terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A transparência do novo Brasil e a opacidade do regime português: o caso das dívidas aos bancos públicos



No Brasil, mal tomou posse, o novo governo de Jair Bolsonaro mandou publicar a lista dos 50 maiores devedores do banco público de investimento BNDES; em Portugal, o governo de António Costa, com apoio do Bloco de Esquerda e do PC, escondeu a informação sobre os grandes devedortes da CGDe teve de ser uma comentadora televisiva, Joana Amaral Dias  (JAD), a assobiar essa lista preliminar, ontem, 21-1-2019.

A lista de dívidas à CGD envergonha os administradores, todos, que participaram nas decisões de crédito - e não apenas, o dono do pelouro de crédito, o vice Armando Vara, e o presidente Carlos Santos Ferreira -, e os que sabendo dessas decisões absurdas não falaram nem se demitiram, e os governos que os nomearam e mantiveram, sejam do PS, do PSD e do CDS. O realce maior deve ser assinalado ao empréstimo e participação no capital do banco público ao resort de luxo Vale de Lobo, para a vigarice de um projeto de construção de uma ilha artificial no oceano Atlântico (!) e para o financiamento corrupto do take-over socratino do BCP.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

A agonia da verdade

—Excelencia, cree usted en Dios?
Torrente Ballester, Gonzalo (1989). Crónica del rey pasmado. P. 79.


No dia 23 de dezembro de 2018,  a jornalista Marta Leite Ferreira, com Raquel Martins, publicou, no Observador, o artigo «As respostas às questões difíceis sobre o Natal (mesmo as mais inconvenientes)». Para esta peça, foi entrevistado o conhecido padre Anselmo Borges e o novo dispo do Porto, D. Manuel Linda, que responderam à questão: «e como pode Jesus ser filho de uma virgem?».

Fac-simile do excerto original do artigo «As respostas às questões difíceis sobre o Natal», Observador, 23-12-2018 (blogue Dogma da Fé, 25-12-2018)

O artigo suscitou confusão e perplexidade nos meios católicos, e teve reverberação internacional: em castelhano, inglês, francês, italiano, alemão... O artigo imputava ao padre doutor Anselmo Borges e ao bispo D. Manuel Linda a posição de que «Jesus Cristo não é filho de uma mulher virgem e foi concebido por Maria e José “como outra criança qualquer”». Se a posição dessacralizante do padre filósofo Anselmo Borges não surpreendeu, as declarações de D. Manuel Linda provocaram escândalo, especialmente pela citação do bispo do Porto de que «nunca devemos referir a virgindade física de Virgem Maria». D. Manuel Linda explicava a sua interpretação ao mencionar que a condição de «donzela», mencionada à mãe do Salvador no Antigo Testamento, era «apenas uma referência à devoção plena dessa mulher a Deus», concluindo que «o que importa é a plena doação». E o bispo do Porto concretizava a sua doutrina da virgindade como «plena devoção a Deus» em detrimento do hímen intacto, pois, na sua graduação, «há com certeza mulheres com o hímen rompido que são mais virgens no sentido da plena devoção a Deus do que algumas com o hímen intacto».

O Núncio Apostólico em Portugal, D. Rino Passigato, viu-se forçado a intervir. E, em resposta a contacto da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), o núncio terá respondido, em 24-12-2018, por mail assinado «+RP», conforme fac-simile publicado na página oficial do Facebook desta organização integrista -



- que «D. Manuel Linda nega ter dito o que se lhe atribui» e que no dia seguinte, na missa de Natal, transmitida pela Rádio Renascença, «proclamará a sua adesão total à fé da Igreja sobre a virgindade de Nossa Senhora». Isto é, D. Manuel Linda teria de abjurar a doutrina apresentada nas suas declarações, proclamando «a sua total adesão à fé da Igreja»... Um puxão de orelhas ao bispo do Porto e a penitência pública de corrigir uma doutrina herética: a não virgindade física de Nossa Senhora.

E, no dia de Natal, na missa na Sé do Porto, que a Renascença transmitiu, D. Manuel Linda, na homilia que dedicou às virtudes teologais, lá enxertou a fórmula canónica do prometido credo:
«Evidentemente, não haveria Natal sem a Virgem Santa Maria, Aquela que, de acordo com a fé da Igreja - que é também a minha fé! -, é proclamada “virgem antes, durante e depois do parto”, de maneira expressa a partir do Sínodo de Milão (ano 390), ou “Mater intacta”, como dizemos na ladainha. Saudámo-la e agradecemos-lhe profundamente o seu insubstituível contributo para a história da nossa salvação.» (Grosso meu)
Um bispo português D. Manuel Linda a ter de asseverar que a fé da Igreja é também a sua fé!...

Porém, na tarde de 26-12-2018, o Observador corrige o artigo, justificando:
«Este texto foi alterado às 15h do dia 26 de dezembro de 2018 para clarificar a posição do bispo do Porto, D. Manuel Linda, relativamente ao dogma da virgindade perpétua de Maria. O Observador pede desculpas ao bispo e aos leitores.»
O texto original do artigo do Observador, foi emendado nas declarações de D. Manuel Linda em dois excertos. No primeiro, onde em 23-12-2018 estava:
«Jesus não é filho de uma mulher virgem, explicam quer o padre Anselmo Borges quer o bispo D. Manuel Linda. Ele foi concebido por Maria e José como qualquer outra pessoa e é “verdadeiramente homem”. A virgindade só é associada a Maria como metáfora para provar que Jesus era uma pessoa muito especial.»
Aparece agora:
«Na perspetiva do padre Anselmo Borges, Jesus Cristo não é filho de uma mulher virgem e foi concebido por Maria e José “como outra criança qualquer”. A virgindade de Maria é, na opinião deste sacerdote, uma forma de mostrar que Jesus era uma pessoa especial.»
Então, a ideia de que Jesus não é filho de mulher virgem e que foi concebido como qualquer outra pessoa - presume-se que através de cópula de José e Maria - é atribuída apenas ao padre Anselmo Borges. A «metáfora» da virgindade de Maria - que até tinha justificado um artigo de resposta do biblista Isaías Hipólito, em 26-12-2018, «A virgem Maria para além da metáfora» - também desaparece e ficamos sem saber quem foi o autor da figura de estilo, pois não é crível que a jornalista se aventurasse à hermenêutica.

O artigo do Observador também foi modificado num segundo excerto. Onde antes se lia:
«Apesar destas palavras, o bispo do Porto refere ao Observador que "nunca devemos referir a virgindade física de Virgem Maria"»
Vê-se depois de 26-12-2018:
«Já o bispo do Porto, D. Manuel Linda, sem negar o dogma da virgindade perpétua de Maria proclamado pela doutrina da Igreja Católica, refere ao Observador que “nunca devemos referir a virgindade física da Virgem Maria”».
Foi inserido: «D. Manuel Linda, sem negar o dogma da virgindade perpétua de Maria proclamado pela doutrina da Igreja Católica». Mas a expressão pespegada torna a frase inintelegível: D. Manuel Linda não nega o que nega?...

Entretanto, o prelado contactou o Observador, e declarou que crê na «virgindade física e plena de Maria».

Em 27-12-2018, o Observador traz um artigo crítico sobre a polémica: «A virgindade de Maria e o bispo do Porto», da autoria de Miguel Pinheiro, Marta Leite Ferreira e João Francisco Gomes, onde D. Manuel procura explicar a sua doutrina sobre a virgindade de Maria: «a virgindade não é só física, mas ninguém exclui a virgindade física».

Para terminar com a polémica do diz-que-não-disse, perguntei à jornalista Marta Leite Ferreira se tinha audio da entrevista (que presumo telefónica) a D. Manuel Linda, que o publicasse, pois assim se esclareceria a polémica. Insisti, mas não obtive resposta. Todavia, como o jornal manteve as citações no artigo emendado, é crível que esse audio exista. Seria útil que fosse publicada a gravação e transcrita a entrevista ipsis verbis.

Apesar do desmentido do bispo, incoerente com o que as citações que o Observador conservou da entrevista de 23-12-2018 -  «não deve referir-se a virgindade física» e o gradualismo da virgindade -, D. Manuel Linda tinha feito, ao jornalista João Francisco Gomes, do Observador, em 17-3-2018, no dia em que tomou posse, declarações, a propósito da recomendação de abstinência sexual aos católicos divorciados recasados na nota pastoral do cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, sobre a encíclica Amoris Laetitia, na mesma linha de contestação doutrinária:
«Mas, de facto, para ser sincero, sei que há alguns casais recasados, que já tinham vivido em matrimónio canónico e que depois refizeram a sua vida e estão noutro casamento já não canónico, que por motivos de fé e da sua convicção interior e de consciência, de facto vivem em abstinência sexual. Mas temos de nos perguntar: isso é mesmo família? Estou convencido de que não é bem família.»
Se, na opinião de D. Manuel Linda, um casal em abstinência sexual «não é bem família», a Sagrada Família de José e Maria seria... uma família? Ou, o que concluir então sobre a conceção de Jesus Cristo? Para quem analisa as suas declarações equívocas, D. Manuel Linda parece seguir, de modo nuancé, a linha do bispo Bonoso, de Elvídio e de Joviniano, de descrença da virgindade de Maria.

A neo-tardo-doutrina herética da Encarnação tem mais adeptos no clero do que se pensa e manifesta-se do ambão do Evangelho ao povo perplexo, em consonância com a livre interpretação dos dogmas, a eliminação do Diabo, a evaporação do Inferno, a abolição do milagre, a desconstrução do pecado, a negação das palavras incómodas das Escrituras. Um cherry picking de relativismo. Um obsoleto pós-modernismo, de pendor baumaniano, resignado ao caráter líquido de valores, instituições (a própria Igreja...) e relações. Um ateísmo de redução da Fé a uma pastoral de auto-ajuda, em que o padre negligencia a sua missão de cura das almas para se desviar para a função de gestor operacional de instituições de educação, assistência aos idosos e aos carenciados, para as quais não tem preparação técnica. Um marxismo que confina a religião ao beco da economia - paradoxalmente num mundo onde a pobreza extrema diminuíu 1.295 milhões de pessoas entre 1990 (2 mil milhões) e 2015 (705 milhões), o que correspondia a 9,7% da população do globo em 2015, e onde a classe média, enterrada em dívidas da casa, do carro, da educação dos filhos, se fatiga em trabalho extraordinário perante uma classe de desocupados que vivem de subsídios do Estado e têm um nível económico de vida superior -, recriminando a liberdade económica e louvando a opressora igualdade socialista, ao mesmo tempo que se aggiorna na liberalização dos costumes. Um elitismo de desprezo íntimo pelo povo humilde e sua crença plena, repulsor dos pobres de espírito (contudo donos do reino dos Céus...), mas de profissão marxista na teologia da libertação pseudo-redentora dos pobres materiais, que tem alienado milhões de católicos na América Latina e em África, para o protestantismo e a sua teologia da prosperidade. Uma preferência pelo diálogo intelectual de concordância com o politicamente correto e a ideologia de género, em vez do proselitismo da Doutrina. Uma profanação de Cristo, humilhado à dimensão histórica de um líder social, proponente de uma ética sem moral, positivista, de customização certificada. Uma rejeição do sobrenatural, dessacralizadora da fé, tornada simples esperança, com repúdio da intervenção direta e concreta de Deus na vida de cada um. Paralelamente, a limitação da prédica à igreja e do atendimento à sacristia, a supressão da bênção, a abstenção de combate cultural contra os cultos profanos, contra a maçonaria e contra os novos bezerros de ouro que afastam os jovens e adultos da verdadeira fé, a conformação do discurso com os valores não-cristãos e a promiscuidade com o poder político.

D. Manuel Linda, professor de Teologia, autor de tese de doutoramento em Teologia sobre um seu antecessor «Andragonia política em D. António Ferreira Gomes», parece ter um especial gosto por apresentar posições controversas. Tinha sido também envolvido em polémica, em 2014, aquando da nomeação, em substituição de D. Januário Torgal Ferreira, para bispo das Forças Armadas, numa inabitual discussão pública de patentes e salários. Nomeado bispo do Porto em 17-3-2018, na referida entrevista a João Francisco Gomes do Observador, onde diz que um casal em abstinência sexual «não é bem família», confessa-se fã do Papa Francisco «a 200%» e refere, inusitadamente, que «há uma série de indícios em que noto que o Papa estava muito interessado, de forma pessoal, personalizada, no meu nome» e que «quando assim acontece, a um amigo» (sic) «não se pode dizer que não». Ainda nessa entrevista ao Observador, de 17-3-2018, manifesta-se «"absolutamente contra" o aborto e a eutanásia», mas acautela que «não vai passar o seu tempo “na praça pública” a denunciar propostas que choquem com a doutrina da Igreja, preferindo propor a doutrina “a quem a queira ouvir”» e à jornalista Ângela Roque da Rádio Renascença, em 15-3-2018, promete exercer o seu múnus «com simplicidade». Merece ainda relevo a sua crítica do «excesso de desenvolvimento tecnológico» ou da «panela do neoliberalismo» do «género escola de Los Angeles» (sic) - em entrevista ao Correio do Minho, de 26-5-2012, quando era bispo auxiliar de Braga. Ou um meta-ecumenismo com igualização das crenças, num artigo D. António Ferreira Gomes e a discussão sobre a guerra colonial» (Humanística e Teologia 24 (2003) 111-123), com referência, à «paternidade divina, seja qual for aforma de O nomear». Tal como D. Manuel Linda escreveu, no semanário da agência Ecclesia, em crónica de 17-11-2017, que ilustra o seu estilo, dirigida aos «artistas deste circo de vaidades» (os lefebrianos), pede-se a todos, ainda mais neste «tempo periclitante no campo da fé», que «Deus nos dê juizinho até à hora da morte», «ou, no mínimo respeito pela Igreja»...