quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Desilusão e diktat

Lembrou-me um amigo que Pedro Passos Coelho disse em 5-11-2010, em Viana do Castelo, que «aqueles que são responsáveis pelo resvalar da despesa também têm de ser civil e criminalmente responsáveis pelos seus actos e pelas suas acções».

Dezasseis meses depois de estar no Governo a vontade expressa  nessa altura continua por cumprir e o anterior primeiro-ministro Sócrates que deixou o País na ruína, absolvido por abstenção e proteção deste governo,  num prefácio ontem, 23-10-2012, divulgado do livro do presidente de câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto, «Sou político»,  já se permite gozar com «a lógica da futilidade» e a inação, de quem o poupa.

Nada do programa patriótico que o povo ardentemente desejava foi realizado: nem auditoria geral das contas públicas (só as da Madeira... nem as dos Açores...); nem renegociação a sério das parcerias público-privadas, nem limpeza da administração pública; nem responsabilização criminal da corrupção de Estado durante o socratismo. 

Quem impediu Pedro Passos Coelho de governar? Quem impediu o chefe do executivo de promover a auditoria geral das contas públicas? Quem impediu o primeiro-ministro de levar à justiça os responsáveis políticos pelos contratos manhosos das parcerias público-privadas e de outros negócios ruinosos para o Estado? Quem impediu o primeiro-ministro de mandar para investigação judicial todos os contratos de parcerias público-privadas? Quem impediu o primeiro-ministro de fornecer ao Ministério Público a relação detalhada das despesas, e de levantamentos, com os cartões de crédito do Tesouro do Estado durante o socratismo? Quem impediu o primeiro-ministro de limpar a administração pública dos dirigentes socratinos? A resposta é ninguém.

Não se queixe, então, quem por conveniência, não quis - nem quer -, a mudança de sistema. O Governo de Passos Coelho foi uma enorme desilusão para a ânsia do povo de correção dos assuntos da Pátria. Num momento em que se discute abertamente a demissão do executivo e a substituição de Passos Coelho por outra personalidade com força, coragem e efetiva responsabilidade, o Governo cai, na prática, no estatuto de governo de gestão, impotente para fazer qualquer coisa, além da tradução parcelar do diktat da troika.


* Imagem picada daqui.

sábado, 20 de outubro de 2012

Este vai-se e aquele vai-se,/ e todos, todos se vão



Sem comentário outro que não a mágoa. Pois, virou o disco e parece tocar o mesmo. Ainda que a música não se adapte ao libreto da filarmónica habitual. Siga a orquestra em allegro vivace. É apenas uma questão de tempo.


* O título do poste pertence a um trecho da V estrofe do poema «As viudas dos vivos e as viudas dos mortos» do livro Follas Novas, da poetisa galega Rosalía de Castro, em 1880, que reescrevi na forma lusa.
Também o escritor Manuel António Pina nos deixou ontem, 20-10-2012, para um repouso merecido. Mas a sua memória e as suas palavras permanecem. Além de poeta, Manuel António Pina foi um cronista patriota, livre e corajoso, crítico do socratismo ao qual não se vergou, desprezando o conselho cínico de Talleyrand: ««un autre moyen de se grandir: c’est de se courber» (Mémoires du Prince de Talleyrand, vol. L'époque napoléonienne, Imprimerie Nationale Éditions, 1996, 1.ª ed. 1892, p. 162. Simbolicamente, ontem, 
JN, onde Manuel António Pina escrevia regularmente, a  TSFO Jogo e o DN (meios de influência sobre o Estado português) foram vendidos ao grupo luandense que já detinha o semanário Sol, a Newshold - de que, segundo o Expresso, de 20-10-2012, é administrador financeiro, Filipe Passadouro, «antigo colega do ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, na Finertec».

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O negócio da venda dos hospitais da CGD

Os jornais noticiaram que a Caixa Geral de Depósitos vai vender por 80 milhões de euros  os HPP - Hospitais Privados de Portugal aos brasileiros da Amil.

Os HPP, a divisão hospitalar da Caixa, compreendem: o Hospital da Boavista, o Hospital da Misericórdia de Sangalhos, o Hospital dos Lusíadas, o Hospital de Santa Maria de Faro, o Hospital São Gonçalo de Lagos, e o Hospital de Cascais, em parceria público-privada (PPP); e ainda três clínicas (Clínica Infante, de Portimão; Clínica Forum Algarve, de Faro; e Hospital de Albufeira) - além de uma unidade de residências assistidas (Carlton Life). O grupo tinha ainda em projeto um novo hospital em Viseu e um outro em Faro. O grupo HPP foi criado pela Caixa em 1998, no I Governo Guterres, quando era presidente do conselho de administração da CGD o Dr. João Salgueiro. Os HPP registaram um prejuízo de 29 milhões de euros em 2011 e a sua história está recheada de aventuras para áreas diversas do negócio principal da Caixa, e até para Espanha, e de parcerias falhadas.

Anunciado por 100 milhões de euros, o negócio acabou por se concretizar no início de outubro de 2012, por 80 milhões de euros. Os jornais não referiram quem interveio, da parte do Governo, no processo de venda dos HPP da Caixa aos brasileiros da Amil. O motivo relatado da venda é a alegada exigência da troika de venda dos ativos não financeiros da Caixa. O grupo brasileiro Amil, detentor de 22 hospitais, foi, entretanto, comprado em 90% pelos norteamericanos da United Health, por 3,7 mil milhões de euros.

Uma primeira questão que os cidadãos portugueses, que são uma espécie de acionistas da Caixa, devem ser informados é quanto custou a construção e o equipamento dos hospitais e clínicas da CGD, agora vendidos por 80 milhões de euros, Por exemplo, o Hospital de Cascais, em regime de PPP, que foi inaugurado no ano de 2010, custou 50 milhões de euros em construção e 10 milhões em equipamento. É importante fazer a conta do que foi investido para comparar com o preço de saldo que agora se obtém.

Uma segunda questão é conhecer o contrato de venda dos HPP ao grupo Amil e os eventuais contratos associados de prestação de serviços dos novos proprietários com o Estado português. Isto é, saber quando recebe este grupo brasileiro/norte-americano pelo sacrifício de ficar com a pechincha da propriedade dos hospitais da Caixa.

Este negócio da Caixa é do tipo da venda do BPN engordado ao BIC luandense, por 40 milhões de euros (quanto pode ter custado 8 mil milhões de euros ao Estado), que foi objeto de uma insólita resposta técnica do primeiro-ministro Passos Coelho à comissão parlamentar de inquérito ao BPN, em 2-8-2012.

Do Portugal Profundo, não somos contrários à privatização de empresas do Estado. Somos é contra esta forma expedita, e pouco transparente, de privatizar.


* Imagem picada daqui.

A queda anunciada do PSD

Os resultados das eleições regionais açorianas de 14 de outubro de 2012 (PS com 48,9% e 31 deputados; PSD com 32,9% e 20 deputados; CDS com 5,6% e 3 deputados; Bloco de Esquerda com 2,2% e 1 deputado; CDU com 1,8% e 1 deputado; e PPM-PND com 0,9% e 1 deputado; e abstenção de 52,1%, a maior de sempre) sinalizam uma tendência de descida vertiginosa do PSD nas eleições autárquicas do outono de 2013. Se o Governo durar até lá, não espantará ninguém um péssimo resultado do PSD, ainda que mitigado pela proximidade maior dos votantes com os autarcas nos municípios menos populosos.

E a culpa principal desses resultados, que têm nomes, não é externa: é da injustiça e da inequidade que o Governo PSD-CDS consente e pratica. Na escala dos motivos, a austeridade vem depois. Era, portanto possível uma política de austeridade, e de equilíbrio orçamental, desde que acompanhada de justiça, com repressão da corrupção e prevenção dos abusos, e da reforma do Estado Social(ista). Assim, acontece o milagre da união nacional... contra um Governo que tem maioria absoluta no Parlamento.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Polícia bom e polícia mau




Engana-se quem pretende quebrar o elo, que é pretérito, atual e futuro, entre Pedro Passos Coelho e Miguel Relvas e consome nesse exercício a esperança de redenção do poder. Mas, para quem insiste em distinguir Pedro Passos Coelho de Miguel Relvas, aí está (José António Cerejo, Relvas e Passos agiram em simultâneo para angariar contratos para a Tecnoforma, Público, 13-10-2012) a constatação do que é evidente e tenho afirmado. São mesmo diferentes nos papéis que interpretam: Pedro é o polícia bom e Miguel o polícia mau. No resto, uma e a mesma coisa.


 * Imagem editada daqui.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A culpa dos cúmplices

Em poste anterior, de 26-9-2012, identifiquei dois elos de degradação da democracia: o elo clubista («ele é corrupto, mas é o nosso corrupto...»); o elo comercial - («ele rouba, mas deixa-me abusar»). Junta-se a estes ainda um terceiro, que uns vêem como utilitário, mas deve ser visto como cínico («alguém tem de governar e se não for este é um ainda pior...»). Subjacente à cadeia destes três elos, existe a ideia de que não se pode romper a corrente corrupta e se tem de ceder à sua chantagem.

Ora, nada estraga mais a democracia do que a corrupção do poder. A corrupção não pode ser o preço da democracia; e se assim se tornou, por usura da democracia representativa, temos de a substituir pela democracia direta, nomeadamente com eleições primárias nos partidos, com maior consulta do povo e mais escrutínio. Assim, quem, por clubismo, comércio ou cinismo, cede à chantagem do poder, participa, como cúmplice da corrupção e colabora na perda de bem-estar e na morte dos seus concidadãos. Seja ele o votante utilitário (de quem?!...), o abstencionista do tanto-se-lhe-dá-como-se-lhe-deu ou o ingénuo que crê que políticos corruptos se envergonham com os cidadãos que votam em branco ou ficam em casa. Não pode atirar para o político a responsabilidade única do mal, quando suporta, ele próprio, a corrupção. O cidadão cúmplice, como o universal soldier, de Buffy Sainte-Marie, de 1964, celebrizada por Donovan, «he really is to blame»...

Como disse, a corrupção mata. Mata porque rouba ao Estado o dinheiro que serviria para acudir às necessidades dos concidadãos. Mata o doente sem dinheiro para a cirurgia ou para os remédios; mata o empresário e o despejado, que se suicidam; mata o esfomeado e o enregelado, cuja saúde se deteriora. Para lá de diminuir o bem estar dos concidadãos, de os arruinar, de os emigrar, de os embrutecer, de os dividir, de os divorciar e de os abortar, a corrupção mata.

A resposta justa não é ceder à chantagem do corrupto de serviço ao sistema. É dizer: não! É demonstrar, pela palavra e pela ação que o político corrupto será combatido, sem dó nem piedade maior do que aquela que se tem perante o inimigo em que o irmão se tornou, por cobiça e burrice (a procura da felicidade pelo enriquecimento ilícito).

E trabalhar para uma alternativa patriótica, de defesa das famílias e dos cidadãos isolados, de reforma do modelo do Estado social(ista). Como tenho puxado, a Pátria vale bem o nosso sacrifício.


* Imagem picada daqui.

Era uma vez um País

Recomendo um novo blogue muito bem informado, agudo e bem escrito: Era uma vez um País. A seguir com atenção.


Atualização: este poste foi emendado às 11:28 de 15-10-2012.

sábado, 13 de outubro de 2012

Napalm fiscal, corrupção e abuso

A proposta de Orçamento de Estado para 2013, revelada em 11-10-2012, constitui mais um prego no caixão da classe média e da alta classe baixa portuguesa portuguesas.

Um cravo desigual, que espeta uns e deixa outros de fora. Políticos de fora, ricos de fora - os efetivamente ricos e não aqueles que o orçamento decreta como tal, pela taxa máxima de IRS (48%), que passam a ser as pessoas com salário líquido próximo de 3.500 euros mensais. Corrupção impante, fausto na corte. Chegou-se ao cúmulo de o socialista Francisco Assis, reagindo à indignação sobre a notícia no JN, de 11-10-2012, compra de quatro novos carros pelo Grupo Parlamentar do PS, custeados pela Assembleia da República, ter afirmado em 11-10-2012, segundo a TVI24, em reunião da bancada socialista no Parlamento: «Qualquer dia querem que o presidente do Grupo Parlamentar do PS ande de Clio quando se desloca em funções oficiais» !... Entretanto, Assis fez um desmentido parcial do tipo non-denial-denial, em vez de dizer: «jamais falei em Clio»; mas o JN, de 12-10-2012, avança ainda com explicações mais comprometoras do despesismo par(a)lamentar socialista. Esses não são «custos» legítimos da democracia». Importa dizer que os deputados, governantes, autarcas, e pessoal abonado de carro e motorista, da administração pública, deveria ir para o trabalho de carro pessoal ou transporte público, e que não se justifica sequer que os grupos parlamentares tenham carro, nem motorista. À parte a desconfiança sobre as «funções oficiais» em que esses carros e motoristas são utilizados (desde logo casa-Parlamento...), o povo fica incrédulo com o desplante e distância do palácio de São Bento face à miséria social. É. Quanto mais a crise aquece, mais abusa o PS! E não só. O José, da Porta da Loja, explica magistralmente a natureza dos sacos do mesmo farelo.

Por aqui, avisado pela experiência e pelos livros, sei que, à exceção de períodos revolucionários (e mesmo assim na manhã de 25 de Abril de 1974 saíu muito dinheiro para o Brasil e para a Europa), é muito difícil taxar a riqueza  - por maior que seja a demagogia política. Por isso - e não só, porque a corrupção e a pertença do legislador decisor ao grupo dos novos ricos, são os motivos principais - o Estado impõe a carga fiscal sobre os rendimentos, principalmente os do trabalho. A riqueza desanda de onde a taxam (como em França), para além de partir das zonas de menor remuneração dos capitais para países de maior crescimento -e ilude imediatamente as manobras para a taxar. Os ricos são pessoas mais bem informadas, mais hábeis e mais ágeis, essas, aliás, são as causas da sua riqueza.

A riqueza abandona ainda mais rapidamente os países pobres com políticas de austeridade. O fluxo de dinheiro das classes altas, e progressivamente das poupanças da alta classe média, de Portugal para a Suíça, e para outros países de segurança bancária e estabilidade monetária, e para outros países de maiores rendimentos - aproveitando o crescimento dos preços no imobiliário em grandes cidades europeias, como Londres ou até Berlim ou fora da Europa como os EUA. Por exemplo, uma taxa Tobin na União Europeia levará imediatamente à fuga de capitais para os EUA, e outros países seguros que a não pratiquem, dos day traders e de outros investidores. Por muito que doa, a verdade é que é perigoso manter o dinheiro  sobrante - ou outros ativos - num país, como Portugal, ameaçado de restrição ao movimento de capitais e pela saída do euro, se não reformar o Estado Social(ista) ou a União Europeia não se tornar ainda mais socialista. Sim, sim, os governos conservadores na Europa mantém as políticas socialistas de nacionalizar prejuízos dos bancos - jamais os lucros!... - e de incentivar e subsidiar o ócio.

Mas esses paraísos fiscais e de altos rendimentos são outro mundo a que os novos pobres não chegam. Os novos pobres são os hipotecados: famílias com a sua casa hipotecada ao banco e que, mesmo aflitas pela diminuição dos salários e aumento de impostos e de taxas de bens essenciais, lutam desesperadas por cumprir o pagamento. Uma grande parte dessas famílias não vai resistir nos próximos anos ao efeito da austeridade desigual do Governo, simultânea, como sempre é, do crescimento económico negativo. O problema é que o aperto do espartilho sem mudança de regime pode apenas ser suportado pela senhora fascinada com a cintura de borboleta durante uma festa: para manter a cintura fina a senhora tem de mudar de vida, seguir um novo regime alimentar com corte nos doces e nas gorduras e trabalhar mais, para poder aguentar a linha. A outra hipótese seria não apertar tanto o espartilho e ir adelgaçando gradualmente a cintura...

Deste modo de austeridade desigual, enquanto o Estado esgana a classe média e a alta classe baixa trabalhadora, dois grupos escapam mais à crise, sofrendo menos os efeitos da austeridade: os ricos e os subsidiados. Os ricos que transferem os seus ativos e investimentos para países mais seguros e de mais elevada remuneração dos capitais. E os subsidiados que não tenham prestações para pagar, e beneficiam de rendimento social de (des)inserção (em vez de programas remunerados de trabalho local, com exceção dos declarados doentes e incapazes por juntas médicas, os quais manteriam o subsídio) e de habitação e pagamento de serviços básicos e alimentação, e de longos prazos de subsídio de desemprego (subsídio de desemprego mais subsídio social de desemprego).

Quase todo o dinheiro ainda disponível do Estado, depois do pagamento de salários, pensões e prestações sociais justas, vai para a sustentação da corrupção e do ócio; e os cidadãos trabalhadores são vítimas do «napalm fiscal», como catalogou este orçamento de 2013 o Dr. Bagão Félix, em 11-10-2012. E o País vai soçobrando, nesta mistura explosiva de corrupção do poder e abuso. A que importa dizer basta, através da responsabilidade patriótica.


Atualização: este poste foi emendado às 11:11 de 16-10-2012.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A forma e a substância

Uma semana antes de abandonar o cargo, cujo exercício prolongou para além da idade máxima de reforma dos magistrados portugueses (70 anos), o Dr. Fernando Pinto Monteiro anunciou que, na Procuradoria-Geral da República, «cessaram as averiguações», em 1-10-2012, os casos de Miguel Relvas, do dossiê das secretas e da sua licenciatura na Universidade Lusófona. No caso da licenciatura especial de Miguel Relvas a justificação para o fim das averiguações, pois nenhum inquérito chegou a ser aberto, foi «não terem sido encontrados ilícitos criminais» - em comparação com a licenciatura rocambolesca de José Sócrates, na qual foram verificadas irregularidades e ilegalidades.

Deve registar-se esse facto. Mas importa dizer, como aqui escrevi quando investiguei o caso, que o problema excede a responsabilidade penal do ministro, do reitor Santos Neves e do administrador Manuel Damásio da Universidade Lusófona. Não é legítimo tudo o que não seja ilícito: neste caso, o Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, não impunha limites à concessão de equivalências. Contudo, essa lacuna da lei não diminui, nesta altura de exigência de máximo rigor dos governantes, a necessidade da demissão do ministro pela vergonha dos factosem vez de esperar pelo próximo motivo»), como escrevi no meu poste conclusivo de 17-7-2012 («Verdades e consequências da licenciatura de Miguel Relvas»), sobre o assunto:
«concessão fantástica de creditação a 32/36 cadeiras do curso por atacado sem relação específica da experiência profissional com cada unidade curricular; realização de uma licenciatura num ano, quando apenas possuía uma cadeira universitária do curso de Direito; professores chamados preventivamente à reitoria por causa daquele aluno.»
Entretanto, no Público, José António Cerejo tem investigado e documentado a relação, entre 2002 e 2004, entre a Tecnoforma, empresa de formação profissional da qual Pedro Passos Coelho foi consultor e administrador, e o Programa Foral, tutelado pelo secretário de Estado da Administração Local, o seu amigo Miguel Relvas, nas reportagens: «Empresa de que Passos foi gestor dominou fundo gerido por Relvas», de 7-10-2012; e «Relvas ajudou Tecnoforma a dominar formação em aeródromos do centro», de 11-10-2012 (ver desenvolvimento da notícia na TVI24) - e ainda «Guarda tinha helipista sem trabalhadores, Aveiro nem tinha aeródromo próprio», de 11-7-2012, «Eucaliptos, ervas e prédios crescem no meio de parte dos aeródromos que Miguel Relvas e Passos Coelho queriam encher de técnicos especializados», de 11-7-2012. Também sobre este caso são devidos, mais do que desmentidos genéricos, explicações detalhadas do primeiro-ministro e do ministro adjunto, para lá do desmentido de António Silva (ex-diretor comercial da Tecnoforma).

Mais uma vez, o problema não é a forma: é a substância.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Os desafios da nova procuradora-geral da República

Na escolha do procurador-geral, afinal consta que o Dr. Euclides Dâmaso era o favorito do Governo, mas que o Presidente da República preferiu a Dra. Joana Marques Vidal. Deve, então, ser corrigida a interpretação que fiz ontem e que supunha ter sido a Dra. Joana Marques Vidal uma escolha da ministra Paula Teixeira da Cruz. E, se assim foi, mais livre ainda fica a nova procuradora-geral face ao Governo.

Nem sempre, as coisas são o que parecem. E especialmente no jogo de sombras chinesas, em que apenas vimos em duas dimensões, silhuetas e não os movimentos encobertos, nem as faces, a interpretação do drama, é mais difícil. Tal como no exercício do mandato do Dr. Fernando Pinto Monteiro, que o José analisa na Porta da Loja. E, se por caráter, firmeza e isenção de ofício, a nova procuradora estará livre dessa influência governamental - e,  por penosa debilidade, da  Presidência -, também livre estará da opção ideológica juvenil da esquerda ortodoxa, num trajeto similar ao de tantos jovens da sua geração. Proponha a Dra. Joana Marques Vidal ao Conselho Superior do Ministério Público  um vice-procurador isento (e, já agora, será conveniente evitar a nomeação, por sistema, de outra mulher...), exerca a nova procuradora o seu mandato com isenção e recupere a autonomia funcional dos procuradores, e terá o apoio patriótico indispensável e o respeito do poder político, mesmo do comprometido.

Mas a procuradora-geral, ontem, 8-9-2012, designada, Dra. Joana Marques Vidal, ainda nem tomou posse e já começaram os desafios:
  1. A soarista Prof. Estrela Serrano, no blogue Vai e Vem, que partilha com o socratino Prof. Azeredo Lopes, veio imediatamente procurar condicionar o exercício autónomo do cargo, com um poste intitulado «A nova procuradora-geral e o seu ilustre progenitor». Spinner, tornada censora, critica implicitamente a nomeação por causa da Dra. Joana Marques Vidal ser filha do juiz-conselheiro jubilado José Marques Vidal. A justificação da animosidade para com o pai é de ele ter criticado, em 3-6-2012, a estranha investigação dos casos Freeport e Cova da Beira. Mas Joana não tem motivo de embaraço por ser filha de quem é: José Marques Vidal foi, entre 1985 e 1991, provavelmente o melhor diretor nacional pós-25 de Abril que a Polícia Judiciária teve e a democracia portuguesa muito lhe deve pela sua condução desta polícia, ainda durante os anos de chumbo; para além de ter sido vice-procurador-geral de Arala Chaves e preterido na sua sucessão por Narciso da Cunha Rodrigues, que tinha a confiança da Maçonaria e de Almeida Santos. Mas José Marques Vidal foi Diretor Nacional da PJ durante os dois primeiros governos Cavaco - no sítio desta polícia refere-se que ocupou o cargo entre 1985 e 1991, sucedendo ao Dr. Carlos Picoito, mas como Cavaco Silva só toma posse em 6 de novembro de 1985, é possível até que tenha sido nomeado por um Governo chefiado (ó inclemência!...) pelo próprio Mário Soares, que Estrela Serrano assessorou.
  2. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), dirigida pela Dra. Cândida Almeida, que também era candidata ao lugar, terá arquivado, por decisão de procuradores (que não foram identificados), segundo notícia no dia seguinte à nomeação da Dra. Joana Marques Vidal,  a certidão mandada extrair, no acórdão, de 20-7-2012, pelo Tribunal do Barreiro, liderado pelo corajoso juiz Afonso Andrade relativa ao eventual envolvimento do então ministro do Ambiente, e depois primeiro-ministro, José Sócrates, no caso Freeport. A justificação da rápida e atempada decisão do DCIAP foi, segundo o CM, de 9-10-2012, esta:
    «consideraram que o acórdão do Tribunal do Montijo onde se pede nova investigação ao caso Freeport não levantou questões baseadas em provas admitidas conforme o Código Processo Penal mas no chamado ‘ouvir dizer'»
    O CM parece indicar que o problema neste caso, e nos outros, era ouvir o ex-primeiro-ministro Sócrates como arguido. De acordo com o que refere o CM, para os procuradores «não há indícios suficientes para reabrir o processo Freeport». Embora se deva dizer que, em rigor, não se tratava de reabrir o que nunca tinha sido aberto: José Sócrates nunca tinha sido arguido desse caso, nem sequer ouvido como testemunha ainda que tenha sido referido ubiquamente.
    É importante que seja publicado o despacho do DCIAP que arquiva a certidão do Barreiro. Por enquanto, ficam os leitores com o texto do acórdão, de 20-7-2012, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do do Montijo do Círculo Judicial do Barreiro, com elementos que os juízes consideraram «fortes indícios» de crime, mas que os procuradores do DCIAP não consideraram suficientes para abrir um inquérito ao alegado envolvimento de José Sócrates no licenciamento e viabilização do centro comercial Freeport, no Montijo.
  3. Note-se ainda que, de acordo com notícia do Expresso, em 27-9-2012o DCIAP já tinha arquivado o caso das contas bancárias chorudas (67 páginas facsimile de documentos, colocados no  Fórum Nacional) de Celestino Monteiro, tio do ex-primeiro-ministro José Sócrates, com movimentos de «383 milhões» de euros «em offshores» (DN/CM, de 6-9-2011), com a seguinte justificação:
    "Realizado o inquérito não foi carreado para os autos quaisquer elementos que nos permita concluir que os documentos em apreço nos autos são elementos de prova indiciadores da prática de ilícitos criminalmente punidos, nomeadamente dos crimes de corrupção ou de branqueamento de capitais", refere o despacho de arquivamento do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), a que a Agência Lusa teve acesso.
    A decisão do DCIAP apoiou-se na informação elaborada pelo Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da Procuradoria-Geral da República (PGR) que concluiu que os "documentos elencados não revelam, só por si, factos suscetíveis de configurar ilícitos criminais praticados pelos intervenientes".»
    A notícia do CM, ainda de 27-9-2012, é mais extensa e detalhada, citando o despacho da procuradora do DCIAP, Maria João Almeida Costa:
    «Segundo o DCIAP, dos documentos resulta apenas a comprovação da constituição da offshores Medes Holding LLC, da identidade dos seus beneficiários (incluindo familiares de José Sócrates) e da realização de inúmeras transações bolsistas por Celestino Monteiro, bem como da realização de diversos negócios pelo mesmo, nomeadamente a aquisição de um veículo automóvel", da marca Maserati modelo 320 GT. O despacho, assinado pela procuradora Maria João Almeida Costa, refere que "não foram apurados indícios de que as quantias identificadas nos diversos documentos junto aos autos tivessem origem ilícita e que a sua movimentação, nomeadamente as transferência para as suas contas bancárias, se destinasse a dissimular a sua origem ilícita".
    Assim, os elementos colhidos para a investigação não permitem, de acordo com o DCIAP, concluir que as quantias monetárias resultantes dos documentos tivessem sido obtidas por Celestino Monteiro ou terceiros, de forma ilícita e que foi utilizada pela Medes Holding LLC para ocultar tais quantias monetárias. (...)
    O tio de Sócrates esclareceu que tem "fortuna própria já há vários anos" e que tentaram "ligar o dinheiro por si ganho a José Sócrates, sendo que a mãe deste é apenas sua irmã consanguínea e nunca foram próximos, tendo, aliás, visto pessoalmente o seu sobrinho (Sócrates) apenas seis vezes".»
  4. E num Expresso, de 9-10-2009, cada vez mais socialista, Paulo Gaião transmite um recado à nova procuradora-geral intitulada «Joana Marques Vidal: demasiado próxima do SMMP». Ou demasiado longe do controlo do poder político sistémico?...
A nomeação parece não ter agradado aos socialistas - o que é um muito bom sinal... Mas o que está em jogo, mais do que a direção coerente do Ministério Público, é a autonomia dos procuradores face ao poder político e a não intervenção bloqueadora dos inquéritos em que existam políticos e poderosos envolvidos.


* Imagem picada daqui.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa não é, nem chegou a ser, arguido do processo Freeport, nem é suspeito do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade. As demais entidades referidas nas notícias dos média, que comento, não são arguidas ou suspeitas do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A nomeação da Dra. Joana Marques Vidal como procuradora-geral da República

A nomeação da Dra. Joana Marques Vidal como procuradora-geral da República, em 8-10-2012, constitui uma extraordinária esperança de mudança da Justiça em Portugal e da vigilância democrática sobre os atos   do poder político.

No dia 5-10-2012, escrevi neste blogue:
«A procuradora-geral adjunta Dra. Joana Marques Vidal, que o jornal indica ter 57 anos, irmã do corajoso procurador Dr. João Marques Vidal do DIAP de Aveiro e filha do famoso diretor da Polícia Judiciária Dr. José Marques Vidal, teria para além da capacidade técnica reconhecida e do respeito da classe, a vantagem da idade, além da novidade da nomeação de uma mulher para o cargo. É uma muito boa alternativa para o cargo».
Termina com esta nomeação uma batalha longa, dura e arriscada, de combate à escolha de um procurador-geral sistémico e dependente do poder político. Mas valeu a pena, ter sido nomeada como procuradora-geral alguém que os magistrados do Ministério Público respeitam e apoiam. Neste momento, é hora de congratular a nova procuradora-geral e dizer-lhe que os patriotas esperam dela isenção, rigor e coragem, nesta hora de aflição nacional e sobressalto cívico. Nada deve ao poder político, nem sequer a quem a nomeou, deve à Pátria o serviço leal que dela esperamos.

Parabéns à persistência da ministra Paula Teixeira da Cruz, à ação discreta do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, e o reconhecimento ao Presidente da República da necessidade de corte com o passado, o que o primeiro-ministro também deve ter sentido. O Estado português tem de mudar, tal como o povo deseja.

A dupla humilhação de António Costa ao Presidente da República


A troca das cordas para içar a bandeira no 5 de outubro de 2012, que foi hasteada com o escudo invertido na varanda da CMLisboa, não me parece uma armadilha preparada contra o presidente da República, mas antes o resultado do desleixo e da negligência dos serviços da Câmara Municipal e da Presidência da República.

Porém, a entrada de duas mulheres que foram protestar, uma, Luísa Trindade, com gritos e outra, Ana Maria Pinto, com mochila e o cântico lírico do comunista Fernando Lopes Graça, não resulta de um desleixo, mas de um ato consentido. Se no recinto só se entrava por convite e, no caso dos jornalistas, por acreditação prévia, é evidente que a Câmara consentiu na entrada das duas senhoras naquele espaço, cujo protesto culminaria o discurso crítico de António Costa. A ação dos seguranças do Presidente de evitar que a senhora Luísa Trindade se dirigisse ao palco onde estava o presidente a discursar e a sua expulsão do recinto, deve ter sido de espanto com a violação da segurança de uma cerimónia nacional organizada pela Câmara Municipal, na qual participava o Presidente da República, a presidente da Assembleia da República, o Governo e convidados. António Costa deve ter-se rido com o resultado de expor o Presidente ao ridículo, mas a brincadeira pôs em evidência a sua forma tortuosa e autoritária de fazer política: Costa não tem a mínima vocação executiva, mas gosta de mandar e não se deter perante ninguém. Esta deve ter sido, portanto, uma das «formas certamente boas de continuar a assinalar o 5 de outubro e designadamente a tradicional cerimónia de hastear da bandeira» (António Costa, 26-1-2012, no ISCTE, Lisboa). Mas, quando daqui por uns meses Costa manobrar para desbancar o inócuo Seguro, não terá a sua retaguarda também protegida - e quando assumir a liderança socialista não há-de ter a vida facilitada por Belém...

Não creio que as senhoras tenham surgido de improviso, nomeadamente a soprano Ana Maria Pinto, para entoar um protesto que não estivesse preparado, previamente acertado e ensaiado. António Costa não devia ter pedido desculpa ao Presidente Cavaco Silva só pela bandeira ao contrário, pois deveria mostrar o seu arrependimento por ter admitido na cerimónia um protesto organizado. Note-se que António Costa já tinha filtrado previamente a informação para a imprensa, em 4-10-2012, de que o Presidente da República queria uma cerimónia fechada, se bem que a razão oficial fosse a «poupança». Portanto, António Costa não pode invocar inocência na dupla humilhação que fez ao Presidente da República na cerimónia do 5 de outubro de 2012.

Uma cerimónia que tinha sido melhor ser pública e aberta ao povo. Os políticos não se podem esconder do povo. E os protestos só tendem a piorar, aumentando o cerco dos governantes e políticos, nos atos em que participem.Não adianta reduzir esses atos ao mínimo, realizá-los sem informação prévia, limitar o acesso do povo aos espaços. Os protestos irão continuar, independentemente da habitual organização do PC e da sua central sindical. Os protestos só abrandarão se o Governo e o Parlamento, reduzirem ao mínimo as mordomias dos cargos políticos e dos seus gabinetes, da administração pública e organismos dependentes. O povo não aceita pacificamente a falta de equidade na austeridade.

sábado, 6 de outubro de 2012

Pão



Esta manhã, à minha porta, bateu um pedinte. Africano, ainda jovem, humilde. Dei-lhe umas poucas moedas que tinha na carteira. Olhou para o saco transparente de pão que o padeiro, de madrugada, costuma deixar pendurado na grade do postigo e perguntou-me: «e pão?». Dei-lhe o pão todo. Precisava mais dele do que a minha família... É a primeira vez que me pedem pão, mesmo pão, querendo pão. Para lá da miséria para sustentar vícios que desperdiçava oferta de comida e roupas usadas, e dos pedintes profissionais com contas no banco, há de novo fome. Gente com fome que pede pão para comer.

quinto pacote fiscal do Governo PSD-CDS (não sei se estou a contar menos e peço aos leitores que me ajudem no cálculo...) em quinze meses de administração, anunciado em 3-10-2012, pelo ministro das Finanças, Vítor Gaspar (depois do falhanço do quarto pacote, o da diminuição da TSU das empresas à custa da redução dos salários, de 7-9-2012), que «reconhece ser este um «enorme aumento de impostos», culminando «50 medidas de austeridade» impostas aos cidadãos, é apenas mais um no caminho do calvário do Estado socialista português. Um pacote fiscal por trimestre, uma tortura fiscal regular. Puxa-se sucessivamente o garrote aos cidadãos e, quando se crê ter chegado ao limite, somos surpreendidos por novos buracos e mais apertos do cinto estatal. A situação degrada-se ao ritmo argentino de 2001, com a progressiva eliminação da classe média e o esmagamento da classe baixa trabalhadora; caminhamos para um estallido. As classes médias e baixas não conseguem suportar a descida dos rendimentos e a subida dos i-erre-esses e imis, o pagamento das prestações, a escola e a universidade dos filhos, o custo dos transportes. E sabem que depois deste pacote outro se seguirá, num ritmo trimestral de decadência. Que não parará proximamente, ao contrário do que prometeu, em 4-10-2012, o ministro Vítor Gaspar, no Parlamento:  a «troika sairá de Portugal em Junho de 2014». Aliás, o problema prioritário do Estado deixou de ser a dívida para passar a ser o défice: não é possível reduzir a dívida se nem sequer conseguimos reduzir o défice...

A incompetência manifesta deveria obrigar à demissão do Governo. Mas os próprios não querem demitir-se porque ainda há negócios que podem arbitrar e quanto mais durarem no poder mais ganham. O Presidente não demite o Governo, adotando uma solução Monti, pois padece de fragilidades próprias e familiares, tem medo e está desorientado: a bandeira nacional hasteada de pantanas, pelo Presidente Cavaco Silva e pelo divertido presidente da CMLisboa, António Costa, num 5 de outubro de 2012 celebrado à porta fechada, por medo do povo, é uma representação perfeita da degenerescência do poder político em Portugal. A União Europeia e o FMI desprezam a corrupção interna, impõem a colheita de impostos que cubram os empréstimos e os refluxos de dinheiro dos créditos concedidos por bancos estrangeiros aos bancos nacionais, e apoiam quem lhes aplique no País a receita que prescrevem. E o povo oscila entre o lamento e a emigração. Mas os cidadãos não têm de ceder à chantagem política.

O modelo de Estado socialista continua a vigorar em Portugal. E por essa Europa toda - ainda que na Escandinávia  tenham sido reformadas as políticas sociais e de imigração, mesmo que ainda gozem da fama injusta de manter a social-democracia de esquerda dos anos 70 e 80. Em Portugal, Espanha, Grã-Bretanha, Itália, Grécia, onde a direita recuperou o poder formal, mantiveram-se as políticas socialistas: fausto dos políticos, corrupção de Estado, nacionalização de prejuízos de bancos, favorecimento de grandes empresas amigas, fomento da preguiça, desperdício de dinheiro, estagnação económica, miséria social.

O caso português é mais grave porque o fomento estatal do ócio, que também abunda na Europa e na América do Norte, coexiste com a corrupção de Estado. A corrupção de Estado é muito mais grave do que o fausto dos gabinetes ministeriais e o montante cobrado pelos políticos em comissões de negócios, pois inclui à remuneração estatal dos grandes acionistas de empresas falidas, a venda com desconto de participações do Estado em empresas públicas, regimes de preços altos de serviços de telecomunicações, eletricidade e transportes, mediante a contratação de familiares e relacionados para empresas promíscuas com o Estado, a prestação de serviços caríssimos de grandes escritórios de advogados e de bancos de investimento com desperdício dos milhares de juristas e economistas da administração pública, a contratação do tipo endogâmico de parcerias público-privadas com lucros exorbitantes para os privados.  Porém, pior do que as comissões dos políticos e do que o custo acrescido desses negócios (a troca do chouriço pelo porco) é a contratação de obras e trabalhos inúteis em detrimento de investimentos e de apoios indispensáveis.

Cada vez que um político se corrompe, há, por causa desse roubo do Estado para proveito pessoal, cidadãos cujos rendimentos diminuem, firmas que fecham e empregados que perdem trabalho, gente endividada que se suicida, crianças e adultos que passam fome, pessoas cujas dores aumentam por não terem dinheiro para remédios e gente que morre por cirurgias adiadas. Cada vez que um político se corrompe, fere e mata, pois com esse roubo provoca mal-estar e morte de concidadãos.

Não podemos iludir-nos, porque os números não permitem concluir outra coisa: aplacar a corrupção não resolve por si só o problema do défice do País. É também necessário mudar de modelo político para diminuir o défice. E se não reformarmos o modelo socialista não será possível a manutenção do País no euro. Mas o combate  à corrupção do Estado e das autarquias permitiria reduzir a perda de bem-estar dos cidadãos e restaurar a coesão social de que o País carece. Assim, com corrupção política e com abuso nos subsídios, o que os cidadãos sentem, o que sente a classe trabalhadora pobre e a classe média empobrecida, é uma tremenda injustiça. Não é possível a este regime sobreviver com esta corrupção e este abuso. E com a impunidade dos prevaricadores. Portugal necessita de equidade nos sacrifícios e de justiça.

Estou cético perante a assunção da consciência dos cidadãos de que não pode continuar este modelo socialista de troca de corrupção de Estado por abuso popular. Por muito que queira ver como prioritária a indignação com a corrupção, como na manifestação dos indignados, vejo que, por causa de décadas de imoralidade de modelo socialista (rouba tu, político, à vontade desde que me deixes abusar da teta do Estado), é bastante maior a queixa contra a inevitável austeridade. E, num coro desafinado por múltiplas reivindicações populares de que lhes aumentem o subsídio e não lhes diminuam o rendimento, a recomendação geral é de que a poupança seja feita nos outros segmentos mas jamais no nosso, qualquer que o nosso seja - desempregados, (des)inseridos do rendimento social, reformados dourados,  reformados não contribuintes, funcionários públicos, empregados do setor privado. A situação é insustentável.

Ou os cidadãos responsáveis recuperam o poder político com intervenção social ou acontece a revolução - uma forma socialmente cara de fazer reformas inadiáveis. Convinha, por isso, que os instalados se juntassem aos reformadores.


Atualização: este poste foi emendado às 0:37 de 7-10-2012 e 1:52 de 8-10-2012.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Um procurador-delegado?

A notícia do DN, de 2-10-2012, «Lista do Governo para PGR desagrada a Cavaco Silva», assinada por Licínio Lima, justifica o esforço de interpretação. Primeiro tento explicar as condições, a seguir discuto os nomes hipotéticos que o jornal avança e, por fim, procuro situar a decisão no contexto constitucional e político atual.

As condições
Ainda que a notícia reclame informação de Belém, parece ter origem... no Governo. Não consta que Belém se envolva na edição de textos como este, ainda que seja crível o desagrado por opções do género Cândida Almeida ou Francisca van Dunem, e que o Presidente não tenha de conformar-se com a aceitação de qualquer nome que o Governo lhe apresente... O Governo propõe, mas é o Presidente quem decide. O Governo sabe que um braço de ferro neste assunto é inútil.

A notícia insere-se neste jogo de sombras e espelhos em que se tornou a proposta por um Governo de direita e a nomeação por um  Presidente de direita relativamente à escolha da pessoa que vai ocupar um cargo, procurador-geral da República, central na justiça do País e na vigilância dos abusos do poder político. Uma escolha invertida, de acordo com a conformação político-mediática: a direita tem de nomear uma personalidade de esquerda e sistémica.

Mas, em rigor, este não é um Governo de direita, mas um Governo sistémico; e o atual não é um Presidente de direita mas um Presidente complacente com o sistema. Nesta circunstância, a possibilidade do resultado algébrico de menos por menos dar mais, e sobrevir um procurador-geral íntegro, isento, rigoroso e corajoso, é excecional. Pois, nos outros termos da equação, os socialistas constituiriam eles próprios o sistema corrupto que nos cerca; e os estalinistas do PC mais os trotkistas do Bloco não admitem a variável corrupção como fundamental para o resultado económico e social que, na análise marxista, proviria do colapso da infraestrutura económica capitalista, não da degenerescência da superestrutura política. É por causa disso, que vemos os comunistas vituperar o capitalismo, o lucro, a desigualdade e a austeridade onde não têm responsabilidade de governo, mas não a corrupção como o problema essencial do País e da atual democracia representativa. Mais ainda, como se tem visto da experiência autárquica, nomeadamente no litoral onde a arbitragem de direitos de construção é mais rendível e em câmaras onde o volume de contratos é maior, os comunistas não são imunes à corrupção. Além disso, uma das maiores debilidades dos comunistas portugueses é a expetativa de uma aliança de governo com os socialistas e o conforto, em quinquilharia (tachos...), contratos e subsídios, de uma aliança no município da capital. Assim sendo, não se estranha que não tenha existido qualquer campanha comunista contra a corrupção de Estado do socratismo.

Escapa a estas condições a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, que concluo gostaria de um procurador-geral da República patriota. E, para que fique claro, patriota significa: íntegro, isento, rigoroso e corajoso. Mas,s e prepondera, não é a ministra que decide, mas a cúpula do Governo Passos-Relvas-Passos que manda. Veremos se a cúpula do Governo arrisca acorrentar o Ministério Público com uma proposta de um procurador delegado.

As hipóteses do DN
Numa caixa separada da notícia principal nas páginas 6 e 7, da edição impressa do DN, de 2-10-2012, sob a epígrafe, «Os nomes mais falados», a anteriores personalidades já discutidos na imprensa e neste blogue (António Henriques Gaspar, Euclides Dâmaso e Alberto Braga Themido), junta-se a procuradora-geral adjunta Joana Marques Vidal e  o advogado João Correia.

O Dr. João Correia, que consta ser familiar de alguém no gabinete da ministra da Justiça, foi secretário de Estado do Governo Sócrates, seria uma opção sistémica subtilmente desengagée que o PS preferiria e o setor sistémico do Governo PSD-CDS aprovaria. Não parece que a magistratura do Ministério Público aceitasse um advogado socialista, membro de um governo ruinoso e degenerado.

A procuradora-geral adjunta Dra. Joana Marques Vidal, que o jornal indica ter 57 anos, irmã do corajoso procurador Dr. João Marques Vidal do DIAP de Aveiro e filha do famoso diretor da Polícia Judiciária Dr. José Marques Vidal, teria para além da capacidade técnica reconhecida e do respeito da classe, a vantagem da idade, além da novidade da nomeação de uma mulher para o cargo. É uma muito boa alternativa para o cargo.

Como disse aqui, eu preferia o Dr. José António Santos Cabral e entendo que o facto da sua demissão de diretor da Polícia Judiciária em 2006, no início do I Governo Sócrates não deve, nem pode, constituir uma objeção para a designação por este Governo e por este Presidente da pessoa mais forte e autónoma. Não compreendo assim, para além da possível resignação com o sistema, o motivo por que o seu nome não consta desta short list.

O contexto legal e política da escolha do procurador-geral da República
A escolha do nome do procurador-geral não tem de submeter-se à aprovação da fação socratina do Partido Socialista. Nem sequer do Partido Socialista. A Constituição não o permite; a experiência política não tem esse costume, a Pátria não o admite. O Governo propõe, o Presidente nomeia. O Partido Socialista não tem qualquer direito de veto ou de visto da decisão que cabe exclusivamente ao Governo e  ao Presidente. Alguma vez Almeida Santos abdicou da escolha do procurador-geral em detrimento do PSD?!... Mais: o Governo não está em situação moral de propor um nome que a magistratura do Ministério Público não aceite porque a nova tentativa de intrusão política na Justiça - na sequência do caso do atentado contra o Estado de direito - constituiria um enxerto que a árvore da justiça rejeitaria, em vez de pacificar o setor. Poderia até suceder que a divisão entre a classe dos magistrados do Ministério Público e o seu chefe político origine uma rebeldia contra um Governo (e o próprio Presidente...) que pretendesse aperrear os procuradores e os seus atos livres de investigação e de acusação.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Soares: «O dinheiro fabrica-se quando é preciso»




«O dinheiro fabrica-se quando é preciso.» 
Mário Soares, DN, 2-10-2012

Mário Soares, o mesmo homem que, em 1983, assinou o acordo de socorro financeiro do FMI a Portugal, e que em 1984 louvava os benefícios da austeridade com frases imorredouras, repescadas por Vítor Matos, na Sábado, de 12-5-2012. Esquecendo tudo quanto a sua antiga musa cantou, e fez, Soares, o das tangentes norte-americanas e oeste-alemãs de 1975, o da Emaudio, contesta agora a austeridade e os «políticos negocistas» (sic). A saída da crise é fácil: basta seguir o caminho do Zimbabwe...


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A partilha do pote no Palácio de Inverno

A principal tensão no Governo foi, desde o início, a questão do «pote»: a arbitragem de negócios e  de fundos.

O CDS é parceiro de governo há cinco trimestres, mas não toca na chicha. Na distribuição do poder real - os fundos comunitários, a gestão das parcerias público-privadas e a venda de participações do Estado -, Passos/Relvas retalharam a bôla conforme quiseram. O ministro dos Estrangeiros não toca nos negócios, como no passado na coisa «aquática» da Defesa. A ração da Agricultura não é suficiente para alimentar tanta gula. Na Economia, o ministro é do PSD e do PSD o controleiro do QREN, Almeida Henriques. Na Solidariedade, o ministro é do CDS, mas a competência de gestão do Fundo Social Europeu cabe a Marco António Costa, do PSD tripeiro.

Porém, a tristeza ronáldica que foi exposta com o pretexto da TSU pode desaparecer - temporariamente (Portas é Portas...) - com um novo contrato, conforme se depreende do balão do Expresso, de 29-12-2012. Fica a Economia dividida: um novo controleiro, mais aplicado, sucederá ao administrador-delegado do QREN, o maçon António Júlio de Almeida Henriques Relvas, que vai preparar a sucessão de Fernando Ruas, em Viseu;  e Álvaro Santos Pereira será substituído por António Pires de Lima (ou Lobo Xavier).

Na corte, come-se sempre até poder, mesmo que a despensa esteja mais vazia. Vai buscar-se à caixa o resto da maquia, com a privatização do trigo comunitário que o moleiro experiente moa e venda nas praças pestilentas do Leste, da Ásia, da África e da América Latina, e cobra-se pelas águas que vão desencardir os tanques sujos nos mesmos mercados fedorentos. E, quando, pela miséria, os bolcheviques se aproximarem demais do Palácio de Inverno e impuserem o caos num país destroçado pela mistura explosiva da cobiça e da incompetência, aplica-se o plano da fuga para o exílio. Tal como a dinastia anterior.

Sem um novo sistema político em Portugal, tudo se perde, nada se transforma.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades referidas nas notícias dos média, que comento, não são arguidas nem suspeitas do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade.


* Imagem picada daqui.