quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O resgate do BES



Vivemos numa distopia, ao modo de «Blade Runner», de Ridley Scott. Portamo-nos como robôs, resignados com a nossa condição inferior. Mas só porque consentimos é que a bancocracia vigora. A bancocracia nem sequer é liberal - é antiliberal - muito menos da doutrina social da Igreja ou conservadora; e não há motivo nenhum para que a direita portuguesa ou a europeia se conformem com este jugo, que oprime os cidadãos, as empresas e as instituições.

O resgate do Banco Espírito Santo (BES) pelo Estado, comunicado pelo governador do Banco de Portugal (BdP) Carlos Costa em 3-8-2014, suscita quinze comentários:
  1. O resgate do BES, ainda que com banco bome banco mau, foi realizado de modo diferente do que se temia, ao procurar responsabilizar o sistema financeiro (bancos e financeiras) pelo colapso de um banco. Mas essa responsabilidade é supletiva: o Fundo de Resolução (financiado por impostos sobre os bancos é propriedade do Estado, ainda que exista para socorrer os bancos; quem manda é o Estado (Banco de Portugal); e o dinheiro é do Estado, ainda que do envelope emprestado pela União Europeia/FMI. Portanto, a diferença do valor de venda do novo BES (Novo Banco), limpo de dívidas extraordinárias, para os 4,9 mil milhões de euros (ou 3,9 mil milhões como se filtrou em 7-8-2014), terá de ser suportado pelos contribuintes, até que, ao fim de décadas, a contribuição para o dito Fundo de Resolução consiga amortizar a dívida que ficará pendente.
  2. Além dessa diferença entre os 4,9 mil milhões de injeção financeira do Estado no BES, resta saber o valor das indemnizações que serão determinadas a médio e longo prazo prazo para pagar a acionistas e obrigacionistas do BES (e até do GES).
  3. É um sofisma dizer, como a ministra das Finanças disse na SIC, em 3-8-2014, à noite, que o empréstimo que o Novo Banco vai pagar, 2,95% - ao valor que o Estado paga à UE/FMI - não tem risco. Ou os professores de Finanças do País e do estrangeiro têm de começar a ensinar diferente...
  4. Há ainda a dívida do Novo Banco (novo BES...) ao Banco Central Europeu no recurso à liquidez necessária para cobrir os levantamentos maciços, antes da intervenção estatal e mesmo depois. É difícil que os 4,9 mil milhões cheguem para tal, ao mesmo tempo que têm de manter-se como folga para cumprir os critérios de solvência do BCE.
  5. A manigância financeira, que provocou o colapso do BES/GES foi feita pela administração da parte da família Espírito Santo envolvida no banco e no grupo. 
  6. Mas só um tolo acredita que o Governo e o Banco de Portugal não sabiam, há muito, da situação financeira do BES e do GES (Grupo Espírito Santo), cujo rebentamento adiaram para depois do louvado final do programa de resgate financeiro do país, em maio de 2014. Ainda que não a soubessem em detalhe. Aliás, no domingo, 3-8-2014, no seu comunicado, o governador Carlos Costa admitiu que o BdP identificou «a ponta do problema» em «setembro de 2013»... Porque nnão comunicou Carlos Costa ao Ministério Público esses factos?!... E porque ainda não se demitiu, já que, depois do escândalo do falhanço no BPN, aconteceu a mesma negligência na supervisão?.. Se a investigação tivesse acesso aos dados telefónicos dos protagonistas iria certamente encontrar vários telefonemas semanais entre eles, fora encontros privados...
  7. Os acionistas parecem ter sido propositadamente enganados pelo Governo, pelo Banco de Portugal e pela CMVM, que fizeram declarações e atos que levaram os acionistas a crer que o banco estava sólido e por isso até acorreram ao aumento de capital. A mentira de Estado, ou a mentira das autoridades financeiras, é sempre uma mentira e nunca é justificável.
  8. Pelo menos a PT parece ter sido avisada de que esta intervenção no Estado ia suceder porque arrancou de lá os vultuosos depósitos que tinha (128 milhões de euros). Nos EUA não seria difícil investigar, se houve ou não, a inside information - em Portugal acha que a legislação, e a prática investigativa, não tornam isso viável. Além disso, falta legislação que puna procedimentos financeiros e de gestão lesivos dos acionistas, dos investidores, dos depositantes e do interesse público. E quando existe na lei o crime, a pena pode consistir não em prisão efetiva, mas em pena suspensa ou multa!...
  9. O reposicionamento é das tarefas de marketing mais difíceis: o cliente atual ou potencial lembra-se quese sempre da antiga marca, mais ainda quando eloa tem elevada notoriedade. Portanto, não é de uma para o outro que o público esquece as notícias e os clientes ignoram que o funcionário X ou Y lhe vendeu de títulos que agora nada valem. O êxodo silencioso dos depósitos e obrigações seniores dos clientes do BES (transferência para a CGD de cerca de duzentos milhões de euros, na segunda-feira, 4-8-2014, o dia seguinte à intervenção do Estado no BES) é um sinal disso, por mais histórias da carochinha que as autoridades financeiras e o Governo, mais a imprensa assalariada, nos contem.
  10. O caso do administrador financeiro do BES, João Moreira Rato, que veio do IGCP, denunciado no Wall Street Journal, de 4-8-2014,  é um exemplo do que o Novo BES tem de se livrar. Como é evidente não pode estar no Banco Novo quem andou mancomunado com a família Espírita Santo em operações do GES. João Moreira Rato deve demitir-se, ou ser demitido por Vítor Bento se não o fizer. De outra forma, o Novo Banco não se livra do pecado original, até na sua cúpula. Esta notícia, mais a ameaça de Paulo Baldaia, no DN, de 3-8-2014, parece ter sido um cheirinho apenas do que Ricardo Salgado pode fazer ao regime...
  11. Dificilmente acredito que o Governo, e até o Banco de Portugal, não soubessem da compra de cerca de 900 milhões de euros pela PT de obrigações do GES, já em período de pré-falência, que hoje, pouco ou nada valem. Tal como no caso do empréstimo do BdP de 100 milhões de euros à Rio Forte do GES, em maio de 2014, nas vésperas do aumento de capital do BES, não se crê que o BdP, e o Governo, não soubessem já da dimensão terrível das manigâncias financeiras do GES.
  12. Vários dos protagonistas desta história de descalabro financeiro não eram independentes de Ricardo Salgado, apelidado anonimamente de DDT (Dono Disto Tudo), ou de outros membros da famílai Espírito Santo envolvidos no BES e no GES. O GES/BES, e especialmente Ricardo Salgado, parece ter apadrinhado os partidos e fações no poder deste Governo PSD-CDS - tal como havia feito ainda de forma mais repugnante  com os governos Sócrates. A independência da ação das pessoas pode ser completa, mas não podem ignorar-se as circunstâncias, como o caso da ministra Maria Luís, cujo marido, António Albuquerque, que saíu do diário Económico da Ongoing, uma operação pessoal de Ricardo Salgado) no final de 2012, foi trabalhar poucos meses depois como consultor (!) para a EDP, do ricardino Mexia, que havia sido privatizada pela ministra uma consultoria que foi rescindida em 3-7-2014, na sequência da notícia da revista Visão. Vale sempre a máxima romana de que não seja verdade ou seja, também tem de não parecer. Mais ainda, a suavidade do governador, da ministra e do primeiro-ministro, que além da retórica, não consta que tenham passado aos atos, nomedamente queixas ao Ministério Público, contra Ricardo Salgado ou outros membros da família.
  13. Por fim, soubemos que embora possa acrescentar cerca de 2% ao défice do Estado em 2014, a injeção de capital de 4,9 mil milhões de euros do Fundo de Resolução no BES, tem apenas, segundo a ministra das Finanças disse em 4-8-2014, na SIC, «um impacto estatístico» (!...) e para efeitos das metas das con tas públicas que o Governo está obrigado face à União Europeia, «não conta»...
  14. A queda abrupta das ações da banca esta semana e muito especialmente do BCP, outro banco em dificuldades, é uma consequência da decisão governamental e da União Europeia dos dois bancos - um banco mau e um banco bom - de que os acionistas, do grande ao pequeno, ficam no banco mau, mas sem o património do banco anterior. Para além de o cheiro a sangue do sistema financeiro português ter atraído os tubarões shorters que parecem apostar noutro resgate...
  15. Finalmente, nesta bancocracia vergonhosa (de promiscuidade entre banqueiros e políticos) que esfola particulares, empresas e instituições em nome da diabólica prioridade aos bancos, verifica-se uma prova dos nove em que os bancos privados são resgatados, os seus prejuízos suportados pelos contribuintes (em custo e risco), mas para as famílias o resto é zero. Assim, o Estado não resgata a família que fica sem casa por não conseguir pagar a prestação, nem as empresas de todos os setores menos o bancário cujos dirigentes arriscam prisão se criarem uma Empresa Boa para a qual transfiram o património e deixarem na Empresa Má as dívidas e ónus. E, ao contrário da injeção de capital público no novo BES que «não conta» para as contas, os salários da função pública e as prestações sociais, esses contam para o défice e tem de ser reduzidos...

Dia a dia, vamos conhecendo o outro lado da lua, escondido prudentemente atrás da barragem mediática de louvor e de desculpa do Banco de Portugal e do Governo (até tu, José Gomes Ferreira?!...). Mas também não embarcamos nos contos das fadas dos padrinhos.


Limitação de responsabilidade (disclaimer): As entidades referidas nas notícias dos média, que comento, não são suspeitas ou arguidas do cometimento de qualquer ilegalidade ou irregularidade nestes casos, com excepção daqueles pelos quais estão indiciados. E mesmo quando arguidas gozam do direito à presunção de inocência até ao trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.

20 comentários:

  1. feito o diagnóstico
    qual seria a melhor terapêutica ?

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  2. A terapêutica que mais apetece é metralhadoras a cantar dia e noite durante umas semanas.

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  3. Homem, tenha juízo e vergonha! O país a enfrentar uma situação tão perigosa e você, armado em peixeira do Bolhão, vem outra vez com o Sócrates. Chiça que já fede tanta estupidez.

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  4. anónimo 7 de Agosto de 2014 às 19:21

    Antes de ler um novo post verifico se contém a palavra Sócrates ... deste modo não perco tempo, e passo logos aos comentários, pelo menos passo alguns momentos de diversão.

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  5. Operação Mãos Limpas7 de agosto de 2014 às 23:50

    Deve ser frustrante para a o gang que mais tem roubado e destruído o país nestes 40 anos de regime,depois de conseguir manipular a imprensa para branquear os crimes dos governos socialistas,verificar que neste blogue há memória dos factos e o autor não se deixa assustar ou corromper.

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  6. Com o porco Salgado irá inevitavelmente para a Pia o Pinto corrupto...são irmãos siameses !

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  7. Bem escrito e com equidistância ,parabéns.

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  8. Caro Professor
    São todos farinha do mesmo saco.
    Se o governo anterior foi o que foi este não é melhor. As pessoas só contam na altura das eleições. Depois apenas servem para pagar impostos e serem achincalhadas na praça pública. Deixei de acreditar.

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  9. O comentário do putativo candidato a PR da Direita dos negócios, Santana Flopes diz tudo: "o que estiveram lá a fazer os administradores, os directores e os auditores, que não viram os buracões de tal tamanho?"

    Nós já acreditámos que Flopes era ingénuo. Não é. Procura enganar. Então foi a Administração do BES, em colaboração com alguns directores, e com o faz de conta da auditora, que os mega-trambiques foram feitos.

    Esta gente que está no poder, que se diz de Direita, assim como o socialismo do Rato, só querem é tratar dos seus negócios. É a Direita dos negócios, que se está CAGANDO para Portugal.

    Para Passos/Portas/Cavaco que se fod... Portugal. Ou os portugueses percebem isso, ou tarde ou cedo vão ser os mendigos europeus.

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  10. Não há ali nenhuma direita.
    Santana é o homem que afirmou: "Santana Lopes: "Sócrates foi um primeiro-ministro com visão".
    O PS e o PSD ou mesmo o CDS são partidos do centro.As diferenças são aparentes e visam apenas as disputas de lugares.
    Ao fim de 40 anos parece impossível que haja quem ainda não enxergue isto.
    À esquerda destes partidos estão os facínoras que acham que podem implantar um modelo de sociedade utópico,na base do assassinato e da tortura.
    É este o quadro do regime tão celebrado a 25/4.

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  11. Foi o sócrates, foi o sócrates... malandro!

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  12. Não.Quem conduziu o país à bancarrota e à ruína foi a Branca de Neve.

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  13. À medida que mais e mais se vai conhecendo dos crimes praticados pelo Salgado e respectivos cúmplices mais e mais é incompreensível que nenhum deles esteja JÁ em prisão preventiva.Pior ainda do que os crimes será a impunidade em relação aos mesmos que já está a ser praticada. Os senhores magistrados não são capazes de perceber o escândalo e a indignação que os Portugueses sentem pelo facto da prisão preventiva não ter sido decretada?

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  14. Os senhores magistrados sabem que só obedecendo aos partidos do regime,podem receber ordenados milionários e mordomias.
    Estão-se nas tintas para as indignações de quem só elege corruptos e pedófilos.

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  15. O Regime é dirigido por Daniel Proença de Carvalho. Proença foi advogado de Champalimaud. É advogado de Ricardo Salgado, de Sócrates e de Eduardo dos Santos.

    O Regime que resultou do 25-A, montou um sistema de Leis que jamais fará cócegas aos poderosos. Os Deputados votam Leis que não incomodam os poderosos. Os Juízes e a PGR finge que actuam. Nada acontecerá à malta que deu o Grande Golpe no BES.

    O BES vai fazer parecer o BPN, uma brincadeira. Só para quem não se lembra, o BPN custou até agora 8 mil milhões de euros aos contribuintes.

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  16. Que se saiba, o lusitanso ainda não deu por qualquer traficância, pois a maltosa é todos ela séria e honesta. Para o ano lá estarão nas urnas parar eleger os mesmos de sempre!.... A bem da nação e dos lorpas.

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  17. O Mario Soares anda muito calado.

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  18. A Manela Guedes já deu a sentença ao caso BES: o Sócrates é o responsável
    Vamos agora aguardar o veredicto do CM que não será diferente do da Manela.
    E depois vamos ler aqui o resultado do julgamento popular do Dr ABC que, por certo, não será diferente dos anteriores.
    Tudo normal, portanto.

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