O
caso do périplo político do ex-primeiro-ministro José Sócrates pelas sedes de Governo da Alemanha e da Espanha nas vésperas da visita de Passos Coelho aos seus homólogos, suscita três comentários.
Mas, em primeiro lugar,
os factos.
O ex-primeiro-ministro José Sócrates há-de ter-se despedido dos seus congéneres da União Europeia e de outros dirigentes políticos estrangeiros, nos quinze dias que mediaram entre as eleições de 5 de Junho de 2011, que perdeu, até à tomada de posse do XIX Governo Constitucional, do PSD-CDS, em 21 de Junho de 2011. Se não lhes telefonou, ou não os atendeu quando lhe telefonaram para o consolarem da derrota, foi mal-educado porque era, então e nessa qualidade, que o contacto devia ser feito. Em qualquer caso,
a função de primeiro-ministro de José Sócrates terminou em 21 de Junho de 2011 e nenhuma recepção protocolar lhe é devida depois: já não é representante de Portugal, nem sequer líder do Partido Socialista português.
Porém,
ontem, 1-9-2011, o diário i, dirigido por António Ribeiro Ferreira, antigo jornalista do
Independente e pai da
vice-presidente do CDS, Mariana Ribeiro Ferreira, jornal considerado próximo do ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas, noticia que o ex-primeiro-ministro foi recebido pela chanceler alemã Angela Merkel, na passada sexta-feira, 28-8-2011, e tinha sido recebido dias antes pelo presidente do Governo espanhol, José Luis Zapatero. O primeiro-ministro Pedro Passos Coelho
informou, ainda pelo i, depois, que «o meu gabinete teve conhecimento
com bastante antecedência de que o engenheiro [
sic!...] José Sócrates pretenderia apresentar, digamos, as suas despedidas a vários líderes europeus» e que «tivemos a informação da parte das autoridades de qualquer destes países, ainda no final de Julho e depois pelos meios diplomáticos quando as reuniões
ficaram confirmadas. O
jornal i fala em
«diplomacia paralela» de José Sócrates e manifesta preocupação com os temas das «
reuniões» (
sic!). Os encontros com chefes de Governo europeus, que não sabemos se foram únicos ou se têm seguimento noutras capitais, terão ocorrido dias antes de Merkel e Zapatero receberem o primeiro-ministro português Passos Coelho.
O assunto justifica
três comentários.
O primeiro. Pouco me interessa a
guerra de Portas a Passos Coelho que, pior do que inimigos, são irmãos no Governo. Este ataque portista, à falcão, põe em causa o chefe de gabinete do primeiro-ministro,
Francisco Ribeiro de Menezes, ex-chefe de gabinete do ministro socialista Luís Amado do Governo Sócrates. Mas não posso calar-me perante o
embaraço em que ficou o Governo português perante o Governo alemão e o Governo espanhol. A história das «
despedidas» é uma treta tão grande como o
fair-play de
Jorge Jesus José Sócrates: o ex-primeiro-ministro vai
despedir-se em audiência oficial de uma função governativa que terminou há mais de dois meses?!... O senhor José Sócrates é livre de se encontrar com quem quiser, mas não faz os patriotas de parvos: solta-se que se encontrou com os líderes - e antes do sucessor... -, e confirma-se que o encontro é oficial,
in situ, em vez de privado, fora das sedes dos Governos. Sócrates pode ainda mendigar-lhes algum posto internacional, que a
filosofia parisiense não garante imunidade, e no cúmulo, Passos até pode chocar o ovo da serpente, como
Sarkozy a Strauss-Kahn em 2007, dando-lhe apoio, com a atribuição ao seu adversário de ontem e de hoje, de um cargo numa organização internacional que lhe garanta deferência e salvo-conduto (com excepção dos EUA...) - e o bónus de uma candidatura presidencial em 2016... Passos Coelho não deve é rebaixar-se a porta-voz do ex-primeiro-ministro, explicando que as «reuniões» são «despedidas», como fez - também mal - quando comunicou oficialmente, em 29-7-2011, que Sócrates não deu «
ordens ou orientações» ao director do SIED, Jorge Silva Carvalho, para dar informações à Ongoing. O senhor José Sócrates não pode ser tratado pelos governantes estrangeiros como representante do Estado português, relativamente a qualquer questão política, como a linha de TGV Poceirão-Badajoz, que Zapatero quer e o futuro chefe de Governo espanhol,
Mariano Rajoy disse, em 1-9-2011, segundo o DN, à saída de audiência no palácio de Belém com o Presidente Cavaco Silva, diz que pode ser implementada «quando chegarem tempos melhores», concordando com a suspensão anunciada pelo Governo Passos Coelho. O actual primeiro-ministro de Portugal tem também o direito - e eu creio que o dever de Estado - de não se sujeitar à humilhação de ser recebido por chefes de Governo estrangeiros depois do ex-primeiro-ministro do seu País o ser formalmente, podendo este sê-lo no remanso discreto dos respectivos lares e sem notícia pública das «reuniões». Ainda se pensou que Passos Coelho não sabia das «reuniões», mas o remendo público ainda foi pior do que o rasgão privado: o actual primeiro-ministro foi informado por Sócrates e pelas chancelarias estrangeiras. Quando Passos Coelho foi prevenido pelos Governos estrangeiros das «reuniões» com Sócrates, devia expressar-lhes que não interfere nas decisões dos outros chefes de Governo, apenas manda em si e no seu, visitando quem quer que o respeite, quando assim decida e mantenha...
Para Portugal ser respeitado, o seu primeiro-ministro tem de dar-se ao respeito.
O segundo.
O senhor José Sócrates foi recebido pelos chefes de Governo alemão e espanhol porque não foi responsabilizado judicial e politicamente em Portugal. Não foi responsabilizado politicamente pela ruína financeira e económica do País. E, para lá das alegações de infracção reiterada das leis de orçamento, entre outros motivos concretos, não foi
responsabilizado judicialmente por todas as alegações de corrupção de Estado, pela alegada perseguição que serviços de informação fizeram a cidadãos indefesos e a adversários políticos, por alegado atentado ao Estado de direito democrático, pela viciação das eleições legislativas de 2009 através do referido «plano governamental para controlo dos meios de comunicação social». Se esta dupla responsabilização - política e judicial - tivesse sido feita, Sócrates teria um tratamento protocolar no Kanzleramt e na Moncloa semelhante ao que hoje obteria o seu amigo Gadafi. José Sócrates foi recebido, oficialmente nas sedes de governo estrangeiras dois meses depois de ter deixado de ser primeiro-ministro, porque é considerado, em Portugal e no estrangeiro, o poder de facto do Estado português.
O terceiro. A actual situação política interna do Estado português é insustentável.
Portugal parece ter dois primeiro-ministros: o de direito, legítimo, instalado na sede mas com reduzido poder político efectivo; e uma sub-espécie de anti-Papa, que vive no couto francês, à larga e à farta. O motivo deste cisma do Estado, que traz o povo perplexo, é a
alegada decisão de Passos Coelho de enterrar o passado socratino e poupar os autores do mal durante a longa noite socialista. Acusei aqui José Sócrates de crueldade sobre o povo e na classificação de Maquiavel, de uma crueldade mal usada - por ser muita e contínua -, e parece que o bom-samaritanismo de Passos Coelho se arrisca imprudentemente a cair no mesmo destino:
«(...) crudeltà male usate o bene usate. Bene usate si possono chiamare quelle (se del male è licito dire bene) che si fanno ad uno tratto, per necessità dello assicurarsi, e di poi non vi si insiste drento ma si convertiscono in più utilità de' sudditi che si può. Male usate sono quelle le quali, ancora che nel principio sieno poche, più tosto col tempo crescono che le si spenghino. Coloro che osservano el primo modo, possono con Dio e con li uomini avere allo stato loro qualche remedio, come ebbe Agatocle; quelli altri è impossibile si mantenghino. Onde è da notare che, nel pigliare uno stato, debbe l'occupatore di esso discorrere tutte quelle offese che li è necessario fare; e tutte farle a un tratto, per non le avere a rinnovare ogni dí, e potere, non le innovando, assicurare li uomini e guadagnarseli con beneficarli. Chi fa altrimenti, o per timidità o per mal consiglio, è sempre necessitato tenere el coltello in mano; né mai può fondarsi sopra li sua sudditi non si potendo quelli per le fresche e continue iniurie assicurare di lui. Perché le iniurie si debbono fare tutte insieme, acciò che, assaporandosi meno, offendino meno: e' benefizii si debbono fare a poco a poco, acciò che si assaporino meglio.»
MACHIAVELLI, Niccolò, Il Principe, Firenzi, Antonio Blado d'Asola, 1532 (escrito em 1513), cap. VIII (Dos que chegaram ao principado por meio de crimes) - ver tradução para português do original (Realce meu)
Aliás, contrariamente à omissão colossal sobre as contas fantasiosas do socratismo, só o
desvio nas contas da Madeira merece publicação. A chefia de Governo não é uma coisa, mas uma relação (como postulava o professor Adriano Moreira): não é o cargo que manda, mas o seu ocupante, através da sua ordem e influência. A autoridade deriva do exercício. Se Sócrates mantém a rede e o seu comando e dita ordens, e se Passos cobre a verdade relativamente aos abusos praticados sobre o povo e se protege os culpados - e ainda permite que recaiam sobre si os delitos dos outros, como no
caso das secretas socratinas -,
na prática, o primeiro-ministro em exercício continua a ser... José Sócrates.
Sem a
publicação do passado - das contas (auditoria) e dos actos -, a
responsabilização judicial, a
limpeza do Estado e a
substituição imediata dos socratinos no aparelho político-administrativo, não é possível reunir o País em torno do Governo. Perante o pasmo e a indignação dos patriotas,
o Estado permanece socialista, mesmo se o PS perdeu as eleições há três meses: mantém-se a ideologia socialista (o assistencialismo), a política socialista (impostos e
mais impostos, em contraponto a exíguos e adiados cortes na despesa) e os dirigentes socialistas (não só se conserva a esmagadora maioria deles nos ministérios e institutos, mas até se
nomeiam novos...). Já basta deste cativeiro na Babilónia socialista. O Dr. Pedro Passos Coelho é o primeiro-ministro de Portugal: aja que se faz tarde!
Actualização: este poste foi actualizado às 12:09 de 3-8-2011.
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