domingo, 11 de abril de 2010

Ainda sobre a pedofilia na Igreja

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Ainda um post sobre a pedofilia na Igreja.

As últimas notícias publicadas na imprensa - Worries about Calif. priest came early in career, AP, 9-4-2010; Text of 1985 letter from future Pope Benedict, 9-4-2010 (fac-simile da carta, em latim, de 6-11-1985); Dagli Usa nuove accuse a Ratzinger - "Non rimosse un prete pedofilo", Repubblica, 9-4-2010; Bispo norueguês afirma que recebeu muitas informações sobre novos casos, Sol, 9-4-2010; e Times chiama in causa il primate d'Inghilterra - "Ha protetto un sacerdote pedofilo", Repubblica, 10-4-2010 - reforçam a minha convicção, expressa no poste duro que escrevi aqui em 2-4-2009, e em comentários, sobre os erros da Igreja no silêncio face aos abusos sexuais de crianças e na fraqueza na prevenção e repressão desses abusos (nomeadamente, a transferência de abusadores confirmados para outras paróquias e funções) e confirmam a necessidade de erguer uma nova política interna face à pedofilia, para a qual sugeri algumas medidas.

Não adianta - nada! - insistir que a política e a prática da Igreja era outra. A Igreja faz bem em pedir novamente desculpa às crianças vítimas dos abusos e ajudá-las na reparação do mal causado pelos seus ministros e colaboradores. A reputação e a imagem da Igreja - e até a defesa dos pares, padres - são melhor defendidas com a comunicação imediata às autoridades civis acerca dos abusos comunicados do que com o encobrimento dos factos, a expiação interna (abusadores tendem sempre a incorrer em novos abusos)  e a jurisdição canónica. A política e a prática da Igreja no tratamento deste assunto, nos diversos níveis de intervenção (paroquial, diocesano, conferência episcopal e Santa Sé), salvaguardadas excepções que também existiram, estava errada e deve mudar.

Neste blogue, não omito informação (guio-me por um critério científico, mais exigente do que aquele que é praticado no jornalismo), procuro as fontes originais, sirvo a verdade, esforço-me por destrinçar os factos dos boatos, trabalho com o máximo rigor que me é possível. E  não pratico a indignação selectiva. Não creio em qualquer cumplicidade do papa Bento XVI, nem agora, nem no passado, com os abusos, nem de João Paulo II. Como exemplo, note-se que até 2001, como é recordado na Repubblica, de 9-4-2010, a Santa Sé não tinha competência para os casos de pedofilia se não implicassem a «solicitação» no confessionário e a Congregação para a Doutrina da Fé não tinha competência na época da carta. Embora, repito, pelos motivos que apontei, o tratamento usual dos casos de abuso não era adequado.

À excepção de alguns tarados identificados, e que atingiram até o episcopado ou ordens religiosas (lembro o caso horrível do padre Marcial Maciel), não creio que os seus dirigentes, nomeadamente os máximos dirigentes da Cúria Romana fossem cúmplices nos abusos. E, como disse no poste referido, não pode aceitar-se a confusão entre a prática dos abusos e o seu silenciamento ou cumplicidade, com sugestão de participação nos abusos, coisa que tenho visto ultimamente na imprensa dominante e nos meios adversos à Igreja. É curiosa a sugestão, em certos meios portugueses adversos à Igreja, de inextricabilidade entre a pedofilia e a Igreja, numa insinuação desta como pecado original da Igreja - citam-se até as escrituras, com o versículo «Deixai vir a mim as criancinhas» (Lucas 18:16) - a propósito desta segunda onda de notícias, de 2009-2010 (a primeira foi em 2002) em vergonhoso contraste com as denúncias, testemunhos e factos sobre pedofilia de Estado (abusos e não apenas encobrimento!) no caso Casa Pia. Não há abusadores bons.

Repito o que propus: aprovação de um código de comportamento que garanta a prevenção de abusos sexuais sobre crianças (o Vaticano vai publicar um guia para explicar como são tratadas as denúncias de abusos sexuais sobre crianças - note-se que, a partir de 2001, a Congregação para a Doutrina da Fé é competente para tratar os casos de abusos); em caso de abusos na Igreja, por clérigos ou colaboradores, todos os os abusos devem ser denunciados, investigados, perseguidos, julgados e punidos pela justiça civil; proibição imediata de contacto com crianças e adolescentes até à conclusão do processo; suspensão imediata de funções quando se apurarem indícios fortes da prática dos crimes denunciados (em vez da transferência de paróquia); investigação interna extensa; punição interna após condenação em processo canónico, além de serem assumidos os efeitos internos dos processos civis, redução ao estado laical - e ainda, acrescento, registo interno dos abusadores para que sejam proibidos de participar em actividades institucionais com crianças, adolescentes e jovens.

Por último, o juízo legítimo sobre a oportunidade e o alvo das revelações não pode menorizar a necessidade de responder às notícias e acusações, nem fazer perder o bom senso, muito menos adiar a execução e publicidade da mudança de política e prática. É evidente que  que o Papa Bento XVI é o alvo - tal como a espinha da memória de João Paulo II, que é mais difícil de fustigar, dada a sua aura de santidade - e que a oportunidade da recuperação de notícias velhas, bem como de novas revelações, se conjuga numa campanha contra o seu papado e no conflito cultural entre secularismo (mais violento nos vencidos do marxismo e mais insidioso na paleo/neo-maçonaria) e a Igreja. Um conflito entre posições tão opostas no campo moral que não pode ser resolvido por qualquer aggiornamento da Igreja: não é possível eleger-se um Papa que tenha uma posição favorável ao aborto, à poligamia sucessiva, à eutanásia, à exploração económica desumana, que, enquanto distorcesse a doutrina para lá de qualquer coerência doutrinária, satisfizesse plenamente os fundamentalistas liberais. Mas que será, creio, distendido com uma inevitável aproximação secular à moral religiosa. Mas a forma - a falácia, o grão de verdade, a opinião distorcida dos factos, a insinuação e outros enviesamentos cognitivos - nunca afecta a validade da substância, nem sequer a desonestidade intelectual de adversários diminui a validade dos factos. Um desses factos é que o Bento XVI é o Papa que mais tem pugnado pela mudança da política e da prática da Igreja face aos abusos sexuais de crianças.


Pós-Texto (14:11 de 11-4-2010): O comentador SDC indica um estudo de Francisco Faure, publicado no blogue Logos, em 8-4-2010, com revisão e interpretação histórica sobre os abusos, nomeadamente na situação dos EUA: «A pedofilia é um problema da Igreja?». Como disse aqui em 2-4-2010, segundo os estudos que li e as fontes consultadas, a incidência da pedofilia na Igreja é menor do que na sociedade e também é referido que será menor do que noutras igrejas. Mas esse facto não diminui a responsabilidade pelos abusos. O crime do abuso é ainda mais terrível na Igreja, pois atenta contra uma moral que prega a pedofilia como o pior dos crimes. Não pode haver a mais pequena dúvida sobre a condenação dos abusos, a denúncia às autoridades civis e a prevenção e repressão dos abusos.

Assim, o trabalho que se tem feito, nomeadamente nos EUA, desde 1985, de romper a cortina de silêncio e de maior prevenção e repressão de abusos deve ser desenvolvido, alargado e aprofundado, para uma mudança global efectiva de política e de prática. Repito o que escrevi aqui na Sexta-Feira Santa de 2010:
  1. «A política do silêncio face aos abusos sexuais de crianças é inadmissível.
  2. Qualquer censura das vítimas e condescendência interna com os alegados abusadores é desumana;
  3. A denúncia de alegados abusos às autoridades civis tem de passar a ser obrigatória para que seja investigados, despistados e perseguidos.
  4. A transferência dos abusadores denunciados para outra paróquia, no país ou no estrangeiro, é inadmissível.
  5. Não se pode assimilar a pedofilia, e efebofilia, à homossexualidade, ainda que, entre os padres, segundo estudo sobre a situação dos EUA, a grande maioria dos abusadores seja homossexual, desvalorizando a sua gravidade moral e criminal ou, até, julgando-a, insensatamente, de forma mais suave do que o relacionamento de um padre com uma mulher adulta.
  6. A Igreja tem de purgar-se dos padres, religiosos e colaboradores no apostolado (por exemplo, catequistas e funcionários de colégios e lares), denunciados como pedófilos e sobre os quais existam indícios de abusos.
  7. A Igreja deve resolver sem demora a promiscuidade e encobrimento da pedofilia referida em certas instituições, por reforma ou dissolução, como é o caso flagrante da Legião de Cristo (do padre Marcial Maciel Degollado), cujos membros não tem culpa dos pecados do fundador, mas cuja notoriedade não pode ser apagada.»


* Imagem picada daqui.

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