese de Manuel Carvalho da Silva fornece algumas pistas do seu heterodoxo posicionamento. Há uma vontade do autor de apresentar o seu percurso pessoal, profissional e sindical na introdução da tese.
Aí, na página 9 da tese, afirma a "formação e vivência católica da família" e a sua participação "embora não muito intensa" (sic) "em actividades da juventude agrária e juventude operária católicas" e cita a importância da encíclica Rerum Novarum de Leão XIII. Depois, indica que se tornou "operário" (sic) "numa oficina de reparação de electrodomésticos" no Porto, após o Curso Industrial e "frequência do curso de montador-electricista". Com recurso à sua biografia oficial, colhe-se a informação de que fez Curso Industrial na Escola Industrial Carlos Amarante, em Braga.
De acordo com a resenha de vida que faz na introdução da tese, refere que, depois, fez a guerra colonial e regressa ao continente. Em Abril de 1972 recomeça a trabalhar, mas é despedido de "quadro intermédio" de uma empresa em Setembro de 1973, "após ter reagido a actos prepotentes de um gestor". Em 1974, a trabalhar na Electromecânica Portuguesa Preh, incentivado por colegas, começa o seu percurso de sindicalista.
Ainda na tese, verifica-se de forma heterodoxa os notórios da esquerda como Bourdieu, Touraine, Castells, mas também Anthony Giddens, o teórico da terceira via, além do incontornável Max Weber (5 livros). Nos portugueses, destaco: António Barreto (9 livros); o católico Manuel Braga da Cruz (3 livros); António Monteiro Fernandes (5 obras), ex-Secretário de Estado do Trabalho no primeiro Governo Guterres (1995/97), presidente da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, encarregada de preparar a revisão do Código do Trabalho (2006/2007) e consultor da Correia, Seara e Associados; Boaventura Sousa Santos (vários); a secretária de Estado, esposa de Vital Moreira, Maria Manuel Leitão Marques (1 obra); e o ministro Augusto Santos Silva (3 livros") sobre quem diz "Neste sentido partilho do posicionamento de A. Santos Silva, de que o entrecruzamento das coisas não dispensa os procedimentos da distinção conceptual" (p. 9); e ainda o sector ex-férrico. No sector mais à esquerda, além de Marx (4 livros), Lenine (4 livros) e duas obras do Partido Comunista Português, nota-se apenas um texto policopiado de Álvaro Cunhal ("CGTP-IN - 25 Anos com os Trabalhadores - Raízes. Percurso. Actualidade", 1995), em comparação com o heterodoxo Luís Sá (5 livros) e o "ex" José Barros Moura (3 obras). Realce ainda para a inclusão do livro da actual ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, "Sociologia das Profissões", Celta Editora, Oeiras, 1998.
A tese, bem escrita, é um trabalho sério, que contém três estudos de caso (Grundig/Blaupunkt; Nova Penteação; e Portugal Telecom) e capítulos sobre a CGTP-IN, a evolução da União Europeia e o Conselho Económico e Social e, por fim, sobre regulação e regulamentação das relações laborais, contendo ainda trabalho de campo com parte quantitativa, o que a valoriza.
Não consta onde fez o 6.º e 7.º ano do Liceu (ou 10.º, 11.º e 12.º ano de escolaridade), necessários para entrar na universidade - mas mesmo que, por hipótese, tenha entrado para o ISCTE sem o 12.º ano e através um exame ad hoc, isso seria perfeitamente legal e legítimo. Diferente do percurso normal, no comunista Carvalho da Silva é ele seguir a estratégia trotskista de queimar etapas: galgando directamente da licenciatura ao doutoramento, sem passar pelo mestrado - o que, mesmo assim, continua a ser legal, se bem que menos linear, pois já existiam mestrados em Sociologia, e no próprio ISCTE, nessa altura.
De que vem, contudo, a propósito a biografia pública de Manuel Carvalho da Silva? Da política.
No PC a independência profissional é motivo de desconfiança porque corresponde à autonomia económica, fugindo quem a ganha ao controlo de subsistência de quem manda. Qualquer tentativa de independência profissional, como conseguir acesso a uma profissão exterior ao partido, é vista como é: uma vontade de independência política, um movimento de fuga ao controlo do centralismo democrático. Normalmente, é um caminho sem retorno. O doutoramento é a garantia de que, se for perdida a posição ou o vínculo, o seu detentor sobrevive com um estipêndio razoável como professor ou noutra área. O doutoramento é, então, perigoso.
A controvérsia da posição política de Manuel Carvalho da Silva não é de agora. Serve lembrar a convicção do poder no PC, e as notícias filtradas para a imprensa nessa altura e depois, que o arrumaram junto ao sector do Grupo dos Seis e mais tarde dos plataformistas. Nem é preciso evocar a sua militância católica acima mencionada, na JAC (Juventude Agrária Católica) - onde militou bem antes das tentações radicais que assolaram a JARC nos anos tardo-revolucionários - e na JOC (Juventude Operária Católica), que fez D. Januário Torgal Ferreira apresentar o seu livro "Trabalho e Sindicalismo em Tempo de Globalização" em 13-11-2007.
Carvalho da Silva ficou no PC, mas na margem e, por isso, nunca foi opção interna para suceder a Cunhal, nem a Carvalhas. Uma vez marcado como malhado, tem o destino traçado. Na verdade, não existe PC além da ortodoxia - a não ser como transição para a social-democracia de direita, como a travessia do PCI ao Partido Democratico. A independência de Carvalho da Silva face ao PC é, ao mesmo tempo, a sua dependência do PS.
O ISCTE: os Silvas, Rodrigues e Sócrates
Manuel Carvalho da Silva é, segundo o Expresso de 19-4-2008, o interlocutor do ministro Vieira da Silva - e ainda da ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues e do primeiro-ministro José Sócrates no acordo (concluído em 11-4-2008) do Governo com os sindicatos de professores (o sindicato da UGT nem foi preciso na reunião...). O contacto é o professor do ISCTE, o organizador frio e diplomata, José António Fonseca Vieira da Silva (que, sintomaticamente, não é referido na tese de 2007). Para vergonha da luta genuína dos docentes, através de vários protestos e da Marcha da Indignação que juntou 100 mil professores em Lisboa (onde Carvalho da Silva faz questão de discursar...), o acordo de mão-cheia-de-coisa-nenhuma, sem contrapartida séria do executivo, entre os sindicatos e o Governo foi celebrado: Carvalho da Silva vendeu os professores ao Governo e o PC aceitou - o PC podia não ter aceite e nenhum acordo seria feito. Só não se sabe se desta vez se brindou o acordo com vinho do Porto, como fizeram Torres Couto e Cavaco...
Vieira da Silva, Maria de Lurdes Rodrigues, José Sócrates, Carvalho da Silva. Em comum têm a ligação ao ISCTE. Vieira da Silva e Maria de Lurdes Rodrigues são originariamente ali docentes (e Maria de Lurdes até ganha, como se apontou acima, uma citação na tese de Carvalho da Silva); José Sócrates fez lá a sua "Pós-Graduação em Gestão de Empresas designada por MBA" (sic); e Carvalho da Silva fez lá a licenciatura e o doutoramento. Tudo em família.
António Costa é um parente afastado, sem família própria, que não faz parte deste filme negro: pode ser convocado para representar, mas apenas temporariamente, os interesses da família ex-férrica.
Entretanto, há mais duas pistas a seguir: a da facção ex-férrica do PS e a do PC.
O PC e Carvalho da Silva
Comecemos pelo PC. Perdido o poder funcional de representação do grande operariado, pela falência, deslocalização e reconversão da indústria para o comércio e nos serviços, onde a dicotomia trabalho-capital pouco sentido faz, e reduzido o sector dos trabalhadores rurais alentejanos, agora reformados, resta ao PC a frente sindical. Mas a frente sindical também está batida pela transformação do mundo do trabalho: os trabalhadores com contratos a prazo, recibos verdes e desempregados, não se sentem representados pelas direcções sindicais que servem principalmente quem lhes paga as quotas - os trabalhadores efectivos e funcionários públicos, com contratos sem termo - e os partidos políticos de que dependem, por vezes, num promíscuo trampolim para postos governativos.
É neste enquadramento que se desencadeia a luta cada vez mais larga dos professores, afectados na carreira, na profissão e na função, pelo delírio didáctico-pedagógico do Ministério da Educação. Como não confiam nos sindicatos que celebram acordos de trocos com o Governo pela conformação da classe, os professores começam a manifestar-se de forma variada, espontânea e autónoma às estruturas sindicais, surgindo a ameaça de criação de sindicatos independentes e de retoma da unidade de uma Ordem de Professores independente dos partidos políticos. Os sindicatos e os partidos de que dependem, PC e PS, apercebem-se do perigo, surfam a onda e instrumentalizam a luta para benefícios próprios: consolidação da Fenprof-CGTP como principal força sindical dos professores e contestação governativa ao Governo pelo PC; e defesa partidária do governo pela FNE-UGT. O PC aceitou a possibilidade do acordo CCTP-Governo sobre os professores para partir os dentes ao sindicalismo independente que ameaçava nascer, ainda que o acordo lhe desagradasse pela confluência de Carvalho da Silva com o PS.
Todavia, o efeito dos sais de fruto não é duradouro para resolver o problema da azia provocada pela ingestão do heterodoxo Carvalho da Silva. O PC quer substituí-lo há tempo, mas não pode provocar uma ruptura com ele. Manuel Carvalho da Silva tem 59 anos (nasceu em 2-11-48) e não é provável que queira reformar-se tão cedo: no partido a que ainda pertence, tradicionalmente dirigido pela gerontologia, ele ainda se verá como um jovem. Além disso, na CGTP, nos seus 22 anos de reinado, criou um grande grupo de seguidores, principalmente junto das tendências católicas e não-comunistas da central sindical. Uma ruptura com o PC teria um efeito incomparavelmente maior do que a do Grupo dos Seis ou da Plataforma de Esquerda.
O PC prefere a prudência face ao aventureirismo da ruptura com Carvalho da Silva. Substituir Carvalho da Silva na liderança da central, contra a vontade deste e do seu grupo, poderia levar à organização de uma força sindical intermédia, autónoma, que assegurasse o grosso dos dirigentes e sindicalistas e partisse o próprio PC. E, sem sindicatos fortes, o PC definharia.
Em vez do enfrentamento em campo aberto, que podia ter forçado no XI Congresso da CGTP-IN em Fevereiro de 2008 (novo congresso só em 2012), a direcção do PC prefere o combate de erosão. Agora, o PC já está liberto da ameaça de criação sindicalismo independente dos professores que depreciaria a sua força sindical. Um sindicato independente é um perigo, pois defende e promove os interesses da classe profissional em vez das necessidades da central sindical e do partido que nele manda. Então, o PC age para travar a aliança Carvalho da Silva-PS, intermediada pela facção ex-férrica, que lhe prejudica o resultado eleitoral acima dos 10% que espera na próxima votação do Outono de 2009 e que a sondagem Intercampus/TVI de 27-6-2008 (10,1%) já regista. Como faz? A propósito do novo Código Laboral, o PC provocou o endurecimento da luta contra o executivo, através da linguagem mais áspera e das manifestações de rua, encostando Carvalho da Silva e reduzindo a sua margem de acção, inviabilizando o acordo com o Governo PS no novo Código do Trabalho (apesar da abstenção nuancée). O PC forçou até o próprio Carvalho da Silva a empregar uma linguagem mais violenta face ao Governo nos seus discursos e intervenções.
A facção ex-férrica do PS e Carvalho da Silva
A facção ex-férrica do PS é considerada da ala esquerda, mas na verdade, à excepção dos costumes, é tão capitalista como as demais. Na verdade, o que a determina não é a posição anti-capitalista - quem é anti-capitalista não junta capital! -, nem sequer ideológica, mas o controlo e exercício do poder total. A posição variará conforme lhe seja conveniente: mais à esquerda ou mais... à flexi-segurança...
Esta facção tem acumulado poder por três motivos: a extraordinária organização de favores, dependências e lealdades próprias, para o que conta com o rico Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, que lhe foi distribuído na reconquista do Estado em Fevereiro de 2005 (o PS, e José Sócrates, como secretário de Estado, ministro e primeiro-ministro, deteve o poder durante onze dos últimos treze anos); a política capitalista de José Sócrates, prosseguida mesmo num contexto de crise económica grave e crescente; e a aliança com Carvalho da Silva. Contudo, esta aliança com Carvalho da Silva não é nova: na época dura, ele foi solidário.
Por causa do estado de necessidade do Governo, com um índice de aprovação em queda, devido ao fecho de empresas, ao desemprego, à emigração e ao endividamento e empobrecimento das famílias, e à forte contestação sindical e popular, o ultra-liberal José Sócrates tolera até a assunção pública da tendência ex-férrica. Além do faz-que-anda-mas-não-anda de Manuel Alegre, a tendência ex-férrica é consequente: tem poder, demonstra-o e usa-o. O líder não se pode expor - e Vieira da Silva não tem voter-appeal. Assim, precisa de se montar em António Costa para tomar o poder do PS e, a seguir, do País, quando Sócrates cair corroído pela aceleração do agravamento da crise económica. Essa táctica não os preocupa: estão habituados a trabalhar na sombra.
Conclusão
O ponto fraco da estratégia da facção ex-férrica, e do próprio José Sócrates, é também o seu ponto forte: o controlo do iscteano Carvalho da Silva.
Sócrates e o PS precisam de Carvalho da Silva para lhes neutralizar a contestação substancial à esquerda e conseguir acordos com o Governo, de modo a que o PC e o Bloco não façam em conjunto os 25% que lhes faria perder as eleições daqui a quinze meses.
A facção ex-férrica carece, entretanto, da aliança com Carvalho da Silva como salvo-conduto para passar pelas linhas socratinas e afirmar a sua força no PS. Se Sócrates perder as eleições - como creio há meses -, é provável que, falhando a táctica funcional que esta serve (neutralização do poder eleitoral do PC e do Bloco), resulte a estratégia de tomada do poder no PS. O País virá depois e a facção, por outros motivos, até precisa de ganhar tempo.
Se, e só se, Sócrates, ganhar com maioria absoluta, o que a conjuntura económico-política não vai consentir, destronaria a facção ex-férrica do rival, por esta ter alcançado um poder que o ameaça. Mas se Sócrates ganhar com maioria relativa continua a necessitar da facção ex-férrica para o acordo à esquerda com o Bloco, um partido que tem, há muito um pacto do Diabo com ela.
A hipótese de ressurreição pós-eleitoral do Bloco Central PS-PSD pode pôr em causa a tomada do poder interno no PS pela facção ex-férrica. Esse acordo é desejado pelos empresários ameaçados pela Operação Furacão, e outros grandes casos; é acarinhado pela promiscuidade político-capitalista que teme a maior autonomia do poder judicial face ao poder político, de que é expoente a procuradora Maria José Morgado; e é apadrinhado paradoxalmente pelo presidente Cavaco Silva, que precisa dos socialistas no poder para capitalizar à direita o descontentamento e neutralizar a força do candidato Manuel Alegre.
Todavia, a viabilidade de um Bloco Central, como em 2005 na Alemanha, com Manuel Ferreira Leite na posição de Angela Merkel, também implica o afastamento de José Sócrates do Governo como aconteceu com Gerhard Schröder...
Mas não é só a linguagem esquerdista da facção ex-férrica que seria obstáculo para a sua inclusão no Governo: se esse léxico radical seria rapidamente substituído, existe o problema de António Costa, líder provisório da facção, que já troca convites com Rui Rio, o número dois do PSD, não pretende trocar o lugar de presidente da Câmara Municipal de Lisboa por vice-primeiro-ministro, tendo de se encontrar um suporte de menor influência; e de Cavaco não querer certos nomes manchados no poder. Isto é, o mais provável se o PSD ganhar as eleições, como prevejo, é a solução Sarkozy com o governo Fillon: um governo abrangente dito de Salvação Nacional, com a inclusão de algumas personalidades independentes e algum actual militante socialista.
A chave das eleições de 2009 está na aliança ex-férricos/Sócrates/Carvalho da Silva. A táctica a empregar para romper esta tríplice aliança é denunciá-la já. Exposto o uso de Carvalho da Silva, liberta-se o PC, reduz-se a força da facção ex-férrica no PS e isola-se Sócrates que, então, perderá as eleições de 2009.
E os Silvas acabam, eles próprios, picados na sua ousadia das rosas: Vieira voltará para a sua concha e Carvalho partirá para o bosque da memória.
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Divido.
A (in)dependência de Carvalho da Silva
Começo por Carvalho da Silva. Manuel Carvalho da Silva nasceu em Viatodos, concelho de Barcelos, em 2 de Novembro de 1948, filho de João Alves da Silva e Margarida Gomes de Carvalho. De acordo com a sua biografia, é secretário-geral/Coordenador da CGTP-Intersindical (CGTP-IN) desde 1986.
Licenciou-se em Sociologia em Julho de 2000 no ISCTE e doutorou-se na mesma área científica, na especialidade Sociologia das Classes, da Estratificação e dos Movimentos Sociais, em 13 de Julho de 2007, com a apresentação da tese "A Centralidade do Trabalho e Acção Colectiva - Sindicalismo em tempo de globalização", orientada pelo Prof. Doutor António Firmino da Costa (ISCTE-CIES) e Prof. Doutor Manuel Carlos Silva (Universidade do Minho), com 501 páginas. A tese foi elaborada entre 2001 e 2007. Datada de Abril de 2007 foi rapidamente discutida três meses depois.
A tese de Manuel Carvalho da Silva fornece algumas pistas do seu heterodoxo posicionamento. Há uma vontade do autor de apresentar o seu percurso pessoal, profissional e sindical na introdução da tese.
Aí, na página 9 da tese, afirma a "formação e vivência católica da família" e a sua participação "embora não muito intensa" (sic) "em actividades da juventude agrária e juventude operária católicas" e cita a importância da encíclica Rerum Novarum de Leão XIII. Depois, indica que se tornou "operário" (sic) "numa oficina de reparação de electrodomésticos" no Porto, após o Curso Industrial e "frequência do curso de montador-electricista". Com recurso à sua biografia oficial, colhe-se a informação de que fez Curso Industrial na Escola Industrial Carlos Amarante, em Braga.
De acordo com a resenha de vida que faz na introdução da tese, refere que, depois, fez a guerra colonial e regressa ao continente. Em Abril de 1972 recomeça a trabalhar, mas é despedido de "quadro intermédio" de uma empresa em Setembro de 1973, "após ter reagido a actos prepotentes de um gestor". Em 1974, a trabalhar na Electromecânica Portuguesa Preh, incentivado por colegas, começa o seu percurso de sindicalista.
Ainda na tese, verifica-se de forma heterodoxa os notórios da esquerda como Bourdieu, Touraine, Castells, mas também Anthony Giddens, o teórico da terceira via, além do incontornável Max Weber (5 livros). Nos portugueses, destaco: António Barreto (9 livros); o católico Manuel Braga da Cruz (3 livros); António Monteiro Fernandes (5 obras), ex-Secretário de Estado do Trabalho no primeiro Governo Guterres (1995/97), presidente da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, encarregada de preparar a revisão do Código do Trabalho (2006/2007) e consultor da Correia, Seara e Associados; Boaventura Sousa Santos (vários); a secretária de Estado, esposa de Vital Moreira, Maria Manuel Leitão Marques (1 obra); e o ministro Augusto Santos Silva (3 livros") sobre quem diz "Neste sentido partilho do posicionamento de A. Santos Silva, de que o entrecruzamento das coisas não dispensa os procedimentos da distinção conceptual" (p. 9); e ainda o sector ex-férrico. No sector mais à esquerda, além de Marx (4 livros), Lenine (4 livros) e duas obras do Partido Comunista Português, nota-se apenas um texto policopiado de Álvaro Cunhal ("CGTP-IN - 25 Anos com os Trabalhadores - Raízes. Percurso. Actualidade", 1995), em comparação com o heterodoxo Luís Sá (5 livros) e o "ex" José Barros Moura (3 obras). Realce ainda para a inclusão do livro da actual ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, "Sociologia das Profissões", Celta Editora, Oeiras, 1998.
A tese, bem escrita, é um trabalho sério, que contém três estudos de caso (Grundig/Blaupunkt; Nova Penteação; e Portugal Telecom) e capítulos sobre a CGTP-IN, a evolução da União Europeia e o Conselho Económico e Social e, por fim, sobre regulação e regulamentação das relações laborais, contendo ainda trabalho de campo com parte quantitativa, o que a valoriza.
Não consta onde fez o 6.º e 7.º ano do Liceu (ou 10.º, 11.º e 12.º ano de escolaridade), necessários para entrar na universidade - mas mesmo que, por hipótese, tenha entrado para o ISCTE sem o 12.º ano e através um exame ad hoc, isso seria perfeitamente legal e legítimo. Diferente do percurso normal, no comunista Carvalho da Silva é ele seguir a estratégia trotskista de queimar etapas: galgando directamente da licenciatura ao doutoramento, sem passar pelo mestrado - o que, mesmo assim, continua a ser legal, se bem que menos linear, pois já existiam mestrados em Sociologia, e no próprio ISCTE, nessa altura.
De que vem, contudo, a propósito a biografia pública de Manuel Carvalho da Silva? Da política.
No PC a independência profissional é motivo de desconfiança porque corresponde à autonomia económica, fugindo quem a ganha ao controlo de subsistência de quem manda. Qualquer tentativa de independência profissional, como conseguir acesso a uma profissão exterior ao partido, é vista como é: uma vontade de independência política, um movimento de fuga ao controlo do centralismo democrático. Normalmente, é um caminho sem retorno. O doutoramento é a garantia de que, se for perdida a posição ou o vínculo, o seu detentor sobrevive com um estipêndio razoável como professor ou noutra área. O doutoramento é, então, perigoso.
A controvérsia da posição política de Manuel Carvalho da Silva não é de agora. Serve lembrar a convicção do poder no PC, e as notícias filtradas para a imprensa nessa altura e depois, que o arrumaram junto ao sector do Grupo dos Seis e mais tarde dos plataformistas. Nem é preciso evocar a sua militância católica acima mencionada, na JAC (Juventude Agrária Católica) - onde militou bem antes das tentações radicais que assolaram a JARC nos anos tardo-revolucionários - e na JOC (Juventude Operária Católica), que fez D. Januário Torgal Ferreira apresentar o seu livro "Trabalho e Sindicalismo em Tempo de Globalização" em 13-11-2007.
Carvalho da Silva ficou no PC, mas na margem e, por isso, nunca foi opção interna para suceder a Cunhal, nem a Carvalhas. Uma vez marcado como malhado, tem o destino traçado. Na verdade, não existe PC além da ortodoxia - a não ser como transição para a social-democracia de direita, como a travessia do PCI ao Partido Democratico. A independência de Carvalho da Silva face ao PC é, ao mesmo tempo, a sua dependência do PS.
O ISCTE: os Silvas, Rodrigues e Sócrates
Manuel Carvalho da Silva é, segundo o Expresso de 19-4-2008, o interlocutor do ministro Vieira da Silva - e ainda da ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues e do primeiro-ministro José Sócrates no acordo (concluído em 11-4-2008) do Governo com os sindicatos de professores (o sindicato da UGT nem foi preciso na reunião...). O contacto é o professor do ISCTE, o organizador frio e diplomata, José António Fonseca Vieira da Silva (que, sintomaticamente, não é referido na tese de 2007). Para vergonha da luta genuína dos docentes, através de vários protestos e da Marcha da Indignação que juntou 100 mil professores em Lisboa (onde Carvalho da Silva faz questão de discursar...), o acordo de mão-cheia-de-coisa-nenhuma, sem contrapartida séria do executivo, entre os sindicatos e o Governo foi celebrado: Carvalho da Silva vendeu os professores ao Governo e o PC aceitou - o PC podia não ter aceite e nenhum acordo seria feito. Só não se sabe se desta vez se brindou o acordo com vinho do Porto, como fizeram Torres Couto e Cavaco...
Vieira da Silva, Maria de Lurdes Rodrigues, José Sócrates, Carvalho da Silva. Em comum têm a ligação ao ISCTE. Vieira da Silva e Maria de Lurdes Rodrigues são originariamente ali docentes (e Maria de Lurdes até ganha, como se apontou acima, uma citação na tese de Carvalho da Silva); José Sócrates fez lá a sua "Pós-Graduação em Gestão de Empresas designada por MBA" (sic); e Carvalho da Silva fez lá a licenciatura e o doutoramento. Tudo em família.
António Costa é um parente afastado, sem família própria, que não faz parte deste filme negro: pode ser convocado para representar, mas apenas temporariamente, os interesses da família ex-férrica.
Entretanto, há mais duas pistas a seguir: a da facção ex-férrica do PS e a do PC.
O PC e Carvalho da Silva
Comecemos pelo PC. Perdido o poder funcional de representação do grande operariado, pela falência, deslocalização e reconversão da indústria para o comércio e nos serviços, onde a dicotomia trabalho-capital pouco sentido faz, e reduzido o sector dos trabalhadores rurais alentejanos, agora reformados, resta ao PC a frente sindical. Mas a frente sindical também está batida pela transformação do mundo do trabalho: os trabalhadores com contratos a prazo, recibos verdes e desempregados, não se sentem representados pelas direcções sindicais que servem principalmente quem lhes paga as quotas - os trabalhadores efectivos e funcionários públicos, com contratos sem termo - e os partidos políticos de que dependem, por vezes, num promíscuo trampolim para postos governativos.
É neste enquadramento que se desencadeia a luta cada vez mais larga dos professores, afectados na carreira, na profissão e na função, pelo delírio didáctico-pedagógico do Ministério da Educação. Como não confiam nos sindicatos que celebram acordos de trocos com o Governo pela conformação da classe, os professores começam a manifestar-se de forma variada, espontânea e autónoma às estruturas sindicais, surgindo a ameaça de criação de sindicatos independentes e de retoma da unidade de uma Ordem de Professores independente dos partidos políticos. Os sindicatos e os partidos de que dependem, PC e PS, apercebem-se do perigo, surfam a onda e instrumentalizam a luta para benefícios próprios: consolidação da Fenprof-CGTP como principal força sindical dos professores e contestação governativa ao Governo pelo PC; e defesa partidária do governo pela FNE-UGT. O PC aceitou a possibilidade do acordo CCTP-Governo sobre os professores para partir os dentes ao sindicalismo independente que ameaçava nascer, ainda que o acordo lhe desagradasse pela confluência de Carvalho da Silva com o PS.
Todavia, o efeito dos sais de fruto não é duradouro para resolver o problema da azia provocada pela ingestão do heterodoxo Carvalho da Silva. O PC quer substituí-lo há tempo, mas não pode provocar uma ruptura com ele. Manuel Carvalho da Silva tem 59 anos (nasceu em 2-11-48) e não é provável que queira reformar-se tão cedo: no partido a que ainda pertence, tradicionalmente dirigido pela gerontologia, ele ainda se verá como um jovem. Além disso, na CGTP, nos seus 22 anos de reinado, criou um grande grupo de seguidores, principalmente junto das tendências católicas e não-comunistas da central sindical. Uma ruptura com o PC teria um efeito incomparavelmente maior do que a do Grupo dos Seis ou da Plataforma de Esquerda.
O PC prefere a prudência face ao aventureirismo da ruptura com Carvalho da Silva. Substituir Carvalho da Silva na liderança da central, contra a vontade deste e do seu grupo, poderia levar à organização de uma força sindical intermédia, autónoma, que assegurasse o grosso dos dirigentes e sindicalistas e partisse o próprio PC. E, sem sindicatos fortes, o PC definharia.
Em vez do enfrentamento em campo aberto, que podia ter forçado no XI Congresso da CGTP-IN em Fevereiro de 2008 (novo congresso só em 2012), a direcção do PC prefere o combate de erosão. Agora, o PC já está liberto da ameaça de criação sindicalismo independente dos professores que depreciaria a sua força sindical. Um sindicato independente é um perigo, pois defende e promove os interesses da classe profissional em vez das necessidades da central sindical e do partido que nele manda. Então, o PC age para travar a aliança Carvalho da Silva-PS, intermediada pela facção ex-férrica, que lhe prejudica o resultado eleitoral acima dos 10% que espera na próxima votação do Outono de 2009 e que a sondagem Intercampus/TVI de 27-6-2008 (10,1%) já regista. Como faz? A propósito do novo Código Laboral, o PC provocou o endurecimento da luta contra o executivo, através da linguagem mais áspera e das manifestações de rua, encostando Carvalho da Silva e reduzindo a sua margem de acção, inviabilizando o acordo com o Governo PS no novo Código do Trabalho (apesar da abstenção nuancée). O PC forçou até o próprio Carvalho da Silva a empregar uma linguagem mais violenta face ao Governo nos seus discursos e intervenções.
A facção ex-férrica do PS e Carvalho da Silva
A facção ex-férrica do PS é considerada da ala esquerda, mas na verdade, à excepção dos costumes, é tão capitalista como as demais. Na verdade, o que a determina não é a posição anti-capitalista - quem é anti-capitalista não junta capital! -, nem sequer ideológica, mas o controlo e exercício do poder total. A posição variará conforme lhe seja conveniente: mais à esquerda ou mais... à flexi-segurança...
Esta facção tem acumulado poder por três motivos: a extraordinária organização de favores, dependências e lealdades próprias, para o que conta com o rico Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, que lhe foi distribuído na reconquista do Estado em Fevereiro de 2005 (o PS, e José Sócrates, como secretário de Estado, ministro e primeiro-ministro, deteve o poder durante onze dos últimos treze anos); a política capitalista de José Sócrates, prosseguida mesmo num contexto de crise económica grave e crescente; e a aliança com Carvalho da Silva. Contudo, esta aliança com Carvalho da Silva não é nova: na época dura, ele foi solidário.
Por causa do estado de necessidade do Governo, com um índice de aprovação em queda, devido ao fecho de empresas, ao desemprego, à emigração e ao endividamento e empobrecimento das famílias, e à forte contestação sindical e popular, o ultra-liberal José Sócrates tolera até a assunção pública da tendência ex-férrica. Além do faz-que-anda-mas-não-anda de Manuel Alegre, a tendência ex-férrica é consequente: tem poder, demonstra-o e usa-o. O líder não se pode expor - e Vieira da Silva não tem voter-appeal. Assim, precisa de se montar em António Costa para tomar o poder do PS e, a seguir, do País, quando Sócrates cair corroído pela aceleração do agravamento da crise económica. Essa táctica não os preocupa: estão habituados a trabalhar na sombra.
Conclusão
O ponto fraco da estratégia da facção ex-férrica, e do próprio José Sócrates, é também o seu ponto forte: o controlo do iscteano Carvalho da Silva.
Sócrates e o PS precisam de Carvalho da Silva para lhes neutralizar a contestação substancial à esquerda e conseguir acordos com o Governo, de modo a que o PC e o Bloco não façam em conjunto os 25% que lhes faria perder as eleições daqui a quinze meses.
A facção ex-férrica carece, entretanto, da aliança com Carvalho da Silva como salvo-conduto para passar pelas linhas socratinas e afirmar a sua força no PS. Se Sócrates perder as eleições - como creio há meses -, é provável que, falhando a táctica funcional que esta serve (neutralização do poder eleitoral do PC e do Bloco), resulte a estratégia de tomada do poder no PS. O País virá depois e a facção, por outros motivos, até precisa de ganhar tempo.
Se, e só se, Sócrates, ganhar com maioria absoluta, o que a conjuntura económico-política não vai consentir, destronaria a facção ex-férrica do rival, por esta ter alcançado um poder que o ameaça. Mas se Sócrates ganhar com maioria relativa continua a necessitar da facção ex-férrica para o acordo à esquerda com o Bloco, um partido que tem, há muito um pacto do Diabo com ela.
A hipótese de ressurreição pós-eleitoral do Bloco Central PS-PSD pode pôr em causa a tomada do poder interno no PS pela facção ex-férrica. Esse acordo é desejado pelos empresários ameaçados pela Operação Furacão, e outros grandes casos; é acarinhado pela promiscuidade político-capitalista que teme a maior autonomia do poder judicial face ao poder político, de que é expoente a procuradora Maria José Morgado; e é apadrinhado paradoxalmente pelo presidente Cavaco Silva, que precisa dos socialistas no poder para capitalizar à direita o descontentamento e neutralizar a força do candidato Manuel Alegre.
Todavia, a viabilidade de um Bloco Central, como em 2005 na Alemanha, com Manuel Ferreira Leite na posição de Angela Merkel, também implica o afastamento de José Sócrates do Governo como aconteceu com Gerhard Schröder...
Mas não é só a linguagem esquerdista da facção ex-férrica que seria obstáculo para a sua inclusão no Governo: se esse léxico radical seria rapidamente substituído, existe o problema de António Costa, líder provisório da facção, que já troca convites com Rui Rio, o número dois do PSD, não pretende trocar o lugar de presidente da Câmara Municipal de Lisboa por vice-primeiro-ministro, tendo de se encontrar um suporte de menor influência; e de Cavaco não querer certos nomes manchados no poder. Isto é, o mais provável se o PSD ganhar as eleições, como prevejo, é a solução Sarkozy com o governo Fillon: um governo abrangente dito de Salvação Nacional, com a inclusão de algumas personalidades independentes e algum actual militante socialista.
A chave das eleições de 2009 está na aliança ex-férricos/Sócrates/Carvalho da Silva. A táctica a empregar para romper esta tríplice aliança é denunciá-la já. Exposto o uso de Carvalho da Silva, liberta-se o PC, reduz-se a força da facção ex-férrica no PS e isola-se Sócrates que, então, perderá as eleições de 2009.
E os Silvas acabam, eles próprios, picados na sua ousadia das rosas: Vieira voltará para a sua concha e Carvalho partirá para o bosque da memória.
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* Sobre o assunto de base - o entendimento iscteano de 11-4-2008 - veja-se ainda: o Expresso de 19-4-2008 ("Carvalho da Silva foi sensível à argumentação do primeiro-ministro", na notícia de que o acordo entre a Plataforma Sindical dos professores e o Governo foi conseguido por Vieira da Silva e Carvalho da Silva); e a evidência da relação iscteana pelo atento Prof. Ramiro Marques e por José Xavier no Satyricon e ainda num mail publicado no BlogEscolaPública por Paula Montez. O negócio da venda dos professores foi aqui analisado em post de 12-4-2008.
Actualizações: este post foi emendado às 21:40 de 3-7-2008 e actualizado às 21:54 de 4-7-2008.
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