domingo, 13 de março de 2011

O limite do sacrifício: uma análise do discurso de posse de Cavaco Silva



discurso de tomada de posse do segundo mandato como Presidente da República do Prof. Aníbal Cavaco Silva, em 9-3-2011, constituíu justamente o início de uma nova fase na política nacional.

Por má vontade e má-fé, os discursos do Prof. Cavaco Silva, desde que se tornou Presidente da República, em 2005, passaram a ser consideradas como ofensivos ou inócuos, pelos políticos e opinadores de esquerda e de sectores da direita. Se antes, os opositores, à esquerda e à direita, do ministério de Santana Lopes, lhe louvavam as intervenções como certeiras e fulminantes, após a eleição passou a ser um considerado um adversário provinciano e excluído (remetido para o ostracismo dos muros de Belém, um procedimento clássico que também durava dez anos...), enquanto, pela sua modernidade e liderança, se rendiam loas e cantos ao «engenheiro José Sócrates» - título profissional de engenheiro, aliás, de que nunca abdicaram chamar-lhe, nem quando lhe descobri a careca, em 22 de Fevereiro de 2005. Não era a avaliação neutra de quem queria uma intervenção mais forte ou dura, naquela ou noutra ocasião, e se sentia desiludido com a «cooperação estratégica» com um primeiro-ministro, cujo carácter, objectivos vis e conduta ditatorial, já tinham sido suficientemente expostos: era o desprezo à esquerda e o colaboracionismo à direita com o socratismo, por táctica sistémica e necessidade de aparição mediática para o derrube da Dra. Manuela Ferreira Leite, como líder do PSD. As intervenções mais duras, como a sua comunicação, de 29-9-2009 sobre a conspiração socratina relativa à vigilância governamental (que um dia há-de ser contada em detalhe) causavam a reacção violenta da esquerda e acusações de loucura vindas dos identificados sectores colaboracionistas/sistémicos da direita (por pessoas que não podiam desconhecer que as denúncias teriam, com certeza, uma base factual consistente e extensa).

O discurso de tomada de posse é bastante rico em expressões que significam desígnios políticos para o País, para um mandato mais interventivo do que o anterior, sujeito à etapa da reeleição. Destaco:
  • «magistratura activa»
  • «discurso de verdade» (e «informação objectiva», «rigoroso», «transparência»)
  • «década perdida» (que justificou com indicadores económicos e factos)
  • «Portugal está hoje submetido a uma tenaz orçamental e financeira»
  • «melhorar a qualidade das políticas públicas»
  • «reformas estruturais» na despesa, na dimensão do Estado na economia e na administração pública, na fiscalidade, na selecção de sectores tradicionais e pequenas e médias empresas
  • «política humana»
  • «limites para os sacrifícios»
  • não a «grandes investimentos que não temos condições de financiar, que não contribuem para o crescimento da produtividade e que têm um efeito temporário e residual na criação de emprego» (isto é, TGV, grandes pontes e novas auto-estradas e vias rápidas)
  • «políticas activas de emprego»
  • «concertação social»
  • «sobressalto cívico» e «portugueses despertarem da letargia», «sociedade... adormecida»
  • «civismo de exigência»
  • «país real»
  • «república social e inclusiva»
  • «pesada herança, feita de dívidas (alusão às parcerias público-privadas)
  • «Jovens... façam ouvir a vossa voz»

Indo ainda mais longe, e aplicando a técnica de análise de conteúdo, regista-se no discurso a frequência das seguintes palavras:
  • Portugal - 24; portugueses (18), portuguesa (12), português (4)
  • Estado - 17
  • jovens - 16
  • economia - 16
  • emprego - 11 (e desemprego - 5)
  • vida - 14
  • todos - 13
  • social - 13
  • empresas - 12
  • futuro - 11
  • sociedade - 11
  • crescimento - 11
  • investimento - 11
  • família (e famílias) - 8

Portanto, quem queira tresler no discurso o neo-liberalismo para situar o Presidente na direita insensível ao drama económico dos portugueses, encontra um discurso social e a referência-matriz a uma «República social e inclusiva», com maior realce à palavra «Estado», ao emprego/desemprego ,com a recomendação de alargamento das «políticas activas de emprego» e à necessidade de reformas estruturais no Estado. E quem queira reduzi-lo ao catálogo do conservadorismo classista acha, afinal, a defesa de uma «política humana» (um conceito a desenvolver em próximas intervenções) , nota que a palavra «família/famílias» é a décima quarta da rol que acimo coligi, e surpreende-se com o apelo ao sobressalto cívico, a um civismo de exigência e à participação dos jovens na vida pública.

O choque socialista, e da esquerda, com o discurso do Presidente é que este constitui uma crítica directa e crua dos resultados do socratismo, de que a esquerda radical foi cúmplice nas políticas de investimento improdutivo e de despesismo do Estado, que conduziram o País à pré-ruína, obnibulado com a distracção das políticas de costumes. Mais, o Presidente sinaliza um limite ao sacrifício dos portugueses. Ou seja, Cavaco Silva disse que já basta.

Não faz sentido excluir o Chefe de Estado do conhecimento e do acordo nas decisões da governação, pois, para lá do que a Constituição obriga (por exemplo, a alínea c do n.º 1 do art. 201.º), ele intervém sobre essas decisões governamentais e do parlamento com a sua competência de promulgação e de remissão para o Tribunal Constitucional de normas controversas ou das quais discorde (art. 134.º alíneas b, g e h). Aliás, segundo a Constituição da República Portuguesa (CRP), o Presidente que «garante a independência nacional» (art. 120.º da CRP) e compete-lhe «pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da República (art.º 134.º alínea e), como é, sem dúvida, esta.

Foi o primeiro-ministro José Sócrates que impôs ao Estado uma deriva ditatorial e persecutória que transformaria o País num Estado autoritário, se não existisse a integração na União Europeia. Não foi o discurso do Presidente que provocou a crise institucional: a crise tinha a data marcada da reeelição, pois Sócrates desencadearia a mãe de todas as batalhas, antes de qualquer ataque que lhe provocasse o fim do poder. Foi o delírio de um primeiro-ministro que resolveu iludir o Estado de direito e a divisão dos poderes com a aplicação de um novo regime político de desprezo pelo Presidente da República e pelo Parlamento (e pelos parceiros sociais), contrário ao modelo constitucional. Novo regime que pretende sublimar com a aprovação de um novo pacote de austeridade, negociado com a União Europeia em nome do Estado que não representa sózinho, sem fazer passar esse compromisso no Parlamento e tentando contornar as competências do Presidente da República (virão aí portarias em vez de decretos-lei?...).

O Presidente da República tem inteira razão: há um limite para o nosso sacrifício. Esse limite foi agora violado e justifica uma sanção inapelável. A sanção deve ser aplicada pelos partidos, após o pedido de empréstimo às pinguinhas ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira - «no contexto de um programa de estrita condicionalidade» que, segundo a chanceler Merkel, «não fará grande diferença» do pacote do grande empréstimo - e imediatamente após a apresentação do programa de austeridade detalhado no Parlamento.

6 comentários:

  1. O PRESIDENTE DEVE REDUZIR O NIVEL DOS CONTACTOS ENTRE A PRESIDÊNCIA E O PRIMEIRO MINISTRO AO MINIMO DOS MINIMOS.CONTACTOS EXCLUSIVAMENTE AO NIVEL DE CHEFES DE GABINETE E PÔR TERMO AOS ENCONTROS SEMANAIS COM UM VIGARISTA QUE LHE MENTE ,DISSIMULA E ENGANA.O CONSELHO DE ESTADO DEVE SER CONVOCADO PARA CONDENAR O COMPORTAMENTO DO PRIMEIRO MINISTRO E UMA MENSAGEM ENVIADA AO PARLAMENTO ACERCA DA AFRONTA DE QUE FOI OBJECTO.O PRÓPRIO PARLAMENTO IGUALMENTE ULTRAJADO TEM A ESTRITA OBRIGAÇÃO DE CONDENAR O ULTRAJE QUE O PRIMEIRO MINISTRO LHE FEZ.

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  2. http://www.youtube.com/watch?v=rUFXFpqALYw

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  3. sempre quero ver os sacrificios do PSD ..

    estaremos todos aqui para ver

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  4. Se houver crise política, ficou muito claro nas declarações de Pedro Passos Coelho el será da exclusiva responsabilidade do governo, nomeadamente do "Coronel "
    Quando se tomam medidas erradas, uma crise política está sempre em cima da mesa.
    E o Governo está a fazer tudor para que tal aconteça e depois o "CHEFÃO", vitimizar-se.
    Diga lá porque razão procura resolver a crise na qual tem imensas culpas, por exemplo a de ter acordado tarde e a más horas para o problema, essencialmente à custa dos funcionários públicos e dos pensionistas, nem que estas tenham uam reforma de 200 euros "?
    Nem um único reformado deixa de ser penalizado !
    E, entretanto, mantêm-se as mordomias habituais, os institutos públicos, as fundações, as assessorias, os contratos com grandes escitórios de adovogados e a atribuição de cargos a amigos e dissidentes de outros partidos, como José Miguel Júdice !
    Todos sabem que os sacrifícios são necessários, só que as as medidas tomadas para combater a crise não são as mais adequadas !
    A contestação é inevitável e temo bem que o PS, como agora ficou isolado seja capaz de a enfrentar !

    http://aeiou.expresso.pt/pec-passos-coelho-diz-nao-saber-se-vai-haver-crise-politica-e-que-governo-tem-escolhas-para-fazer=f637229

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  5. Parece que o Dr. Júdice foi nomeado representant de Portugal num organismos internacional.

    Cavaco não tem cadeiras para dar...ao contrário do pilho.

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  6. Tem toda a razão: até eu fico baralhado quando toda a gente que fala desse indivíduo, comentadores e altas figuras da política, lhe reconhecem o título universitário tratando-o por "engenheiro". Será por seguimento da teoria de Goebels de que uma mentira proferida muitas vezes para a ser verdade? Tenho filhos e netos com cursos superiores, por sinal um deles com o dito curso, mas todos cumpriram e amargaram 5 anos para os conseguir tirar. E então como é que um vigarista deste jaez pode andar por aí de cabeça erguida?

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