sábado, 8 de maio de 2010

A Graça da Providência divina sobre Portugal

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Em 12 e 13 de Outubro de 1996, o cardeal Joseph Ratzinger presidiu, no Santuário de Fátima, às celebrações da aparição de Outubro de Nossa Senhora. Manifestou a vontade de antes das celebrações visitar o Mosteiro de Alcobaça. O reitor do Santuário de Fátima, Dr. Luciano Guerra, telefonou ao prior de Alcobaça, padre Alexandre Siopa, para que o cardeal fosse bem acolhido nessa visita. Era um sábado. O meu amigo Francisco, ligado à paróquia, telefonou-me para eu estar presente, mas não me conseguiu encontrar. Falámos nessa noite ou no dia seguinte. Contou-me a visita e eu expressei-lhe a minha pena por não ter estado presente. Relembra ele - eu eu já não - que eu lhe perguntei se ele sabia quem era o cardeal Ratzinger: ele não sabia. Ter-lhe-ei dito: «é o futuro Papa». O meu amigo riu-se e confessou-me depois que não acreditou. Relatou-me como foi: uma visita discreta. O cardeal vinha acompanhado por mais dois clérigos. Depois da visita e oração na nave central do Mosteiro, foram visitar as dependências do Mosteiro, nomeadamente os claustros e as salas circundantes. Mas foi-lhes pedido, pela funcionária do IPAAR (hoje IGESPAR), que pagassem o bilhete de entrada... Quando me referiram isso, lembro-me de me ter indignado por o IPAAR - que, nessa época, salvo erro, dirigido pelo Prof. António Ressano Garcia Lamas, estava numa guerra jacobina com a Igreja em todo o País, numa patética conquista de espaços de culto e dependências associadas (e imagens e alfaias litúrgicas...) que queria retirar à Igreja - cobrar entrada nos claustros da Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, cabeça da Ordem de Cister em Portugal, áquele que seria, nessa época, em minha opinião, a terceira figura da Igreja no mundo: o cardeal Ratzinger era o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé... Perdi a ocasião dessa visita, mas não desta vez. Se Deus me der vida e saúde, como diz o bom povo, irei, como peregrino, a pé, de casa a Fátima, neste 13 de Maio de 2010.

A visita do Papa Bento XVI a Portugal, neste momento, é providencial. Possamos nós ouvir a mensagem de fé, de verdade e de identidade com os valores de sempre.

É o seguinte o programa da Viagem Apostólica de Sua Santidade o Papa Bento XVI a Portugal, por ocasião do 10.º aniversário da beatificação dos pastorinhos de Fátima, Jacinta e Francisco Marto, de 11 a 14 de Maio de 2010:

11 de Maio, terça-feira
LISBOA


11.00 – Chegada ao Aeroporto Internacional da Portela, Lisboa
Acolhimento oficial
Discurso do Santo Padre


12.45 – Cerimónia de boas‑vindas, frente ao Mosteiro dos Jerónimos
Breve visita ao Mosteiro dos Jerónimos


13.30 – Visita de cortesia ao Presidente da República, no Palácio de Belém


18.15 – Santa Missa no Terreiro do Paço. Homilia do Santo Padre
Mensagem do Santo Padre comemorativa do 50º aniversário da inauguração do Santuário de Cristo Rei de Almada




12 de Maio, quarta-feira
07.30 – Santa Missa, em privado, na Capela da Nunciatura Apostólica


10.00 – Encontro com o mundo da cultura, no Centro Cultural de Belém
Discurso do Santo Padre


12.00 – Encontro com o Primeiro Ministro, na Nunciatura Apostólica
15.45 – Despedida da Nunciatura Apostólica
16.40 – Partida de helicóptero do Aeroporto Internacional da Portela de Lisboa para Fátima


FÁTIMA
17.10 – Chegada ao heliporto no grande parque do novo Estádio Municipal de Fátima


17.30 – Visita à Capelinha das Aparições
Oração do Santo Padre


18.00 – Celebração das Vésperas com sacerdotes, diáconos, religiosos/as, seminaristas e agentes de pastoral, na Igreja da SS.ma Trindade
Discurso do Santo Padre


21.30 – Bênção das velas, na Capelinha das Aparições
Discurso do Santo Padre. Oração do Rosário


13 de Maio, quinta-feira


10.00 – Santa Missa na esplanada do Santuário de Fátima
Homilia do Santo Padre. Saudações do Santo Padre


13.00 – Almoço com os Bispos de Portugal e com o Séquito Papal no Refeitório da Casa de Nossa Senhora do Carmo


17.00 – Encontro com as Organizações da Pastoral Social, na Igreja da SS.ma Trindade.
Discurso do Santo Padre


18.45 – Encontro com os Bispos de Portugal no Salão da Casa de Nossa Senhora do Carmo.
Discurso do Santo Padre


14 de Maio, sexta-feira
08.00 – Despedida da Casa de Nossa Senhora do Carmo
08.40 – Partida de helicóptero do heliporto de Fátima para o Porto
GAIA
09.30 – Chegada ao heliporto do Quartel da Serra do Pilar


PORTO
10.15 – Santa Missa na Avenida dos Aliados
Homilia do Santo Padre


13.30 – Cerimónia de despedida no Aeroporto Internacional Sá Carneiro do Porto.
Discurso do Santo Padre


14.00 – Partida de avião do Porto para Roma

sábado, 1 de maio de 2010

Cooperadores da causa da Verdade - a propósito da carta de Hans Küng

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Um comentador que muito prezo recomendou-me que lesse a carta do teólogo Hans Küng aos bispos do mundo publicada no dia 16-4-2010 no Irish Times: «Church in worst credibility crisis since Reformation, theologian tells bishops». A recomendação foi feita no dia seguinte à publicação da carta e nesse dia a li, tomando algumas notas no texto. Entendi que a deveria comentar, mas interpuseram-se outros assuntos mais urgentes - como a bancarrota do Estado e a sua soberania restante, além do constante combate pela democracia - e só agora encontro alguma tranquilidade para abordar o assunto. Tenho até a vantagem de ter lido, entretanto,  a resposta de George Weigel na prestigiada First Things: «An Open Letter to Hans Küng», de 21-4-2010 (via João Gonçalves, do Portugal dos Pequeninos) - ler a tradução para português «Carta Aberta a Hans Küng - por George Weigel».

Falarei sobre o Papa Bento XVI, a propósito deste ataque do teólogo - e padre... - Hans Küng.

George Weigel encontrou o «odium theologicum» na fonte deste texto e do comportamento de Hans Küng relativamente ao seu colega teólogo do Concílio Vaticano II, Joseph Alois Ratzinger. Admito que o motivo deste ataque, feito numa oportunidade de fragilidade da Igreja, devido à nova torrente de notícias novas e repetição de notícias velhas sobre abusos sexuais de crianças, de adolescentes e jovens, por parte de clérigos e colaboradores da Igreja, seja ainda mais fundo: a inveja. A carta de Küng é, assim, uma tentativa de desforra do confronto conciliar, meio século depois.

Na Igreja pós-Concílio Vaticano II, a linha católica conservadora consolidou, nos papados de João Paulo II e de Bento XVI, a vitória sobre a facção protestante liberal.

O mesmo se havia passado já com a superação (cristianização) da marxista, e legitimadora da violência, Teologia da Libertação - ver «Igreja, Carisma e Poder», que muito me impressionou, por «algumas sementes de verdade» (para usar as palavras do Papa João Paulo II sobre o socialismo marxista, em entrevista a La Stampa, de 2-11-1992) no diagnóstico de afastamento entre a Igreja-hierarquia e a circunstância dramática dos seus fiéis. João Paulo II  liderou a luta contra o marxismo na Igreja, muito preocupante na América do Sul e Central, e o relativismo liberal. O problema da Teologia da Libertação foi resolvido com a neutralização do marxismo e a integração das sementes de verdade, na libertação humana e na pastoral (com a maior ligação entre o padre e a comunidade), na qual também participou, em apoio de João Paulo II, nessa altura o cardeal Joseph Ratzinger - e Leonardo Boff abandonou, entretanto, o sacerdócio e afastou-se ainda mais da doutrina da Igreja.

batalha contra o relativismo moral, empreendida por João Paulo II (começar por ver a brilhante Carta-Encíclica Sollicitudo Rei Sociallis, de 1987), continua com Bento XVI, que já tinha sido um fiel colaborador do Papa na área teológica. Lembro a sua homilia na Missa Pro Eligendo Romano Pontifice, em 18-4-2005, na qual criticou:
a «ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades.»
A luta com o relativismo moral, o totalitarismo do politicamente correcto, que quer impor-se mesmo no terreno interno da Igreja, é mais subtil, porque este é mais insidioso: não há a violência física do marxismo em acção, mas a violência mediática e a ostracização pública. Mais ainda, o relativismo foi reforçado: as forças clássicas do livre-pensamento maçónico, do ateísmo materialista, dos liberais paelo e neo-clássicos, e dos que passam a odiar a Igreja quando a sua vida sofre a ruptura da separação conjugal ou uma grande amargura que os afaste da graça da Fé, foram aumentadas com a transmutação dos vencidos do marxismo. Note-se que, em Portugal, também houve, nos tempos revolucionários do final de 1974 e de 1975, uma adesão temporária de ateus materialistas ao comunismo que lhes passou, como diz a minha mãe, quando perceberam que afinal «o comunismo não era só contra o padre»...

É no contexto dessa batalha do relativismo moral contra a Igreja, principalmente por causa da moral sexual e do dinheiro, que se inscreve a carta do teólogo suíço, a quem o Papa, logo que eleito, num gesto de conciliação convidou para Castelgandolfo. O combate do relativismo tem forças internas acólitas, mas a sua origem está fora: é um facto peculiar destes tempos que estejam no exterior da Igreja os mais vocais preocupados com a sua mudança: não acreditam em Deus Nosso Senhor Jesus Cristo, mas pretendem mudar a doutrina da Igreja!... E a Igreja, povo e instituição, no seu conjunto - Papa, bispos, padres, monjes e monjas, e leigos -, que tem mais de dois milénios de história, sabe que só existe para mudar o mundo e que, se passasse a ser mundana, se dissolveria no secularismo que lhe aconselham ser... salvífico.

Muito do que Küng disse na carta aos bispos é falso, com indignação maior, como reage Weigel, para a acusação à Congregação para a Doutrina da Fé, dicastério da Cúria Roman de que Ratzinger foi Prefeito,  de que encobria os abusos, quando só a partir de 2001 ganhou a competência de julgamento desses casos e começou a definir uma política mais severa relativamente a abusadores, numa repressão e prevenção dos abusos que, já como Papa, tem endurecido.

Contesto o conteúdo da carta de Hans Küng.

O pontificado de Bento XVI tem o amor de Deus como princípio. E tem como função o serviço da Verdade, na demonstração, pela mensagem, de que a fé é também uma imanência da razão - numa actualização de Santo Agostinho. Como explica John L. Allen Jr., em «10 Things Pope Benedict XVI Wants You to Know», a fé precisa da razão e a razão carece da fé. A fé precisa da razão para evitar o cinismo, o nihilismo e o desespero. A fé precisa da razão, para se proteger do fundamentalismo, do extremismo e da violência. A Verdade é o resultado dessa conjunção da fé e da razão.

Enquanto o protestantismo se desagrega - ainda mais - e se profana, a Igreja Católica mantém-se como farol de consciência e unidade doutrinária e de prática, chegando, por isso, a atrair até os anglicanos descontentes. Todavia, visto como inflexível, é, possivelmente, o mais colegial dos últimos papas.

Bento XVI não tem uma vocação política, mas mais eclesial, contudo não deixa, de criticar corajosamente a guerra, a pobreza e a corrupção, in loco, como fez em África, as consequências tangíveis do relativismo moral no aborto e na eutanásia, na desagregação da família e da sociedade, na proibição mais ou menos mitigada da religião e reclamar a protecção dos mais humildes, dos doentes e do ambiente, afirmando a independência da Igreja face aos estados.

No plano interno da Igreja aumenta o esforço de reconciliação interna, para acomodar os descontentes mais liberais e para eliminar a tentação cismática do integrismo, ainda que correndo o risco de descontentar aqueles que entendem legítima apenas a conciliação externa. A mesma conciliação tem feito com as comunidades cristãs ortodoxas.

Mantém, sem comprometer a essência da doutrina, a preocupação ecuménica, na conciciliação universal com as outras comunidades religiosas, como os judeus e os islâmicos. Isto sem conceder à mentira repetida de que Pio XII não condenou o Nazismo, nem o Holocausto, nem protegeu os judeus, quando a Igreja, com sua ordem e gravíssimo risco, salvou centenas de milhares de judeus  de serem deportados e mortos nos campos de concentração - em contraponto com os dirigentes políticos aliados que encobriram do público os factos e as denúncias, como as de Jan Karski, por o tema não lhes ser prioritário...

Não beneficia do carisma mediático nem da energia do jovem João Paulo II, mas professor, que foi, e intelectual, que é, mantém uma grande capacidade de diálogo, paciência, serenidade e respeito com quem os outros, que podem ser coincidentes ou pensarem de modo diferente. Essa atitude também decorre da sua opção, no núcleo do apostolado da Igreja, pela Verdade e pelo Amor (Cooperatores Veritatis), que atraiem, em vez do poder e da lei, que obrigam, num tempo que alguns julgam já pós-cristão.

Promove a reforma da Igreja na sua relação com o mundo moderno, para maior atenção, sanidade, transparência e prestação de contas - nomeadamente na prevenção e repressão da vergonha dos abusos sexuais de crianças, adolescentes e jovens. E encoraja a evangelização efectiva através dos novos meios de comunicação (ver, por exemplo, http://www.pope2you.net/), em vez do silêncio, da reclusão, do recuo do espaço público, da resignação, do conforto e do receio de contacto com os não-crentes. Nesse sentido, destaque para o recente conselho de Bento XVI aos padres para que usem os novos meios digitais de comunicação, entre os quais... os blogues:

«aos presbíteros é pedida a capacidade de estarem presentes no mundo digital em constante fidelidade à mensagem evangélica, para desempenharem o próprio papel de animadores de comunidades, que hoje se exprimem cada vez mais frequentemente através das muitas «vozes» que surgem do mundo digital, e anunciar o Evangelho recorrendo não só aos media tradicionais, mas também ao contributo da nova geração de audiovisuais (fotografia, vídeo, animações, blogues, páginas internet) que representam ocasiões inéditas de diálogo e meios úteis inclusive para a evangelização e a catequese.»
Mensagem do Papa Bento XVI para o 44.º Dia Mundial das Comunicações Sociais, «O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos media ao serviço da Palavra», 16-5-2010

Os homens e as instituições não são perfeitos. A sua santidade estará na sua capacidade de redenção do Mal. A Igreja ultrapassará mais esta fase de sofrimento, limpeza e catarse e, depois, desejavelmente com serenidade, empreenderá as reformas internas necessárias, nomeadamente na organização, no laicado e no papel da mulher. Reformas que que não sofrem de objecção dogmática. Uma «hermenêutica de continuidade» em vez de uma «hermenêutica de ruptura» (Bento XVI, 22-12-2005).

Portanto, concluída a análise da sua carta, vemos que Hans Küng pode ter tido a oportunidade, mas não tem razão.

E é este homem, ao mesmo tempo frágil, fustigado pelo ditadura do relativismo moral, contestado com violência e desumanidade por não deixar levar a Igreja por «qualquer vento de doutrina» adversa que a conduziria ao precipício, e, ao mesmo tempo Pedra, que se mantém intacta da erosão dos tempos ácidos e turbulentos, que, em paz, se junta a nós, portugueses, no âmago ainda fidelíssimos, em meados de Maio de 2010, para um encontro apostólico. Saibamos acolhê-lo, agradecer-lhe e receber a sua bênção.





* Imagem picada daqui.


Actualizações: este post foi actualizado às 0:23 de 2-5-2010.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Projecto Mercúrio: «Aquele [poder] que lhe interessa»

O Expresso, de 26-4-2010, na notícia «Projecto Mercúrio», da autoria do jornalista Micael Pereira, traz mais detalhes sobre o negócio PT/TVI:
    1. Esclarece que a operação terá tido início em Setembro de 2008.
      2. Não se tratava de dois negócios diferentes, mas do mesmo: Taguspark e PT seriam parceiras na compra da TVI.
        3. Nesse negócio entrariam outros investidores: é referido pela primeira vez o Grupo Lena.
          4. Na notícia, página 10, escreve o autor:
          «Às 23h03 [de 21 de Junho de 2009], Rui Pedro Soares diz a Armando Vara que o assunto "está fechado", já tem as assinaturas da PT" e vai "buscar as assinaturas deles" [Prisa]. Diz ainda que o negócio vai ser comunicado no dia 25 de Junho, e que a operação foi feita com o BES Investimento: "na conferência de imprensa vão estar o Zeinal, o polanco (PRISA) e o Ricciardi (BES)". Vara pergunta como vai ser com o poder e fica a saber que vão ficar com "aquele que lhe interessa" e vão "tutelar a programação e a informação".»
          O BES Investimento já tinha sido citado no Sol, de 5-2-2010, mas agora vêm mais detalhes que permitem compreender melhor o negócio. O BES terá bancado o negócio de compra da TVI, parte do «plano governamental para controlo dos meios de comunicação social». E mais se esclarece a questão do «poder» (com as letras todas!) noutro extracto ainda não citado, que me lembre, de alegada conversa entre Armando Vara e Rui Pedro Soares: o «poder» é a «informação e a programação»...


          Limitação de responsabilidade (disclaimer): As personalidades referidas nas notícias dos media, que comento, não são, que saiba, suspeitas do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade e, quando arguidas, gozam do direito constitucional à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.

          quarta-feira, 14 de abril de 2010

          A honra e a responsabilidade da visita do Papa Bento XVI

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          A visita do Papa Bento XVI a Portugal, de 11 a 14 de Maio de 2010, é uma honra e uma responsabilidade.

          É uma honra à Nação que, no seu âmago, é Fidelíssima, mesmo quando os seus soberanos não são. Já passaram uns anos largos, desde o Motu proprio Maxima ac iam praeclara, de 23 de Dezembro 1748, quando o Papa por sinal também Bento (o XIV) atribuíu a D. João V o tão almejado título de Sua Majestade Fidelíssima. Mas também a Espanha já não é Muito Católica e menos ainda a França Cristianíssima.

          É uma responsabilidade para Portugal acolher o Papa Bento XVI, sucessor de Pedro, pai em exercício da Igreja de Cristo. O Papa há-de ser muito bem acolhido pelo povo português, como foi o seu santo antecessor João Paulo II. E creio que não pode deixar de ser bem recebido pelas autoridades do Estado, mesmo quando perseguem objectivos morais fundamentalistas liberais que se conjugam num anti-clericalismo militante.

          O povo português tem séculos de oração impregnada: distingue o rebanho das ovelhas tresmalhadas e, no seu íntimo, compreende a imperfeição da Igreja, espelho da sua própria fraqueza humana, ainda que tenha cunho divino, como o próprio Homem, e ainda divide a teologia do pecado da jurisdição do crime, numa aplicação da teoria dos dois mundos, em que se tem de dar a Deus o que é de Deus e o imposto (a pena) é devido a César (o Estado) que deve executar civilmente a vontade do povo. A compreensão dos erros da Igreja é uma oportunidade de emenda nesta altura de ceifa, de separação eficaz do trigo e do joio, e de mudança que não pode ser adiada. No sentido que vem sendo traçado neste pontificado, aguarda-se também uma palavra de tranquilização, reafirmação e confiança, na nova política e prática da Igreja relativa à questão dos abusos sexuais de menores cometidos pelos seus ministros e colaboradores. Como se espera uma mensagem clara de conforto e fé face à dissolução oficial dos costumes.

          Os dignitários da Igreja devem ter, nesta altura de tentativa de cerco, um extraordinário cuidado nas declarações públicas que prestem, pois a sensação dominante nos meios hostis é de que tudo o que digam e escrevam pode e deve ser usado contra eles, numa desonestidade de negação de evidências, factos e documentos, e extrapolação de frases (e de excertos de frases...) para uma suposta tolerância ou justificação dos abusos sexuais praticados por clérigos e colaboradores. Uma crítica violenta dessas declarações, apesar da condenação unânime da pedofilia, que contrasta com um silêncio face aos abusos, apontados como mais frequentes do que nos padres católicos, cometidos por clérigos protestantes e de outras igrejas. Uma campanha mediática que se acentua paradoxalmente contra este papado, quando Bento XVI é o pontífice que mais tem feito contra os abusos sexuais de crianças por clérigos e colaboradores!...

          O Estado terá de receber bem a Igreja. O máximo representante do Estado é o Presidente da República, católico e conservador, que tende a ver a visita do papa com alegria e como uma benção para o País atribulado. Todavia, neste Portugal empobrecido e submisso, o Estado é quase só o Governo. Um governo, à imagem do seu chefe, colérico mas enfraquecido. Um Governo anti-religião, mas debilitado pelo totalitarismo mediático, pela corrupção e, principalmente, pelo mau desempenho financeiro e económico. Pode até dar-se o caso de que José Sócrates volte a benzer-se publicamente...

          Neste quadro de combate contra os valores morais religiosos, a  decisão do Governo de decretar tolerância de ponto aos funcionários públicos no mítico 13 de Maio, quinta-feira, uma decisão que costuma ser seguida por muitas instituições e empresas, para quem queira participar nas celebrações no Santuário de Fátima, no ponto mais alto da visita papal, representa respeito pelos católicos portugueses, que são a grande maioria da população. Este ano, os feriados do 25 de Abril e do 1.º de Maio calharam ao fim de semana, portanto, não valia o argumento de que decretar tolerância de ponto no dia 13 de Maio, aumentaria o número de dias feriados face ao normal.

          O Governo Sócrates tem usado a agenda fundamentalista liberal - liberalização do aborto a pedido; divórcio na hora, com desprotecção da mulher; favorecimento fiscal e nas subvenções das uniões de facto (registadas ou não) face ao casamento; casamento homossexual,  sem referendo (Portugal vai ser o oitavo país do mundo a legalizá-lo, mas o Partido Socialista opôs-se um referendo sobre o assunto); secularização de espaços de igrejas (inclusive de espaços de culto); e limitação da assistência nos hospitais e prisões - para suavizar e congregar sectores descontentes com o desempenho financeiro e económico. O Governo corteja as instituições de poder da Igreja, seja a Rádio Renascença (onde tem a presença, como comentadores residentes, de destacados políticos maçons socialistas...), seja a Universidade Católica. Porém, o Governo e as autarquias ligadas ao Partido Socialista diminuem o apoio às instituições de solidariedade social ligadas à Igreja, enquanto protegem, incentivam e custeiam, a criação de organizações laicas concorrentes, tendo chegado, num caso que conheço, ao cúmulo da afronta de ameaça directa de processo judicial à própria Igreja (!) para recuperar subsídios que lhe foram atribuídos pelos antecessores para a construção de uma obra social.

          Contudo, o mau desempenho financeiro, por irresponsabilidade política (por comparação, veja-se o caso irlandês) que está a levar o País à bancarrota, sem conseguir que a economia saia da depressão, fê-lo perder o apoio de sectores da classe média que tinahm visto no cumprimento dos salários e das pensões uma garantia. Um apoio que já estava deteriorado pelo ostensivo totalitarismo mediático (o controlo da quase totalidade dos meios de comunicação social tradicionais pelas forças socialistas ou dependentes) e pela imagem pegajosa de corrupção. Este conjunto de resultados enfraqueceu irremediavelmente o Partido Socialista e, em particular, o primeiro-ministro. Assim, a visita decorre neste quadro de enfraquecimento político do Governo: é o Governo que precisa da indulgência discursiva da Igreja. Por isso, não se crê que o primeiro-ministro tenha condições políticas para dar ordem às forças mediáticas que, directa e indirectamente, são controladas pelo Governo para hostilizar o papa e a Igreja neste momento especial. Mas, se o Papa e a Igreja, antes e durante a visita, forem hostilizados pela comunicação social controlada (quase toda!), ninguém em Portugal terá dúvida de onde veio a ordem.


          Pós-Texto (21:47 de 14-4-2010): O nosso amigo Paulo Carvalho do vizinho Poviléu lembra que o dia 13 de Maio, Quinta-Feira de Ascensão, já é feriado em muitas autarquias do país, não constituindo assim uma tão grande redução da produtividade, capaz de afectar o défice português...

          Actualizações: este post foi actualizado às 16:39 e 21:47 de 14-4-2010.

          * Logótipo da visita do Papa Bento XVI a Portugal, de 11 a 14 de Maio de 2010.

          domingo, 11 de abril de 2010

          Ainda sobre a pedofilia na Igreja

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          Ainda um post sobre a pedofilia na Igreja.

          As últimas notícias publicadas na imprensa - Worries about Calif. priest came early in career, AP, 9-4-2010; Text of 1985 letter from future Pope Benedict, 9-4-2010 (fac-simile da carta, em latim, de 6-11-1985); Dagli Usa nuove accuse a Ratzinger - "Non rimosse un prete pedofilo", Repubblica, 9-4-2010; Bispo norueguês afirma que recebeu muitas informações sobre novos casos, Sol, 9-4-2010; e Times chiama in causa il primate d'Inghilterra - "Ha protetto un sacerdote pedofilo", Repubblica, 10-4-2010 - reforçam a minha convicção, expressa no poste duro que escrevi aqui em 2-4-2009, e em comentários, sobre os erros da Igreja no silêncio face aos abusos sexuais de crianças e na fraqueza na prevenção e repressão desses abusos (nomeadamente, a transferência de abusadores confirmados para outras paróquias e funções) e confirmam a necessidade de erguer uma nova política interna face à pedofilia, para a qual sugeri algumas medidas.

          Não adianta - nada! - insistir que a política e a prática da Igreja era outra. A Igreja faz bem em pedir novamente desculpa às crianças vítimas dos abusos e ajudá-las na reparação do mal causado pelos seus ministros e colaboradores. A reputação e a imagem da Igreja - e até a defesa dos pares, padres - são melhor defendidas com a comunicação imediata às autoridades civis acerca dos abusos comunicados do que com o encobrimento dos factos, a expiação interna (abusadores tendem sempre a incorrer em novos abusos)  e a jurisdição canónica. A política e a prática da Igreja no tratamento deste assunto, nos diversos níveis de intervenção (paroquial, diocesano, conferência episcopal e Santa Sé), salvaguardadas excepções que também existiram, estava errada e deve mudar.

          Neste blogue, não omito informação (guio-me por um critério científico, mais exigente do que aquele que é praticado no jornalismo), procuro as fontes originais, sirvo a verdade, esforço-me por destrinçar os factos dos boatos, trabalho com o máximo rigor que me é possível. E  não pratico a indignação selectiva. Não creio em qualquer cumplicidade do papa Bento XVI, nem agora, nem no passado, com os abusos, nem de João Paulo II. Como exemplo, note-se que até 2001, como é recordado na Repubblica, de 9-4-2010, a Santa Sé não tinha competência para os casos de pedofilia se não implicassem a «solicitação» no confessionário e a Congregação para a Doutrina da Fé não tinha competência na época da carta. Embora, repito, pelos motivos que apontei, o tratamento usual dos casos de abuso não era adequado.

          À excepção de alguns tarados identificados, e que atingiram até o episcopado ou ordens religiosas (lembro o caso horrível do padre Marcial Maciel), não creio que os seus dirigentes, nomeadamente os máximos dirigentes da Cúria Romana fossem cúmplices nos abusos. E, como disse no poste referido, não pode aceitar-se a confusão entre a prática dos abusos e o seu silenciamento ou cumplicidade, com sugestão de participação nos abusos, coisa que tenho visto ultimamente na imprensa dominante e nos meios adversos à Igreja. É curiosa a sugestão, em certos meios portugueses adversos à Igreja, de inextricabilidade entre a pedofilia e a Igreja, numa insinuação desta como pecado original da Igreja - citam-se até as escrituras, com o versículo «Deixai vir a mim as criancinhas» (Lucas 18:16) - a propósito desta segunda onda de notícias, de 2009-2010 (a primeira foi em 2002) em vergonhoso contraste com as denúncias, testemunhos e factos sobre pedofilia de Estado (abusos e não apenas encobrimento!) no caso Casa Pia. Não há abusadores bons.

          Repito o que propus: aprovação de um código de comportamento que garanta a prevenção de abusos sexuais sobre crianças (o Vaticano vai publicar um guia para explicar como são tratadas as denúncias de abusos sexuais sobre crianças - note-se que, a partir de 2001, a Congregação para a Doutrina da Fé é competente para tratar os casos de abusos); em caso de abusos na Igreja, por clérigos ou colaboradores, todos os os abusos devem ser denunciados, investigados, perseguidos, julgados e punidos pela justiça civil; proibição imediata de contacto com crianças e adolescentes até à conclusão do processo; suspensão imediata de funções quando se apurarem indícios fortes da prática dos crimes denunciados (em vez da transferência de paróquia); investigação interna extensa; punição interna após condenação em processo canónico, além de serem assumidos os efeitos internos dos processos civis, redução ao estado laical - e ainda, acrescento, registo interno dos abusadores para que sejam proibidos de participar em actividades institucionais com crianças, adolescentes e jovens.

          Por último, o juízo legítimo sobre a oportunidade e o alvo das revelações não pode menorizar a necessidade de responder às notícias e acusações, nem fazer perder o bom senso, muito menos adiar a execução e publicidade da mudança de política e prática. É evidente que  que o Papa Bento XVI é o alvo - tal como a espinha da memória de João Paulo II, que é mais difícil de fustigar, dada a sua aura de santidade - e que a oportunidade da recuperação de notícias velhas, bem como de novas revelações, se conjuga numa campanha contra o seu papado e no conflito cultural entre secularismo (mais violento nos vencidos do marxismo e mais insidioso na paleo/neo-maçonaria) e a Igreja. Um conflito entre posições tão opostas no campo moral que não pode ser resolvido por qualquer aggiornamento da Igreja: não é possível eleger-se um Papa que tenha uma posição favorável ao aborto, à poligamia sucessiva, à eutanásia, à exploração económica desumana, que, enquanto distorcesse a doutrina para lá de qualquer coerência doutrinária, satisfizesse plenamente os fundamentalistas liberais. Mas que será, creio, distendido com uma inevitável aproximação secular à moral religiosa. Mas a forma - a falácia, o grão de verdade, a opinião distorcida dos factos, a insinuação e outros enviesamentos cognitivos - nunca afecta a validade da substância, nem sequer a desonestidade intelectual de adversários diminui a validade dos factos. Um desses factos é que o Bento XVI é o Papa que mais tem pugnado pela mudança da política e da prática da Igreja face aos abusos sexuais de crianças.


          Pós-Texto (14:11 de 11-4-2010): O comentador SDC indica um estudo de Francisco Faure, publicado no blogue Logos, em 8-4-2010, com revisão e interpretação histórica sobre os abusos, nomeadamente na situação dos EUA: «A pedofilia é um problema da Igreja?». Como disse aqui em 2-4-2010, segundo os estudos que li e as fontes consultadas, a incidência da pedofilia na Igreja é menor do que na sociedade e também é referido que será menor do que noutras igrejas. Mas esse facto não diminui a responsabilidade pelos abusos. O crime do abuso é ainda mais terrível na Igreja, pois atenta contra uma moral que prega a pedofilia como o pior dos crimes. Não pode haver a mais pequena dúvida sobre a condenação dos abusos, a denúncia às autoridades civis e a prevenção e repressão dos abusos.

          Assim, o trabalho que se tem feito, nomeadamente nos EUA, desde 1985, de romper a cortina de silêncio e de maior prevenção e repressão de abusos deve ser desenvolvido, alargado e aprofundado, para uma mudança global efectiva de política e de prática. Repito o que escrevi aqui na Sexta-Feira Santa de 2010:
          1. «A política do silêncio face aos abusos sexuais de crianças é inadmissível.
          2. Qualquer censura das vítimas e condescendência interna com os alegados abusadores é desumana;
          3. A denúncia de alegados abusos às autoridades civis tem de passar a ser obrigatória para que seja investigados, despistados e perseguidos.
          4. A transferência dos abusadores denunciados para outra paróquia, no país ou no estrangeiro, é inadmissível.
          5. Não se pode assimilar a pedofilia, e efebofilia, à homossexualidade, ainda que, entre os padres, segundo estudo sobre a situação dos EUA, a grande maioria dos abusadores seja homossexual, desvalorizando a sua gravidade moral e criminal ou, até, julgando-a, insensatamente, de forma mais suave do que o relacionamento de um padre com uma mulher adulta.
          6. A Igreja tem de purgar-se dos padres, religiosos e colaboradores no apostolado (por exemplo, catequistas e funcionários de colégios e lares), denunciados como pedófilos e sobre os quais existam indícios de abusos.
          7. A Igreja deve resolver sem demora a promiscuidade e encobrimento da pedofilia referida em certas instituições, por reforma ou dissolução, como é o caso flagrante da Legião de Cristo (do padre Marcial Maciel Degollado), cujos membros não tem culpa dos pecados do fundador, mas cuja notoriedade não pode ser apagada.»


          * Imagem picada daqui.

          sexta-feira, 2 de abril de 2010

          Ecce homo!

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          Mas, se alguém escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, seria preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas do mar. (Mateus 18: 6)

          Sexta-feira da nossa Paixão. Em cada ano morremos e em cada ano ressurgimos. Vivemos de novo. No tríduo da Páscoa, passamos da morte à vida. Porque, na Verdade, cada homem nunca morre. Transita. Recomeça.

          Esta Páscoa é mais dura para os católicos que a celebram, sofrem e festejam. Mais dura pela torrente de notícias, novas e velhas, sobre abusos sexuais de crianças por clérigos e em colégios religiosos - nos EUA, na Irlanda, na Alemanha, noutros países europeus e também em Portugal. O problema não é exclusivo da Igreja Católica, pois também afecta os chamados ritos protestantes e outras igrejas e instituições. Mas da Igreja Católica pretende-se a perfeição. Uma perfeição que não tem. A sua santidade decorre, além da sua origem divina, da consciência de que o pecado existe e será superado.

          O abuso sexual de crianças não é apenas um pecado: é o maior crime que a Humanidade sofre. Não é fácil de apurar, pois, como costumo dizer, deve ser um crime que um pedófilo nem sequer confessa ao espelho. Na sua tara, justifica-se intimamente, ou não, e continua a realizá-lo quando pode, e o deixam, escondendo-o e dissimulando dos outros, como um psicopata predador da inocência e fraqueza de crianças e adolescentes. Não é simples, então, prevenir e reprimir este crime, praticado por pessoas que se aproximam com especial insídia de locais e instituições frequentadas por menores. Menores que devem ser a principal preocupação da Igreja: entre a protecção da criança e a reputação do denunciado, a opção tem de ser pela criança.

          Sabemos que a Santa Igreja é composta por homens, que são, por natureza, pecadores. Todavia, afligiu-nos a dimensão e extensão dos abusos. Mais ainda, custam-nos os erros na sua prevenção e na sua repressão. Não se pode consentir que a mó de moinho, a pena mais grave que Cristo firmou, arraste o pescoço da Igreja.

          Por isso, importa, mais uma vez a redenção. Uma redenção interna face ao pecado do silêncio e ao pecado da fraqueza na repressão dos abusos.

          Silêncio face aos abusos, em nome de uma reputação colectiva de integralidade, para salvaguarda da aparência de santidade e de protecção de uma imagem de pureza, mesmo quando tingida pela lama. Um silêncio que magoa, uma vez mais, as crianças abusadas, pois precisam da catarse de acreditarem nelas, de lhes darem razão e apoio. Um silêncio que não resolve os abusos, pois as promessas de bom comportamento de pedófilos são ilusões que a experiência não perdoa: a pedofilia é uma tara incorrigível e é muito provável a ocorrência de novos abusos. Além disso, a sensação de imunidade eclesiástica, a expectativa do silêncio e da impunidade aumenta a liberdade dos abusadores para a realização de novos abusos. Por mais que doa, importa dizer que o motivo principal da prática da política do silêncio - que se transmite, erradamente, ser ancorada na instrução Crimen Sollicitationis, de 1963, do cardeal Ottaviani, referente à denúncia desses crimes através da confissão, com um regime mais severo expresso na carta De delictis gravioribus, de 2001, de Joseph Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que George Weigel e Jay Scott Newman explicam no artigo «Spreading the Big Lie», de 29-3-2010 - não  aparenta ser a protecção das vítimas e dos acusados, mas a salvaguarda da reputação da Igreja e das suas instituições, também motivada pela habitual defesa dos pares. É melhor admitir o problema do que negá-lo. A negação do problema é uma barreira à sua solução.

          Fraqueza na prevenção e na repressão dos abusos. Fraqueza na prevenção de um assunto tabu, inominável. E fraqueza na repressão, evitando arrostar com as dificuldades da suspensão do clérigo, ou religioso, a sua punição interna, a sua denúncia às autoridades civis e o ultraje público do conhecimento dos abusos. Porém, melhor que a manutenção de uma aparência imaculada é a evidência da prevenção, investigação, repressão e punição dos abusadores. A Igreja não é imune à procura dos tarados pelas crianças - mesmo que os números de abusadores não atinjam no resto do mundo a gravidade dos EUA, onde um estudo de opinião, de 2003, publicado no New York Times (Laurie Goodstein, Decades of Damage; Trail of Pain in Church Crisis Leads to Nearly Every Diocese, New York Times, January 12, 2003, Section 1, p. 1, citado em «Sexual Abuse in Social Context: Catholic clergy and other professionals», Special Report da Catholic League for Religious and Civil Rights, de Fevereiro de 2004) referiu que 1,8 % dos padres norte-americanos ordenados entre 1950 e 2001 foram acusados de abuso sexual de menores, sendo, segundo este relatório, a esmagadora maioria dos abusadores homossexuais, em percentagens que vão de 80 a 90%, e até 95% . Alguns pedófilos a Igreja terá e muitos destes não conseguem dominar a sua tara, praticando o abuso de crianças. Então, é melhor que se admita essa probabilidade e que, em consequência, se adopte uma política interna eficaz de prevenção e repressão dos abusos sexuais de crianças que inclua, entre outras medidas:

          1. Aprovação de um código de comportamento que garanta a prevenção de abusos sexuais sobre crianças;
          2. Denúncia imediata às autoridades civis para apuramento de qualquer crime;
          3. Proibição imediata de contacto com crianças e adolescentes até à conclusão do processo;
          4. Suspensão imediata de funções quando se apurarem indícios fortes da prática dos crimes denunciados;
          5. Investigação interna extensa;
          6. Punição interna após condenação em processo canónico, além de serem assumidos os efeitos internos dos processos civis, e redução ao estado laical no caso dos abusadores condenados.
          A Igreja tem de mudar de política interna face ao abuso sexual de crianças. Ao contrário do que foi, e tem sido seguido, é a denúncia e a repressão dos abusos que garante a reputação da Igreja.

          Devemos reconhecer que para a mudança do comportamento da Igreja face aos abusos sexuais muito concorreu a indignação da opinião pública e o pagamento de pesadas indemnizações, nomeadamente, nos EUA, às vítimas, pelos abusos e pela responsabilidade na sua gestão, no silenciamento, na transferência de abusadores para outras paróquias e funções, onde continuavam a praticar os abusos, e na falta de denúncia às autoridades civis - que a legislação de cada país impõe e a que a Igreja não pode furtar-se.

          Assim, na promoção da verdade e para a evolução da Igreja, e sem qualquer branqueamento da mancha dos abusos, há que afirmar:
          1. A política do silêncio face aos abusos sexuais de crianças é inadmissível.
          2. Qualquer censura das vítimas e condescendência interna com os alegados abusadores é desumana;
          3. A denúncia de alegados abusos às autoridades civis tem de passar a ser obrigatória para que seja investigados, despistados e perseguidos.
          4. A transferência dos abusadores denunciados para outra paróquia, no país ou no estrangeiro, é inadmissível.
          5. Não se pode assimilar a pedofilia, e efebofilia, à homossexualidade, ainda que, entre os padres, segundo estudo sobre a situação dos EUA, a grande maioria dos abusadores seja homossexual, desvalorizando a sua gravidade moral e criminal ou, até, julgando-a, insensatamente, de forma mais suave do que o relacionamento de um padre com uma mulher adulta.
          6. A Igreja tem de purgar-se dos padres, religiosos e colaboradores no apostolado (por exemplo, catequistas e funcionários de colégios e lares), denunciados como pedófilos e sobre os quais existam indícios de abusos.
          7. A Igreja deve resolver sem demora a promiscuidade e encobrimento da pedofilia referida em certas instituições, por reforma ou dissolução, como é o caso flagrante da Legião de Cristo (do padre Marcial Maciel Degollado), cujos membros não tem culpa dos pecados do fundador, mas cuja notoriedade não pode ser apagada.
          Dito isto tudo, não se pode aceitar a confusão maliciosa entre:
          1. A prática dos abusos e o seu silenciamento;
          2. O encobrimento dos abusos e a sua repressão secreta;
          3. A cumplicidade e a negligência;
          4. A negligência e a demora nos processos canónicos.
          A questão do oportunismo nunca elimina a questão substantiva. Os abusos sexuais de crianças e adolescentes ocorreram e a política da Igreja para a prevenção e repressão dos abusos foi ineficaz e, em muitos casos, condescendente com os abusadores e severa com as vítimas, intimadas ao silêncio. O facto da Igreja, e do Papa, estarem a ser atacados, nestes tempos de Barrabás, pelos sectores mais liberais e pelos meios anti-religiosos, por causa da sua agenda conservadora, especialmente a questão da moral sexual, não reduz a gravidade dos abusos sobre as crianças, nem os pecados do silêncio e da fraqueza na prevenção e repressão dos abusos sexuais. Esse facto não consente a omissão de clérigos e leigos em debater e enfrentar o problema.

          Depois do que li, e li bastante para poder escrever de modo fundamentado, não creio que se possa imputar ao actual Papa Bento XVI qualquer cumplicidade nos abusos, nem negligência, nem como papa, nem enquanto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, bispo, professor e padre - e o mesmo penso acerca de João Paulo II. Entendo ainda que o actual Papa é aquele que mais tem feito para a prevenção e repressão dos abusos sexuais de crianças na Igreja.

          Contudo, a prática interna da Igreja face ao abuso sexual de crianças tem de mudar. Deve ser publicada uma orientação universal, clara e eficaz, para lidar com este crime horrível, obrigatoriamente executada por todas as instituições católicas. Antes que o Mal produza mais efeitos. Quando é a própria Igreja que está em julgamento. Ecce homo!


          Actualizações: este post foi emendado às 22:01 de 2-4-2010 e actualizado às 23:41 de 2-4-2010 e 0:39 de 3-4-2010.

          terça-feira, 9 de março de 2010

          Os amigos são para as ocasiões

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          (actualizado)

          José Eduardo Moniz na Comissão Parlamentar de Ética, em 9-3-2010, há poucos minutos, sobre um episódio ocorrido em 2001, em que foi chamado ao Presidente do Conselho de administração da Empresa, eng. Miguel Paes do Amaral, por causa de o ministro do Ambiente José Sócrates se queixado de uma notícia da TVI sobre o aterro sanitário de Évora, para uma conversa em que o eng. Paes do Amaral lhe terá dito não querer os seus negócios prejudicados por notícias da TVI:

          «Nessa reunião, o eng. Paes do Amaral disse-me ser amigo do eng. José Sócrates» (Realce meu)
          Recordo que a editora Leya, de Miguel Paes do Amaral, depois de manifestar um grande interesse na publicação do meu livro «O Dossiê Sócrates», insistiu sucessivamente na entrega rápida da conclusão inédita do livro (os factos novos...) e, depois de a receber, deixou de ter interesse na sua edição, não tendo dado qualquer explicação sobre o caso nem respondido mais a qualquer mail ou chamada minha. Apesar de o ter requerido formalmente, a editora Leya não devolveu os textos inéditos que lhe entreguei para a edição do livro.


          Pós-Texto 1 (19:03 de 9-3-2010): Sobre a audição de José Eduardo Moniz na Comissão Parlamentar de Ética, ver: no CM - «"Bernardo Bairrão falou-me em António Vitorino"» -; DN - «"Plano para condicionar media, jornalistas e empresários"» -; Público - «José Eduardo Moniz acusa António Costa de pressões sobre a informação da TVI» -; e TVI24 - «PT/TVI: "É óbvio que Sócrates sabia do negócio": José Eduardo Moniz considera que existiu um "plano" do Governo para condicionar alguns órgãos de informação» e «Moniz revela "fortes pressões" de António Costa: Ex-ministro da Administração Interna não terá gostado de reportagem da jornalista Ana Leal». Contudo, nenhum dos jornais relata um facto de maior relevo: a alegação de Moniz de contactos entre os gabinetes de Sócrates e Zapatero relativamente à TVI - além da constatação da pressão da administração da Prisa (Polanco e Cebrian) para o alinhamento da informação da TVI com «o exterior» (leia-se, Governo PS), nomeadamente na campanha para a liberalização do aborto.

          Pós-Texto 2 (19:33 de 9-3-2010): Miguel Paes do Amaral defende-se e diz que foi ele a «impedir que a informação da TVI fosse manipulada»...


          Pós-Texto 3 (8:12 de 10-3-2010): Para enquadramento do que disse, relembro esse capítulo azul da saga da publicação do livro, um excerto do texto do poste escrito quando publiquei o livro, o  que acabei por fazer na editora Lulu e colocado em linha para download gratuito dos leitores:

          «Comunicado ao grupo editorial Leya o meu propósito de edição do livro, recebi no próprio dia a manifestação do interesse na publicação. Apresentei o conjunto de posts que compõem a II Parte do livro e o interesse da editora manteve-se - e cresceu quando depois entreguei a I Parte (a Introdução) na qual contava o contexto da pesquisa e as vicissitudes do afrontamento do poder quase-ditatorial do Governo. Paralelamente, trabalhei ao longo de meses no desenvolvimento do livro, e investigando os novos factos. Até que, em 27 de Fevereiro de 2009, entreguei à Leya uma versão preliminar da III Parte (a Conclusão) do livro, com a descrição de alguns factos novos e a interpretação de documentos inéditos. A insistência constante da editora para que eu terminasse o livro foi substituída por um silêncio absoluto: nem mais um pio. Nunca mais se atendeu o telefone, nem se respondeu aos mails, nem às mensagens. Nem, estranhamente, sequer se correspondeu ao pedido legítimo e formal de devolução do material entregue. Nada. (...)

          A Leya não se mostrou "interessada" apenas: apresentei o II Capítulo do livro (os posts que tinha publicado DPP), que agradaram e o projecto avançou. Nunca me foi colocado qualquer reparo sobre a minha escrita ou o conteúdo. Embora houvesse uma enorme curiosidade sobre os factos novos que eu disse ir contar.


          Trabalhei na investigação e escrita no livro, durante largos meses (de Julho de 2008 a Fevereiro de 2009), com constante insistência da Leya para o terminar e apresentar a "Conclusão" (a parte que tinha os factos novos...). Pedi reserva de alguns factos que estava a investigar e até a reserva de um espaço vazio no livro para entrega à ultima hora e publicação imediata e sem fugas de informação.


          Quando, em Fevereiro de 2009, entreguei a Conclusão, fui informado que o livro ia subir a decisão da chefia acima da pessoa responsável pela etiqueta. Fiquei perplexo, até porque nunca me tinham falado disso. Disseram-me que tinha de ser tomada uma decisão sobre a oportunidade do livro (se se justificava...). Não se tratava da opinião dos advogados, pois foi-me explicado que isso incidiria sobre a forma de um facto, ou outro, eventualmente mais polémico.


          Porém, desde Fevereiro de 2009, e apesar de insistência minha, nada mais me foi dito - nem sequer atendiam o telefone. Nem me devolveram, como é da lei, o material entregue - porquê?...


          Quem tomou a decisão não sei. Não posso afirmar que o presidente do grupo Leya, dr. Pais do Amaral, foi informado e decidiu sobre a edição de um livro chamado "O Dossiê Sócrates", com o conteúdo gravíssimo que tem, sobre o primeiro-ministro de Portugal.»


          Actualização: este poste foi actualizado às 17:47, 19:03 e 19:33 de 9-3-2010 e 8:12 de 10-3-2010; e emendado às 19:03 de 9-3-2010.


          Limitação de responsabilidade (disclaimer):
          As personalidades referidas nas notícias dos media, que comento, não são, que saiba, suspeitas do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade.

          sexta-feira, 2 de outubro de 2009

          A manipulação eleitoral da Encomenda


          Imagem editada daqui

          Do nosso comentador residente Zé dos Montes, uma pergunta sobre a montagem da Operação Encomenda, mais concretamente, uma pergunta sobre a coincidência no mesmo dia da notícia do DN, da publicação do alegado fac-simile do mail entre jornalistas nas fotos do Sapo (!...), a pesca imediata desse facsimile por um dos assessores do Governo para a blogosfera («Miguel Abrantes») e o seu lançamento no blogue oficial da campanha socratina, o Simplex:
          «No mesmo dia (18.09.2009) em que o DN publica a transcrição do email entre os jornalistas do público são colocadas no site de fotos do Sapo (http://fotos.sapo.pt/), pelo utilizador “pauloalexandre2”, duas imagens correspondentes às páginas do email do Luciano Alvarez para o Tolentino da Nóbrega:


          • O Miguel Abrantes publica um post com o título "Afinal, há campanhas negras!" no Simplex no mesmo dia 18.09.2009, às 13h55, utilizando as imagens do site do sapo referidas anteriormente: http://simplex.blogs.sapo.pt/288469.html.
            Coincidências?»

            Não interessa quem filtrou a informação e sacou o mail do Público: a fonte estará identificada e, como noutros casos, a sua evolução falará pelo acto. Não interessa conhecer os nomes dos intermediários que prometeram compensação e protecção, depois da autorização de topo. Não interessa conhecer os nomes da célula que guardou a informação (durante 17 meses?...) e montou a operação, sempre sob supervisão de topo, para a lançar no momento preciso. Não interessa sequer saber quem forneceu a Louçã a informação. Nem interessa saber quem foi o carteiro que foi ao Expresso com a informação, nem os telefonemas seguintes e com que interlocutores, nem o porquê da recusa de Balsemão, ou sequer o momento da recusa da programada entrevista de Sócrates ao jornal, por alegadas razões de agenda do primeiro-ministro. Não interessa a identidade do carteiro que levou a notícia ao DN, nem do destinatário, nem os telefonemas a respeito, nem as promessas de compensação e protecção. Não interessa saber a identidade do «Paulo Alexandre2», nem quem lhe forneceu o fac-simile do mail violado, nem sequer do assessor governamental para a blogosfera «Miguel Abrantes» que publicou, no blogue oficial da campanha socialista, o fac-simile do mail violado. Não interessa porque não é preciso. Neste caso, como no da TVI, basta fazer a pergunta clássica de Lucius Cassius Longinus (Ravila), citada por Cicero em Pro Sexto Roscio Amerino Oratio: Cui bono? A um só aproveitou.

            As evidências já eram bastantes. Mais uma vez, se confirma que a Operação Encomenda se tratou de uma manipulação orquestrada, preparada com muita antecedência e cuidado, para sair a uma semana do sufrágio e influenciar o resultado das eleições a favor do Partido Socialista. Nesse sentido, fica para a história da manipulação eleitoral do País.


            Pós-Texto 1 (19:26 de 2-10-2009): O nosso comentador residente Zé dos Montes lembra que a publicação do facsimile do mail (que havia sido publicado no DN, em 18-9-2009, só em transcrição) no Sapo-Fotos e no Simplex foram imediatos à notícia do DN. E prova:

            «Estes são os artigos que o DN publicou e as horas:
            O email foi publicado [no DN] como uma "transcrição".»

            Actualizações: este post foi actualizado às 19:26 de 2-10-2009; e emendado às 23:07 de 2-10-2009. Os links do Pós-Texto 1 já estão corrigidos: o erro provém de o Haloscan colocar automaticamente reticências nos endereços grandes e depois quando se copia o endereço dos comentários este estar incompleto e não permitir o acesso à página.

            quarta-feira, 30 de setembro de 2009

            O primeiro ataque foi do PS socratino

            .

            «Homens fortes do PS falam em interferência na campanha
            Socialistas próximos de José Sócrates lançam forte ataque a Cavaco Silva
            15.08.2009 - 09h07 Filomena Fontes»

            É verdade, ou não, que foi o PS a abrir as hostilidades sobre o Presidente da República quando em 15 de Agosto de 2009 (três dias antes do Público, em 18-8-2009, e no dia seguinte, desenterrar o caso «velho de 17 meses» da conversa com um assessor da Presidência), no Público, os seus dirigentes e deputados José Junqueiro, Vitalino Canas, Vítor Baptista e Vítor Ramalho - e depois António Vitorino - atacaram a Presidência da República?

            terça-feira, 15 de setembro de 2009

            Um Estado de polícia política?

            Os magistrados do Ministério Público, através de reunião de meia centena de delegados sindicais, reagiram ontem, 14-2-2009, em Tomar, com a coragem funcional que o País deles espera, a esta fase de deriva autoritária que o Estado de Direito - o tal que, recorde-se, já antes de alcançar o poder não merecia qualquer respeito... - e o povo precisam.

            Abordemos o assunto. Primeiro a notícia, depois uma pequena história do Estado e um comentário de relação dos factos.

            A notícia vem no Diário IOL de 14-2-2009 e publico-a aqui integralmente para que valorizar e não se perder no éter:
            "«Pressões» na Justiça só com «meios» das secretas
            Sindicato dos Magistrados do Ministério Público fala de «intimidações» a magistrados com «processos ou investigações delicados
            14-02-2009 - 22:01h
            Redacção/CLC

            Os delegados do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) consideram que «as pressões e intimidações» sobre os magistrados titulares de «processos ou investigações delicados» envolvem «poderosos meios de contra-informação só disponíveis, por norma, aos serviços de «inteligence», escreve a Lusa.

            Reunidos este sábado em Tomar para analisar a questão do estatuto do Ministério Público mas também as repercussões para a instituição dos mais recentes casos mediáticos, os delegados sindicais do SMMP aprovaram uma moção em que manifestam apoio aos magistrados titulares desses processos e exigem que sejam colocados à sua disposição «todos os meios necessários ao prosseguimento, sem constrangimentos, das investigações em curso, que se exigem sérias e exaustivas».

            «Nos últimos tempos, mais uma vez o Ministério Público e os seus magistrados têm sido alvo das habituais e recorrentes campanhas que acontecem sempre que estão em causa processos ou investigações delicados em função das matérias ou dos visados», afirma a moção.

            «Distrair as atenções do essencial»

            «As pressões e intimidações que têm recaído sobre os magistrados titulares desses inquéritos, com o intuito de os atemorizar e diminuir na sua acção e capacidade de determinação na condução das investigações, e bem assim de condicionar os que com a Justiça querem colaborar, têm várias origens e envolvem poderosos meios de contra-informação só disponíveis, por norma, aos serviços de «inteligence», acrescenta.

            Para os delegados sindicais do SMMP, «intimidar, desacreditar e ao mesmo tempo distrair as atenções do essencial e desviá-las para o acessório é uma velha estratégia, a que as desenvolvidas e elaboradas técnicas de comunicação e contra-informação, tão em voga entre nós, dão suporte e expressão».

            No seu entender, a «insinuação das famigeradas relações com a comunicação social», para «desacreditar quem investiga», esquece que «a investigação criminal está neste momento, entre nós, infelizmente, limitada, condicionada, muitas vezes paralisada, sem meios humanos e materiais, com condicionamentos legais e operacionais de toda a ordem, que o SMMP tem vindo a denunciar publicamente há muito tempo».

            «As fugas vêm muitas vezes donde menos se espera»

            Por isso, acrescenta a moção, «é a investigação jornalística, porventura com meios financeiros mais poderosos, agindo com «timings» próprios, diversos dos da justiça, e desenvolvendo o papel fundamental que lhe cabe em qualquer democracia, que vai à frente».

            Os delegados sindicais do SMMP afirmam ainda que «as fugas vêm muitas vezes donde menos se espera, donde não seria suposto, lançadas pelos visados, numa tentativa de controle e minimização dos danos próprios, por um lado, de desacreditação da investigação e da justiça, por outro, e, finalmente, de tentativa de desviar a atenção do essencial para o acessório».

            «Entretanto, investigar o que verdadeiramente interessa e responsabilizar quem tiver que ser responsabilizado, dá lugar à tentativa de publicamente fazer querer [crer] que o que importa é a investigação da própria investigação e de quem com ela colabora, num jogo de desconfianças prejudicial à Democracia, à Justiça e ao Estado de Direito».

            «Que outros o façam, percebe-se. Que no seio do Ministério Público haja quem colabore, ainda que por inércia, já não é admissível», acrescentam.

            A moção exige que os apoios a disponibilizar aos magistrados titulares desses inquéritos incluam o recurso, «sem quaisquer reservas, aos mecanismos de cooperação judiciária internacional considerados necessários pelos investigadores, devendo exigir-se ao Governo a disponibilização dos meios ou autorizações necessárias e que as circunstâncias imponham».

            A direcção do sindicato foi mandatada pelos cerca de 50 delegados sindicais hoje presentes em Tomar para solicitar junto do Presidente da República a «intervenção considerada necessária e ajustada à salvaguarda plena do verdadeiro Estado de Direito»." [grosso meu]

            No auge da crise da Universidade Moderna, a Visão divulgou em 11-3-1999 (conforme lembrava o José ainda na grande Loja do Queijo Limiano, em 1-5-2007) um Relatório do SIS que o próprio ministro da Administração Interna, dr. Jorge Coelho, que tutelava os serviços e, segundo a revista, o tinha encomendado, desmentiu. Embora, no Parlamento, tenha atirado até com a acusação de contrabando de armas e carne branca que se passaria na Universidade Moderna, à bancada do seu primo dr. Paulo Portas e do PSD do dr. Santana Lopes, que também colaborou no famigerado centro de sondagens da Moderna. O relatório desmentido pelo ministro, de quem se suspeitava tê-lo na gaveta motivou uma inolvidável crónica do dr. Vasco Graça Moura (se houver alguém que forneça o link, agradeço...) sobre um relatório-que-não-existe não poder estar em gaveta nenhuma. Aborrecido, com o destempero e falta de sentido de Estado dos políticos o general Chito Rodrigues, que tinha dirigido durante vários anos os serviços secretos militares mas já estava na reserva, veio a público responsabilizar o Governo pelo assunto. Dizia o general que era preferível que o relatório publicado na Visão tivesse sido mesmo elaborado no SIS, como se dizia, pois, pela sua tecnicidade e forma, se tivesse sido feito fora dos serviços (e os militares não se metiam na política partidária) era sinal de que em Portugal estava a operar livremente gente muito perigosa... O patrão das secretas no Governo, o dr. Jorge Coelho, lá teve de ceder e foi admitido que o relatório era mesmo do SIS. Em Portugal não era possível suceder o mesmo que nos EUA, onde o fornecimento da identidade da funcionária da CIA Valerie Plame ao Washington Post, em 2003, só não custou o mandato ao vice-presidente Dick Cheney porque não se conseguiu provar ter sido ele a soltar essa informação para a imprensa. Por aqui, a desvergonha comum dos dirigentes do Estado é expor até os autores das informações, com tradição (!) de filtrar nomes de operacionais (!) para consumo partidário ou jogo de poder, desde o caso Veiga Simão ao mesmo SIED em 14-2-2009...

            Portanto, é preferível que seja mesmo o SIS - ou os GOE (que dizem funcionar como a secreta da PSP) - a vigiar, escutar e intimidar ostensivamente os magistrados e jornalistas. Porque se trata de intimidação: aquela manobra de no domingo 25-1-2009, segundo conta a revista Sábado de 6-2-2009, quando o juiz de instrução do Freeport estava no fim de semana na sua terra, em Mação, dois indivíduos irem propositadamente fazer perguntas sobre ele, num carro com matrícula falsa é mesmo para o ameaçar do perigo em que está a incorrer quando autoriza as contestadas buscas e certas diligências. Só faz lembrar a impunidade de polícias políticas de regimes ditatoriais. Não adianta nada, pelo que se vê, que o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República (CFSIRP) ouça o director dos serviços ou até verifique as ordem de serviço, porque estes trabalhinhos particulares não ficam escritos, nem correm pelas hierarquias formais - se bem que quem os realiza acabe mais cedo, ou mais tarde, descalço pelo poder que lhes encomendou o serviço, e com a garantia de nome e foto nos jornais, como o ex-assessor governamental, funcionário dos serviços, no caso do relatório sobre a Moderna.

            Há alguém com bom senso que acredite serem serviços secretos estrangeiros que andam a escutar, vigiar e intimidar, os magistrados do Freeport e BPN/Siresp?!...

            Aceitou-se no Parlamento em 11-2-2009 a indignação do primeiro-ministro à pergunta do líder parlamentar da oposição sobre a vigilância dos magistrados e o SIS, em vez de se insistir na responsabilidade dele no controlo dos serviços de informações e na actividade de células de informações em Portugal. Não basta a palavra de José Sócrates para crermos que a vigilância e intimidação de que os magistrados do processo Freeport se queixam é uma fantasia, para mais quando são referidas evidências detalhadas de intromissão nas comunicações e intimidação. Por que não foram ainda investigados internamente esses casos no SIS, como deveriam ter sido em função das denúncias públicas de roda livre dos serviços de informação, em vez de se responder com insultos aos magistrados?...

            Já disse, e insisto, resta o Presidente da República para chamar a atenção sobre o regular funcionamento das instituições democráticas - que só pode ser recuperado pelo próximo governo. A intervenção do Presidente já não pode incidir apenas sobre o procurador-geral da República - agora objecto de severa crítica pública dos delegados sindicais do Ministério Público -, ou sobre a desvio da função de investigar de procuradores para uma espécie de porta-vozes de defesa do primeiro-ministro, mas também sobre os serviços de informação. Não é admissível o envolvimento do SIS em actividades de estrita investigação criminal - nomeadamente, dos "casos de fraude e criminalidade económica no BPN e BPP" (CM de 10-2-2009) ou da violação de segredo de justiça no caso Freeport (CM de 7-2-2009), muito menos as alegadas escutas, vigilância e intimidação de juízes dos processos Freeport e BPN/Siresp, tal como não é saudável a ofensa aos magistrados vítimas de pressão.


            Actualizações: este post foi emendado às 8:10 de 17-1-2009 e 17:21 de 20-2-2009.


            Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades mencionadas nas referências e notícias dos media, que comento, sobre o caso Freeport não são, que se saiba, suspeitas ou arguidas do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade, devendo guardar-se o direito de presunção de inocência de todos os referidos.

            segunda-feira, 20 de julho de 2009

            A «lei Vale e Azevedo» do sistema português

            Há quem defensa a validade consuetudinária no sistema português de uma norma, não escrita no Código de Processo Penal, que posso designar «lei Vale e Azevedo».

            A «lei Vale e Azevedo» é a seguinte: nenhum dirigente de relevo em funções, e mormente em funções de Estado, pode ser constituído arguido ou detido, por mais contundentes que sejam os factos que lhes sejam imputados ou mais graves os crimes de que sejam indiciados. Apesar da pendência judicial enorme sobre o Dr. João Vale e Azevedo, este só foi constituído arguido e detido, em 2001, depois de perder as eleições no Benfica. O caso do Dr. Paulo Pedroso, constituído arguido, e até detido preventivamente, quando era o dirigente n.º 2 do Partido Socialista, foi uma excepção a esta regra de não constituição como arguido de personalidade de relevo, quando ainda esteja em funções. Regra que, todavia, tem sido seguida depois desse sobressalto inesperado.

            No caso Recadogate, segundo o Diário IOL, de 20-7-2009, o Dr. Magalhães e Silva, advogado do procurador-geral adjunto, e presidente do Eurojust, Dr. Lopes da Mota, mostrou-se insatifeito com a decisão, de 20-7-2009, por unanimidade, do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) de rejeitar o incidente de suspeição apresentado pelo Dr. Lopes da Mota, e consequente afastamento do inspector Vítor Santos Silva, «que dirige o processo disciplinar que investiga as alegadas pressões de Lopes da Mota» sobre os magistrados que dirigem o inquérito Freeport; e ainda descontente com a decisão do mesmo CSMP, «também por unanimidade», de indeferir «o requerimento no qual o Sr. Dr. Lopes da Mota pedia a publicidade do processo disciplinar, por o regime em vigor não o permitir».

            Não consta que essa nota para os media de 20-7-2009, do procurador-geral da República, Dr. Fernando Pinto Monteiro, sobre a decisão do CSMP, esclareça se o regime (legal...) não permite que o Relatório Vítor Santos Silva sobre o Recadogate, que não é processo disciplinar sujeito ao segredo, seja divulgado... Por respeito democrático para com os eleitores esse relatório deveria ser divulgado, para os eleitores aferirem do respeito pelas regras democráticas da separação dos poderes por parte do primeiro-ministro e ministro da Justiça do Governo de Portugal. Ainda mais, quando as queixas sobre a intervenção do Governo do Partido Socialista na esfera, que se quer hermética, da investigação criminal e dos tribunais, são, mais uma vez, objecto de denúncia pública pela direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) - editorial da direcção do SMMP de 20-7-2009.

            Continua o Diário IOL, de 20-7-2009:
            «"Vale a pena que a PGR, em vez de uma nota sibilina a dizer que foi indeferida a publicidade do processo, informe o país sobre os fundamentos em concreto pelos quais indeferiu essa publicidade", frisou Magalhães e Silva.
            "Fui ouvindo durante o dia de hoje que a confidencialidade do processo se destina a proteger o prestígio e a credibilidade das instituições do Estado. Se for isso, eu não quero acreditar", acrescentou o causídico.» (Realce meu)

            Não podemos acreditar que a razão de Estado - que não é mais do que a mentira e ocultação política para protecção dos detentores de cargos do Estado - determine o funcionamento da justiça e torça a democracia, mais ainda do que já está. Não podemos acreditar no vigor da «lei Vale e Azevedo».

            A «lei Vale e Azevedo» é um dos principais obstáculos ao sucesso do combate à corrupção de Estado. Deve ser queimada, porque é anti-democrática. E os seus defensores banidos da administração do Estado e da política.


            Limitação de responsabilidade (disclaimer): O procurador-geral adjunto e presidente do Eurojust José Luís Lopes da Mota, o ministro da Justiça Alberto Bernardes Costa e o primeiro-ministro José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, referidos abundantemente nas notícias dos media neste caso, não são, até este momento, que se saiba, arguidos do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade no caso Recadogate. Mesmo se, ou quando, forem constituídos arguidos gozam do direito constitucional à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória.
            O primeiro-ministro José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa não foi, que se saiba, constituído arguido no processo Freeport pelo cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade. Apesar das referências ao seu alegado estatuto perante as autoridades policiais britânicas (
            Serious Organized Crime Office - SOCA), o primeiro-ministro José Sócrates não foi, nem está, que se saiba, acusado de qualquer crime no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
            Paulo José Fernandes Pedroso foi constituído arguido e detido preventivamente por ordem do juiz de instrução Dr. Rui Teixeira, por indícios (alegadamente referidos por seis jovens e Carlos Silvino da Silva) de abuso sexual sobre quatro crianças da Casa Pia de Lisboa. Foi acusado pelo Ministério Público de
            23 crimes de abuso sexual de menores sobre quatro crianças no âmbito do processo de pedofilia da Casa Pia, mas não foi pronunciado pela juíza de instrução Dra. Ana de Barros Queiroz Teixeira e Silva, não tendo ido a julgamento. Em 9-10-2005, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sua não pronúncia.