quarta-feira, 3 de julho de 2019

«Política em Portugal: como fazer?» - conferência no Senado, 19-6-2019




Publico abaixo o texto da conferência que proferi no Senado (organização de jovens para formação cívica e política), em Lisboa, no dia 19-6-2019.


«Política em Portugal: como fazer?»

António Balbino Caldeira
Conferência no Senado
Lisboa, 19-6-2019

1.    Exórdio.
2.    Como fazer política em Portugal?
2.1. Introdução: a política e a democracia
2.2. Análise.
2.2.1.                 Conjuntura internacional
2.2.2.                 Conjuntura nacional.
2.3. Ação: cultural e direta
2.3.1.                 Valores: fé, vida, dignidade, liberdade, democracia.
2.3.2.                 Forças
2.3.3.                 Alvos
2.3.3.1.     Adversários
2.3.3.2.     Gerações
2.3.4.                 Meios
2.3.5.                 Estratégia
3.    Conclusão


1. Exórdio

«Nescitis quid petatis (Mt, 20: 22).

(...) Se servistes à pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, ela o que costuma. Mas que paga maior para um coração honrado que ter feito o que devia? Quando fizestes o que devíeis, então vos pagastes.
»


Agradeço aos membros do Senado o convite para esta conferência e a paciência de me escutarem.


2. Como fazer política em Portugal?

Divido a minha exposição em três pontos: um capítulo introdutório sobre a política; um capítulo de análise da conjuntura internacional e da conjuntura nacional; e um capítulo sobre a ação, subordinada aos nossos valores, sujeita às nossas forças, concentrada nos alvos (adversários e ao povo, com as suas diversas gerações), exercida pelos meios mobilizáveis e seguindo uma estratégia consequente.


2.1. Introdução: a política e a democracia

Política pode definir-se como coisa pública, os assuntos da polis (cidade, estado), mantendo a interpretação de Aristóteles[1]. O filósofo grego compara o político ao artesão: o político dedicado, como o artesão, a aperfeiçoar a cidade e a conceber e aplicar as suas leis.

A intervenção política da pessoa, homem e mulher, qualquer que seja a sua religião ou filosofia de vida, na sociedade em que vive é um direito e um dever. A sociedade é a sua família alargada, um prolongamento natural de si próprio.

Intervir na política é um direito. O homem tem o direito de intervir na política.

O homem, ser religioso até quando não crê, não pode um cidadão de segunda classe por causa da sua crença. Como lembrou São Paulo, na sua Carta aos Gálatas (3, 28): «Em Cristo, não há grego nem judeu, nem escravo nem homem livre». Portanto, ninguém deve aceitar um estatuto menor por causa da sua origem ou fé.

O homem religioso é empurrado para o canto sombrio das capelas, o único sítio, além da casa de família, onde consideram legítimo que afirme a sua fé. Recusa-se ao cristão, e aos demais crentes, ou crentes em filosofias de vida diferentes do totalitarismo politicamente correto, o direito de intervir, como tal, na política, na sociedade, na cultura e na economia. No caso dos cristãos, a base paradoxal deste frontão totalitário é a máxima bíblica de dar «a César o que é de César e a Deus o que de Deus» (Mateus 22, 21), interpretada no sentido de que os cristãos não devem imiscuir-se nas questões temporais, antes devem reduzir-se à clandestinidade das igrejas. A proposta verdadeiramente humana de Cristo, na exortação do que o homem tem de sublime e na compreensão do que o homem tem de pecado, é menosprezada como crença obsoleta, repressiva e anticivilizacional, em vez de salvífica, libertadora e fundadora da civilização em que vivem.

Mediante uma intensa campanha de agit-prop, violenta e sem grande oposição, o totalitarismo do politicamente correto pretende varrer os valores cristãos e o ostracismo dos católicos – e dos sinais de Cristo - do espaço público da rua, dos estabelecimentos públicos e privados (escolas, hospitais, prisões, etc.) e dos media. E persegue o conservadorismo da Igreja Católica, e as posições dos clérigos e dos leigos que assomem com desassombro à janela dos meios de comunicação social.

O mundo está agora dominado pelo politicamente correto da pós-modernidade. Uma teoria da qual, Nietzsche, autor confesso de mais uma tentativa funesta da morte de Deus, foi predecessor: «Não há factos, só interpretações»[2]. Esta é uma forma de pensamento que degenera no totalitarismo. Valoriza a pluralidade, mas nega o proselitismo religioso. Defende a relatividade das posições, as quais recusa como tendo sido conquistadas através da determinação da linguagem e da força das relações de poder, mas impõe uma ditadura cultural desse mesmo relativismo absoluto e inquestionável. Em rigor, os relativistas morais entendem que verdade subjetiva é só a dos outros, pois querem que a sua, também moldada pelas circunstâncias de tempo e de lugar, seja a única possível e, então, objetiva – mesmo se enviesada e torcida face à realidade efetiva das coisas e dos homens.

Nessa linha, definem como normal que as relações humanas e as instituições se tornem inconsistentes, instáveis e fluidas, na «modernidade líquida», cunhada pelo neogramsciano filósofo polaco Zygmunt Bauman[3]. Segundo esta teoria filosófica, para terem sucesso num ambiente de turbulência e incerteza as pessoas devem adaptar e fragmentar as suas vidas, relações e instituições, aos novos conceitos e valores, ao contrário de permanecerem fiéis às suas crenças e compromissos. Não é que valores, instituições, se tenham indesejadamente diluído, mass que devem ser líquidos, fluidos. No campo da orientação «política», precisamente em Venezia, em 8 de Maio de 2011, na basílica de Santa Maria della Salute, num «Encontro com o Mundo da Cultura e da Economia»[4], o Papa Bento XVI denunciou esta tentação do homem se diluir na «cidade “líquida”, pátria de uma cultura que parece ser cada vez mais a do relativismo e do efémero», em vez de escolher a cidade da Vida.

A intervenção do homem na política é um dever. A intervenção do homem na sociedade é também um dever.

No seu coração, na sua alma, na sua mente, o cristão continua hoje a sentir a resposta eterna à questão de consciência - «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?»: «Amarás ao Senhor, teu Deus. (…) O segundo é semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.» (Mateus 22, 36-39). A felicidade não se alcança assim no hedonismo, na satisfação pessoal, pois completa-se no amor aos outros, no serviço dos outros.

Mas essa verdade inscrita no coração dos homens, e sentida particularmente pelos cristãos, da supremacia de Deus e do serviço ao próximo – portanto, de intervenção na polis –, tende também a ser negligenciada pelo conforto da inércia e da preservação da imagem externa. Isto é, atacado, sem decoro, pelos media e confrontado com os berros da opinião politicamente correta da vanguarda militante ateia, num tempo em que o conforto é prioritário, o homem tende a encolher-se na sua fé secreta, a envergonhar-se de a expor. E assim se protege da crítica e do insulto. Deste modo, também o homem religioso consente, por omissão, o menosprezo com que o tratam. E, justificando-se no martírio e no perdão, julga até cómoda a sua perda de direitos sociais, a sua anomia política, a sua clandestinidade cívica.

Ao invés desta posição de conforto e vergonha, o homem tem o dever de intervir na sociedade e na política.

Desde logo, na Carta Encíclica Rerum Novarum[5], que reclamava protecção para a «dignidade do homem», o Papa Leão XIII, em 1891, com actualidade surpreendente, pois supunha-se que fosse coisa já velha e assente, clamava que «o Governo é para os governados e não vice-versa».

E já em 1931, na Encíclica Quadragesimo Anno[6], Pio XI reconhecia que o mundo estava «quase recaído no paganismo» e que era necessária a colaboração dos leigos para o «reconduzir a Cristo».

Como recomenda o Papa Bento XVI, na Encíclica Deus Caritas Est[7], «o dever imediato de trabalhar por uma ordem justa na sociedade é próprio dos fiéis leigos». Esse trabalho deve ser realizado de acordo com a doutrina social da Igreja. Mas esta, como acentuou o Papa João Paulo II na Encíclica Solicittudo Rei Socialis, [8]retirando a Igreja do combate político partidário e da sua identificação redutora com os partidos democratas cristãos, não é uma ideologia, mas uma categoria para orientar a conduta do cristão na vida social e política.

«A doutrina social da Igreja não é uma «terceira via» entre capitalismo liberalista e colectivismo marxista, nem sequer uma possível alternativa a outras soluções menos radicalmente contrapostas: ela constitui por si mesma uma categoria. Não é tampouco uma ideologia, mas a formulação acurada dos resultados de uma reflexão atenta sobre as complexas realidades da existência do homem, na sociedade e no contexto internacional, à luz da fé e da tradição eclesial. A sua finalidade principal é interpretar estas realidades, examinando a sua conformidade ou desconformidade com as linhas do ensinamento do Evangelho sobre o homem e sobre a sua vocação terrena e ao mesmo tempo transcendente; visa, pois, orientar o comportamento cristão. Ela pertence, por conseguinte, não ao dominio da ideologia, mas da teologia e especialmente da teologia moral.»

Doutrina social da Igreja que o Papa Bento XVI define na encíclica Caritas in Veritate[9], de 2009, como «proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade».

Na exortação apostólica Evangelii Gaudium[10], de 2013, o Papa Francisco alertava para «o processo de secularização» que «tende a reduzir a fé e a Igreja ao âmbito privado e íntimo» e para «um aumento progressivo do relativismo», fatores que provocam uma «desorientação generalizada». Uma desorientação que corre o risco de agravar-se com o doloroso debate interno.

Na encíclica Laudato Si’[11], “sobre o cuidado da casa comum”, o Papa Francisco condena o que designa por «relativismo prático», no qual «tudo o que não serve os próprios interesses imediatos se torna irrelevante».

A intervenção do homem na vida pública é condição inalienável da cidadania, de membro do Estado. Essa intervenção política é o corolário da sua dignidade. Dignidade é uma palavra que deriva[12] do latim “dignitas” com o sentido português de valia, mérito. Significa o valor da pessoa porque toda a pessoa tem valor, tem dignidade. Ora, essa expressão de consideração pessoal, que integra o conceito de dignidade, é atribuída, por natureza e direito divino, a qualquer elemento do género humano e é condição de existência e de respeito moral. A dignidade é uma condição pessoal. Sem dignidade, o homem não é.

A dignidade não é apenas uma condição pessoal, do indivíduo, mas também uma condição social. Isto é, a dignidade impõe a assunção moral do indivíduo, como o respeito social. Todo o homem tem uma condição intrínseca de dignidade que o faz merecer o respeito dos outros. Esse respeito dos outros atribui ao indivíduo direitos e obrigações comunitárias.

Por aí se chega à democracia. A evolução social da humanidade subiu a soberania do povo, a democracia – palavra[13] que tem origem no grego “demokratia”, dedemos“ (pessoas simples) +n “kratos“ (governo, força) -, à melhor forma de governo. Mas a versão de democracia em vigor é a democracia representativa.

 A sociedade, nos órgãos políticos que ergue com o acordo dos cidadãos, consente na representação através de eleitos, representantes da sua vontade. A liberdade forma essa eleição e a chefia faz-se na base do consentimento.

Portanto, a dignidade humana exige a possibilidade do sufrágio livre e o cumprimento pelos seus representantes do acordo que suportou a sua eleição.

A dignidade humana exige o sufrágio livre, pois reclama a devolução pelos escalões intermédios e de direção dos partidos do poder de candidatura livre aos órgãos partidários e do Estado em vez da nomeação, ou eleição limitada a uma lista única ou curta dos candidatos por estruturas de direção locais, regionais e nacionais.

A dignidade humana exige o cumprimento do acordo entre eleitos e eleitores que esteve na origem da eleição. A eleição dos representantes é feita no compromisso, solene através do sufrágio, de realização das promessas que levaram ao voto dos eleitores. O povo vota para a realização desta e daquela decisão, e não doutra ou daqueloutra. A violação do compromisso eleitoral de realização de decisões, não pode ser resolvida na próxima eleição, pois concerne ao mandato anterior. É tarde.

Mas não é só conteúdo do contrato de eleição que importa respeitar, mas também a forma de exercício do cargo que tem de se conformar com as regras que a sociedade institui nas constituições políticas e nas leis. Já recomendava o Papa Leão XIII: “Façam os governantes uso da autoridade protetora das leis e das instituições”[14]. A corrupção, não só da vontade dos eleitores desrespeitada após a eleição, com a comum desculpa da alteração das circunstâncias ou desconhecimento da situação real do poder, mas também do exercício do poder com o abuso do cargo para obtenção de vantagens particulares, constitui uma usurpação dos mandatos e deve ser resolvida de modo eficaz. Não tem sido.

Porém, a democracia representativa não é a única forma de democracia possível. Na democracia representativa, os cidadãos consentem no exercício da representação da vontade popular, através de eleições. O problema é que a democracia representativa tem degenerado para um sistema corrupto em que os representantes já não executam a vontade do povo que os elegeu. Nem sequer seguem a sua própria consciência, violando a interpretação da democracia indicada por Edmund Burke, no célebre discurso aos eleitores de Bristol, em 1774[15]. Nem a divisão de poderes nem o primado do direito, essenciais àquele modelo, funcionam. Portanto, é necessário reformar a democracia representativa com a adoção de aperfeiçoamentos de participação, escolha e escrutínio.

A dignidade humana requer uma forma de democracia que resolva os problemas da democracia representativa: a democracia direta. É este o sistema político que proponho para resolver o sequestro da democracia representativa.

Não se trata de chegar à utopia da democracia direta absoluta, mas de corrigir a corrupção da representação. Contudo, mais importante, aqui, do que fundamentar e teorizar sobre a democracia direta, que não é o objeto deste texto e que tratei de forma mais detalhada noutro lugar, é a apresentação das medidas de democracia direta que podemos introduzir na reforma da democracia representativa.

Defendo, há década e meia, a democracia direta como o modelo de funcionamento do sistema político para a maior integração dos cidadãos na vida política e o escrutínio da representação dos eleitos e nomeados, através das seguintes propostas:
  1. Eleições primárias para todos os cargos eletivos do Estado e das autarquias e para todos os órgãos nacionais, distritais e locais, do Partido;
  2. Separação efetiva dos poderes executivo, legislativo e judicial, autogoverno da magistratura judicial e do Ministério Público, através de conselhos superiores sem representantes de nomeação política e controlo legal dos serviços de informação do Governo;
  3. Liberdade de apresentação de candidaturas independentes a todos os órgãos políticos nacionais e autárquicos;
  4. Sistema eleitoral misto nas eleições para a Assembleia da República, circunscrições de eleição uninominal, compensado com um círculo eleitoral nacional para representação parlamentar de tendências minoritárias;
  5. Escrutínio prévio obrigatório dos candidatos a nomeação através de audiência parlamentar pública e prestação de contas aos eleitores, responsabilização pessoal dos eleitos, convocação popular de eleitos (recall), suspensão do mandato para titulares de cargos políticos acusados de crimes de relevo e supressão da imunidade política por factos estranhos ao mandato;
  6. Facilitação do direito de iniciativa popular de apresentação de propostas legislativas sobre quaisquer matérias e de apresentação de propostas ao nível autárquico, e o aproveitamento de actos eleitorais para consultas populares;
  7. Financiamento partidário e eleitoral transparente;
  8. Registo de interesses dos candidatos a cargos de nomeação política, partidários, altos cargos da administração pública e magistrados (nomeadamente, a sua pertença a organizações secretas ou discretas), além da declaração patrimonial e de rendimentos;
  9. Liberalização do direito de expressão, informação e opinião, através da revisão do Código Penal e Código de Processo Penal, eliminação da ERC e atribuição das suas competências executivas aos tribunais, proibição de detenção do controlo, direto e indireto, pelo Estado de dos media e transformação da RTP num canal neutro de serviço público;
  10. Transparência das contas e estatísticas do Estado e da administração regional e local, com responsabilização dos dirigentes e funcionários por falsificação e omissões.

É, portanto, neste mundo, sujeitos a esse totalitarismo cultural e político e guiados pela luz da fé e a força da razão, que se impõe o combate justo, baseado na livre e ativa participação dos cidadãos, com as regras de jogo da democracia direta. «Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça…».


2.2. Análise

Depois as questões introdutórias da política e da democracia, e da proposta da democracia direta para solução do sistema político degenerado, é hora de analisar brevemente a conjuntura internacional e a conjuntura nacional. Primeiro, a conjuntura internacional que é decisiva sobre a situação e evolução do País.


2.2.1. A conjuntura internacional

A conjuntura internacional sobreleva sobre a conjuntura nacional. Portugal é um médio estado europeu, evanescido há menos de um século o sonho do império, com fracos recursos endógenos (minerais, agrícolas, industriais, educativos) e tradição de dependência económica e financeira, batido pelas vagas ideológicas externas e assolado pelos ventos frios ou escaldantes da história - fora o seco suão que vem de Espanha. Abrigado agora na União Europeia, vetor que sempre lhe limitou o poder que alcançou na projeção extracontinental política, religiosa, económica, comercial e demográfica.

Na conjuntura internacional, realço os fatores seguintes:
  • reativação do marxismo, travestido com as roupas novas do totalitarismo pós-moderno relativista politicamente correto;
  • adesão incondicional dos partidos sistémicos dos países do ocidentais e do hemisfério norte e da Oceânia ao socialismo bancocrático;
  • controlo político dos cidadãos através do acesso dos serviços de informação governamentais aos metadados dos cidadãos e organizações e da censura (evidente ou sombria) das redes sociais (Facebook, Twitter, Google, etc.);
  • reativação do confronto leste-oeste, com políticas externas agressivas da Rússia (político-militar) e China (económica e financeira), de um lado, e os EUA, do outro, com a Europa a ver passar navios, e a África como fonte de matérias-primas e de novos escravos (os imigrantes sem bens nem formação);
  • radicalização religiosa do Maghreb e Turquia e confronto intra-Islão no Médio Oriente (sunitas-xiitas);
  • défice do Estado e peso asfixivo da dívida pública;
  • sacrifício das novas gerações para assegurar pensões douradas, desemprego crónico e subsidio-dependência;
  • oposição à imigração, seja ilegal, seja legal, nos EUA, na Europa, na Oceânia;
  • revolta das populações rurais contra o Estado que beneficia as cidades grandes e empobrece o interior (França, Reino Unido, EUA);
  • racismo e xenofobia, derivados das vagas maciças de imigrantes;
  • crescimento dos ritos protestantes, com realce para os evangélicos, na América do Sul e na África, em detrimento do catolicismo;
  • crescimento demográfico da África e estagnação demográfica da Europa e EUA, resolvida com recurso à imigração;
  • tendência para a desagregação europeia por causa da política de imigração de portas abertas aos ‘refugiados’ económicos e sua assistência preferencial face aos nacionais de classe baixa e média;
  • tensão política entre as duas Espanhas, que lamentava Antonio Machado[16], provocada pelos nacionalismos catalão e basco e com reação nacionalista da Espanha profunda, com ligação ao confronto entre anarquismo e socialismo contra o conservadorismo tradicional.

2.2.2. A conjuntura nacional

A conjuntura nacional é muito mais influenciada pela conjuntura internacional do que se julga. Quem repouse na presumida inexistência dos gatilhos da criminalidade e da imigração, engana-se. A reação das classes baixa e média, trabalhadora, sobrecarregada com impostos e auferindo salários baixos, contra benefícios de minorias étnicas (nomeadamente, os ciganos e africanos) desencadeia o racismo e a xenofobia. Por outro lado, a insegurança provocada pela impunidade da criminalidade assusta os bairros urbanos e as comunidades locais.

Na conjuntura nacional, destaco os seguintes fatores:
  • a corrupção de Estado;
  • o poder oculto da maçonaria que funciona como última instância de controlo do Estado e que sem alargado á província controlando também as autarquias;
  • imprensa enviesada à esquerda;
  • instituições da sociedade civil amedrontadas pelo poder socialista;
  • controlo dos partidos da esquerda à direita pela corrupção e lóbis (entre os quais, o lóbi homossexual);
  • operação dos serviços de informação que controlam ambiente político através do acesso (agora legal!...) aos metadados dos cidadãos e organizações, substituindo os processos ostensivos anteriores de vigilância, intrusão e ameaça;
  • preferência do povo pelo socialismo;
  • a política de institucionalização da preguiça e da subsidio-dependência;
  • um modelo educativo ideológico da esquerda radical, de nivelamento pela mediocridade;
  • a desigualdade da justiça com garantismo
  • a dificuldade e desigualdade no acesso ao sistema de saúde;
  • a permissividade penal e operacional face ao crime;
  • carga fiscal insuportável para famílias e empresas;
  • a restrição à atividade empresarial, sujeita ao preconceito ideológico e à carga fiscal aflitiva;
  • a incapacidade pôr o ensino superior, e as instituições de pesquisa, a trabalhar com os setores económicos privados;
  • o atolamento das autarquias no nepotismo e na corrupção e processos de licenciamento, que bloqueiam o desenvolvimento em vez de o promoverem;
  • o despovoamento do interior, encerramento de serviços públicos e a concentração de investimento público na cidade grande;
  • o sacrifício das gerações mais novas em detrimento das gerações mais velhas por causa de reformas douradas;
  • a necessidade de emigração para sobreviver e desenvolver um projeto de vida, por jovens e adultos qualificados, desempregados ou mal-empregados.

2.3. Ação

A análise serve para a ação. Não deve ser escamoteada porque determina uma ação inconsequente. Mas não deve aperrear a intervenção, por medo ou ócio.

Divido o capítulo da ação nos seguintes vetores: valores; forças; alvos; meios; e estratégia. Nos alvos, há que distinguir entre o povo, objeto de informação e persuasão, e os adversários.


2.3.1. Valores

Enuncio alguns valores inalienáveis:
  • fé;
  • vida;
  • dignidade;
  • liberdade;
  • democracia.

Fé a de cada um. A minha, a de católico apostólico romano pecador.. Em qualquer caso, uma fé. Até para quem ainda não teve a graça de a achar. E tentar servir. Mas recordo, a quem queira seguir a carreira política, os versos da carta de Francisco de Sá de Miranda ao rei D. João III[17]

«Homem de um só parecer,
D'um só rosto, uma só fé,
D'antes quebrar, que torcer,
Ele tudo pode ser,
Mas de corte homem não é.»

Vida, porque o seu valor é inegociável. Isso significa defender a vida e combater a «cultura da morte»[18]: aborto (gratuito ou pago), contracetivos abortivos, planeamento familiar de pendor abortivo, eutanásia, liberalização da droga, legalização da venda de droga, adoção e co-adoção de crianças por casais homossexuais (direito de cada criança a ter um pai e uma mãe!), doação de esperma e de óvulos, ‘casamento’ homossexual, educação sexual relativista de crianças. E ainda direito ao culto religioso e à presença religiosa no espaço público, nos média, nos estabelecimentos do Estado, nas escolas, nos lares, nos hospitais, nas forças armadas e militarizadas e nas prisões. E proteção e promoção da família, no âmbito fiscal, económico e laboral.

Dignidade porque toda a pessoa é sujeita de direitos negativos e de deveres positivos, sem qualquer discriminação, sejam pessoais, sociais, laborais ou económicos. Ninguém deve ser excluído da dignidade do trabalho. É a integração laboral que propicia a integração económica e a integração económica que favorece a integração social.

Liberdade porque todo e qualquer totalitarismo ideológico é humanamente inaceitável. Liberdade económica face à corrupção do licenciamento. E luta contra o politicamente correto na linguagem e no comportamento, obrigando a uma uniformidade de linguagem e de conduta, prejudica a liberdade de informação e de opinião. Fake é a censura em nome da democracia e até da liberdade, não são as notícias e opiniões mais ou menos enviesadas que cada um tem o direito de filtrar por si só.

Democracia a direta, com a liberdade de escolha de candidatos dentro dos partidos e de candidaturas independentes, com transparência do Estado e autarquias, prestação de contas, declaração de interesses de pertença a organizações secretas (como a Maçonaria), referendos.


2.3.2. Forças

Forças são as nossas e as mobilizáveis. Afirmar valores e políticas, usar os meios de comunicação adequados e engrossar as hostes. Desde logo, os cristãos e as pessoas de fé, não podem alienar-se da política. Coragem gera coragem. Alarga a liberdade dos outros. E mobiliza vontades. Particulares e organizações têm recursos, humanos e financeiros, que devem ser usados para a promoção dos valores e políticas, num combate cultural e direto.


2.3.3. Alvos

Nos alvos distinguimos entre o povo, cuja adesão desejamos, e os adversários, cujas políticas combatemos.


2.3.3.1. Os adversários

Os adversários devem ser identificados: os que defendem a cultura da morte, os corruptores do Estado, a impunidade face à corrupção, o controlo totalitário da sociedade pelo politicamente correto, os lóbis secretos e de armário, os que agem nos bastidores a sequestrar a democracia. Em concreto: Maçonaria e partidos socialistas (PC, Bloco de Esquerda, PS, PSD e CDS). Os partidos liberais também carecem de definição ideológica e não parecem mobilizáveis. Não basta propor usar novos meios, é preciso ter novas políticas, e assumi-las sem medo de rótulos nem represálias laborais ou de contratos.


2.3.3.2. Povo: as gerações

A falácia do eleitor único, com as mesmas preocupações e desejos, prejudica a eficácia da mensagem. É necessária prestar atenção às diferenças das gerações[19].

As fontes de informação são abundantes e não existe um consenso sobre quando começa e quando acaba cada geração. Todavia, pode arriscar-se uma divisão adequada à circunstância portuguesa e europeia:
  •        Geração dos Maduros ou Tradicionalistas (1930-1945);
  •        Geração do Pós-Guerra ou baby-boomers (1946-1963);
  •        Geração X (1964-1977);
  •        Geração Y ou dos Millennials (1978-1994);
  •        Geração Z (1995-?).
Creio que a melhor designação da geração nascida em 1995 e depois (e que tem agora 23 anos e meio ou menos) é a de Geração das Florzinhas de Estufa. Há um excesso de preocupação com o seu bem estar emocional pelos pais e educadores. Criam e mantém os jovens em estufas de auto-estima, como florzinhas delicadas em ambiente, umas "safe zones" que só permitem medrar em condições ótimas de pressão e temperatura. O resultado é uma geração impreparada para enfrentar a dureza e impiedade da vida.

Este nome de Florzinhas de Estufa, que proponho, parece assentar melhor do que Flocos de Neve (
Snowflakes), que se vai consolidando nos EUA, sobre outros nomes equívocos: Nativos Digitais, Geração da Net (Net Gen), Geração Tecnológica (Gen Tech), iGeração (iGeneration), Geração das Consolas (Gen Wii), Plurais, e até Geração Z.

Como exemplo, refiro vários factos identitários da geração que designei Florzinhas de Estufa:

1.       emocionalmente muito frágeis, sentimentais e facilmente deprimidos;
2.       individualistas;
3.       empreendedores;
4.       desfocados;
5.       multi-tarefas;
6.       ambiciosos;
7.       ousados;
8.       competitivos;
9.       procuram o grátis e custos baixos;
10.    começam mais cedo a trabalhar e conciliam estudos com o trabalho (arrastando a conclusão dos cursos...);
11.    menos consumidores de drogas e álcool do que a geração anterior, mas maior excesso dos consumidores;
12.    espontâneos e instantâneos;
13.    fiéis a marcas;
14.    estilosos;
15.    globalistas;
16.    viciados em jogos digitais;
17.    permanentemente em linha;
18.    inocentes;
19.    gostam mais de videos, fotos e memes, do que postes e textos;
20.    música, música, música;
21.    direto e imediato, em vez de editado ou passado;
22.    mais Instagram, Whatsapp e Snapchat, do que Facebook ou Blogger;
23.    horror a atividades «chatas»;
24.    hoje!, hoje!, hoje!;
25.    prazer, e não frugalidade nem temperança;
26.    menos trabalhadores;
27.    procastinadores;
28.    zelosos com o seu tempo, que querem dedicados a atividades que lhes tragam prazer;
29.    maior interação virtual, consumo de serviços e experiências; do que comunicação face-a-face e acumulação de produtos (coisas).
30.    mais utilizadores do que possuidores, mais renda e aluguer do que compra;
31.    informais;
32.    privados na informação pessoal;
33.    ausentes dos meios coxos não interativos (televisão, rádio, 
34.    rústicos nas roupas e adereços, nas mobílias e espaços (hostels em vez de hotéis, Primark em vez de Zara, Lx Factory em vez de centros comerciais luxuosos);
35.    adoram viajar e aventuras de novas atividades e lugares;
36.    desprezam a política;
37.    desligados das instituições tradicionais;
38.    sozinhos, auto-educados por permissividade ou ausência dos país;
39.    menos relativistas do que os antecessores, ainda perdidos, mas à procura de direção e valores.
40.    embriões do pós-relativismo.

Este catálogo de atributos, que arrisco, são paradoxais, mas expressam a contradição a que esta nova geração está sujeita. Vivemos tempos de fim de uma era relativista, totalitária, ainda sujeitos à ditadura do politicamente correto que está em estertor e por isso é mais violenta. A fragilidade dos nossos jovens é o resultado da educação «politicamente correta».

Há sinais preocupantes de falta de preparação desta geração. Mas a comodidade será infelizmente resolvida pela guerra que vivemos e que as elites desprezam. Até que a guerra híbrida das ruas, ainda morna, aqueça, será útil que o ambiente mediático relativista, os pais e os educadores e as autoridades (nomeadamente, nas regras de consumo de álcool e drogas!) não podem deixar de ser... pais e educadores e autoridades! Nem os jovens desprezarem a sua responsabilidade. Contudo, nesta geração Z (23 anos e meio ou menos), o saldo de qualidades sobre defeitos é positivo, principalmente para a construção de uma nova era pós-relativista.

As mensagens e os meios têm de atender à especificidade e preocupações de cada geração.


2.3.4. Meios

Os meios têm de ser adequados e suficientes para atingir os alvos. Julgo que é fundamental criar um jornal digital da direita moderada cristã, economicamente autónomo, sem promiscuidade com o poder nem concessões ao politicamente correto. Nem medo. Outro meio disponível é a compra e utilização de um canal de televisão (Angelus TV, por exemplo).


2.3.5. Estratégia

Não é viável, digo por experiência, a estratégia de mudança por dentro dos partidos tradicionais (PS, PSD, CDS), porque estão controlados pela corrupção e lóbis. Nem no entrismo que cabo sempre contido pelos servos operacionais dos partidos. A estratégia deve ser a criação de uma formação autónoma ou adesão maciça a uma formação existente. E fazer o combate direto, político, nessa formação, e combate cultural aí e no jornal digital a criar e nos outros meios das hostes, nomeadamente, meios tecnológicos (internet, redes sociais, youtube) e criativos (por exemplo, blended marketing).


3. Conclusão

Importa analisar, decidir e agir. Aproveitar a janela de tempo que Deus nos concedeu e servir os valores em que cremos e a Pátria que amamos. Com honra e sacrifício.

Recordo a advertência inicial: vós não sabeis o que pedis...




[1] Aristóteles (séc. IV bC). Política.
[2] Nietzsche, Cadernos (Verão de 1886-Outono de 1887). Ou, em alternativa, «são precisamente os factos que não existem, apenas interpretações». Kaufmanm, Walte (1954). The Portable Nietzsche,. The Viking Portable Library. p. 458.
[3] Bauman, Zygmunt (2000). Liquid Modernity. Polity Press.
[4] Bento XVI (8-5-2011). Discurso no Encontro com o Mundo da Cultura e da Economia, Basilica di Santa Maria della Salute, Venezia, , http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2011/may/documents/hf_ben-xvi_spe_20110508_mondo-economia_po.html.
[12] Cf. Online Etimology Dictionary, http://www.etymonline.com/index.php?search=dignity&searchmode=none, 8-11-2007.
[15] Burke, Edmund, Speech To The Electors Of Bristol At The Conclusion Of The Poll, 3-11-1774 (http://www.ourcivilisation.com/smartboard/shop/burkee/extracts/chap4.htm).
[16] Machado, Antonio (1912). Proverbios y cantares (Campos de Castilla). LIII. http://www.rinconcastellano.com/biblio/sigloxx_98/amachado_prov.html.
[17] Sá de Miranda, Francisco de (1595). Obras do Doctor Francisco de Sá de Miranda. Vol II, p. 205. https://books.google.pt/books?id=SNwFAAAAQAAJ&pg=PA205&dq.
[19] Caldeira, António Balbino (13-4-2017). A geração das florzinhas de estufa. Do Portugal Profundo. http://doportugalprofundo.blogspot.com/2017/04/a-geracao-das-florzinhas-de-estufa.html.

4 comentários:

  1. Uma geração de atrofiados, ignorantes e facilmente manipuláveis. Sem qualidades de trabalho, sem respeito por si próprios e pelo seu semelhante, ficarão à mercê dos manipuladores, escravizados até mais não.
    Intolerantes vão cortar-se aos bocados uns aos outros.

    Oxalá não.

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