quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A escolha do novo Patriarca de Lisboa e a autonomia da Igreja portuguesa

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Com a próxima resignação canónica de D. José Policarpo, que completa, em 26 de Fevereiro de 2011, os 75 anos de idade, e deferido o usual pedido do próprio pelo Papa Bento XVI, abre-se o processo de nomeação do novo Patricarca de Lisboa e futuro cardeal (no consistório seguinte).

É um momento crítico para os próximos anos da Igreja portuguesa e do País. A nomeação é uma oportunidade do Patriarcado de Lisboa recuperar a autonomia face ao poder político. É ainda uma ocasião de recuperação do País, não só no plano espiritual, mas também no plano temporal, pois, para lá da voz e da direcção diocesana, o Patriarcado de Lisboa controla a Rádio Renascença e a Universidade Católica de Lisboa, instituições com grande influência social e política. E, tal como o próprio Patriarcado, a Rádio Renascença (onde o gabinete do primeiro-ministro socialista foi contratar colaboradores precoces...) e a Universidade Católica (onde o Governo recrutou inquisidores e instalou antenas...) precisam de restabelecer a independência face a um Estado em clara deriva ditatorial e radicalização de costumes - em vez de se dobrarem a veicular a mensagem do poder e as suas campanhas e perspectiva, como se fossem órgãos oficiosos do Governo de agenda liberal nos costumes e posição anti-clerical. O Patriarca de Lisboa é o chefe da diocese de Lisboa e não o superior hierárquico dos outros bispos portugueses, como muita gente pensa, nem sequer o presidente da Conferência Episcopal; todavia, essa impressão e o facto da sede da diocese ser também a cidade capital política, económica, cultural e de maior concentração populacional, do País, para lá do referido controlo das instituições de poder referidas, torna o Patriarca de Lisboa, o bispo com maior importância da Igreja portuguesa. Isto é, tem um relevo social e projecção directa que se ergue acima do seu cargo.

Assim sendo, a escolha do novo Patriarca de Lisboa, pela importância da função e pelo momento do País, é ainda mais delicada do que costuma. Estão passados 36 anos desde a Revolução de Abril de 1974 e estamos novamente em época de turbulência económica, social e política. Não existe agora um perigo de perseguição dos crentes: há é uma necessidade de reevangelização, de independência da Igreja e de ressurgimento moral.

No período prévio à mudança de regime, importou ao Vaticano, que temia que a Igreja portuguesa viesse a ser forçada à quase clandestinidade após uma tomada do País pela ideologia marxista anti-religiosa, um prudente aggiornamento político, através da nomeação para o episcopado português de clérigos conotados com a esquerda e que pudessem estabelecer pontes com os sectores laicos, que garantissem a sobrevivência da Igreja. Essa transição de uma Igreja conservadora  identificada com o regime salazarista para uma Igreja de pendor social esquerdista cumpriu as tarefas de protecção da Igreja dos abusos revolucionários, um relacionamento muito estreito com o novo poder político, a desejável aplicação mais rápida do Concílio Vaticano II e a reforma da imagem conservadora pretérita. O apoio de Mário Soares a esta nova atitude da Igreja foi uma espécie de confirmação profana do novo relacionamento e consistiu num salvo-conduto socialista (no dia do cerco ao Patriarcado, em 18 de Junho de 1975) após o levantamento social do centro e do norte do país, com epicentro na palavra do Arcebispo de Braga, D. Francisco Maria da Silva, que foi muito mais decisivo para a consolidação da democracia do que a lenda lisboeta bem-pensante do comício socialista da Fonte Luminosa, em 19 de Julho de 1975, organizado por António Guterres.

Esse posicionamento à esquerda não ficou, todavia, pela medida e tempo previstos, nem podia, pois a escolha dos bispos é uma decisão que tem efeitos durante décadas, não só por via dos titulares, mas também dos bispos auxiliares que lhes sucederam. Por exemplo, em Lisboa, ao Patriarca D. António Ribeiro, entronizado em Maio de 1971, sucedeu, em 1998, o seu coadjutor D. José Policarpo, que já era auxiliar de Lisboa desde 1978. Assim, essa contiguidade com o poder maioritariamente socialista - tão frequente e abundante que dispensa linques e embaraça os críticos do relacionamento entre Salazar e o cardeal Cerejeira -, de certo modo, cristalizou a Igreja lisboeta num posicionamento profano e numa relação de fraternidade subserviente com o socialismo maçónico ateu e anti-clerical. Uma relação íntima que, com o radicalismo dos costumes introduzida no Estado pelo primeiro-ministro José Sócrates, em 2005, se tornou ainda mais estranha na Igreja universal e para lá do que a posição oficial da Igreja, católica, apostólica e romana, consente:

«Permanece portanto imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçónicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçónicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão.»
Declaração sobre a Maçonaria da Congregação para Doutrina da Sé, de 26 de Novembro de 1983, assinada pelo prefeito cardeal Joseph Ratzinger (actual Papa) e pelo secretário, D. Jérôme Hamer, e aprovada pelo Sumo Pontífice João Paulo II.
Veja-se ainda a este respeito, o artigo «
Reflections a year after Declaration of Congregation for the Doctrine of the Faith: Irreconcilability between Christian faith and Freemasonry», do Osservatore Romano,  de 11 de Março de 1985.

Assim, no mundo e também em Portugal, é inadmissível a pertença à Maçonaria de padres e bispos - mais surpreeendente nalgum grau de Venerável (!) -, mesmo que da Maçonaria regular, bem como a participação de padres e bispos em eventos da Maçonaria, como ágapes destas organizações. Ora, parte dominante da Igreja portuguesa, por meio destas ligações e relações espúrias, enfeudou-se à Maçonaria; e assim continuou, paradoxalmente, quando o Partido Socialista mudou da caridade gutérrica, supervisionada pelo meta-sistema maçónico, para o radicalismo anti-clerical de Sócrates, que manteve, aliás, o apoio desse meta-sistema político maçónico. E não há nenhum pajem cursilhista, nem qualquer intermediação maçónica do meta-sistema, que atenue a promiscuidade com esta radicalização anti-religiosa, a perseguição da influência moral da Igreja e o seu banimento progressivo do espaço público. Nem há qualquer declaração nuancée dos próprios clérigos envolvidos que elimine a natureza contra natura dessa pertença e dessa participação, que o povo não conhece, mas que agora ressuma e repugna. Porém, engana-se quem pensa que a presença e participação na Maçonaria sejam desconhecidas do próprio Vaticano, muito atento à realidade da Igreja portuguesa.

Portanto, a Igreja portuguesa precisa que a autonomia face ao poder político, que tem emergido na conferência episcopal neste dois últimos mandatos, por contraste com a abstenção e favorecimento em anos anteriores do poder político anti-clerical e radical, se consolide na escolha do novo Patriarca de Lisboa. Para isso, é fundamental escolher para Patriarca de Lisboa alguém que tenha dado provas de preferência espiritual, de autonomia pastoral face ao poder político, de sabedoria, moderação e prudência, seja insusceptível de promiscuidade com a Maçonaria ou de abstenção perante a deriva radical do Estado, e constitua, no País, uma referência moral com prestígio para recuperar a função da Igreja a partir da sua capital. D. Manuel Clemente, actual bispo do Porto, é o homem certo para esta hora decisiva. Padre, homem bom, ponderado, sensato e prudente, diplomata, com evidente capacidade de diálogo mas firme na decisão, modesto e concentrado na missão da Igreja, com boa figura nos media mas sem concessão nos princípios e resoluções, académico e humano, historiador e moderno, intelectual e organizador, líder pela prédica, escrita e saber, D. Manuel Clemente é a melhor escolha - digo, nesta altura, a única... - para conduzir a Igreja da capital para a função e lugar autónomo que lhe cabem na sociedade nacional. Como noutros casos se diz, e nestes com mais razão, é mesmo por não procurar o novo cargo que é a pessoa indicada para o desempenhar.

Sucessor natural de D. José Policarpo, pelo prestígio intelectual e pastoral que granjeou, o bispo auxiliar de Lisboa (desde 1999) D. Manuel Clemente,  natural de Torres Vedras, foi enviado para o Porto, em 2007, creio que por vontade alheia; mas aceitou com resignação e alegria o novo encargo e fez, em três anos, no estilo colegial que aprendeu cedo na sua vida, do Porto, sem ofensa para as demais, a diocese portuguesa mais dinâmica, com enorme projecção pastoral, participação em eventos e crescimento espiritual, construindo pontes com a sociedade civil e alcançando até em sectores ateus, uma atenção, consideração e reconhecimento, excepcionais, sem transigir na sua mensagem católica, e conteúdo cultural, o que lhe valeu a distinção do Prémio Pessoa, em 2009. Vir (retornar) um bispo do Porto para Lisboa, como neste momento gravíssimo, nem sequer será uma decisão inédita: D. Tomás de Almeida, que foi o primeiro com o título de Patriarca de Lisboa, foi bispo do Porto, em 1709, antes de ser nomeado titular da diocese de Lisboa, em 1716. No Porto, D. Manuel Clemente deixará saudades, mas sobrará nos fiéis a consolação da ventura que foi o seu apostolado, a presença tranquila e activa nestes anos de dádiva e o orgulho da humildade do seu pastor para novo encargo. Paradoxalmente, poderá ser, em Lisboa, ainda mais útil aos católicos do Porto, pela centralidade e meios disponíveis. Para os católicos do País, e os portugueses em geral, será uma bênção de esperança.


Actualização: este poste foi emendado às 17:42 de 9-9-2010, às 9:15 de 10-9-2010; e emendado e actualizado às 8:08 de 13-9-2010 e 1:33 de 14-9-2010..


* Fotografia de Mário Fróis, Salinas Naturais de Rio Maior II, 2008.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Acabou!

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Disse, a Dra. Catalina Pestana, à saída do tribunal, em 3-9-2010, após a leitura do acórdão do Processo Casa Pia: «para nós, acabou hoje». Lembraremos para sempre os abusos sexuais das crianças, a nossa luta e o proteccionismo do sistema, mas o caso acabou. O veredicto é a sentença que a verdade esperava, que a dor das vítimas precisava e de que o povo envergonhado carecia. O resto a que, surpreendidos com a desfaçatez e falta de vergonha, assistimos, é culpa: cinismo, canto, gozo, desprezo, inumanidade pedófila, sobrepostos aos factos.

Siga a música celestial dos anjos da morte em vida, a mentira sobre os factos, os berros e os insultos contra a justiça, a difamação, a calúnia, a desobediência e o desrespeito da lei e pela justiça, o esmagamento das trinta e duas vítimas a apenas duas e a redução das dezenas de denunciadores, polícias, procuradores e juízes, deste processo e dos outros conexos, onde o resultado foi similar, a apenas uma juíza, que nós, todos, não entraremos no alçapão do julgamento do julgamento. A sentença condenatória da primeira instância foi produzida e, para nós, chega. Agora, é tempo das vítimas refazerem e consolidarem as vidas e o povo ultrapassar o trauma.

As esperadas saídas em ombros, as voltas ao estádio, as luzes da ribalta e os foguetes estrondosos, não aconteceram - e quando, inconsequentes, vierem serão instáveis, vazias, fugazes e chochos. Agora, é tempo de se resignarem perante o facto deste veredicto não poder ser eliminado de quem o viu, ouviu e vai ler, recorrerem no processo como têm direito, e perante eventuais promessas de aggiustamento do processo incumpridas, começarem, como os canários pálidos zangados com a gaiola, a cantar contra os incógnitos e os desentalados, com os eufemismos crípticos do género «hoje vai chover», as «castanhas» e a «família veneranda» (!), ou as referências explícitas numa sequela «Muito Mentiroso/GOVD - Parte II», lançada com a mesma impunidade e maior circulação. O PS falhou e as suas operações negras - um dia, os juízes, procuradores e polícias, além das vítimas, hão-de contar o que sofreram - não alcançaram o resultado prometido de absolvição; portanto, é tempo dos canários cantarem.

Daqui por ano e meio, quando começarem a sair os acórdãos da meia centena de recursos interpostos pelas defesas, há-de haver algum que reduza ou anule as penas dos arguidos ou mande repetir o julgamento, com base na virginal boa-fé sistémica da dúvida razoável  ou em argumentos sólidos do género :
  1. é inaceitável que se tenha podido dar azo a que alguém, mal intencionado, ponha em causa a reputação imaculada de personalidades acima de qualquer igualdade constitucional ou que conclua que a alegada protecção dos abusadores das crianças fosse o produto dos trabalhos da tríade dos laços políticos, fraternos e filantrópicos  (eufemismo de Cadi Fernandes, no DN, de 6 de Outubro de 2003, mais adocicado, em ponto de rebuçado, do que utilizar as palavras cruas Socialismo-Maçonaria-Casa Pia);
  2. a morte em vida de duas crianças não vale sete anos de prisão (que, aliás, se viessem a ser cumpridos, seriam condensados em alguns meses de cárcere dourado e mais alguns com perneira domiciliária);
  3. está provado cientificamente algures que as crianças vítimas de abuso sexual até gostam da retribuição de terem sido violentadas por famosos, além da glória masoquista dos esfíncteres rasgados, da pancada e da coca;
  4. não foi ouvida a testemunha número 129, apresentada pelo arguido A (testemunha número 991 do processo);
  5. é impossível alguém com bom-senso crer que, num período de dois anos, tenha havido tempo para pintar portas de apartamentos de outra cor ou realizar obras internas que mudassem a estrutura de uma casa, para confundir as vítimas nos reconhecimentos;
  6. a menção antiga, em processo judicial (!), de alegados abusos por dois dos arguidos é a prova provada de que há imputações falsas repetidas que só podem derivar de perseguição invejosa e de falta de imaginação;
  7. tem de afirmar-se, como no famigerado caso Wartergate, a perplexidade sobre o facto destes crimes, naquela dimensão, não serem praticados sobre as mesmas vítimas, em alegre confraternização, por políticos de vários partidos, pois é um pressuposto inquestionável que a taxa de sobre-representação pedófila nos directórios partidários é estatisticamente igual;
  8. nunca se soube de fotografias dos abusos com aqueles alegados abusadores, com excepção daquelas da caixa de sapatos, mais as outras do salvo conduto do cofre, sem chave, da Dra. Teresa Costa Macedo, nem videos comprometedores que envolvam outros abusadores mais poderosos, nem sequer aqueles levados pelo raid da rapaziada dos serviços, do ateliê ribeirinho, na reprise com crianças surdas-mudas (muito menos qualquer filme luandense com jovens...);
  9. não pode deixar de classificar-se como circunstancial e irrelevante o parágrafo 3 da página 1.879, com remissão para o documento X do Apenso Z, ínsito a folhas 71.745, do acórdão da 1.ª instância, porque um arguido que estava, na sua omnipresença selectiva (qualidade de arguidos poderosos), em quatro sítios ao mesmo tempo - conforme se comprova pelos registos dos quatro identificadores de Via Verde da sua empresa, dos cinco cartões multibanco e dos seis telemóveis, e pelas declarações de sete testemunhas -, não podia estar, nesse mesmo dia e hora, num quinto lugar a abusar de crianças;
  10. a verdadeira inocência geral já foi toda provada, em directo, no programa oficial socialista «Pròs e Pròs», da inolvidável D. Fátima Campos Ferreira (o ícone máximo do socialismo televisivo português), com o título «A sentença» (sic!...), do dia 6-9-2010, na RTP (televisão do Estado, que não pode ser denonimada  Radio-Televisão dos Pedófilos), dedicado ao julgamento do julgamento, mesmo antes de conhecido todo o texto do acórdão - veja-se o post do José da Porta da Loja sobre o programa -,  um programa que consistiu no tipo de neutralidade e respeito integral pela lei e pela deontologia de que a ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) gosta.
Uf... a justificação possível vai longa, mas podia ser mais curta: «não pode ser... e pronto!!».

E, nesse dia, que chegará tão certo e tão negro, quanto a eficácia do sistema putínico em pleno vigor nesta terra que teve, e tem, nome Portugal - «nome de macho, se queres», como dizia o sapateiro António Gonçalves Annes Bandarra -, nós não estaremos aí. Já não nos importa. Isso faz parte do sistema e não temos condições para o mudar no curto prazo. Como não estamos no julgamento do julgamento: estivemos nestes oito anos de saga da justiça em prol da verdade material, até à produção da sentença moral. Porque, para nós, que não estamos interessados nas peripécias processuais e na tecnicalidade jurídica, não buscamos a condenação última, nem temos a motivação da vingança, o caso terminou na data do acórdão da 1.ª instância, o inesquecível 3 de Setembro de 2010. E esta sentença ninguém tira às vítimas, nem aos arguidos, nem ao povo, nem ao Estado de direito, à autonomia judicial e à separação de poderes. Para nós, todos, acabou.


Actualização: este poste foi actualizado às 16:02, 18:44 e 22:52 de 7-9-2010 e actualizado e emendado às 8:45 de 8-9-2010.


* Imagem picada daqui.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As personalidades e entidades, objecto de notícias dos media, que comento, quando arguidas ou mesmo condenadas em primeira instância, gozam do direito constitucional à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória.