A propósito do muito bem escrito artigo «O raio dos pobres», de Tiago Matos Silva, de ontem, 28-4-2014, no Público - da perspetiva política de we-are-the-99-percent, («Não fossem precisos tantos pobres para fazer um rico»...) - que tem inúmeras verdades nas causas e no desprezo a que votam os pobres.
Não sou liberal, nunca fui. Nem na economia, nem nos costumes. Não me desiludo, portanto, com a desafinação da flauta mágica da economia liberal, na sua deriva financeira.
Vindo dos confins da Terra, como o etnocentrismo europeu a pensa, o Papa Francisco surpreendeu o mundo, mesmo o católico, com a exortação apostólica Evangelii Gaudium, de 24-11-2013, na qual escreveu corajosamente:
Tenho refletido bastante nos últimos tempos sobre a desigualdade na empregabilidade. Professor que sou, preocupado com a dimensão pedagógica do meu trabalho e das minhas lições, tenho encontrado grandes diferenças nos meus alunos, depois de concluída a licenciatura ou o mestrado (também usado como uma ocupação no desemprego), na entrada no trabalho, além do part-time que alguns fazem em boutiques e supermercados.
É certo que recomendo aos alunos que:
Creio que prestam atenção quando lhes recomendo estas regras simples: julgo, no entanto, que a grande maioria não as segue. Como tenho da minha função (missão...) a humildade de avaliação recomendada pelo padre António Vieira no Sermão da Sexagésima, entendo que a culpa não será deles (ouvintes), mas minha, por ser mau pregador. Mesmo que lhes afiance que estarei sempre disponível para os aconselhar na prospeção de trabalho.
Saídos da vida social que juvenilmente lhes ocupa a maior parte do tempo e do claustro sombrio da academia, onde vivem agrilhoados - como se se tratasse de uma caverna de Platão de onde só trazem reminiscências de conceitos e técnicas -, para o encadeamento da vida profissional, acabam, parte deles, muito mais do que eu gostaria, no envio semanal de alguns poucos currículos para empresas à sorte e alvos de oportunidade sugeridos. Outros procuram de forma seletiva e com persistência, e acabam por conseguir, aqui ou ali, nisto ou naquilo - e teimando, laborando vencem. Raríssimo é aquele que cria auto-emprego ou arrisca criar uma empresa. A proatividade que lhes aconselhei com as regras acima indicadas, e em que foram treinados enquanto alunos, em muitos esfuma-se na auto-estima temporária que lhes foge dos olhos mal concluem o curso ou deixam alguma cadeira pendente.
Como a procura de trabalho por parte dos empregadores é menor do que a ofertade trabalho, há uma competição pelos lugares disponíveis de trabalho. Fica muita gente de fora nesta seleção que não é apenas natural, para além das cunhas promíscuas e do habitual nepotismo político. E ninguém é obrigado a emigrar - só que com dificuldade de encontrar trabalho no País e na ausência do bem estar material mínimo ou autonomia, é muitas vezes a alternativa de recurso.
Se os empregos fossem em número igual aos que oferecem a sua força de trabalho, não se colocava a questão da agilidade. Mas a discrepância é muito grande: 35% de desemprego jovem (15-24 anos), em março de 2014, em Portugal. E, assim, com exceções de sorte e de azar, que confirmam a norma, os mais espertos e os mais persistentes safam-se, e os menos ágeis e os mais resignados, ficam de fora. Uma espécie de esquema realmente fascista, embora de cunho liberal, em que «dos fracos não reza a história». Embora pelo meio, exista o Estado que proporciona amparo de subsistência e, nalguns casos, um esquema assistencialista alternativo ao trabalho disponível. Importa notar, ainda que seja assunto tabu, que o Estado Social(ista) iníquo a que chegámos - pois profundamente desigual porque aconchega uns e desprotege outros -, consolidou o desemprego seletivo: o desempregado pode recusar uma proposta de trabalho que não se coadune com as suas qualificações, ou a sua experiência, e manter o subsídio. Assim, existem trabalhos, para além da agricultura, para os quais existe procura mas poucos interessados em oferecer a sua força de trabalho para os desempenhar. E para além da questão do desemprego, existe na Europa ocidental e do norte, o rendimento social de inserção que fornece dinheiro - em vez do esquema norte-americano do pagamento direto de bens e serviços (a renda de casa, as senhas de alimentação para trocar por produtos alimentares e básicos no supermercado, etc.).
Portanto, por causa da desigualdade no desembaraço dos indivíduos e ainda por causa do papá-Estado, envolto na bancocracia e no assistencialismo, agrava-se o desemprego. Os indivíduos têm níveis diversos de capacidade intelectual e de desembaraço, o que, numa sociedade baseada principalmente na inteligência enquanto factor de classe, gera desigualdade inerente. O Estado, ao mesmo tempo que cria programas de empreendedorismo, desincentiva o risco da criação de negócios (ex: auto-emprego) e da oferta de trabalho: comunica ao indivíduo, em mil mensagens políticas, que se não puder arranjar trabalho, ou não quiser (que são casos muito menos frequentes, mas que existem) o trabalho disponível, lhe fornece um subsídio temporário, que pode alargar e, e no fim do período, fornecer-lhe rendimento social. Assim, enquanto empata e assiste, indignifica os cidadãos, porque não os valoriza pelo trabalho. O Estado não consegue ajustar a procura de trabalho das empresas e instituições à oferta de trabalho específica dos indivíduos, muito deles com formação e experiência distantes daquelas que a economia procura mais procura, face ao número correspondente aos formados e desempregados nessas áreas.
Um dos grandes problemas da sociedade da abundância, ainda que a caminho de nova escassez, é a ansiedade. A aversão ao risco é natural nos homens. Trabalhar por conta de outrém provoca menos ansiedade do que trabalhar por conta própria (auto-emprego ou empresa prórpia). E, assim, é natural que poucos jovens queiram arriscar porque o risco lhes diminui, pelo menos no imediato, a qualidade de vida e de descanso. E há cada vez menos interessados em subir ao calvário da criação de empresas e do auto-emprego legal.
O facto é que, com a complexidade e sofisticação do trabalho, e com justo alargamento da instrução a escalões mais baixos de desempenho escolar, está a ser cada vez mais difícil nos países desenvolvidos, oferecer trabalho. O desvio da economia real para a economia financeira, na bancocracia em que vivemos, e a fiscalidade proibitiva sobre o trabalho tem agravado esse desajustamento do trabalho.
Resulta desta análise que tem de ser ajustada a oferta e a procura de trabalho, e de libertação da pobreza (através do trabalho) por política consequente do Estado. Como a situação está... não pode continuar. Porque cabe à sociedade, e ao Estado que esta criou e mantém, proprocionar condições de bem-estar dos seus cidadãos, em vez de infligir sofrimento nos jovens, adultos e idosos. Na versão bancocrática e desapiedada da dignidade humana que sofremos, realmente este liberalismo mata.
Atualização: este poste foi atualiza às 14:54 de de 14-5-2014 e 20:03 de 20-5-2014.
Não sou liberal, nunca fui. Nem na economia, nem nos costumes. Não me desiludo, portanto, com a desafinação da flauta mágica da economia liberal, na sua deriva financeira.
Vindo dos confins da Terra, como o etnocentrismo europeu a pensa, o Papa Francisco surpreendeu o mundo, mesmo o católico, com a exortação apostólica Evangelii Gaudium, de 24-11-2013, na qual escreveu corajosamente:
«também hoje devemos dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade social". Esta economia mata.» (p. 29).Que o meu amigo Padre Fernando Calado Rodrigues, doutro confim central, tão central quanto o rincão transmontando do Portugal profundo é central, cita.
Tenho refletido bastante nos últimos tempos sobre a desigualdade na empregabilidade. Professor que sou, preocupado com a dimensão pedagógica do meu trabalho e das minhas lições, tenho encontrado grandes diferenças nos meus alunos, depois de concluída a licenciatura ou o mestrado (também usado como uma ocupação no desemprego), na entrada no trabalho, além do part-time que alguns fazem em boutiques e supermercados.
É certo que recomendo aos alunos que:
- Elaborem de um plano de marketing pessoal.
- Aceitem um estágio curricular gratuito de três meses (não mais) num setor ou função de interesse (e se conseguirem ser pagos por isso, melhor; senão é melhor do que se portarem como meninões em casa de pais complacentes).
- Façam um currículo (pode ser o modelo europeu desde que expurgado das excrescências e com o mesmo esquema na informática que aí é usado nas línguas) de apenas uma página com uma foto discreta e destacando os trabalhos de verão e part-time.
- Preparem uma carta curta e direta, indicando as qualidades que tenham (e que na entrevista devem provar) e as competências que possuem e com as quais podem beneficiar a empresa.
- Escolham setores (para evitar a circunstância da Alice).
- Criem base de dados com nome de empresa, nome do recrutador, mail, telefone, morada.
- Listem os contactos quentes (pessoas que conheçam) e os frios (pessoas que não conheçam) de pessoas que os possam ajudar, direta e indiretamente.
- Explorem pessoalmente os contactos quentes e os frios.
Creio que prestam atenção quando lhes recomendo estas regras simples: julgo, no entanto, que a grande maioria não as segue. Como tenho da minha função (missão...) a humildade de avaliação recomendada pelo padre António Vieira no Sermão da Sexagésima, entendo que a culpa não será deles (ouvintes), mas minha, por ser mau pregador. Mesmo que lhes afiance que estarei sempre disponível para os aconselhar na prospeção de trabalho.
Saídos da vida social que juvenilmente lhes ocupa a maior parte do tempo e do claustro sombrio da academia, onde vivem agrilhoados - como se se tratasse de uma caverna de Platão de onde só trazem reminiscências de conceitos e técnicas -, para o encadeamento da vida profissional, acabam, parte deles, muito mais do que eu gostaria, no envio semanal de alguns poucos currículos para empresas à sorte e alvos de oportunidade sugeridos. Outros procuram de forma seletiva e com persistência, e acabam por conseguir, aqui ou ali, nisto ou naquilo - e teimando, laborando vencem. Raríssimo é aquele que cria auto-emprego ou arrisca criar uma empresa. A proatividade que lhes aconselhei com as regras acima indicadas, e em que foram treinados enquanto alunos, em muitos esfuma-se na auto-estima temporária que lhes foge dos olhos mal concluem o curso ou deixam alguma cadeira pendente.
Como a procura de trabalho por parte dos empregadores é menor do que a ofertade trabalho, há uma competição pelos lugares disponíveis de trabalho. Fica muita gente de fora nesta seleção que não é apenas natural, para além das cunhas promíscuas e do habitual nepotismo político. E ninguém é obrigado a emigrar - só que com dificuldade de encontrar trabalho no País e na ausência do bem estar material mínimo ou autonomia, é muitas vezes a alternativa de recurso.
Se os empregos fossem em número igual aos que oferecem a sua força de trabalho, não se colocava a questão da agilidade. Mas a discrepância é muito grande: 35% de desemprego jovem (15-24 anos), em março de 2014, em Portugal. E, assim, com exceções de sorte e de azar, que confirmam a norma, os mais espertos e os mais persistentes safam-se, e os menos ágeis e os mais resignados, ficam de fora. Uma espécie de esquema realmente fascista, embora de cunho liberal, em que «dos fracos não reza a história». Embora pelo meio, exista o Estado que proporciona amparo de subsistência e, nalguns casos, um esquema assistencialista alternativo ao trabalho disponível. Importa notar, ainda que seja assunto tabu, que o Estado Social(ista) iníquo a que chegámos - pois profundamente desigual porque aconchega uns e desprotege outros -, consolidou o desemprego seletivo: o desempregado pode recusar uma proposta de trabalho que não se coadune com as suas qualificações, ou a sua experiência, e manter o subsídio. Assim, existem trabalhos, para além da agricultura, para os quais existe procura mas poucos interessados em oferecer a sua força de trabalho para os desempenhar. E para além da questão do desemprego, existe na Europa ocidental e do norte, o rendimento social de inserção que fornece dinheiro - em vez do esquema norte-americano do pagamento direto de bens e serviços (a renda de casa, as senhas de alimentação para trocar por produtos alimentares e básicos no supermercado, etc.).
Portanto, por causa da desigualdade no desembaraço dos indivíduos e ainda por causa do papá-Estado, envolto na bancocracia e no assistencialismo, agrava-se o desemprego. Os indivíduos têm níveis diversos de capacidade intelectual e de desembaraço, o que, numa sociedade baseada principalmente na inteligência enquanto factor de classe, gera desigualdade inerente. O Estado, ao mesmo tempo que cria programas de empreendedorismo, desincentiva o risco da criação de negócios (ex: auto-emprego) e da oferta de trabalho: comunica ao indivíduo, em mil mensagens políticas, que se não puder arranjar trabalho, ou não quiser (que são casos muito menos frequentes, mas que existem) o trabalho disponível, lhe fornece um subsídio temporário, que pode alargar e, e no fim do período, fornecer-lhe rendimento social. Assim, enquanto empata e assiste, indignifica os cidadãos, porque não os valoriza pelo trabalho. O Estado não consegue ajustar a procura de trabalho das empresas e instituições à oferta de trabalho específica dos indivíduos, muito deles com formação e experiência distantes daquelas que a economia procura mais procura, face ao número correspondente aos formados e desempregados nessas áreas.
Um dos grandes problemas da sociedade da abundância, ainda que a caminho de nova escassez, é a ansiedade. A aversão ao risco é natural nos homens. Trabalhar por conta de outrém provoca menos ansiedade do que trabalhar por conta própria (auto-emprego ou empresa prórpia). E, assim, é natural que poucos jovens queiram arriscar porque o risco lhes diminui, pelo menos no imediato, a qualidade de vida e de descanso. E há cada vez menos interessados em subir ao calvário da criação de empresas e do auto-emprego legal.
O facto é que, com a complexidade e sofisticação do trabalho, e com justo alargamento da instrução a escalões mais baixos de desempenho escolar, está a ser cada vez mais difícil nos países desenvolvidos, oferecer trabalho. O desvio da economia real para a economia financeira, na bancocracia em que vivemos, e a fiscalidade proibitiva sobre o trabalho tem agravado esse desajustamento do trabalho.
Resulta desta análise que tem de ser ajustada a oferta e a procura de trabalho, e de libertação da pobreza (através do trabalho) por política consequente do Estado. Como a situação está... não pode continuar. Porque cabe à sociedade, e ao Estado que esta criou e mantém, proprocionar condições de bem-estar dos seus cidadãos, em vez de infligir sofrimento nos jovens, adultos e idosos. Na versão bancocrática e desapiedada da dignidade humana que sofremos, realmente este liberalismo mata.
Atualização: este poste foi atualiza às 14:54 de de 14-5-2014 e 20:03 de 20-5-2014.
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