As torres da catedral de Santiago são mais altas do que as montanhas da Galiza, nossa irmã. E é por causa disso que o peregrino lá chega. Chega porque crê, porque pede - a Santiago, a Nossa Senhora e a Deus, direto... - porque se entrega ao sacrifício físico na esperança humilde de redenção espiritual. O peregrino, que reboca o seu corpo e mais o peso da trouxa, sonha a visão dessas torres, para além das inclementes subidas - e das temidas descidas... porque anunciam novas subidas. Eu e outros dois fraternos companheiros peregrinos, neste Ano de Fé. A peregrinação não é divertida, porque impõe sacrifício e disciplina, mas é retemperadora da alma e do corpo. Vale a nossa pena.
De Leça a Valença é um estirada sofrível. Sofrível porque se sofre, porque o rabo, os joelhos, os tendões e os músculos, não estão habituados, e porque se aguenta. Calçadas trepidantes, passadiços de madeira, capelas marítimas, uma Gelfa pelo meio, Viana, Âncora, Afife e Moledo, os trilhos de cimento e pedras nas praias que nos tentam, a velha Caminha, o suave Minho, o piso fino de Cerveira, onde um galego recomenda cuidado com a polícia «aqui em Espanha», a longa e custosa avenida de Valença. Desencontros do caminho e reencontros felizes - como nós. Uns líquidos melhores do que outros e as bebidas energéticas ainda mais amargas. No albergue de São Teotónio, muito limpa e cómoda, nomeadamente os colchões, dorme-se por cinco euros, mediante a apresentação do passaporte (Credencial del peregrino), carimbado nas paragens erráticas do nosso cansaço, e o acolhimento quente supera a falta de cobertor na noite fresca.
Do lado de lá, de Tuy ao Porriño vai-se fácil, mas de aí até Pontevedra, e depois, as montanhas não perdoam as pernas, a chuvinha (breve) ensopa, as dores abundam, o fòlego é consumido entre apelos íntimos à ajuda divina e imprecações de pecador, depois da curva o fado da mesma subida, o cimo demora, a bigas mal anda, a trouxa atrapalha. E, todavia, miraculosamente, sobe-se. No meio da floresta montanhosa, à noitinha, o escondido albergue do Barro, melhor do que o grande albergue-Woodstock de Pontevedra, é uma surpresa agradibilíssima. Um jantar quente à nossa espera, preparado por voluntários - um deles de cadeira de rodas que até já realizou o Caminho francês -, com heróis dos trilhos BTT que já tínhamos encontrado no Porriño e que vieram da costa alentejana e da Andaluzia, tortilla de batata e cebola, fanecas, carapaus, salada fresca, sem pratos para todos, comendo à vez a sopa cremosa de legumes. Banho aliviador que alivia momentaneamente a rusticidade peregrina (suor, sujidade e dor, no olvido do próprio corpo e dos seus limites), descanso entrecortado pela orquestração dos ressonos e alvorada pelas cinco de Espanha, que há que chegar de manhã a Santiago.
A temperatura baixou, os montes voltam, a descida esfria o peito e o vento gela a névoa nos braços peludos do antigamente. Em Padrón, sabemos que a segunda e jovem mulher de dom Camilo, o Cabezón de Iria Flavia, se casou com um médico e recordo «Yo, señor, no soy malo...». A estrada vai inclinando por plataformas, mas já se enfrenta o cume com olhos seguros e cadência mais certa. Finalmente, aparecem as torres da catedral, ao longe próximo do alcance do pedal. Uma última subidinha e lá desembocamos na praça do Obradoiro, alaranjada pelo sol e pejada de peregrinos espojados na calçada. Chegámos! Entrada na catedral - onde se acumulam velas e flores pela tragédia ferroviária de 24-7-2013. A devoção, um terço pejado de intenções e louvor, como talvez nunca. Fotos de orgulho tardo-juvenil a merecer indulgência, a descompressão de passos menos trôpegos e o resgate da Compostela, por «devotionis affectu vel voti causa». Um almoço esfolado, comboio de regresso a Vigo e recolha familiar (que, a partir de Vigo, o trem não transporta bicicletas!...).
Toda a peregrinação é interior: aos nossos pecados, aos nossos defeitos, aos nossos projetos. Mas nessa intimidade humilde encontramos o sentido da fraternidade humana, enformada pela Graça de Deus. O resultado desta penitência - e do treino da vontade -, é o sentimento justo de redenção espiritual. Santiago é grande!
De Leça a Valença é um estirada sofrível. Sofrível porque se sofre, porque o rabo, os joelhos, os tendões e os músculos, não estão habituados, e porque se aguenta. Calçadas trepidantes, passadiços de madeira, capelas marítimas, uma Gelfa pelo meio, Viana, Âncora, Afife e Moledo, os trilhos de cimento e pedras nas praias que nos tentam, a velha Caminha, o suave Minho, o piso fino de Cerveira, onde um galego recomenda cuidado com a polícia «aqui em Espanha», a longa e custosa avenida de Valença. Desencontros do caminho e reencontros felizes - como nós. Uns líquidos melhores do que outros e as bebidas energéticas ainda mais amargas. No albergue de São Teotónio, muito limpa e cómoda, nomeadamente os colchões, dorme-se por cinco euros, mediante a apresentação do passaporte (Credencial del peregrino), carimbado nas paragens erráticas do nosso cansaço, e o acolhimento quente supera a falta de cobertor na noite fresca.
Do lado de lá, de Tuy ao Porriño vai-se fácil, mas de aí até Pontevedra, e depois, as montanhas não perdoam as pernas, a chuvinha (breve) ensopa, as dores abundam, o fòlego é consumido entre apelos íntimos à ajuda divina e imprecações de pecador, depois da curva o fado da mesma subida, o cimo demora, a bigas mal anda, a trouxa atrapalha. E, todavia, miraculosamente, sobe-se. No meio da floresta montanhosa, à noitinha, o escondido albergue do Barro, melhor do que o grande albergue-Woodstock de Pontevedra, é uma surpresa agradibilíssima. Um jantar quente à nossa espera, preparado por voluntários - um deles de cadeira de rodas que até já realizou o Caminho francês -, com heróis dos trilhos BTT que já tínhamos encontrado no Porriño e que vieram da costa alentejana e da Andaluzia, tortilla de batata e cebola, fanecas, carapaus, salada fresca, sem pratos para todos, comendo à vez a sopa cremosa de legumes. Banho aliviador que alivia momentaneamente a rusticidade peregrina (suor, sujidade e dor, no olvido do próprio corpo e dos seus limites), descanso entrecortado pela orquestração dos ressonos e alvorada pelas cinco de Espanha, que há que chegar de manhã a Santiago.
A temperatura baixou, os montes voltam, a descida esfria o peito e o vento gela a névoa nos braços peludos do antigamente. Em Padrón, sabemos que a segunda e jovem mulher de dom Camilo, o Cabezón de Iria Flavia, se casou com um médico e recordo «Yo, señor, no soy malo...». A estrada vai inclinando por plataformas, mas já se enfrenta o cume com olhos seguros e cadência mais certa. Finalmente, aparecem as torres da catedral, ao longe próximo do alcance do pedal. Uma última subidinha e lá desembocamos na praça do Obradoiro, alaranjada pelo sol e pejada de peregrinos espojados na calçada. Chegámos! Entrada na catedral - onde se acumulam velas e flores pela tragédia ferroviária de 24-7-2013. A devoção, um terço pejado de intenções e louvor, como talvez nunca. Fotos de orgulho tardo-juvenil a merecer indulgência, a descompressão de passos menos trôpegos e o resgate da Compostela, por «devotionis affectu vel voti causa». Um almoço esfolado, comboio de regresso a Vigo e recolha familiar (que, a partir de Vigo, o trem não transporta bicicletas!...).
Toda a peregrinação é interior: aos nossos pecados, aos nossos defeitos, aos nossos projetos. Mas nessa intimidade humilde encontramos o sentido da fraternidade humana, enformada pela Graça de Deus. O resultado desta penitência - e do treino da vontade -, é o sentimento justo de redenção espiritual. Santiago é grande!
Estimado amigo.
ResponderEliminarNotavel descrição que tamben serve pra sustentar um pedido: praa proxima, avisa, sff.
Abç.
Entretanto, o BPN, o BANIF, o Millennium e afins, vao levar a naçao ao fundo, com o apoio do Centrao dos negocios. Portugal ao fundo.
ResponderEliminarCOMEÇOU POR FALSIFICAR LICENCIATURAS DE INJINHARIA,CONTINUOU A FALSIFICAR CONTRATOS DE SWAP E AGORA PREPARA UM DOUTORAMENTO FALSIFICADO EM FILUSUFIA...QUANDO É QUE O BURLÃO BRIOCHEIRO PASSA A SER ARGUIDO DE VERDADE EM VERDADEIRA PRISÃO PREVENTIVA?
ResponderEliminarHÁ MUITOS ANOS QUE FALSIFICAM TUDO E MAIS ALGUMA COISA...AGORA DIZEM QUE PREJUDICA A IMAGEM DE PORTUGAL...MAIS DEPRESSA SE APANHAM OS MENTIROSOS XUXAS QUE UM PARAPLÉGICO.
ResponderEliminaro grande Vigarista Socrates diz que nao quer ser PR. se existissem portugueses o Vigarista ja tinha um Buica a sua espera.
ResponderEliminarRecomendo vivamente a crentes e não crentes. Fazer o caminho é um bálsamo para o espírito.
ResponderEliminarO texto está bem escrito, revejo-me.