terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Impressão de Roma



Na capela Contarelli, da igreja de San Luigi dei Francesi (de entrada livre), em Roma, é preciso pôr uma moeda para, temporariamente, iluminar melhor as três pinturas de Caravaggio, e nomeadamente A Vocação de São Mateus. No quadro, Cristo, à direita, chama Mateus, com o mesmo gesto que Deus estende a Adão na alegoria  da Criação, de outro Michelangelo, na Capella Sistina, um movimento seguido por Pedro. Mateus fica admirado pelo chamamento, enquanto as crianças reparam e os adultos se preocupam conspicuamente com o dinheiro. Na representação, a luz não penetra a penumbra pela janela do mundo, mas provém da Graça de Cristo. Todos somos chamados, nem todos ouvimos o apelo; e poucos são, enfim, os escolhidos. Mesmo a força da Graça esbate-se no desvio dos homens pela tentação do mundo.

Ainda por refazer do choque moral da renúncia do papa Bento XVI, em 11-2-2013, enquanto uns e outros analisam o ato de coragem e humildade, para lá da explicação autêntica, do próprio, de «falta de forças» para «governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho», «no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé». Uns que se atêm ao primeiro argumento (a falta de forças); e outros que sobrelevam o segundo argumento (a agitação do mundo), valorizando afinal o primeiro, cuja evidência tinham negado. Eventualmente, os mesmos que desvalorizam o anúncio do Evangelho e apenas se prendem ao governo da barca: os dois encargos que pesaram sobre os ombros do Papa, em anos de permeabilidade mundana do ministério da Igreja. Deus abençoe Bento XVI pelo sacríficio, pela coragem, pelo desapego de poder e pela lucidez da decisão iluminada que tomou, como o seu pontificado radioso de rumo e doutrina.

No meio da batalha do poder temporal, noutro sacrifício de outro Papa, que nos faz recordar a visão martirológica do terceiro segredo de Fátima, cuja interpretação foi muito bem realizada, em 26-6-2000, pelo próprio Joseph Ratzinger, enquanto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, mas que não nos desobriga da Penitência, sucedem-se as notícias e rumores de «impropriam influentiam» (!), de guerra de dinheiro e de divisões no ambiente da Santa Sé, na sequência das filtrações do chamado escândalo Vatileaks e da «Relationem», de 17-12-2012, dos cardeais, Herranz, Tomko e De Giorgi, que o Papa mandou fazer sobre factos que provavelmente influenciaram a sua decisão de renúncia. O temporal a querer impor-se ao sagrado, na própria Igreja, e a revolta vitoriosa do sagrado.

Para lá do espanto e da mágoa, fica-nos uma impressão in loco - no meio de uma Cúria, e de oficiais, da Santa Romana Chiesa de valor, responsabilidade, embaraço e comoção -, de que se pretende aplicar à escolha do novo Papa, as categorias de análise da política. Subvertendo os dois sistemas - de Deus e de César -, como, aliás, aconteceu nos últimos anos na Igreja. Assim, para lá da habitual teleologia ideológica sobre a posição de cada candidato face ao relativismo (encaixotado que está, por enquanto, o marxismo económico), no Totoconclave mediático sobram as categorias do estilo de comunicação, da cor de pele, da idade e da proveniência geográfica - até chegando ao detalhe de uma província de Itália, a Ligúria... A forma em vez da substância. Esquecendo que o propósito do Conclave é a escolha, inspirada pelo Espírito, de um Santo Padre, solum Deum prae oculis habentes, independentemente do estilo, da pele, da idade e da origem.

Sombra e luz

A Igreja portuguesa foi agora sacudida pela reportagem da revista Visão, de 20-2-2013, pp. 63-69, da autoria de Miguel Carvalho, sobre o bispo D. Carlos Azevedo, intitulada «A queda de um anjo», com imputações de assédio homossexual. O efeito foi maior do que aquele dos casos de membros da Igreja investigados pelo Ministério Público por alegado abuso sexual de menores, que o jornal Expresso tem noticiado.

A revista Visão conta que um padre (que a revista identifica) denunciou, em 2010, ao Núncio Apostólico, em Lisboa, D. Rino Passigato, assédio sexual a membros da Igreja, inclusivé ao próprio denunciante, por D. Carlos Azevedo, e que «haverá um histórico de situações, e com sombra de pecado, desde a década de 80 até anos mais recentes». A revista não aponta que se trate de pedofilia e, nesse sentido, a Rede de Cuidadores terá explicado à Visão que «para já, não existem indícios de que as suspeitas entrem no âmbito de atuação da Rede». Tratando-se de um bispo, cabe à Nunciatura averiguar o assunto e, de acordo com a revista, o representante diplomático da Santa Sé «validou a queixa do sacerdote» denunciante e terá referenciado «outros casos suspeitos de assédio por parte de D. Carlos, consumados ou não» (sic), para além dos alegados assédios ao padre indicado, que não teriam sido «casos isolados».

D. Carlos Azevedo fez uma declaração aos média, em 20-2-2013, na qual negou «totalmente a acusação de assédio sexual» e deu uma entrevista a Joaquim Franco, da SIC, em Roma, na qual também desmentiu qualquer repreensão relativa a este caso. D. Carlos Azevedo, que estava como bispo auxiliar de Lisboa, e era visto com alternativa, de segunda linha, para a sucessão a D. José Policarpo, foi transferido para a Santa Sé, para a função de delegado do Conselho Pontifício para a Cultura, em novembro de 2011, segundo a referida reportagem da Visão, numa mudança para uma vida «mais dedicada ao estudo, concentração e orientação».

É útil a indicação do contexto legal, para que se evite a confusão entre assédio sexual, homossexualidade e abuso de menores. O Código Penal Português, de 2007, na secção de crimes contra a liberdade sexual, tipifica o constrangimento de outrém a praticar atos sexuais (o que vulgarmente se chama de assédio sexual), no assédio sexual no art. 163.º n.º 2, sob a epígrafe de «coação sexual»:
«2 — Quem, por meio não compreendido no número anterior e abusando de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou aproveitando-se de temor que causou, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar acto sexual de relevo, consigo ou com outrem, é punido com pena de prisão até dois anos.»
Não consta, todavia, que este caso de alegado assédio tenha sido comunicado ao Ministério Público. A revista Visão não esclarece a data em que terão acontecido os alegados assédios, «em diversas ocasiões», ao denunciante: se os factos alegados ocorreram apenas nos anos 80, no Seminário do Porto, onde o, na altura, padre Carlos Azevedo era diretor espiritual e o denunciante era seminarista, há que notar que, à parte a prescrição, o n.º 2 do art. 163.º sexual só terá sido introduzido no Código Penal em 1998 e nullum crimen sine lege.

A reação de membros da Igreja foi vária porque a Igreja não é uma entidade monolítica, ainda que assente em pedra. Distinguiu-se o homem, que se deve perdoar, do comportamento, que se regista, e desfez-se, com maturidade, a confusão dos pecados.

O bispo D. Januário Torgal Ferreira disse à TVI, em 21-2-2013:
«É indiscutível que em determinadas zonas da nossa sociedade havia comentários dessa ordem. (...) Que havia da parte dele um comportamento homossexual. (...) Essa notícia chegou-me em 2006, 2007».
E o padre Joaquim Carreira das Neves, nessa mesma reportagem da TVI, responde:
«Soube através de um amigo meu que conhece muitos fundos, chamemos-lhe assim, da Igreja Católica de que ele realmente era homossexual e não fugia disso. Ele mesmo se manifestava, seja com o grupo dos amigos do Porto ou com o grupo de amigos de Lisboa, portanto, a sua identidade a nível de natureza humana. Ser homossexual não é pecado. Ninguém... nenhum homossexual é pecador. O problema aqui é se realmente há, ou não há, assédio.
Torna-se grave. É um escândalo, será um escândalo. Portanto, eu não estou a julgar o D. Carlos. Sei que quando se trata da Igreja, a comunicação social não perdoa à Igreja. Eu acho que não deve perdoar, eu acho que não deve perdoar. Seja em relação à pedofilia, seja em relação aos pecados da Igreja. É uma obrigação para nos pôr em ordem e para nós sermos conscientes das nossas responsabilidades.»
Em suma, vale a declaração prudente, e firme, do padre Manuel Morujão, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, em 21-2-2013:
«Contrariando as nossas expetativas, vemos que o nome do bispo D. Carlos Azevedo, atualmente em Roma, está envolvido em acusações de comportamentos impróprios, não conformes com a dignidade e a responsabilidade do estado sacerdotal.
Da sua veracidade não podemos nem devemos julgar apressadamente. De qualquer membro da Igreja se espera um comportamento exemplar. Com muito maior razão de quem se comprometeu a viver o celibato sacerdotal. 

D. Carlos Azevedo pode contar com a nossa solicitude e a nossa oração fraterna.»
Os factos são independentes das oportunidades: não valem, ou deixam de valer, por causa destas. Não acredito na teoria da conspiração. Não creio que tenha sido por causa da sucessão do Patriarca de Lisboa que D. Carlos Azevedo foi afastado de Lisboa para Roma, em 4-11-2011 - uma sucessão para a qual não era, já então, a primeira escolha. Nem creio que tenha sido por causa da renúncia do Papa e a consequente necessidade de escolha de um novo Sumo Pontífice que esta reportagem saíu na revista Visão: o cardeal Gianfranco Ravasi, italiano, de 70 anos, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, do qual D. Carlos Azevedo é delegado, é um notabilíssimo teólogo e orador, dirigiu os Exercícios Espirituais da Cúria após a renúncia de Bento XVI, mas  não parece ser o mais forte papabile e nem a mão da Santa Sé chegaria à profana Visão lusitana, cujo eco na imprensa italiana foi muito fraco.

Por fim, note-se que a Igreja exclui dos candidatos ao sacerdócio os homossexuais: a Igreja «não pode admitir ao Seminário e às Ordens sacras aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay» (Congregação para a Educação Católica, Instrução sobre os critérios de discernimento vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da sua admissão ao Seminário e às Ordens sacras, 4-11-2005) - já no pontificado de Bento XVI). O que neste caso está em questão não é a condição homossexual, nem sequer a prática de atos homossexuais - que a Igreja repreende -, mas os alegados assédios sexuais. O que falta determinar, já que não terá havido um processo formal neste caso.

Todavia, tem de louvar-se a mudança de atitude, consagrando prioridade consequente às vítimas e à Igreja, independentemente do poder do alegado prevaricador. De outro modo, impondo o silêncio, e sacrificando as vítimas, contribuímos para a desproteção destas e o prejuízo moral da Igreja. A verdade liberta: não pune. Por muito que doa, e que custe o perdão, a catarse interna parece ser um caminho inevitável da redenção moral de que a Igreja carece e para a qual Bento XVI nos convocou com o seu pontificado e até com a sua corajosa decisão de renúncia, em 11 de fevereiro de 2013.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): Como é evidente, não se imputa neste poste, ao senhor D. Carlos Moreira Azevedo qualquer ilegalidade ou irregularidade, nem se classifica a pessoa, nem o seu comportamento, como homossexual, e deve beneficiar da presunção de inocência nos factos referidos pelos média.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Firmeza em tempo convulso

O porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, responde, na Sala Stampa, esta manhã, de 22-2-2013, sobre a renúncia do Papa Bento XVI.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Corte com o socratismo judicial: Cândida Almeida fora do DCIAP



A TVI noticiou ontem, 19-2-2013, por Carlos Enes, que, por decisão da procuradora-geral da República Dra. Joana Marques Vidal, a procuradora-geral adjunta Dra. Maria Cândida vai ser substituída no cargo de coordenadora do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal), que ocupava há doze anos apesar de, segundo a TVI, estar «disponível para mais um mandato». O Público, de hoje, por Mariana Oliveira, complementa a informação dizendo que a procuradora-geral tinha já decidido «abrir um inquérito disciplinar aos três magistrados por causa de uma fuga de informação». O José fala em «saída pela esquerda baixa».

Louvo a decisão firme da procuradora-geral Dra. Joana Marques Vidal. Tomáramos nós que o corte que a nova procuradora-geral traça com o socratismo judicial fosse seguido pelo Governo e pelo Parlamento. A Dra. Cândida Almeida foi politicamente conotada com o socialismo sistémico e tomou várias decisões polémicas favoráveis a José Sócrates (nomeadamente, no caso Freeport e no caso da licenciatura) e a personagens do socratismo, bem como foi a máxima responsável de um departamento, lento e sem resultados satisfatórios, do Estado para a alta corrupção no País. Nestes anos rosa-choque, Portugal deveria ter tido outra coordenação, e outra combatividade, na investigação de casos de corrupção de Estado.

No meu livro «O Dossiê Sócrates», publicado em setembro de 2009, a páginas 40 a 47, relato a minha impressão do contacto pessoal, em 28 de junho de 2007, no sexto andar do DCIAP, eu na posição de inquirido, de manhã, e de testemunha, pela tarde, e a Dra. Cândida Almeida na qualidade de procuradora que dirigia o inquérito-crime por queixa  do «cidadão e primeiro-ministro enquanto tal» José Sócrates na sequência da minha investigação à sua licenciatura e que se saldou por um empate técnico: o inquérito contra mim foi arquivado, o primeiro-ministro não recorreu do despacho de arquivamento nem deduziu acusação particular, lá saberá ele porquê; o inquérito por alegada utilização de documento falso (a certidão de licenciatura...) por José Sócrates foi arquivado rapidamente e, de caminho, a licenciatura rocambolesca confirmada. A senhor procuradora tratou-me com impecável respeito, mas cândida não era. E eu, que, todavia, estava habituado à brutidade de procuradores e juízes, não fiquei com qualquer espécie de síndrome de Estocolmo. Entendo ainda que se deveria reabrir o inquérito sobre a licenciatura de José Sócrates, bem como o envolvimento do ex-primeiro-ministro no  processo Freeport (e na Cova da Beira, nas parcerias-público-privadas, no Magalhães, etc.) e apuradas as responsabilidades, mas não tenho esperança de que isso seja feito nos próximos tempos - um dia será. O juízo não é vingança: é reposição da verdade e pedagogia face a potenciais infratores.

Não sei se a Dra. Cândida Almeida requererá imediatamente a reforma ou se passará pelo hiato do Supremo. Sou cristão e não tenho, neste como noutros casos, quaisquer propósitos de vendetta. Desejo sinceramente à Dra. Cândida Almeida muita saúde e a paz que lhe seja possível.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): Como é evidente, não se imputa neste poste, como em nenhum outro, à Dra. Maria Cândida Almeida qualquer ilegalidade ou irregularidade.
As demais entidades referidas nas notícias dos média, que comento, não são arguidos ou suspeitos do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade; e quando, e se, na situação de arguidos, de acusados, de pronunciados, de condenados em primeira, em segunda e em terceira instância, e depois de aclarados todos acórdãos e verificada a constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional de normas legais que as defesas argumentem violarem a Constituição, gozam do direito constitucional à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Visíveis problemas de encadeamento

Recomendo a leitura da Deliberação 31/2013 (CONTJOR-TV), de 6-2-2013, do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) por Queixa da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) e do seu presidente contra a TVI relativamente à reportagem «Faturas de betão», do jornalista Carlos Enes, na TVI, datada de 7-5-2012. Visados na reportagem, PS, Sócrates, Zorrinho, EDP e Endesa... não se queixaram, para não beliscar a sua imagem... humana, em tempos de Facebook:  basta ser usada a APERN como proxy. Veja, ou reveja, o leitor a reportagem e confronte-a com a Deliberação da ERC.

À parte a queixa, atente-se nas expressões do capítulo IV da deliberação do Conselho Regulador da ERC - «Descrição da reportagem»:
«O entrevistado está colocado de frente para o sol, o que lhe causa visíveis problemas de encandeamento [sic], pelo que se encontra um pouco curvado sobre o seu lado direito, com o rosto contraído e olhos semi-cerrados». (...) O entrevistado concorda, sem conseguir expor argumentos, já que as suas declarações são permanentemente [sic] interrompidas pelo repórter.»
»O presidente da APREN tenta explicar (...). O repórter interrompe a sua exposição permanentemente [sic], impedindo o entrevistado de expor o seu ponto de vista e de fornecer a sua explicação sobre os números com os quais foi confrontado».
(Realce meu).

E ainda o capítulo «V - Análise e fundamentação» da deliberação:
«aparente [sic] equilíbrio entre as posições veiculadas».
«os ambientalistas e professores universitários [na deliberação, os ambientalistas e os professores universitários não merecem nome] expõem as suas posições relativamente às questões lançadas sem intervenção do repórter ou confrontação das suas alocuções. As suas declarações são aceites [sic] por parte do repórter.»

«Ao invés, as intervenções dos administradores da EDP e Endesa e, sobretudo, do presidente da APREN, são alvo permanente de contra-argumentação, explanando estes com dificuldade os seus pontos de vista, perante as investidas insistentes do repórter/entrevistador.»
«o queixoso, em entrevista ao ar livre, sentado frente a frente com o repórter, de frente para a luz, transmite uma imagem de desconforto e de desarmonia que prejudica a imagem global do entrevistado».
«diferenciação percetível no tratamento dispensado aos diversos atores sociais [sic] ali presentes»
«a reportagem não cuida do equilíbrio».
«Ao propiciar uma assimetria na presença dos atores sociais que surgem na peça, a reportagem manifesta-se desequilibrada». (Realce meu)

E, finalmente, no capítulo «VI - Deliberação»:
«a forma como são apresentados alguns depoimentos interfere com a atribuição de sentido às declarações produzidas e com a credibilização das fontes entrevistadas».
«a reportagem da TVI trata de forma assimétrica as declarações das fontes de informação consultadas, apresentando argumentos completos de algumas delas e impossibilitando outras de explanarem as suas explicações, em prejuízo do rigor, isenção e objetividade legalmente exigidos».
«Instar a TVI a zelar pelo equilíbrio no tratamento das fontes de informação que apresenta nos seus trabalhos jornalísticos, observando os princípios éticodeontológicos inerentes ao exercício da profissão».
(Realce meu)

Estas frases, imorredoiras na vigilância da tal ética e deontologia que a todos toca, independentemente da posição atual que ocupam, ilustram a lógica do poder e a sua falta de vergonha.

Perguntam os portugueses para que serve a ERC, para além da habitual endogamia político-dinástica de jobs, se existem tribunais que podem dirimir os abusos eventuais dos média?... Pois, a ERC serve para domesticar, direta e indiretamente (através dos editores de confiança e dos patrões de confiança), jornalistas independentes e impor o garantismo de matriz ideológico-política socialista. Uma proteção do poder perante as notícias que o afetam. SLAPP. Um  vício autoritário que este governo PSD-CDS deveria ter eliminado, extinguindo a ERC, mas que manteve na política ceteris paribus que sofremos e que, encadeados, aturamos.


* Imagem picada daqui.



Atualização: este poste foi actualizado às 23:48 de 18-2-2013.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Acabar antes de morrer

«Consummatum est [João 19:30].
Tendo o Senhor assim consumado todas as ações e obrigações de Redentor, recolheu-se o Senhor consigo e com Deus no silêncio do seu espírito, esperando que acabasse de chegar a morte, e dando este exemplo para nos ensinar a morrer. Cristãos, quereis morrer cristãmente? Acabai antes de morrer: primeiro disse o Senhor: Consummatum est: Já se acabou tudo - e então esperou pela morte. O imperador Carlos V dava um governo a um seu grande capitão, e ele escusou-se, dizendo que queria meter tempo entre a vida e a morte, e queria acabar a vida antes de morrer. E o imperador pareceu-lhe tão bem este conselho, que o tomou para si.»

Padre António Vieira, Voz Compadecida, Prática Espiritual da Crucificação do Senhor, Colégio da Companhia de Jesus, São Luís do Maranhão.

O Papa Bento XVI anunciou ontem, 11 de fevereiro de 2013, de surpresa, a sua renúncia ao pontificado, com efeito a partir de 28-2-2013. Joseph Ratzinger passa à condição de Bispo Emérito de Roma, recolherá a um convento de clausura para um resto de vida de oração, e será marcado em março um Conclave para a escolha do novo Papa. É a seguinte a tradução oficial para português da sua declaração original em latim num consistório, ontem de manhã, no Vaticano, perante o colégio de cardeais:
«Caríssimos Irmãos, convoquei-vos para este Consistório não só por causa das três canonizações, mas também para vos comunicar uma decisão de grande importância para a vida da Igreja. Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idóneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado. Por isso, bem consciente da gravidade deste acto, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro, que me foi confiado pela mão dos Cardeais em 19 de Abril de 2005, pelo que, a partir de 28 de Fevereiro de 2013, às 20:00 horas, a sede de Roma, a sede de São Pedro, ficará vacante e deverá ser convocado, por aqueles a quem tal compete, o Conclave para a eleição do novo Sumo Pontífice.
Caríssimos Irmãos, verdadeiramente de coração vos agradeço por todo o amor e a fadiga com que carregastes comigo o peso do meu ministério, e peço perdão por todos os meus defeitos. Agora confiemos a Santa Igreja à solicitude do seu Pastor Supremo, Nosso Senhor Jesus Cristo, e peçamos a Maria, sua Mãe Santíssima, que assista, com a sua bondade materna, os Padres Cardeais na eleição do novo Sumo Pontífice. Pelo que me diz respeito, nomeadamente no futuro, quero servir de todo o coração, com uma vida consagrada à oração, a Santa Igreja de Deus.»
A notícia surpreendeu, tendo em conta o doloroso sacrifício de João Paulo II, e chocou o mundo, habituados, como estamos, à ânsia da «glória de mandar», há muito esquecido o resto do verso que a chama «vã cobiça». Bento XVI renuncia porque, de acordo com a sua declaração refletida, as suas forças já não são suficientes para o exercício adequado do pontificado: o vigor, do corpo e do espírito, diminuíu e já não se sente capaz de de administrar bem o ministério de Bispo de Roma, num mundo «sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé». São estas as razões invocadas pelo Papa, na sua humildade e responsabilidade: não devemos procurar outras porque elas sintetizam a sua condição e as circunstâncias.

O padre Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, na connferência de imprensa de ontem, que se seguiu ao anúncio do Papa, e na de hoje, esclareceu que a decisão do papa não foi ditada por qualquer doença. São, assim, desvalorizadas informações de substituição de um pacemaker (uma intervenção de rotina), de hipertensão, arritmias, perda de visão (o Papa não verá bem de um olho o que o obriga a amparar-se quando se desloca já que lhe falta noção de perspetiva) e até rumores de perda de memória (ontem, um psiquiatra avalizava a lucidez da decisão de um homem mentalmente capaz e sem sintomatologia depressiva).

Bento XVI renuncia por falta de vigor, porque não é deste mundo de poder. O biógrafo alemão Peter Seewald, autor do livro-entrevista «Luz do Mundo», explicou ontem, ao Corriere della Sera, que a conceção de Bento XVI da «condução da vida da Igreja não tem nada a ver o exercício do poder mas só com a dimensão espiritual e religiosa», sendo essa «modernidade (...) o seu traço distintivo». Em comparação com os líderes soviéticos refrigerados, Mitterrand ou Chávez, o Papa renuncia ao poder, tornando-se assim um exemplo de humildade para o mundo que guiou com a palavra amável, mesmo se a sua atitude não é inédita na Igreja (veja-se o caso de Celestino V, em 13-12-1294 e de outros Papas). Bento XVI já havia admitido nesse livro-entrevista a possibilidade de renúncia se não se encontrasse em condições de exercer o ministério para que fora eleito. Numa lição aos seminaristas, no Seminário Maior de Roma, na passada sexta-feira, 8-2-2013, o Papa tinha deixado um sinal da circunstância dolorosa em que se encontrava, sobre o martírio que Roma significa e sobre a associação entre Roma e Babilónia:
«São Pedro sabia que o seu fim seria o martírio, seria a cruz. E assim será na completa sequela de Cristo. Então, caminhando para Roma certamente caminhou também para o martírio: na Babilónia esperava-o o martírio.» (Tradução minha).
Foi o entendimento humilde da parte executiva sua função - mais como chairman do que monarca -, e da própria função da Igreja, que também provocou o seu sofrimento, perante confrontos de poder temporal, e de  intriga, na Cúria, no Governatorato, no alegado choque entre a Secretaria de Estado e a Conferência Episcopal Italiana relativamente à política transalpina, nos média católicos em Itália, em instituições académicas e sanitárias dependentes e no IOR (para o qual ficou por nomear o presidente, desde que foi demitido o Prof. Gotti Tedeschi em 24-5-2013), e que culminaram na publicação em maio de 2012 do livro de Gianluizi Nuzzi, «Sua Santità - Le carte segrete de Benedetto XVI», expondo correspondência pessoal, obtida com a filtragem de documentos, desde 2006, pelo mordomo do Papa, Paolo Gabriele (o qual envolveu sete pessoas), que teria procurado o jornalista Nuzzi depois de este ter publicado, em 2009, o livro «Vatican S.p.A. - Da un archivio segreto la verità sugli scandali finanziari e politici della Chiesa». O mordomo, que confessou o furto de documentos para passar a jornalistas, foi condenado no tribunal do Estado do Vaticano a 18 meses de cadeia, mas foi perdoado pelo próprio Bento XVI, cuja confiança havia traído. Até pela menção expressa no seu anúncio da agitação («mundo de hoje... agitado por questões de grande relevância para a vida da fé»), é natural que a circunstância temporal do seu pontificado - que já viria de tentações de auto-gestão durante o tempo de martírio físico da capacidade física debilitada dos últimos tempos de João Paulo II -, tenha influído no exame de consciência do Papa sobre o vigor necessário para enfrentar os desafios da administração e a mágoa da Igreja, povo de Deus, e do mundo perante a conduta da hierarquia face aos escândalos de pedofilia do clero, novo escândalo no IOR (com alegações graves de falta de transparência) e as filtrações de disputas de poder no Vaticano. Nesse sentido, o seu ato de renúncia responsabiliza todos para o propósito fundamental de unidade da Igreja.

Neste momento ainda de choque pela responsabilidade da decisão do Papa, germânico, intelectual, com um compromisso de vida com a Verdade, racional na avaliação das condições objetivas e nas contingências dos desafios, é altura de agradecer o seu notabilíssimo Pontificado. Para lá das polémicas mediáticas que o procuram diminuir. Ao contrário da fama de inquisidor que o precedia pelo cargo que tinha detido como prefeito do discastério Congregação para a Doutrina da Fé (1981-2005), Joseph Ratzinger foi o Papa do Amor, da Esperança e da Comunhão social. Ao mesmo tempo, este Papa do diálogo, não apenas intercivilizacional, empreendeu uma política nova de purificação e penitência, na resolução do problema de silenciamento de abusos sexuais na Igreja e de transferência de clérigos abusadores, desprotegendo vítimas atuais e futuras, o que não foi fácil numa Igreja habituada a tratar dos problemas internamente, sem comunicação às autoridades das imputações comunicadas, e a proteger mais a reputação dos abusadores do que a integridade das vítimas.

Propôs ao mundo uma humildade no anúncio da Fé, como uma versão adaptada aos tempos contemporâneos de diabolização da Igreja, de mensagem e testemunho mais do que militância, para levar o mundo a crer serenamente no amor de Cristo. Se puséssemos esse novo meio de transmissão da fé, em termos de marketing, diria que uma comunicação mais pull do que push. Procurar a adesão pela atração das pessoas, mais do que pela pressão sobre as pessoas. A mudança, fundada na consciência de que na Europa e na América do Norte, o catolicismo se tinha tornado minoritário pelo combate acérrimo do relativismo (que o Papa denunciou, como naquele discurso  de 8-5-2011, em Veneza, confrontando a sociedade líquida, de Zygmunt Bauman) e a tentação egoísta dos homens e das mulheres, foi útil para a recuperação da fé, enquanto entrega radical e pacífica a Deus, consistente com a razão. Sem concessão ao socialismo liberal dominante, nem abdicar dos valores da vida, da família e da moral cristã, face à cultura da morte, do aborto, da eutanásia e das drogas, ao casamento homossexual. Nesse proselitismo sereno, lembre-se o êxito da Jornada Mundial da Juventude em Madrid, em agosto de 2011, onde os jovens cristãos resistiram com dignidade e temperança à provocação estratégica de ateus fundamentalistas belicosos, que, em Espanha, como noutros países, querem expulsar a Igreja do espaço público. Mais do que uma memória de bondade, o papa Bento XVI deixa-nos uma herança teológica sólida e uma proposta moral firme para a reevangelização da Europa e da América do Norte e a continuação do crescimento da Igreja em África e América Latina (perante a concorrência dos ritos prostestantes pentecostais) e Ásia. Esperemos que o próximo Papa, com novo vigor e impulso, possa, com força e prudência, reorganizar a estrutura, e continue o esforço de reevangelização e abertura, sem ceder nos princípios doutrinais.


Nota: Horas depois da renúncia do Papa, às 13 horas de 11-2-2013, o CM , por Secundino Cunha, noticia que D. José Policarpo ficará mais um ano à frente da diocese de Lisboa. Mas também aqui, nesta Nação que se há de manter Fidelíssima se aproximam, mais cedo ou mais tarde, tempos de transição.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

BPN: uma história de pasmar



O dinheiro perdido pelo Estado no BPN chegará aos sete mil milhões de euros (valores da reportagem «A Fraude», na SIC, de 5 a 8-2-2013), ou até aos  8,3 milhões de euros (i, de 24-4-2012 e DN, de 29-4-2012). Na perda do Estado no BPN, há que distinguir três períodos: antes da nacionalização, o período da nacionalização (administração pela Caixa Geral de Depósitos) e a privatização. Quase todo esse prejuízo do Estado resulta da nacionalização: o Estado não pode assumir as perdas dos investidores, nem dos depositantes acima da garantia legal.

Antes da nacionalização, além da atividade bancária comercial habitual, o BPN financiou investimentos e negócios dos seus acionistas, de parceiros de negócios e de políticos (do PSD e não só) amigos da administração. A SLN era a holding, financiada pelo banco, que reunia as empresas detidas a 100% e as participações noutras empresas. Várias dessas empresas acumularam dívidas incríveis, admitindo-se que, num grupo, com contabilidades paralelas, bancos virtuais, e bancos insulares mais ou menos secretos, o financiamento seja cruzado e cometido a fins distintos dos indicados. Um dos grandes negócios manhosos em que a SLN entra em consórcio com outros investidores amigos, foi a absurda contratação por 485 milhões de euros do SIRESP, sistema de comunicação das forças de segurança do Estado, quando, alegadamente, esse sistema valeria apenas um quinto desse valor.

O financiamento dos investimentos dos grandes acionistas é o motivo por que, vulgarmente, industriais se envolvem na aventura da participação em bancos: conseguem assim financiamento para negócios mais ousados, a que a banca de investimento resistiria, e com maior dispensa de garantias, prazos mais longos e juros mais agradáveis.

Para além disso, e de forma a atrair investidores e garantir apoios políticos, a administração celebra acordos (escritos e verbais?) de venda e recompra de ações com ganhos variáveis, eventualmente dependendo do poder dos envolvidos, uma espécie de swaps a valores garantidos: a administração da SLN vende ações a X, acordando desde logo a recompra ao valor de X+Y.

Corrupção política no início, meio e fim, num banco fundado e presidido pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e presidente da distrial de Aveiro do PSD, José Oliveira e Costa, envolvido no polémico caso do perdão fiscal à complicada Cerâmica Campos, em 1990, em que, segundo me recordo da investigação do Expresso, de acordo com fontes da investigação, a máquina de escrever onde o perdão fiscal foi pedido era a mesma onde foi datilografada a concessão desse perdão.

Entretanto, o donabranquismo do BPN, em que depósitos - até o Ministério de Ferro Rodrigues, em 1999, lá depositou milhões da Segurança Social, dinheiro que é de presumir que tenha servido ao banco para alavancar financiamentos e investimentos da SLN e de amigos da administração.

Quando os rumores de implosão começam a circular, é natural que grandes acionistas pressionem a administração do grupo SLN/BPN a recomprar-lhes as ações; e que outros grandes investidores em títulos de investimento, em fundos de tesouraria e em depósitos, pressionem a administração para reaverem o dinheiro investido, ainda no tempo de Oliveira e Costa e depois dele até à nacionalização.

Em novembro de 2008, depois de falha consecutiva, durante anos na supervisão bancária pelo Banco de Portugal (BdeP) de Vítor Constâncio (que justificou, na sua audição na comissão parlamentar de inquérito, o comportamento seu e do Banco de Portugal relativamente ao BPN, com confiança no Dr. Oliveira e Costa, «ingenuidade», como se um governador do BdeP pudesse ser ingénuo...), e em vez de aceitar o plano Cadilhe, o Governo Sócrates nacionalizou o BPN, o banco atribuindo a sua gestão à Caixa Geral de Depósitos, através de uma administração de Bandeira. Com essa decisão política, o poder socratino ficou, indiretamente, com acesso possível a informação financeira privilegiada sobre os negócios do Presidente da República, Cavaco Silva, e sua família, com o grupo SLN (holding detentora do BPN). Para não perder o efeito político - que não se consegue perceber qualquer razão de economia ou de marketing -, o Governo Sócrates mantém a marca... BPN, ainda que na prática o banco passe a pertencer à Caixa.

Porém, após a nacionalização de novembro de 2008, é crível que a pressão dos investidores para a recompra de ações da SLN, e para a liquidação de fundos de tesouraria e de investimento, tenha continuado, havendo notícias abundantes de discriminação na devolução do dinheiro investido, considerando a administração que uns eram depósitos e outros não. A contabilidade da percentagem da devolução de dinheiro a grandes investidores (seja em fundos de investimento, seja em fundos de tesouraria) em contraponto com os pequenos aforradores deve ser algo que a Caixa e o Estado devem informar os portugueses. Pois, os contribuintes  portugueses foram todos acionistas do banco, enquanto este este nacionalizado.

Outro facto que importa o Estado e a Caixa Geral de Depósitos apurarem com escrupuloso rigor e informar  os portugueses com absoluta transparência, é a gestão após a nacionalização (de novembro de 2008 a março de 2012). Porque até agora o tribunal e a comissão parlamentar dedicaram-se a apurar a gestão anterior á nacionalização. Assim, convém obter resposta às seguintes questões, após a nacionalização, com a administração do banco pela Caixa Geral de Depósitos:
  1. Se continuou a haver financiamentos a empresas totalmente detidas pela SLN, a quais empresas e quanto?
  2. Se continuaram os financiamentos pelo BPN nacionalizado a empresas participadas pela SLN, a quais e quanto?
  3. Se isso aconteceu, qual o montante e percentagem desses financiamentos que estão em incumprimento?
É que a torneira do banco para a SLN e empresas de acionistas da SLN, e demais negócios ruinosos e arriscados, deveria ter sido fechada imediatamente, evitando a drenagem de dinheiro público.

Finalmente, importaria reavaliar, através de uma entidade independente, qual o exato valor do BPN nacionalizado à data da privatização para apurar do rigor do negócio realizado pelos Governos (Sócrates e Passos Coelho) com os angolanos do BIC. Se o Estado limpou dívidas e ativos tóxicos, qual o valor da quota de mercado do banco, o património imobiliário das agências e da sede e o valor dos recursos humanos do banco em comparação com os 40 milhões de euros por que foi vendido em março de 2012? Noutra perspetiva, quanto custaria ao BIC a quota de mercado, a contratação e a formação de funcionários, a compra de edifícios e o apetrechamento de agências por todo o território português?

A fatura de sete ou 8,3 mil milhões de euros de custo do BPN para o Estado deveria ser endossada a José Sócrates, cujo  Governo, que liderava, tomou a decisão de nacionalizar o BPN, garantindo ele próprio no Parlamento, em 11-2-2009, que os encargos para os contribuintes portugueses «serão, tenho a certeza, muito menores do que aqueles que seriam se não tivessemos feito nada» - isto é, a nacionalização - oiça-se a reportagem da TSF da intervenção do então primeiro-ministro, nesse debate parlamentar! Se o banco não tivesse sido nacionalizado, o Estado teria de garantir apenas 25 mil euros por depósito no BPN (quantia que vigorava até novembro de 2008 como garantia estatal de depósitos). Mas esse montante global seria ínfimo comprado com as perdas que essa decisão acarretou. Qualquer depositante sabe que um depósito bancário não é isento do risco de falência da instituição onde coloca o seu aforro - e melhor sabe qualquer investidor, particular ou empresa, que pode perder o dinheiro investido em fundos de investimento, obrigações e ações. Portanto, o Estado não pode, nem deve eliminar o risco do investidor e do aforrador, acima do valor legalmente previsto.

O BPN tinha na época da nacionalização uma quota do mercado financeiro português de 2% e, por isso, jamais constituía um risco sistémico significativo - no relatório de Estabilidade do Sistema Financeiro de 2008 do Banco de Portugal , datado de 19-5-2009, o BdeP diz que a falência do BPN «poderia ter algum impacto sistémico» (sic). No meio do delírio do socratismo, a nacionalização do banco, custasse o que custasse, também representaria para as mentes tortuosas do poder real uma hipótese de OPA sobre o Presidente da República, através do acesso a informação dos negócios do Prof. Cavaco Silva, e da sua família, com a administração de Oliveira e Costa, do grupo BPN/SLN - e expetativa de condicionamento do presidente por esse receio. Numa avaliação do delírio desses anos de autoritarismo e de desequilíbrio constitucional, essa hipótese parece mais válida para a lógica desse poder socratino (que ainda predomina no Partido Socialista e no País) do que o impacto da falência do BPN sobre créditos de outros bancos e o medo de corrida dos portugueses ao levantamento generalizado de depósitos noutros bancos...


Nota: sobre este assunto do BPN, veja-se ainda o meu poste «A fatura de 8,3 mil milhões de euros» do BPN», de 4-5-2012.


* Imagem picada daqui.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades referidas nas notícias dos média, que comento, não são arguidos ou suspeitos do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade; e quando, e se, na situação de arguidos, de acusados, de pronunciados, de condenados em primeira, segunda e terceira instância, e depois de aclarados todos acórdãos e verificada a constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional de normas legais que as defesas argumentem violarem a Constituição, gozam do direito constitucional à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O destino da pia



Diz o Público, de hoje, 7-2-2013:
«Carlos Cruz pode voltar à prisão nos próximos dias. Segundo uma notícia da TVI, o Tribunal Constitucional recusou o seu último recurso.
O porta-voz deste tribunal não confirma, porém, a informação, embora também não a desminta. (...)Ainda segundo a TVI, o processo vai descer à primeira instância nos próximos dias para que a juíza Ana Peres ordene a emissão de mandados de condução à cadeia. À excepção de Hugo Marçal, que tem ainda à sua disposição vários recursos, uma vez que a sua primeira condenação foi anulada, e de Carlos Silvino — que esgotou as suas diligências para continuar em liberdade, tendo sido preso novamente em meados de Janeiro —, para todos os restantes quatro arguidos do processo Casa Pia a decisão do Tribunal Constitucional é o fim da linha em matéria de recursos.»
Nenhum dos outros arguidos do processo Casa Pia vai voltar à prisão, como outros nem sequer lá foram parar. Não vão voltar porque não podem voltar. Nem é preciso publicarem-se uns «papeles Bárcenas».

É contra natura do sistema que voltem à prisão. Qualquer tática serve. Assusta-se o povo com o cumprimento da pena de um condenado por abuso sexual de crianças, alegadamente esgotados os recursos, cumprir a pena de prisão que lhe foi sentenciada pelas diversas instâncias. Ou muda-se a lei, como na vigésima terceira alteração ao Código Penal, em 2007, acrescentando uma pequena adenda ao número três do artigo trigésimo («salvo tratando -se da mesma vítima»), passando, como desde então, mil crimes de abuso sexual praticados sobre a mesma criança a valer por... um!... Ou pressiona-se o Conselho Superior de Magistratura, ou outra qualquer instância, a ordenar à juíza Ana Peres que os arguidos aguardem todos os recursos e mais alguns, em liberdade, na linha isaltina da justiça à portuguesa. Ou, ou...

Nem sequer sofrerão as leves perneiras para usar no conforto do lar, onde todos os arguidos, acusados e pronunciados, poderosos, têm o direito de esperar o trânsito em julgado de sentença... ilibatória, que é a prescrição certinha.


* Imagem picada daqui.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades referidas nas notícias dos média, que comento, não são arguidos ou suspeitos do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade; e quando, e se, na situação de arguidos,  de acusados, de pronunciados, de condenados em primeira, segunda e terceira instância, gozam do direito constitucional à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória.

Edmundo Pedro-António Costa: o PS no seu melhor



O bélico Edmundo Pedro, dos eletrodomésticos e das G-3, declarou o seu apoio ao medroso António Costa para a liderança do PS.


* Imagem picada daqui.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Compete

Segundo fui informado, o Programa Compete/QREN, de que era o Gestor, desde fevereiro de 2012, o novo secretário de Estado Franquelim Alves, financia e apoia o Fundo BES-PME, que financiou, e assessorou financeiramente, Luís Montez na compra, em consórcio com outras empresas e quadros, do Pavilhão Atlântico, conforme foi noticiado em 26-7-2012.

De acordo com o Público, de 26-7-2012,
«o consórcio vencedor integra, na vertente financeira, um fundo de capital de risco do Banco Espírito Santo, o BESPME. Além de financiar a operação, o BES também esteve ao lado de Luís Montez na qualidade de assessor financeiro do empresário, enquanto o Banco BIG, de Carlos Rodrigues, foi o consultor da equipa de quadros do pavilhão, que se aliou ao consórcio vencedor, e da Ritmo e Blues».
O Fundo BESPME participa no consórcio Arena Atlântico «constituído por Luís Montez, dono da Música no Coração [mas que entrou no negócio a título individual], Álvaro Ramos, da Ritmos e Blues, e a actual equipa de gestão do Pavilhão Atlântico» (Jaime Fernandes e Jorge Silva) que, segundo noticiou o Público, de 26-7-2012, «ganhou o concurso de compra» do Pavilhão Atlântico da Parque Expo por 21,2 milhões de euros.  Em 1-8-2012, escrevi neste blogue sobre esse negócio com o seguinte trecho:
«A Sociedade Gestora do Fundo BES-PME, a ES Capital, sociedade de capital de risco do Banco Espírito Santo, investe dinheiro em empresas dinheiro com o apoio de fundos comunitários. Faz esses investimentos diretamente por si, ES Capital (ou pela ES Ventures), ou refinanciando-se no Fundo de Sindicação de Capital de Risco, que é gerido pelo Ministério da Economia, através da PME Investimentos e do IAPMEI. Este fundo público (Fundo de Sindicação de Capital de Risco), que sindica as operações de capital de risco neste QREN, já se financiou em mais de 200 milhões de euros, com os quais, sindicou operações em montantes equivalentes. Na prática a ES Capital, que naturalmente, está debaixo da supervisão da CMVM,  recebe pelo menos aquilo que investiu, ou emprestou, do  Estado, via capital de risco do QREN. Além disso, estas sociedades de capital de risco do Grupo Espírito Santo ainda cobram spreads e comissões pelas operações de gestão e  avaliação.
Sabendo-se que o BES, como os demais bancos portugueses, está bastante descapitalizado, e que a operação de compra do Pavilhão Atlântico é uma operação de risco, consegue-se que, na prática, seja o Estado e os fundos públicos a garantirem o risco, que formalmente Luiz Montez e BES, além dos seus sócios com o Banco BIG, parecem suportar. Isto é, o consórcio vencedor compra ao Estado (Parque Expo) com dinheiro emprestado (ou investido, se não se tratar de um simples empréstimo sem participação no negócio) pelo próprio Estado. Uma espécie de pescadinha de rabo político na boca financeira.» (...)
Relembro que Luís Montez é genro do Presidente da Repúblicacasado com a sua filha Patrícia Maria, com quem tem quatro filhos, alegadamente no regime de comunhão de adquiridos (jornal O Crime, de 19-7-2012, citando relatório da empresa Informa D e B).»

Importa dizer que não foi o Programa Compete, ou o Fundo de Sindicação de Capital de Risco, quem financiou diretamente esta compra do Pavilhão Atlântico, nem se sabe se este, ou qualquer projeto lhe foi apresentado para aprovação.



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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Portas, Montez e Cavaco

Numa notícia do Económico, de 30-1-2013, revela-se que o Governo não deverá renovar o mandato do socratino Manuel Sebastião como presidente da Autoridade da Concorrência, por este ter mandado para «investigação aprofundada» o negócio do Pavilhão Atlântico desagradou ao CDS.

Será a velha relação noticiosa de Luís Montez com Paulo Portas a funcionar?...

Uma das situações más patéticas da política portuguesa dos últimos anos parece ser a tentativa de utilização do genro Luís Montez, como meio de condicionar a ação do Presidente da República, Prof. Cavaco Silva, seja no caso do negócio PT/TVI (em que as rádios do grupo MediaCapital foram apresentadas como «o preço da paz» e Cavaco «cala-se logo, fica a cuidar dos netos» - DN, 8-3-20), seja no caso da Pavilhão Atlântico. Quer Portas herdar a posição de Sócrates?


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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Double standards no caso Franquelim Alves



A tomada de posse, em 1-2-2013, do Dr. Franquelim Fernando Garcia Alves como novo secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação
, gerou um coro de protesto da oposição, nomeadamente a socialista, de vozes independentes e mesmo da coligação.

Mas importa lembrar que a criticada SLN, do BPN, cuja área não-financeira Franquelim Alves administrou em 20072008, é agora a Galilei, presidida por Fernando Lima Valadas Fernandes, atual grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, e que, segundo o CM, de 13-1-2011, emprestou um prédio, em 2010/2011, para a sede de campanha da candidatura do socialista Manuel Alegre à Presidência da República, do qual integrou a Comissão de Honra. O grupo BPN/SLN era - e é ainda - uma hidra com várias cabeças e muitos tentáculos políticos, incluindo socialistas além dos sociais-democratas mais visíveis.

Franquelim (ou Franklin ou Frankelim) Alves, alegadamente ex-ativista do MRPP convertido ao capitalismo, ex-genro do coronel Luís Augusto da Silva da Cinveste (e ex-Lusomundo), esteve na SLN, como administrador para a área não  financeira do grupo (que detinha o BPN), entre finais de 2007 e outubro de 2008 - note-se que Oliveira e Costa abandonou a administração do BPN em fevereiro de 2008 e só veio a ser detido no final de novembro de 2008.

De acordo com o suplemento Economia, do Expresso, de 24-3-2009:
«Frankelim Alves, foi convidado para administrador da Sociedade Lusa de Negócios (SLN) para a área não financeira por um grupo de accionistas de referência em finais de 2007, mas apenas foi nomeado para ficar à frente das várias subholding do grupo em finais de Janeiro, início de Fevereiro [de 2008] . (...)
Entrou no grupo em finais de 2007, fazendo parte de três administrações - a recta final do reinado de José Oliveira Costa, Abdool Vakil enquanto presidente interino e Miguel Cadilhe, eleito em Assembleia Geral pelos accionistas. Saíu do grupo em Outubro, pouco tempo antes da nacionalização [datada de 3-11-2008], por não se rever num projecto de venda em bloco das do grupo prosseguida por Miguel Cadilhe.»

Franquelim Alves era, desde 14-2-2012 (sete meses depois da tomada de posse do Governo PSD-CDS),  Gestor do Programa Compete - Programa Temático Fatores de Competividade-, um programa operacional do Estado inserido no Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) com que a União Europeia, através do Feder (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional), apoia o desenvolvimento português.


* Imagem picada daqui.


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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Livro «Segredos da Maçonaria Portuguesa»


Foi ontem apresentado o livro «Segredos da Maçonaria Portuguesa», de António José Vilela, edição da Esfera dos Livros, 2013. O autor, jornalista da revista Sábado, tem-se destacado na informação sobre a Maçonaria e a sua conjunção com o poder político-económico, em Portugal. Com certeza que neste livro se encontrará informação de relevo sobre a promiscuidade do poder com a Maçonaria. Do Portugalo Profundo, saúdo o autor e recomendo a obra.